Sentença de Julgado de Paz
Processo: 48/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - USUCAPIÃO.
Data da sentença: 07/29/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 8/2016-J.P.

RELATÓRIO:
Demandantes: A, NIF.xxxxx, B, NIF. xxxxx, C, NIF. xxxxx, D, NIF. xxxxxx, E, NIF. xxxxxxx e F, NIF.xxxx, todos residentes no caminho da x, 101, no Funchal.
Representados por mandatário G - constituído, com domicílio profissional na rua , n.º xx, 2º, no Funchal.

Requerimento Inicial: Alegam em suma que, os demandantes são donos e legítimos proprietários de um prédio misto, sito na freguesia de x, com a área de 2.558 m2, que está descrito no registo predial ainda como rústico sob o n.º xxxx e inscrito a favor dos demandantes pela AP. xxxx de 2013/11/15 e 1242 de 2013/12/12. O prédio foi adquirido pela demandante Zita como rústico, e pelo falecido marido, e sogro, por escritura de partilha, remissão e doação outorgada a 20/11/1987 no Cartório Not. Da Ribeira Brava. Nessa escritura, efetuaram a partilha de H e I, sendo adjudicado a J uma porção de benfeitorias rústica com a área de 2.480m2 inscrita na matriz sob art.º 22/25 da seção X da freguesia de x, em regime de colónia e feitas sobre terra dos também outorgantes K e outros. E, nessa mesma escritura os senhorios, K e outros, venderam ao K a terra onde estava implantado as benfeitorias. Por falecimento do seu marido o prédio foi transmitido para os demandantes. Mais tarde, adquiriram uma pequena parcela de terreno a L e M, para arredondamento de áreas passando a ter 2.558m2. No prédio adquirido pelo J existe um tanque construído pelos antepassados daquele, destinado a armazenar água. O Tanque constitui uma benfeitoria a qual como as demais foi-lhe transmitida através da escritura. Durante anos o falecido e a demandante A utilizaram-no para água de rega, proveniente da levada. E, durante alguns anos permitiram que alguns vizinhos e familiares utilizassem o tanque para, também, guardarem água de rega. Assim, nos últimos anos os demandados, guardaram água, a qual era proveniente do respetivo giro, com que depois regavam os seus terrenos de cultivo. Esse uso foi feito com base nas relações de vizinhança e com autorização do J, sem que correspondesse a qualquer direito dos demandados. Há cerca de 47 anos o falecido J e mulher construíram uma moradia destinada a habitação e feita, em parte, sobre o dito tanque, de forma que permaneceu por baixo da casa sem que tenha sido aterrado ou demolido, continuando a autorizar que outros o utilizassem para guardar água. Porém, os demandantes acabaram por constatar que o tanque era uma seria ameaça á saúde deles, pois a habitação onde reside a demandante A, tem permanentemente bolores e humidades, o que lhe tem causado graves problemas para a saúde, principalmente para as articulações e ossos, tendo constatado que as humidades provêem da água que habitualmente está armazenada no tanque, tomaram a decisão de acabar com a agua naquele espaço. Foi com esse propósito que, no início de 2015, comunicou a sua decisão ao demandado, N, que não aceitou de bom grado tal decisão. Daí advirem os factos já julgados no Proc. 287/20125, deste mesmo Julgado. Na realidade o que os demandantes pretendem é pôr termo á utilização do seu tanque, deixando os demandados de o utilizarem, não querem de modo algum impedi-los de regar com a água da levada. Concluem pedindo que se declare que: A) os demandantes são proprietários exclusivos do prédio misto, situado no sitio da x, freguesia de x, e devidamente identificado no art.º1 do R.I.; B) que o tanque de rega, existente nesse prédio e situado por baixo da casa é igualmente propriedade exclusiva deles, por conseguinte C) devem os demandados serem condenados a absterem-se de violar o direito de propriedade dos demandantes, designadamente não encaminhando, nem guardando água de rega no interior do tanque, e caso não acatem devem ser condenados na sanção pecuniária compulsória, pelo valor não inferior a 500€ por cada vez que encaminharem a água para o tanque, ficando os demandantes autorizados a despejar a água armazenada pelos demandados e aqueles a pagarem uma indemnização na quantia de não inferior a 200€, por cada vez que encaminhem água para o tanque, conforme o disposto no art.º 876 do C.C. Juntam 5 documentos.

MATÉRIA: Litigio entre proprietários, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea e) da L.J.P.

OBJETO: Reconhecimento do direito de propriedade, usucapião.

VALOR DA AÇÃO: 15.000€.

DEMANDADOS: N, NIF. xxxxx, e O, NIF.xxxxxx, residentes no caminho da x, n.º 69, no Funchal.
Representados por mandatária P constituída, com domicílio profissional na rua x, n.º x- 3º-G, no Funchal.
Contestação: Alegam em suma que, é falso que o J e mulher tenham autorizado a utilização do tanque referido no r.i. Na realidade desde que tomaram posse dos seus prédios rústicos, o que sucedeu há mais de 30 anos, que usam aquele tanque para guardar a água de rega, e fazem-no de boa-fé e na consciência de estarem a exercer um direito próprio. Tal utilização sempre se fez de forma pública e pacífica, com conhecimento de todos e sem oposição de quem quer que seja, inclusive dos demandantes. Há mais de 30 anos que guardam a água de rega naquele tanque, de forma continuada até aos dias de hoje, enchendo-o e despejando-o, sempre que lhes é distribuída a água de rega do giro, e sempre procederam á rega das suas culturas, o que sucede ao longo do ano, com periodicidade de duas a três vezes por mês. Antes destes já os sogros e pais destes usavam da mesma forma o referido tanque. O uso do tanque não advém de boa vizinhança mas sim do direito que lhes foi transmitido pelos pais e sogros dos demandados, e que existe há mais de 100 anos pelos proprietários dos prédios que o usavam e regavam. Antes do nascimento do J e dos demandados existia uma servidão de estancamento de águas naquele depósito, em relação a vários terrenos que se localizavam abaixo da quota, sendo o tanque construído com as caraterísticas que tem para permitir o regadio dos prédios rústicos que ainda hoje serve e outros que deixou de servir. Constituindo tais prédios, socalcos, o aceso á levada de transporte de água de rega faz-se por uma íngreme escadaria. Para evitar o desperdício de água os antepassados do J e O decidiram construir o dito tanque. Este foi cavado quase na totalidade debaixo de um socalco com cerca de 12m de altura, e parte sob a vereda que passa junto á levada onde passa a água de giro. O tanque fica abaixo do nível da vereda e á frente do mesmo estão 2 socalcos de terreno, e o acesso á bucha faz-se por um túnel, para encher o tanque os demandados tapam a levada, abrem a bucha deixam a água correr na levada no terreno dos demandados, que antigamente pertencia aos sogros e pais da demandada mulher, pelo caminho da x, através de um canal subterrâneo. A água do tanque serviu os prédios cultivados pelos pais do J e O. Os demandantes, também, utilizavam o tanque para guardar a água de rega, assim como fizeram os seus antepassados. Mas atualmente só os demandados o utilizam. Pelo menos, desde os pais de J e de O, que cultivavam os terrenos que hoje são dos demandados, ou seja, há mais de 100 anos até há presente data, nunca existiu qualquer canal de ligação de água da levada principal até estes. Há pelo menos 100 anos que a rega daqueles prédios se faz através dele, recolhendo água no seu interior. Mesmo depois da demandada A e falecido marido trem construído a casa, e posteriormente ampliado, que o tanque continuou a ser usado diariamente pelos familiares, e nuca durante estes anos se queixou de bolor oi humidades. A casa está situada cerca de 12m de altura do poço, tendo um enorme volume de terras até chegar ao tanque. E se tem tal deve-se a ficar situada numa encosta com vários socalcos na parte de trás e com um nível superior a esta. Quanto aos problemas de saúde da demandante não tem no tanque origem, senão ela não teria querido vender o direito de uso por 10.000€ ao demandado, conforme ficou provado no processo que correu termos neste julgado no processo referido pelos demandantes. Concluem pela improcedência da ação. Juntam 2 documentos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação pois as partes prescindiram.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no n.º1 do art.º26 da LJP, mas sem lograr obter consenso entre as partes. Seguindo-se para produção de prova com audição de testemunhas e inspeção ao local. Na 2ª continuou-se com a audição de testemunhas, foram juntos mais documentos e terminou com alegações dos mandatários das partes, conforme atas, de fls. 75 a 80 e 81 a 83.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- FACTO ASSENTE (Por Acordo):
A)Os demandantes são donos e legítimos proprietários de um prédio misto, no sito da x, freguesia de x, com a área de 2.558m2, que confronta a norte com L, a sul com Herdeiros de R, a leste com levada e L e a oeste com S. Encontrando-se a parte rústica inscrita na matriz sob art.º 22/25 da seção X, e a parte urbana sob o art.º xxx.
B) Que o prédio está descrito no registo predial do Funchal, ainda, como rústico sob o n.º xxxx e inscrito a favor dos demandantes pela AP. xxx de 2013/11/15 e xxxx de 2013/12/12.
C)O prédio foi adquirido como rústico pela demandante A, seu falecido maridos e sogro.
D) Por escritura de partilha, remissão e doação, outorgada no dia 20/11/1987 e exarada de fls.xx a xx verso, do Livro xxx, no cartório Notarial da Ribeira Brava.
E)Nessa escritura efetuou-se a partilha por óbito de D e I.
F) Na qual foi adjudicado ao falecido J, uma porção de benfeitorias rústicas com a área de 2.480m2, inscritas na matriz sob art.º 22/25 da seção x da freguesia de S. Martinho, em regime de colónia e feitas sobre as terra dos, também, outorgantes K e outros.
G) Nessa mesma escritura, os senhorios e, também, outorgantes K e outros, venderam ao referido J a terra onde se achava implantadas as benfeitorias.
H) Por força da partilha e aquisição do solo, o falecido marido, pai e sogro dos demandantes, J, tornou-se dono do prédio rústico ao qual corresponde a inscrição matricial art.º 22/25 da seção x da freguesia de S. Martinho.
I)A propriedade desse prédio transmitiu-se aos demandantes por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária.
J) Mais tarde, incorporaram uma pequena parcela de terra, adquirida a L e mulher M, passando o prédio a ter a área de 2.558m2.
L) No prédio adquirido por J, e hoje pertencente aos demandantes existe um tanque, destinado a armazenar água de rega.
M) Esse tanque foi construído pelos antepassados do falecido J, o qual é uma benfeitoria, a qual como as demais foi transmitida ao J, em Novembro de 1987, por escritura.

II- FACTOS PROVADOS:
1)Que durante anos, o falecido J e mulher, a demandante Zita, utilizaram o tanque para guardar água de rega.
2)Que a água provém da levada existente no local.
3)Que alguns familiares e vizinhos dos demandantes, também, utilizaram o tanque para guardar água de rega.
4)Que essa água é proveniente do respetivo giro da levada.
5)E, posteriormente era despejada para regar os terrenos de cultivo.
6)Que na escritura de remissão, partilha e doação não consta qualquer direito sobre o tanque.
7)Que a demandante A e falecido marido, J, construíram uma moradia, destinada a habitação, sobre o dito tanque.
8)Que o tanque permanece intacto debaixo da casa edificada.
9)Que os demandantes tomaram a iniciativa de acabar com a utilização do tanque existente por baixo da casa.
10)Foi a demandante A que comunicou essa decisão ao demandado N.
11)O qual não aceitou a decisão.
12)O que culminou com o processo que correu termos sob n.º 287/2015-J.P. no Julgado de Paz.
13)Os demandantes não querem que o demandado utilize o tanque para guardar a água de rega.
14)Que os demandados são proprietários de prédios rústicos.
15)Que os prédios localizam-se na mesma zona do prédio dos demandantes.
16)Que adquiriram um dos prédios há mais de trinta anos.
17)Por meio de doação dos pais da demandada.
18)Que a utilização do tanque, pelos demandados, tem sido feita de forma pública e pacífica.
19)Que os demandados têm guardado água no referido tanque.
20)Que antes deles já os pais da demandada, sogros e avós dos demandantes o faziam.
21)Que o tanque já existia em vida dos pais da demandada, sogros e avós dos demandantes.
22)Que os pais da demandada, sogros e avós dos demandantes, regavam os prédios rústicos, sitos abaixo do tanque com a água que nele retinham.
23)O que ainda hoje sucede.
24)O tanque permite a rega dos prédios rústicos.
25)Os prédios estão localizados em socalcos.
26)Cujo acesso aos mesmos se faz por uma íngreme escadaria.
27)Que nos prédios rústicos existe uma levada que transporta água de rega.
28)O tanque foi escavado debaixo de um socalco e parte sob a vereda, sita junto á levada, por onde passa a água do giro.
29)O tanque fica situado abaixo da vereda, frente há qual tem dois socalcos de terreno.
30)O acesso á bucha do tanque faz-se através de um túnel, sito abaixo desses socalcos.
31)Para encher o tanque é necessário tapar a levada.
32)Que os prédios dos demandados estão cultivados, com bananeiras.
33)Que para regar os prédios, os demandados, abrem a bucha do tanque e deixam a água correr pela levada, passando por um cano subterrâneo.
34)Que a levada atravessa o prédio dos demandantes e os prédios dos demandados.
35)Que a água guardada no tanque serviu para regar os prédios cultivados pelos pais de J e da demandada O.
36)Que a demandante E construiu casa no prédio sito abaixo do tanque.
37)Que esse prédio pertenceu aos seus avós, que eram pais e sogros dos demandados, e depois aos pais daquela.
38)Até á construção daquela casa os demandantes usavam o tanque para guardar água e regar esse prédio.
39)Tal como foi feito pelos antepassados deles.
40)Atualmente só os demandados usam o tanque.
41)Desde os pais de J e o os terrenos, que hoje pertencem aos demandados, são cultivados.
42)Estes não têm canal que faça a ligação direta á água da levada.
43)Que a rega destes terrenos faz-se recolhendo água no interior daquele tanque.
44)Mesmo após a construção da casa da demandante Maria Ivone e marido, os demandados continuaram a usar aquele tanque.
45)Que depois da demandante A e marido construírem a casa por cima do tanque, continuaram a utilizar o tanque, assim como outros familiares.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal firmou a decisão, na análise critica dos documentos juntos pelas partes, os quais foram conjugados com a inspeção ao local, a prova testemunhal, e regras da experiencia comum.
Para compreensão das especificidades do local o tribunal efectuou uma inspecção. No prédio dos demandantes observou-se ter uma parte rústica e uma parte urbana, imóvel de habitação. Mais se observou que, por baixo deste imóvel, na parte urbana existe o tanque. Este foi construído com o recurso a materiais rústicos, escavado na própria rocha (cerro) e delimitado com recurso a pedras rústicas. O tanque está situado junto á vereda, e ao lado da qual passa uma levada.
Por cima deste tanque está localizada a casa de habitação da demandante A, cujo acesso ao imóvel é efeito por escadas. Existindo, um espaço em cimento ou betão, visível a olho nu, se bem que não se medissem os metros que medeia entre o tanque e a casa de habitação.
Um pouco mais abaixo do tanque/poço está a bucha do mesmo, situada numa zona de difícil acesso, dentro dum túnel. Segue-se uma levada rudimentar, com carreiro a céu aberto e, em algumas zonas, delimitado com pedras, que acompanha os terrenos agrícolas, e provem da montanha, a qual se pode somente avistar.
Mais se apurou a morfologia do local, zona íngreme, composta por prédios em socalcos, onde existem terrenos agrícolas, mais propriamente bananais. Nessa zona há, também, algumas moradias, cujas áreas são devidamente delimitadas por muros, entre as quais se inclui a casa da demandante E e Marido. Mais se observou que deste imóvel provém um cano que faz a ligação á levada. Nos terrenos agrícolas não existe iluminação pública.
Os depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes, em geral, foram credíveis. A sua maioria são familiares de ambas as partes, sendo conhecedoras do local e costumes das partes, no que diz respeito á propriedade dos prédios, utilização do tanque e rega dos mesmos prédios.
A testemunha, T, é irmã da demandada e cunhada da demandante A. Tem conhecimento pessoal de como os prédios foram adquiridos pelas partes, pois participou na escritura de remissão de colónia partilha das benfeitorias e compra e venda da propriedade. O seu depoimento foi esclarecedor mas não isento, pois denotou-se algum ressentimento em relação ao cunhado, o demandado N. Esclarecendo que ela própria cultivou durante largos anos um dos prédios dos demandados, pois estiveram emigrados, depois de regressarem teve de o devolver. Esclarecendo que, também, utilizou a água que corria e corre pela levada, e foi a ele que entregou a bucha.
A testemunha, U, é morador na zona onde se passa o litígio conhecendo pessoalmente ambas as partes. O seu depoimento foi totalmente isento. Servindo para esclarecer que os prédios das partes pertenciam á mesma família, tendo privado com os pais da demandada O que é irmã do falecido J, marido da demandante Zita. Não sabe quem construi o tanque mas esclareceu que já tem 73 anos e sempre conheceu a existência do tanque assim como de outros, idênticos, na mesma zona. Mais esclareceu que, os falecidos pais dos demandados e sogros e avós dos demandantes regavam os prédios através da água da levada, que retinham a água no tanque, tal como o demandado ainda faz.
O depoimento da testemunha, V, embora isento, foi pouco esclarecedor pois não conhecia o local, nem as partes. Relevando apenas nos factos não provados.

O facto complementar de prova com o n.º 17 resulta do documento junto pelos demandantes, de fls. 12 a 19.
Não se provou mais factos por ausência de prova, nomeadamente as humidades da casa da demandante A e seus problemas de saúde que delas derivem.

III- DO DIREITO:
O caso dos autos prende-se com o reconhecimento da propriedade dos demandantes, na qual se inclui um tanque, que reivindicam como coisa exclusiva, e que cuja posse estará a ser perturbada.
O direito de propriedade tem por objeto uma coisa corpórea (art.º 1302 do C.C.), sendo um direito de natureza real, o qual possui a maior extensão de entre os vários direitos de natureza real, e em regra incide sobre a totalidade da coisa que constitui o seu objeto.
Quanto ao seu conteúdo dispõe o art.º 1305 do C.C. que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence e dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Quer isto dizer que a propriedade é um direito que atribui todo o aproveitamento possível de uma coisa corpórea ao seu titular. No entanto, enquanto direito que é sofre algumas delimitações que derivam internamente do seu conteúdo e externamente do seu exercício na ordem jurídica.
No que refere ao modo da sua constituição está previsto no art.º 1316 do C.C. duas formas, uma originária, no que se inclui a usucapião e a acessão e outra derivada, onde se inclui os contratos, sucessão por morte, e demais modos previstos na lei.
Em relação ao direito de propriedade dos demandantes foi considerado como factos assentes que a demandante Zita e seu falecido marido, J adquiriram por meio de escritura de partilha por óbito dos pais do falecido, a saber D e I, também conhecida por I, as benfeitorias rústicas, sobre dois prédios uma com a área de 220m2 e outra com a área de 2.480m2, a primeira inscrita na matriz sob o art.º 22/23 da seção X e a segunda sob art.º 22/25 da seção X, ambas sitas no sítio de X, na freguesia de S. Martinho.
Nessa mesma ocasião, e pela mesma escritura, os mesmos adquiriram, por compra, a porção de terra onde se encontravam implantadas as referidas benfeitorias.
E, desta forma passaram a ser os únicos donos e proprietários dos referidos imóveis, de natureza rústica.
Tal significa que, a aquisição da demandante A e do falecido marido J foi uma aquisição derivada, por sucessão no que respeita às benfeitorias rústicas, e igualmente derivada mas por compra, em relação á porção de terra onde se encontrava implantada as ditas benfeitorias.
Por falecimento do marido da demandante A, J, os filhos do casal então dissolvido, e igualmente demandantes nos presentes autos, tornaram-se comproprietários do mesmo imóvel, por sucessão hereditária.
Porém, o imóvel em questão, embora fosse adquirido como rústico, é hoje um prédio misto, no qual existe o imóvel urbano, onde a demandante A reside, facto que o Tribunal observou na inspecção ao local.
A propriedade destes prédios não é posta em causa pelos demandados nestes autos, conforme resulta dos factos assentes pelas partes.
Para além disso, naquele imóvel encontra-se um tanque, o qual, actualmente situa-se por baixo da parte urbana do prédio, sito junto á vereda, junto á qual passa uma levada.
Este tanque é, assim, parte integrante da propriedade dos demandantes (art.º204, n.º3 do C.C.), mas tal como eles admitem, constitui uma benfeitoria (art.º 216, n.º1 do C.C.), a qual foi construída pelos antepassados do falecido J.
Perante este conjunto de factos não há duvidas que os demandantes são os proprietários exclusivos de um prédio misto, sito no lugar da x, freguesia de S. Martinho, concelho do Funchal, com a área total de 2.558m2, o qual confronta do norte com L, do sul com herdeiros do R, do leste com a levada e L e de oeste com S. Estando a parte rústica do prédio inscrita na respetiva matriz sob os art.º xxx da seção X e parte do art.º xxx da mesma seção X, e a parte urbana sob o art.º xxxx da freguesia de S. Martinho. Este prédio, ainda, hoje está descrito no registo predial do Funchal sob a descrição n.ºxxxxxxx da referida freguesia de S. Martinho como rústico, e inscrito em comum e sem determinação de parte ou de direito, a favor dos demandantes pelas Ap. xxx de xxxxxx e xxxx de xxxxxxxx.
E, resulta igualmente que são comproprietários da referida benfeitoria, o tanque, que se encontra implantado no mesmo imóvel, escavado no cerro, sob o mesmo, na medida que a propriedade abrange a totalidade do imóvel, incluindo o respetivo espaço aéreo e subsolo (art.º 1344 do C.C.).
Mas, o direito de propriedade comporta limites, e não exclui a coexistência de outro direito que possa existir sobre o mesmo prédio, ou parte especifica dele, o que deriva das próprias características dos direitos reais, nomeadamente a elasticidade dos direitos reais de gozo.
E, a questão é precisamente esta saber se, independentemente da propriedade daqueles, sobre o mesmo tanque os demandados possuem algum direito, já que é possível coexistir em simultâneo direitos com conteúdos diferentes sobre a mesma coisa.
Para auxiliar a resolução desta questão, não nos podemos esquecer da mesma escritura, junta de fls. 10 a 19 verso. De facto e pelo teor da mesma conclui-se que o H, igualmente outorgante, era o pai da demandada, pai do falecido marido da demandante A e avó dos outros demandantes.
Pela análise da referida escritura, resulta que no prédio atualmente propriedade dos demandantes, tinha benfeitorias e foram estas que foram objeto de partilha, realizada pelos filhos dos falecidos D e I, que também foi conhecida pelo nome de, X, conforme é referido na escritura a fls. 13 verso.
Do exposto resulta que as partes têm antepassados em comum, nomeadamente pais e avós.

Na mesma ocasião de tempo e lugar, H e mulher, doaram á demandada e respetivo marido, o ora demandado, N, um prédio rústico, inscrito na matriz sob art.º xxx da seção X, com a área de 640 m2, localizado no mesmo sítio de x, freguesia de S. Martinho.
Este prédio fora adquirido por aqueles na partilha das benfeitorias e na aquisição, por compra, da porção de terra correspondente, identificado na dita escritura como verba n.º 8, a fls. 15.

Quanto às benfeitorias, a referida escritura não esclarece em que consistiam, apenas que se tratavam de benfeitorias rústicas.
Atendendo á zona onde se encontram os prédios das partes, onde existe muitos terrenos de cultivo e exploração de bananas, e às construções que se encontram, ainda hoje, naqueles, depreendo que devem ter partilhado as culturas, assim como tanques e carreiros de rega (levadas) que neles existissem.
Quanto ao tanque em litígio, é uma construção realizada pelo homem, normalmente de pequenas dimensões servindo como reservatório para guardar água ou outros líquidos.
Em relação a este, não há prova de quem o terá construído, mas já existe assim, pelo menos desde que os pais da demandada O e J eram vivos, conforme nos relatou a pessoa mais velha que depôs nestes autos, a testemunha U, que com eles conviveu, pelo que se conclui que já existe há mais de 73 anos.
Pelos materiais (rústicos) utilizados na sua construção, que o Tribunal constatou, resultou da prova testemunhal que, já os pais das partes utilizavam o mesmo para rega dos terrenos agrícolas, aproveitando-o para reter a água que vinha pela levada, sita junto ao mesmo, e com ela regar os prédios que ficaram para eles.
A casa que foi erigida sobre o tanque, pela demandante Zita e falecido marido, J, foi construída, posteriormente.
Mas apesar da construção daquele imóvel, o tanque continuou a ser usado pelos falecidos, H e mulher Z.
E, depois deles pelos filhos, incluindo o falecido, J, marido da demandante, A.
Os demandantes só deixaram de utilizar o tanque quando doaram parte do prédio deles á, igualmente demandante, E, que nessa parte do imóvel construi uma casa de habitação.
Desse essa altura que, a utilização do tanque, passou a ser desnecessário para os demandantes, pois aquela parte do prédio, passou a ser urbano, conclusão a que o Tribunal chegou, depois de realizar a inspeção ao local, e na qual se avistou aquele imóvel, devidamente murado.
Não obstante, o tanque continuou a ser utilização pelos outros herdeiros dos falecidos, H e mulher Z, nomeadamente pelos demandados, os quais são titulares de um prédio que já foi cultivado pela irmã da demandada, T e, também, pelo outro filho, e irmão das partes, Isidro.
Esta utilização do tanque sempre foi feita de forma pública e pacifica á vista de todos, relevando para o facto de todos os familiares das partes saberem, assim como o vizinho e conhecido de ambas.
Não obstante, a verdade é que ocorreu uma oposição ao uso deste tanque, o que originou a discussão em torno do mesmo e motivou troca de palavras entre as partes, desencadeando o processo que correu termos sob n.º 287/2015-J.P., e neste foi provado que a oposição ocorreu em Abril/2015.

Pelo conjunto dos factos expostos, resulta que os demandantes, por si e através dos anteriores proprietários, tem vindo a utilizar o tanque ao longo dos anos.
Resulta que, o tanque é uma construção (obra) de natureza estável e visível, construída pelos antepassados comuns das partes, se bem ninguém consiga provar quem o terá feito.
Resulta da experiencia comum que o tanque serve para guardar a água, a qual posteriormente é utilizada para rega de terrenos de cultivo- bananeiras-.
Provou-se, ainda, que os pais da demandada O e de seu irmão J, já utilizavam em vida deles o tanque, para guardar água e posteriormente, com a mesma regavam os terrenos de cultivo. E, depois deles os filhos continuaram a utiliza-lo, o que sucede até á actualidade.
Por óbito dos antepassados comuns, J e I, ocorreu entre os respetivos herdeiros a partilha das benfeitorias, e em simultâneo a aquisição da porção de terras onde as mesmas se encontravam implantadas. Nessa escritura nada foi referido em relação á utilização do tanque, mas resulta destes autos que o mesmo continuou a ser utilizado por todos, no que se incluem os demandados.
Do conjunto destes factos, já devidamente explanados, indicia que o uso que a esta obra, tanque, tem sido dado poderá consubstanciar algum direito, ainda que de conteúdo diferente do direito de propriedade, sobre aquela obra, a qual por se situar em prédio dos demandantes àqueles pertence.
Contudo, estes autos não são os indicados para o tribunal se pronunciar em concreto sobre o eventual direito que os demandantes podem ter, já que corre neste Julgado ação que pede esse mesmo reconhecimento.
Não obstante, tais factos impedem que seja reconhecido o uso exclusivo do tanque pelos seus proprietários, pelo que se indefere os restantes pedidos dos demandantes.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente. Reconhece-se que os demandantes são os legítimos proprietários de um prédio misto, sito no lugar da x, freguesia de S. Martinho, concelho do Funchal, com a área total de 2.558 m2, o qual confronta do norte com João Fernandes Luís, do sul com herdeiros do R, do leste com a levada e L e de oeste com S, encontrando-se a parte rústica inscrita na matriz sob art.º xxx da seção X, e a parte urbana sob o art.º xxxx, estando descrito no registo predial do Funchal sob a descrição n.º ºxxxxxx da freguesia de S. Martinho.
Reconhece-se, igualmente, que são os demandantes proprietários de um tanque de rega, localizado por baixo da casa existente naquele prédio, no sítio da x.
Em relação aos outros pedidos, os demandados são absolvidos dos mesmos.

CUSTAS:
São da responsabilidade das partes, em partes iguais, encontrando-se totalmente satisfeitas.

Funchal, 29 de julho de 2016
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º5 C.P.C.)


(Margarida Simplício)