Sentença de Julgado de Paz
Processo: 482/2017 – JPPRT
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: AÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 10/17/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 482/2017 – JPPRT

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: A. Lda., NIPC …, com sede no Largo… Porto

Demandado: B. NIF …., residente na Rua ….. Maia


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OBJECTO DO LITÍGIO

A Demandante intentou contra o Demandado a presente acção enquadrável na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando i. que o Demandado fosse julgado como devedor da Demandante por falta de cumprimento de prestação contratual, ii. devendo o Demandado ser condenado a entregar-lhe o “quiosque” em perfeito estado de conservação ou, se tal não for possível, deverá o Demandado pagar-lhe a quantia de € 5.781,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento da quantia em dívida, contados desde a citação, bem como iii. a efectuar o pagamento das custas judiciais e procuradoria condigna, que estima no mínimo de € 1.000,00.
Alegou, em suma, que recorreu aos serviços de serralharia que o Demandado presta no âmbito da sua actividade profissional, tendo acordado com ele a produção e instalação de um quiosque na morada de um cliente seu, sita na Rua ……. Porto; para tal, o Demandado apresentou-lhe uma proposta, por via da qual se comprometeu a produzir um objecto em ferro, denominado “quiosque”, lacado a branco, 6 m2, de cinco lados; tal proposta foi aceite pela Demandante, tendo a empreitada sido adjudicada ao Demandado, que se comprometeu a executar e entregar nas instalações da cliente da Demandante o referido “quiosque”; concluído o trabalho, o Demandado apresentou a respectiva factura, emitida em 05.05.2012 e vencida em 24.06.2012, para pagamento do serviço prestado à Demandante; como contrapartida pelo trabalho prestado, o Demandado cobrou a quantia de € 4.700,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, perfazendo o total de € 5.781,00; no prazo estabelecido para o efeito, a Demandante efectuou o pagamento da factura; nesta data e por solicitação da cliente da Demandante, foi acordado e aceite entre ambas as partes que o “quiosque” aguardaria nas instalações do Demandado, até que a cliente solicitasse a instalação do mesmo na sua propriedade; no mês de Maio de 2017, a cliente solicitou a entrega e instalação do “quiosque” na morada acordada; a Demandante interpelou o Demandado para que procedesse à sua entrega e instalação, ao que o Demandado lhe comunicou que havia deitado ao lixo o “quiosque”; a Demandante foi apanhada de surpresa, uma vez que o Demandado se tinha obrigado a manter o objecto nas suas instalações; ao contrário do acordado, perante a interpelação da Demandante para a entrega do “quiosque”, o Demandado afirma que pretende o pagamento relativo à armazenagem do “quiosque” desde a data da sua conclusão até ao presente, e que o mesmo se encontra na sucata, pelo que já não é possível a sua entrega no estado em que ficou concluído; com esta atitude, o Demandado viola o disposto no artigo 777.º do Código Civil (CC), sendo seu dever conservar o “quiosque”, porque ambos concordaram que não havia prazo para o levantamento do mesmo pela sociedade, tendo o Demandado se constituído em falta de cumprimento contratual e mora – cfr. fls. 2 a 6.

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O Demandado apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 16 a 29, tendo, i. invocado a excepção de incompetência territorial do Julgado de Paz, e, subsidiariamente, ii. impugnado parte da factualidade alegada pela Demandante, iii. alegado mora do credor determinativa da extinção da obrigação a seu cargo, ou, quanto muito, sempre determinativa do não vencimento de juros, iv. invocado a inadmissibilidade da quantia de € 1.000,00 peticionada a título de custas judiciais e procuradoria condigna, e v. deduzido pedido reconvencional por via do qual peticionou a quantia de € 8.225,00 a título de indemnização prevista no artigo 816.º do CC, pugnando, a final, pela declaração de incompetência territorial do Julgado de Paz para julgar a acção, pela improcedência do pedido de condenação formulado pela Demandante e pela sua indemnização, a título reconvencional, da indicada quantia de € 8.225,00.
Por requerimento de fls. 49 a 54, a Demandante respondeu à excepção de incompetência territorial invocada pelo Demandado, bem como ao pedido reconvencional deduzido, tendo pugnado pela consideração da competência territorial do Julgado de Paz e pela improcedência do pedido reconvencional.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta das respectivas actas.

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QUESTÃO PRÉVIA:
DA ALEGADA INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
Conforme exposto, o Demandado invocou a excepção de incompetência territorial, tendo alegado que, conforme se constata da factura junta aos autos como documento n.º 1 com o requerimento inicial, o que ficou determinado foi que o fabrico do quiosque seria efectuado nas instalações do Demandado, portanto, Maia, e que a entrega do mesmo ocorreria nas instalações da Demandante, as quais, à data da constituição e cumprimento da obrigação, se situavam em Matosinhos, tendo concluído, assim, e em face do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que o Julgado de Paz seria territorialmente incompetente para julgar a acção.
Ora, desde já se menciona que não assiste razão ao Demandado. Com efeito, e não obstante ser aplicável, no caso, o disposto no artigo 12.º, n.º 1, da indicada Lei n.º 78/2001, a conclusão que o Demandado retira no sentido da incompetência não pode vingar, na medida em que, e conforme é entendimento da nossa Jurisprudência, a competência do tribunal, enquanto pressuposto processual, afere-se no momento da propositura da acção e tendo em consideração a causa de pedir e o pedido formulados pelo demandante (aliás, como é apanágio de todos os pressupostos processuais). Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.11.2009, proferido no processo n.º 250/07.9TBPNH-B.C1, e disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumaria o seguinte: “(…)
II - Para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria não releva o conteúdo do instrumento de defesa apresentado pelo réu, mas tão só os termos da causa de pedir e do pedido formulados pelo autor.
III – O que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma de processo), ou seja, é o articulado inicial do demandante que determina a resolução desses pressupostos. (…)”
Também o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Maio de 2013, proferido no processo n.º 24/13-70 e disponível em www.dgsi.pt, considera que “A competência do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.2.1990, in BMJ, 394-453, e de 9.5.95, in CJSTJ, 1995, II, 68, entre vários.”
Assim, para aferir da competência de um tribunal há que considerar a identidade das partes e os termos em que a acção é proposta, devendo atender-se à natureza da pretensão formulada ou do direito para o qual o demandante pretende a tutela jurisdicional e ainda aos factos jurídicos invocados dos quais emerge aquele direito, ou seja, ao pedido e à causa de pedir – neste preciso sentido, por todos, os Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 20.09.2012 e de 16.02.2012, ambos retirados do site www.dgsi.pt.
Ora, tendo em conta, desde logo, a causa de pedir invocada pela Demandante, a mesma afirma que acordou com o Demandado a produção e instalação de um “quiosque” na morada de um cliente seu, sita…. no Porto, tendo, assim, e segundo alega, o Demandado se comprometido a executar e entregar nas instalações da cliente – portanto, sitas no Porto – o referido “quiosque”.
Em face do exposto, o lugar em que a obrigação devia ser cumprida é, de acordo com a causa de pedir alegada pela Demandante, o Porto, pelo que, e à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001, tem este Julgado de Paz competência territorial para apreciar e decidir a presente acção, pelo que se julga improcedente a invocada excepção de incompetência territorial.

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QUESTÃO PRÉVIA:
DA ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO RECONVENCIONAL
Conforme igualmente se deixou exposto, o Demandado deduziu pedido reconvencional, por via do qual peticionou a quantia de € 8.225,00 a título de indemnização prevista no artigo 816.º do CC. Pede, assim, o Demandado indemnização, que considera ser devida pela Demandante, com vista a ressarci-lo das maiores despesas que tenha sido obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto, no caso, e atenta a alegação do Demandado, a quantia corresponde ao valor de € 5,00 por cada dia em que o “quiosque” se manteve indevidamente nas instalações do Demandado.
Nos termos do disposto no artigo 48.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, a reconvenção, nos processos que correm termos nos Julgados de Paz, não é, em regra, admissível, exceptuando-se as situações em que o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida, e caso a cumulação do valor do pedido do demandante e do valor do pedido do reconvinte seja superior ao limite da alçada do Julgado de Paz, a reconvenção é ainda admissível, desde que o valor desta não ultrapasse aquela alçada. No que se reporta ao disposto neste n.º 2, tem sido considerado, pela nossa Doutrina Cfr. J. O. CARDONA FERREIRA, inJulgados de Paz, Organização, competência e funcionamento (Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, na redação da Lei n.º 54/2013, de 31.07), 3.ª Edição Revista, Reformulada e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 204. , que o legislador não se expressou correctamente ao referir-se à palavra “alçada”: com efeito, pretendeu o legislador referir-se ao valor até ao qual os Julgados de Paz têm competência para apreciar e julgar acções, portanto, € 15.000,00 (cfr. artigo 8.º da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), e não ao valor da alçada (previsto no artigo 62.º, n.º 1, da referida Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
Subsumindo o disposto neste normativo, temos que o pedido reconvencional visa, no caso, tornar efectivo o direito a despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida ao Demandado, pelo que, se enquadra no disposto no indicado n.º 1; acresce que, a soma do valor do pedido da Demandante e do valor do pedido reconvencional é de € 15.006, sendo certo que o valor deste último pedido (reconvencional) não excede € 15.000,00, pelo que, a reconvenção enquadra-se, igualmente, no disposto no n.º 2 do indicado artigo.
Assim, e de acordo com o referido artigo 48.º, nºs 1 e 2, julga-se admissível a reconvenção deduzida.

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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, nº 1, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 15.006,00 (cfr. artigos 8.º e 48.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, e artigos 297.º, nº 1, 299.º, nºs 1 e 2, 530.º, n.º 3 e 306.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, doravante CPC, aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho Na falta de indicação em contrário, os artigos do CPC que sejam mencionados na presente sentença são aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. A Demandante recorreu aos serviços de serralharia que o Demandado presta no âmbito da sua actividade profissional.
B. No âmbito destes serviços, foi acordado entre Demandante e Demandado a produção e instalação de um “quiosque” na morada de uma cliente da Demandante, sita em ….., Porto.
C. Para tal, o Demandado apresentou à Demandante uma proposta identificada com o n.º P-00-00, por via da qual se comprometeu a produzir um objecto em ferro, denominado “quiosque”, lacado a branco, 6m2, de cinco lados.
D. Esta proposta foi aceite pela Demandante, tendo a empreitada sido adjudicada ao Demandado, que se comprometeu a executar e entregar nas instalações da cliente da Demandante o referido “quiosque”.
E. Concluído o serviço, o Demandado apresentou a respectiva factura, emitida em 25.05.2012 e vencida em 24.06.2012, para pagamento do serviço prestado à Demandante.
F. Como contrapartida pelo serviço prestado, o Demandado cobrou a quantia de € 4.700,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, perfazendo o total de € 5.781,00.
G. No prazo estabelecido para o efeito, a Demandante efectuou o pagamento da factura.
H. A instalação do “quiosque” na morada da cliente da Demandante não foi efectuada, logo após o fabrico do “quiosque” e consequente pagamento, por indicação da Demandante, que disse ao Demandado para aguardar.
I. Através de contacto telefónico encetado pelo Demandado e dirigido à gerente da Demandada, em data não concretamente apurada do ano de 2014, e que tinha como finalidade principal indagar a referida gerente sobre uma outra obra que havia sido adjudicada ao Demandado pela Demandante, e que se consubstanciava no fabrico de uma janela, o Demandado alertou a gerente da Demandante para a instalação do “quiosque”, que se encontrava pendente e que era necessário resolver.
J. No contacto telefónico referido no precedente facto provado, a gerente da Demandante informou o Demandado de que a instalação do “quiosque” ficava sem efeito.
K. O contacto referido no facto provado I foi o único contacto estabelecido entre o Demandado e a gerente da Demandante, no qual se versou o “quiosque”, desde o pagamento da factura aludida no facto provado G até Maio de 2017.
L. No mês de Maio de 2017, a cliente da Demandante solicitou a entrega e instalação do “quiosque” na morada acordada.
M. A Demandante interpelou o Demandado para que procedesse à entrega e instalação do “quiosque”.
N. Nesse seguimento, o Demandado comunicou-lhe que o “quiosque” não estava em boas condições de conservação, pois desde a conversa tida em 2014 e referida no precedente facto provado J, que o Demandado colocou o “quiosque” fora da sua oficina, embora dentro das suas instalações.

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FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. Na data do pagamento aludida no facto provado G e por solicitação da cliente da Demandante, foi acordado e aceite entre ambas as partes que o “quiosque” aguardaria nas instalações do Demandado, até que a cliente solicitasse a instalação do mesmo na sua propriedade.
2. No seguimento da interpelação mencionada no facto provado M, o Demandado informou a Demandante que havia deitado ao lixo o “quiosque”.
3. A Demandante foi totalmente apanhada de surpresa, uma vez que o Demandado se tinha obrigado a manter o objecto nas suas instalações.
4. Como o Demandado não avisou a Demandante de que queria desfazer-se do “quiosque”, e por conseguinte, esta não avisou a cliente de que teria que proceder ao seu levantamento, a Demandante estava descansada e tranquila, permanecendo na expectativa de que, quando a cliente pretendesse a entrega e montagem do quiosque, o Demandado estaria em condições de o fazer.
5. O Demandado afirmou que o quiosque se encontrava na sucata.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, os factos A, C, D, G, L e M resultaram provados em face da admissão pelo Demandado (cfr. artigo 574.º, n.º 2, do CPC).
O facto B resultou provado em face da admissão pelo Demandado, conjugado, no que ao exacto local da instalação do “quiosque” se reporta, com a prova testemunhal produzida, especificamente, com o depoimento de C., antiga funcionária da Demandante, que esteve ao seu serviço desde Setembro de 2008 até Setembro de 2016, que afirmou, categoricamente e de forma credível, que o “quiosque” seria instalado em ….., pois iria “servir de apoio a uma esplanada”, e, ainda, com as declarações de parte da gerente da Demandante, que igualmente afirmou que o “quiosque” seria instalado em ….. (cfr. ainda, quanto à prova do exacto local da instalação da obra, o artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC).
Os factos E e F resultaram provados em face da admissão do Demandado, conjugada com o teor do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, não impugnado pelo Demandado, que menciona, como data da emissão da factura, 25.05.2012 (cfr. indicado artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC).
O facto provado H resultou da prova por declarações de parte do Demandado, conjugada com a prova testemunhal produzida, especificamente, com o depoimento da aludida testemunha C.. Com efeito, o Demandado declarou que não procedeu à instalação do “quiosque” na morada da cliente da Demandante porque esta (a Demandante) o informou para não o fazer, que teria que aguardar, ficando, assim, o “quiosque” na sua oficina, pronto a ser instalado. Também a referida testemunha C. mencionou que a cliente da Demandante que havia requisitado o fabrico e instalação do “quiosque” se deparava com problemas no licenciamento da esplanada, o que determinou que o “quiosque” não pudesse ser, logo após o pagamento, instalado na propriedade daquela.
O facto I resultou provado em face da prova por declarações de parte do Demandado, bem como da prova por declarações de parte da gerente da Demandante. Na verdade, ambas as partes corroboraram a existência desta chamada telefónica, quem a estabeleceu, qual o seu propósito e, bem assim, o teor que se deixou exposto neste mesmo facto provado, o qual foi tomado em consideração ao abrigo do indicado artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC.
Já o facto provado J resultou da prova por declarações de parte do Demandado, conjugada com a prova por presunção judicial (cfr. artigos 349.º e 351.º). Efectivamente, e não obstante a inegável parcialidade de que se reveste todo e qualquer depoimento de parte, considerou o Tribunal que o Demandado prestou, ainda assim, um depoimento credível quando afirmou, em Tribunal, que aquando do indicado telefonema, a gerente da Demandante lhe disse que a situação referente ao “quiosque” “ficava sem efeito”, o que, na verdade, e tendo em consideração o lapso temporal de dois anos decorrido desde o fabrico e pagamento do “quiosque” (2012) até ao telefonema (2014) e sem qualquer contacto intermédio da parte da Demandante ao Demandado nesse período, é perfeitamente plausível, segundo as regras da experiência comum e da lógica, que tenha ocorrido. Note-se que, não é expectável, segundo um raciocínio normal, do dito “homem médio”, que i. estando uma obra pronta a ser instalada por parte de quem se obrigou a tal, ii. não tendo, porém, tal instalação sido logo efectuada por indicação expressa do beneficiário da instalação (e, por conseguinte, tendo a obra ficado junto de quem a fabricou), que, passados dois anos sem que seja feita qualquer comunicação ao fabricante, tal obra ainda mantenha a sua finalidade. Na verdade, a lógica comum dita que, numa situação de ausência de qualquer notícia, por parte do interessado na instalação da obra, durante dois anos, tal só poderá significar – sem prejuízo de razões de força maior, que, para o caso, não importa analisar porque não houve alegação nesse sentido – perda de interesse na instalação da obra.
O facto K resultou provado em face da prova por declarações de parte do Demandado, conjugada com a prova por declarações de parte da gerente da Demandante: ambos corroboraram que este havia sido o único contacto estabelecido entre ambos no qual foi versada a temática do “quiosque”. Relativamente ao término do período (mês de Maio), importa chamar à atenção o teor do documento n.º 1 junto com a contestação (cfr. também quanto a este facto, o artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC).
Finalmente, o facto provado N resultou da prova por declarações de parte do Demandado, conjugada com a prova testemunhal produzida, especificamente, do depoimento de D. tio do Demandado, que vive perto do local onde se encontra instalada a oficina do Demandado e que, tendo prestado um depoimento credível, afirmou que o “quiosque” foi colocado fora da oficina, embora ainda dentro das instalações do Demandado, e que ainda hoje aí se encontra, estando, todavia, bastante deteriorado.
Os factos não provados ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração, sendo assim certo que se provou factualidade contrária à aí exposta.
Com efeito, relativamente ao facto 1, o que resultou provado foi o constante do facto provado H, isto é, que a instalação do “quiosque” na morada da cliente da Demandante não foi efectuada, logo após o pagamento do “quiosque”, por indicação da Demandante, que disse ao Demandado para aguardar; não se provou, todavia, que tivesse ficado acordado e aceite entre ambas as partes que o “quiosque” aguardaria nas instalações do Demandado até que a cliente da Demandante solicitasse a instalação do mesmo. Na verdade, de toda a prova produzida nos autos (portanto, documental, testemunhal e por declarações de parte) não ficou demonstrado que tenha havido acordo das partes no sentido de o “quiosque” ficar a aguardar, junto do Demandado, até que a cliente da Demandante o pretendesse. O que resultou da prova produzida foi que, efectivamente, o “quiosque” não foi logo instalado na propriedade da cliente da Demandante porque esta (a cliente) estaria com problemas no licenciamento da esplanada na qual seria instalado o “quiosque”; porém, da prova produzida não resultou que o Demandado tivesse acordado com a Demandante ficar com o “quiosque” até que a cliente da Demandante solicitasse a instalação do mesmo na sua propriedade (o que, no limite, poderia determinar que o Demandado ficasse com o “quiosque” ad eternum…, sendo certo que tal anuência, tendo em conta o contexto contratual em apreço e as regras da experiência comum e da lógica, não nos parece verosímil).
Já quanto aos factos 2 e 5, resultou provado o seu oposto (cfr. facto provado N); e quanto aos factos 3 e 4, resultou, igualmente, provado o seu oposto (cfr. facto provado J).
Cumpre, apenas, fazer uma referência ao facto de não se ter tomado em consideração, para efeitos de fundamentação da matéria de facto, o depoimento da testemunha E.: com efeito, esta testemunha afirmou ter conhecido a gerente da Demandante em 2015, portanto, posteriormente i. à celebração do contrato em apreço nos autos, ii. ao fabrico do “quiosque” e seu pagamento, bem como iii. posteriormente ao telefonema havido em 2014, sendo que o único facto relevante que a testemunha demonstrou conhecer foi o contacto estabelecido já em 2017, através de telefone, mediante o qual a gerente da Demandante solicitou ao Demandado a instalação do “quiosque” – facto, este, que foi admitido pelo Demandado, conforme factualidade dada como provada supra – e este lhe terá dito que, conforme conversa anteriormente havida, a gerente da Demandante lhe havia dito que a instalação ficava sem efeito.

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DIREITO
Os presentes autos respeitam à responsabilidade civil contratual por alegado não cumprimento de obrigação por parte do Demandado (cfr. artigos 798.º e seguintes do CC), enquadrando-se a situação sub judicio, desde logo, no âmbito de um contrato de empreitada (cfr. artigos 1207.º e seguintes do CC). Com efeito, entre as partes foi celebrado um contrato de empreitada, isto é, um contrato pelo qual uma das partes (no caso, o Demandado) se obriga em relação à outra (a Demandante) a realizar certa obra (no caso, um “quiosque”), mediante um preço (cfr. artigo 1207.º do CC). No caso, deu-se como provado que o Demandado fabricou a obra acordada, portanto, o mencionado “quiosque”, a Demandante pagou o preço convencionado entre as partes para tal obra, só não tendo o Demandado procedido à instalação do referido “quiosque” na morada da cliente da Demandante, tal como igualmente havia sido convencionado, porque a Demandante o informou, num primeiro momento, de que a instalação não poderia ser logo (em 2012) efectuada, tendo, ainda, resultado da instrução da causa, que tal instalação não poderia ser imediatamente realizada em face da falta de licença para a referida instalação por parte da cliente da Demandante. Também foi dado como provado que, num segundo momento (já em 2014), a gerente da Demandante informou o Demandado, no âmbito de uma conversa sobre outra empreitada que havia adjudicado ao Demandado, que a instalação do “quiosque” ficaria sem efeito. Ora, subsumindo a factualidade dada como provada ao Direito, não poderemos deixar de concluir que a Demandante incorreu em mora no que diz respeito à instalação do “quiosque”, pois não praticou os actos necessários ao cumprimento, na totalidade, da obrigação por parte do Demandado (portanto, a instalação do “quiosque” pelo Demandado), sendo certo que o motivo que se deu como provado para tal mora é um motivo que não se pode considerar como “justificado”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 813.º do CC: na verdade, o motivo invocado pela Demandante é um motivo completamente estranho à relação obrigacional que estabeleceu com o Demandado, não podendo considerar-se, quanto a este, como “justificado”. Como ensina a nossa Doutrina Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, inCódigo Civil Anotado”, Vol. II, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1997, pág. 84., “Os motivos que justificam o não recebimento da prestação podem dizer respeito ao seu objecto ou à forma por que o devedor pretende cumprir a obrigação. Se o devedor, por ex., oferece uma parte da prestação, com violação do disposto no artigo 763.º; se oferece a prestação no seu domicílio, quando a devia oferecer no domicílio do credor; se a oferece antes do vencimento e o prazo foi estabelecido em benefício do credor; se, tratando-se de uma obrigação não fungível, o oferecimento é feito por terceiro; se o devedor é um incapaz e se apresenta pessoalmente a cumprir (cfr. art. 764.º), etc., não há mora do credor, embora haja recusa do recebimento.” (realce nosso). Assim, e seguindo este entendimento, que sufragamos, seria motivo “justificado” se, por exemplo, a Demandante não aceitasse a instalação do “quiosque” por considerar que este não havia sido executado tal como havia sido projectado ou que apresentava defeitos. E isto, note-se, independentemente de haver culpa da Demandante – que, no caso, efectivamente, não houve, pois a instalação não ocorreu por motivo do qual não foi responsável, uma vez que tal não instalação deveu-se à falta de licença para o efeito por parte da sua cliente. Como igualmente defende a nossa Doutrina Cfr. J. CALVÃO DA SILVA, inCumprimento e sanção pecuniária compulsória”, pág. 118, citado por ABÍLIO NETO, inCódigo Civil Anotado”, 17.ª Edição Revista e Actualizada, Abril, 2010, pág. 791., “Não se exige culpa do credor como requisito da «mora credendi»” Cfr., ainda, no mesmo sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in obra citada, pág. 84.. Mais defende a nossa Doutrina Cfr. A. VARELA, RLJ, 118.º-53, nota 1, citado por ABÍLIO NETO, in obra referida, pág. 791. que “A 2.ª parte do artigo (813.º do CC) refere-se à omissão, pelo credor, dos actos indispensáveis à realização da prestação, isto é, aos casos em que o devedor quer cumprir, mas para isso necessita da colaboração do credor, que este não dá (v.g., a prestação deve ser entregue no domicílio do devedor, e o credor não se desloca a esse domicílio para a receber; pode o credor, devendo a obrigação ser cumprida no seu domicílio, desaparecer de casa e não encontrar aí o devedor às horas que, segundo a boa fé, são usualmente cumpridas as obirgações; pode o credor não fazer a escolha que lhe incumbe efectuar, não indicar o local de descarga da mercadoria ou o terceiro que há-de recebê-la, não se prontificar a entregar a contraprestação se esta e a prestação houverem de ser simultaneamente efectuadas, não dar a quitação devida”. Ora, é precisamente o que se considera existir no caso: o Demandado quis cumprir, mas para isso necessitava da colaboração da Demandante, que esta não deu.
Temos, assim, por assente, em face da factualidade que se deu como provada, a existência de mora da Demandante, após o fabrico e pagamento do “quiosque”, isto é, após 24.06.2012 (data do vencimento da factura emitida, conforme facto provado E). Deu-se, ainda, igualmente como provado que, após dois anos e no âmbito de um telefonema encetado pelo Demandado em 2014 a propósito de uma outra empreitada, a gerente da Demandante informou-o que a instalação do “quiosque” ficava sem efeito. Ora, a partir deste telefonema, a Demandante demonstrou não ter mais interesse na instalação do “quiosque”, dando, assim, liberdade ao Demandado para fazer o que bem entendesse do “quiosque” e, por conseguinte e necessariamente, cessando a mora em que incorria. Portanto, se durante o período em que incorreu em mora a instalação do “quiosque” ainda poderia ser por si querida, não tendo, porém, a Demandante prestado a colaboração devida ao Demandado para o efeito, após o telefonema de 2014 no qual informou o Demandado de que a instalação ficava sem efeito, a Demandante demonstrou não ter mais qualquer interesse na instalação, desonerando, in totum, o Demandado de proceder a qualquer instalação.
Nos termos do disposto no artigo 814.º, n.º 1, do CC, a partir da mora (do credor), o devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo. E, nos termos do preceituado no artigo 816.º do mesmo diploma legal, o credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto.
Portanto, e aplicando o Direito aos factos provados, temos que desde 24.06.2012 até ao telefonema havido em 2014, portanto, durante todo o período em que a Demandante esteve em mora, o “quiosque” esteve dentro da oficina do Demandado (cfr. facto provado N), não tendo sido dada como provada qualquer danificação no “quiosque”, pelo que, não ocorre qualquer responsabilização do Demandado nos termos e para os efeitos do disposto no indicado artigo 814.º, n.º 1.
Já em relação ao disposto no artigo 816.º do CC, o Demandado deduziu pedido reconvencional, tendo peticionado a quantia de € 8.225,00 correspondente a € 5,00 por dia pela manutenção do “quiosque” nas suas instalações durante o período de 5 anos e 6 meses. Acontece que, nenhuma prova efectuou o Demandante (como lhe competia – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), de tais despesas, razão pela qual não poderá proceder o pedido reconvencional deduzido – sendo certo que, mesmo que o Demandado viesse a provar as despesas tidas com a guarda e conservação do “quiosque”, sempre apenas seriam devidas as despesas incorridas desde o pagamento do mesmo, portanto, Junho de 2012, até à data em que a Demandante informou o Demandado de que a instalação do “quiosque” ficaria sem efeito, portanto, até 2014, e nunca as despesas incorridas ao longo de 5 anos e 6 meses, tal como peticionado.
Em conclusão, improcede o pedido formulado pela Demandante no sentido de o Demandado ser julgado como seu devedor por falta de cumprimento da prestação contratual, improcedendo, consequentemente, os demais pedidos formulados e dele consequentes, portanto, o pedido de condenação do Demandado na entrega do “quiosque” em perfeito estado de conservação ou, subsidiariamente, no pagamento da quantia de € 5.781,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como o pedido de condenação do Demandado no pagamento das custas judiciais e procuradoria condigna – sendo certo que, nos Julgados de Paz, não há lugar a custas de parte, tal como as mesmas vêm previstas no artigo 533.º do CPC, em face da aplicação, aos Julgados de Paz, de portaria específica quanto a matéria de custas (Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro), pelo que nunca qualquer parte vencida poderá ser condenada no pagamento de procuradoria.

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DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo o Demandado dos pedidos contra ele formulados.
Mais julgo o pedido reconvencional totalmente improcedente, por não provado e, em consequência, absolvo a Demandante do pedido contra ela formulado.
Custas a cargo da Demandante e do Demandado, na proporção de 70% e de 30%, respectivamente – cfr. artigos 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique os faltosos.
Porto, 17 de Outubro de 2018
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)

Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz do Porto