Sentença de Julgado de Paz
Processo: 55/2016-JPCBR
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Data da sentença: 11/23/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, Advogado em causa própria.
Demandada: B.

II - OBJETO DO LITÍGIO
O Demandante veio propor contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 5.512 (cinco mil e quinhentos e doze Euros), a título de despesas e honorários, IVA incluído, à taxa legal em vigor, aquando do pagamento (atualmente 6%=€312), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de receção da conta final de despesas e honorários até efectivo e integral pagamento, calculados de acordo com a taxa legal de juro em vigor prevista para cada período sendo que, na presente data (10/02/2016), já venceram juros no valor de € 134,70 (cento e trinta e quatro Euros e setenta cêntimos), e, ainda, pagamento das custas a favor do Demandante.
Na impossibilidade de citar a Demandada e dada a inexistência de representante do Ministério Público, foi nomeada, de acordo com o disposto no Art. 21º do Código de Processo Civil (CPC), a Ilustre Advogada Dra. LRF para exercer a função de Defensora Oficiosa, tendo contestado os factos alegados no RI e arguido a prescrição do direito, além de ter estado presente na audiência de julgamento, conforme consta na respetiva ata.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer, para além das que infra serão apreciadas.

Valor da ação: € 5.646,70

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
FACTOS PROVADOS:
A. O demandante é advogado;
B. A demandada solicitou os serviços de advocacia ao Demandante;
C. O Demandante exerceu mandato forense no âmbito do Processo 643/13.2 TBCBR, que correu termos na Secção Cível (J3) da Instância Central de Coimbra, e no Proc. 1267/11.4 TTCBR, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Coimbra;
D. Em 28.04.2015, foi alcançada transação judicial, em audiência final, e homologada, no mesmo dia, pelo juiz titular do Processo 643/13.2 TBCBR;
E. Foi emitida uma Nota de Despesas e Honorários para os serviços prestados no valor de € 5.512,00, com IVA incluído à taxa de 6%;
F. A Demandada foi interpelada pelo Demandante, por mail e por carta registada em 06.01.2016, para pagar não o tendo feito até à presente data.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.

Os factos provados resultaram da conjugação do documento junto a fls. 73 a 80.
Mais importou a confissão tácita da dívida da Demandada porquanto praticou, em juízo, atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, de acordo com o Art. 314º do CC. -
Na verdade, ao ter invocado que o direito de crédito do Demandante já prescreveu pelo decurso de dois anos sobre a data de realização do contrato, à luz da al. c) Art. 317º do CC, sem ter alegado que pagou, revelou um comportamento juridicamente incoerente e que terá como consequência a confissão tácita da dívida.


IV - O DIREITO
Questão Prévia: da prescrição do direito de crédito
Veio a Demandada invocar, em sede de contestação, que o direito de crédito do Demandante já prescreveu.
Em sede de contraditório, o Demandante respondeu a fls. 57 a 59, pedindo a sua condenação como litigante de má fé.
Cumpre apreciar e decidir:
Importa aferir se a invocada excepção perentória, que exorbita o conhecimento oficioso do Tribunal, é procedente ou não.
A prescrição prevista na al. b) do Art. 317º do CC dispõe que prescrevem no prazo de dois anos “Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor” (sublinhado nosso).
Tal prescrição funda-se na presunção de cumprimento, referindo-se a dívidas, geralmente, pagas em prazo curto e de que, normalmente, se não exige ou guarda recibo – tal como estabelece o Art.º 312º do CC.
Decorrido o prazo legal, neste caso, dois anos, presume-se que o pagamento foi efetuado e daí que o devedor fique dispensado da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isso poderia tornar-se-lhe difícil, desenhando-se, assim, uma situação de grave risco para o mesmo, que poderia ver-se obrigado a pagar duas vezes. Referem, neste contexto, Antunes Varela e Pires de Lima, in anotação ao Art.º 314º, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição, p. 283 que “é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado, por exemplo, a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ter invocado a gratuitidade dos serviços, etc.” Por outro lado, ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, ou seja, a prescrição extintiva, a lei admite em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida. Na verdade, tal presunção pode ser ilidida por confissão expressa ou tácita do não pagamento – cfr. Art.ºs 312º e 314º do já referido diploma legal - não ficando senão lugar para a prescrição ordinária, decorrido o prazo desta, podendo o devedor valer-se da exceção da prescrição, sem que releve o reconhecimento produzido de acordo com os preceitos anteriores (Neste sentido, Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, p. 1052.).

Ao demais, se a prescrição é extintiva, o devedor não necessita de alegar que nunca deveu ou que já pagou, bastando-lhe invocar o decurso do prazo. Pode até confessar que não pagou e, simultaneamente, opor a prescrição. Mas, isto é assim, porque a prescrição ordinária tem fundamento na negligência do titular do direito em exercer este durante o tempo indicado na lei.

Se a prescrição é apenas presuntiva, tal como sucede nos autos, o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou (Ac. Relação de Coimbra, de 17.11.1998, in CJ, Ano XXIII, 1998, Tomo V, p. 16 e segs.), ou que, por outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo (sublinhado nosso). Porém, a invocação de prescrição presuntiva supõe o reconhecimento de que a dívida existiu na medida em que, para poder beneficiar de prescrição presuntiva, a Demandada não deve negar os factos constitutivos do direito de crédito contra ela arguidos. Caso contrário, tal como preceitua a parte final do Art.º 314º, do C. C., a Demandada entraria em contradição com a sua pretensão de beneficiar da presunção de pagamento – cfr. Ac. STJ de 22.04.2004, in www.dgsi.pt.).
O que é sinónimo de dizer que, para poder invocar coerentemente a prescrição presuntiva, a Demandada devia ter alegado que efetivamente deve a quantia que lhe é peticionada, mas que já pagou.
Ora, no caso vertente, a Demandada limita-se a invocar a prescrição, sem qualquer alusão a que já pagara a quantia devida.

Logo, não será de aplicar a prescrição presuntiva atrás mencionada, porquanto da defesa da Demandada resultou uma confissão tácita na medida em que ao arguir, a prescrição do direito do Demandante, sem alegar que já pagou, praticou, em juízo, atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, de acordo com o Art. 314º do CC.
Pelo exposto, considera-se confessada a dívida pela Demandada, devendo a mesma efetuar o pagamento da quantia em dívida, dando-se, assim, cobertura legal ao peticionado pelo Demandante.
Nos termos do previsto no Art. 804º e Art. 559º do Código Civil, o devedor obriga-se ao pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. Prescreve o n.º 1 do Art. 805º do citado Código, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, o que ocorreu nos presentes autos na medida em que o Demandante interpelou a Demandada, a 06.01.2016, para pagar.
Donde, serão contados juros de mora, à taxa legal de 4%, (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), desde a data daquela interpelação, em relação a € 5.512,00, até integral pagamento.
Quanto ao pedido de condenação da Demandada em litigância de má fé, não vislumbramos nos autos uma situação de tal modo arrepiante que ponha em causa ou ofenda a imagem da Justiça.
Por isso, não é pelo facto de determinada matéria fáctica não ter sido provada que tal corresponderá a litigância de má fé. Se a parte agiu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta processual é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco à sua atuação.
Ora, no caso da Demandada, apesar de ter arguido a prescrição sem alegar que já pagou, não nos parece que estejamos perante um caso de uso reprovável dos meios processuais, indeferindo-se, nesta parte, o pedido do Demandante.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo totalmente procedente a presente ação e, por consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 5.512,00 (cinco mil quinhentos e doze Euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, (Portaria n.º 291/2003, de 08.04), desde 06.01.2016, até integral pagamento.

Custas pela parte vencida, a ora Demandada, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro, sem prejuízo de ser beneficiário do direito de isenção de custas à luz do Art. 4º, al. l) do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) conjugado com o Art. 10º, n.º 1 do CC.
Quanto ao Demandante, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Registe e notifique.
Mais notifique o Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, do teor da sentença, de acordo com o n.º 3 do Art. 60º da LJP.
Coimbra, 23 de Novembro de 2017

A Juíza de Paz,

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Daniela Santos Costa

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pela Signatária. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Coimbra