Sentença de Julgado de Paz
Processo: 3/2018 – JPTBR
Relator: MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE E INDEMNIZAÇÃO DE QUANTIA
Data da sentença: 07/13/2018
Julgado de Paz de : TERRAS DE BOURO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc. n.º 3/2018 – JPTBR

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: A., NIF …. residente no Lugar ….., concelho de Terras de Bouro

Demandado: B., residente em França


*

OBJECTO DO LITÍGIO

A Demandante propôs contra o Demandado a presente acção enquadrável na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando que este fosse condenado a) no reconhecimento da propriedade de que as árvores cortadas se integram dentro do prédio da Demandante, b) no pagamento de uma indemnização num valor nunca inferior a € 1.700,00 (mil e setecentos euros) e c) no pagamento de todas as despesas com a presente acção.
Alegou, em suma, que é dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado por “C.” e inscrito na matriz sob o artigo …, com a área de 3710,00m2, situado em ….., freguesia de Gondoriz, concelho de Terras de Bouro; em Agosto do ano transacto, o Demandado procedeu ao corte de árvores existentes no referido prédio, invadindo-o sem autorização para tal, tendo cortado um eucalipto e dois carvalhos, árvores estas de grande porte e com um avultado valor patrimonial; teve conhecimento deste corte por um vizinho, que a questionou se tinha vendido as árvores e a informou que o Demandado as tinha cortado e levado para …, para a casa do pai; no dia seguinte, a Demandante deslocou-se lá e confirmou que as árvores estavam aí depositadas à porta do pai do Demandado; quando se deslocou ao seu prédio, confirmou que as árvores já lá não estavam; sente-se lesada na sua propriedade pela atitude pouco digna do Demandado, pois retirou uma compensação com o corte das árvores da sua propriedade, sem autorização; até à data da propositura da acção, teve um prejuízo nunca inferior a 1.700,00 € (mil e setecentos euros) com o corte das árvores; e que pretende ser ressarcida dos prejuízos patrimoniais que teve que suportar com a atitude do Demandado – cfr. fls. 1 a 6 dos autos.

*

O Demandado apresentou contestação, a qual veio, posteriormente, a ser desentranhada, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pelos motivos melhor expostos no despacho de fls. 81 e 82 dos autos.
Acresce que, não obstante a falta do Demandado à audiência de julgamento, considerou-se tal falta justificada, conforme razões igualmente melhor expostas no aludido despacho de fls. 81 e 82 dos autos, não operando, assim e por conseguinte, a cominação constante do artigo 58.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Pelo que, procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, consoante resulta da acta.
*
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, n.º 2, da indicada Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) e do valor, que se fixa em € 1.700,00 (cfr. artigos 296.º, nº 1 e 306.º, n.º 2, todos do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

*

FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. A Demandante é dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado por “C.” e inscrito na matriz sob o artigo…, com a área de 3710,00m2, situado na freguesia de Gondoriz, concelho de Terras de Bouro;
B. Em Agosto do ano transacto, o Demandado procedeu ao corte de árvores existentes no prédio referido no precedente ponto A., invadindo-o sem autorização para tal, tendo cortado um eucalipto e um carvalho;
C. A Demandante teve conhecimento do corte das árvores mencionado no precedente ponto B. por um vizinho, que a questionou se tinha vendido as árvores e a informou que o Demandado as tinha cortado e levado para …, para a casa do pai;
D. Quando se deslocou ao seu prédio, aludido no precedente ponto A., a Demandante confirmou que as árvores já lá não estavam;
E. No dia seguinte, a Demandante deslocou-se a casa do pai do Demandado e confirmou que as árvores aludidas no precedente ponto B. estavam aí depositadas, à porta de sua casa.
*

FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. Aquando do corte aludido no ponto B. dos Factos Provados, o Demandado cortou, ainda, mais um carvalho;
2. As árvores aludidas no ponto B. dos Factos Provados apresentavam grande porte e um avultado valor patrimonial;
3. Até à data da propositura da acção, a Demandante teve um prejuízo nunca inferior a € 1.700,00 (mil e setecentos euros) com o corte das árvores.
*

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, o facto A. resultou provado por via da conjugação da prova documental junta, especificamente, documento n.º 1 junto com o requerimento inicial, com a prova testemunhal produzida. Com efeito, o documento n.º 1 consubstancia uma certidão de teor emitida pelo Serviço de Finanças de Terras de Bouro, a qual goza da força probatória do original, nos termos do disposto no artigo 383.º, n.º 1, do Código Civil (CC), pelo que, faz prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora – cfr. artigos 371.º, n.º 1, 363.º, n.º 2, primeira parte, 369.º, n.º 1 e 370.º, n.º 1, todos do CC –, só podendo tal força probatória ser ilidida com base na falsidade do documento (cfr. artigo 372.º, n.º 1, do CC e artigo 446.º do CPC). Relativamente aos demais factos – desde logo os factos subjacentes às declarações emitidas pelas partes perante essa mesma autoridade ou oficial público e, por conseguinte, não percepcionados por estes –, os mesmos não são abrangidos por aquela força probatória, regendo a regra geral da livre apreciação da prova pelo Tribunal, conjugada com a restante prova que relevantemente tenha sido produzida (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC). E a verdade é que, da conjugação da restante prova produzida, especificamente, do depoimento de todas as testemunhas inquiridas, portanto, C., D. (estes vizinhos da Demandante) e E. (pai do Demandado), o Tribunal formou a convicção de que a Demandante é, efectivamente, dona e legítima proprietária do prédio rústico, denominado “C.”, sito na freguesia de Gondoriz, que identifica no artigo 1.º do requerimento inicial: com efeito, todas as testemunhas reconheceram que a Demandante era proprietária do aludido prédio.
O facto B. resultou provado em face da prova testemunhal produzida, conjugada com a prova por presunção judicial. Na verdade, a testemunha E., pai do Demandado, afirmou que, no verão do ano passado, especificamente, em Agosto – pois o filho, aqui Demandado, é emigrante em França e encontrava-se, naquele mês, de férias em Portugal –, deslocou-se com o Demandado, e mais dois filhos, a um prédio contíguo ao prédio da Demandante em apreço nos autos e cuja propriedade pertence ao sogro do Demandado – que, por sua vez, é primo da Demandante –, prédios, estes, cuja linha divisória não foi objecto de qualquer vedação, nem demarcação visível, e o seu filho, aqui Demandado, convencido de que as árvores se integravam no prédio do seu sogro – e tendo prévia autorização deste para, quando necessitasse, cortar árvores no seu prédio –, cortou um eucalipto e um carvalho. Mais afirmou que o Demandado cortou as árvores com vista ao consumo doméstico da mãe e que a madeira foi logo transportada para sua casa, sita em …. (portanto, para a casa da testemunha). Referiu, ainda, que, pouco tempo depois do corte, a Demandante deslocou-se a sua casa, sendo que ainda aí se encontrava a madeira, e confrontou-o com o suposto indevido corte das árvores, ao que a testemunha disse à Demandante que o seu filho, aqui Demandado, cortou as árvores no pressuposto de que as mesmas se integravam no prédio do seu sogro e não no prédio da Demandante. Mais logo mencionou que o filho, aqui Demandado, anuiria em ressarcir a Demandante do prejuízo por esta tido com o corte das árvores, não tendo a Demandante, logo aí, dito qual o prejuízo. Portanto, tendo por base o teor do depoimento desta testemunha e a afirmação, expressamente por esta feita, de que o filho, aqui Demandado, anuiria em ressarcir a Demandante dos prejuízos que lhe causou com o corte das árvores – o qual terá sido feito no pressuposto de que as mesmas não se integravam no prédio da Demandante –, a única conclusão que o Tribunal poderá retirar, de acordo com as regras da experiência comum e dos próprios princípios da lógica, é a de que o Demandado, efectivamente, procedeu ao corte do eucalipto e do carvalho, pertença da Demandante porque integrados no seu prédio, sem ter autorização desta para o efeito (cfr. artigos 349.º e 351.º do CC).
Os factos C. e D. resultaram provados em face da prova por depoimento de parte da Demandante. Na verdade, o depoimento de parte da Demandante saiu reforçado pelo depoimento da testemunha E., já exposto supra, não só no sentido de que o filho, aqui Demandado, ter-se-á equivocado quanto à propriedade das árvores que cortou – o que corrobora a percepção, pela Demandante, da falta das árvores no seu prédio –, mas também no sentido de que a informação que lhe havia sido transmitida pelo vizinho se afigurava correcta, pois, efectivamente, a madeira das árvores foi transportada para a casa do pai do Demandado, portanto, a testemunha inquirida, sita em ….. Acresce que, embora a primeira testemunha inquirida, C., tenha afirmado não ter sido ele quem informou a Demandante de que o Demandado havia cortado árvores do seu prédio e levado para …, para a casa do pai (ao contrário do que a Demandante afirmou em sede de depoimento de parte, pois esta referiu que o vizinho a que aludiu no requerimento inicial foi esta testemunha), ficou o Tribunal convencido da veracidade das declarações da Demandante, em detrimento do depoimento da citada testemunha, a qual apenas afirmou ter visto “os troncos cortados” no prédio da Demandante, porém, negou, de forma pouco credível, saber quantos troncos viu cortados, assim como ter informado a Demandante do que quer que fosse.
O facto E. resultou provado em face do depoimento de parte da Demandante, conjugado com a prova testemunhal produzida e, ainda, com a prova por presunção judicial. A Demandante afirmou, de forma credível e segura, ter-se deslocado, na manhã seguinte a ter sido alertada do corte das árvores, a casa do pai do Demandado, em …, e ter visto lá madeira depositada. Também o pai do Demandado, E., testemunha inquirida nos autos, afirmou, conforme exposto supra, que a madeira adveniente das árvores que o filho havia cortado foram transportadas para sua casa e que a Demandante se deslocou a sua casa e viu a madeira aí depositada. Relativamente à conclusão de que a madeira que estava depositada à porta de casa do pai do Demandado pertencia às árvores que foram cortadas do prédio da Demandante, a mesma resulta da prova por presunção judicial já aludida supra.
Os factos não provados ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração.
Assim, quanto ao facto 1., não obstante a Demandante ter alegado que o Demandado cortou um eucalipto e dois carvalhos, a verdade é que, em sede de depoimento de parte, afirmou que, afinal, haviam sido cortados um carvalho e dois eucaliptos… Para além desta incongruência, não foi feita prova de que tenham sido cortadas, pelo Demandado, três árvores. Com efeito, para além de as duas primeiras testemunhas inquiridas, portanto, C. e D, não terem identificado a quantidade de árvores que foram cortadas – a primeira limitou-se a dizer que tinha visto “os troncos cortados” na propriedade da Demandante, sem especificar quantos tinha visto, e a que tipo de árvores se reportavam; a segunda revelou não deter qualquer conhecimento acerca do corte das árvores, e, por conseguinte, sobre a quantidade de árvores cortadas –, a terceira testemunha inquirida, E. (pai do Demandado), foi peremptória a afirmar que o filho cortou um eucalipto e um carvalho, conforme exposto supra. Da prova produzida, apenas a Demandante, em sede de depoimento de parte, afirmou terem sido três as árvores cortadas, e afirmou-o com a incongruência a que aludimos supra. Ora, tendo (apenas), e por um lado, o depoimento da última testemunha inquirida (pai do Demandado) a afirmar que foram cortadas duas árvores, e, por outro, o depoimento da Demandante a mencionar que foram três, embora não nos mesmos termos em que havia alegado, considerou o Tribunal valorar preferencialmente o depoimento da testemunha (em detrimento do depoimento da Demandante), o qual, não obstante ser proveniente do pai do Demandado – portanto, pessoa próxima deste e, por isso, ser susceptível de alguma parcialidade –, ainda assim não poderá ser considerado tão parcial como o da Demandante (parte directamente interessada na causa). Acresce que, em face do teor do depoimento da testemunha Manuel Alves de Carvalho, já aludido supra, não vemos razão para a testemunha ter afirmado que foram cortadas duas árvores caso tivessem sido três: na verdade, se fosse intenção da testemunha ocultar a quantidade de árvores cortadas, a mesma teria dito que apenas uma árvore foi cortada (ou mesmo ter negado, de todo, o corte…) e não que foram duas; depois, a incongruência detectada em sede de depoimento de parte da Demandante quanto ao que havia alegado leva, igualmente, a concluir pela preferência do depoimento da testemunha em detrimento do depoimento da Demandante.
Finalmente, quanto aos factos 2. e 3., diga-se que, no que se reporta ao valor do prejuízo patrimonial alegado pela Demandante com o corte das árvores – portanto, € 1.700,00 –, desde logo considera o Tribunal que, em face das regras da experiência comum, o mesmo afigura-se manifestamente inverosímil (mesmo que estivessem em causa três árvores, tal valor sempre seria, notoriamente, excessivo…). Acresce que, quando confrontada, pelo Tribunal, em sede de depoimento de parte, com o valor alegado, a Demandante não deu qualquer justificação para a sua indicação. Já a última das testemunhas inquiridas, portanto, o pai do Demandado, que assistiu ao corte das árvores, quando confrontada com a quantidade da madeira em causa, afirmou, sem reservas, que a mesma encheu “um tractor de achas” e que, no seu entendimento, a mesma valeria, no total, cerca de € 100,00.
*

DIREITO
Por via da presente acção, a Demandante pede que o Demandado seja condenado a) no reconhecimento da propriedade de que as árvores cortadas se integram dentro do seu prédio, b) no pagamento de uma indemnização num valor nunca inferior a € 1.700,00 (mil e setecentos euros) e c) no pagamento de todas as despesas com a presente acção.
Alegou, conforme exposto, que é proprietária de um prédio e que, em Agosto do ano transacto, o Demandado terá procedido ao corte de três árvores (um eucalipto e dois carvalhos) existentes no seu prédio, invadindo-o sem autorização para tal.
Assim, em face da causa de pedir invocada e dos pedidos formulados, encontramo-nos perante uma acção que visa operar a responsabilidade civil extracontratual, a qual é regida pelo disposto nos artigos 483.º e seguintes do CC. Com efeito, não obstante a Demandante formular um pedido de reconhecimento da propriedade de que as árvores cortadas se integram dentro do seu prédio (portanto, um pedido de simples apreciação), tal pedido não tem autonomia face ao pedido de condenação: tendo em conta a causa de pedir alegada – corte de árvores na propriedade da Demandante, por parte do Demandado, sem qualquer título que legitimasse tal conduta –, a Demandante pretende a condenação do Demandado no pagamento de indemnização por tal conduta, surgindo o pedido de reconhecimento de que as árvores se integram no seu prédio como desnecessário à procedência do pedido de condenação. Com efeito, a verificarem-se os pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (nos quais se inclui, conforme melhor será explicitado infra, a ilicitude do facto, consubstanciada na violação de direitos subjectivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados), o pedido de condenação será procedente.
Dispõe, assim, o artigo 483.º do CC que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) – e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. A culpa pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Nos termos do disposto no artigo 487.º, n.º 2, do CC, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso. Em face do exposto, para que a obrigação de indemnizar se verifique, é necessário o preenchimento cumulativo destes requisitos, previstos no indicado artigo 483.º do CC.
Foi dado como provado que a Demandante é dona e legítima proprietária do prédio rústico denominado por “C.”, supra identificado; mais foi dado como provado que, em Agosto do ano transacto, o Demandado procedeu ao corte de um eucalipto e de um carvalho, existentes no aludido prédio da Demandante, tendo, assim, invadido este prédio, sem autorização para tal.
Verifica-se, assim, a existência de um comportamento humano dominável pela vontade: o Demandado procedeu ao corte de árvores existentes no prédio da Demandante, tendo invadido este prédio, sem ter autorização para tal.
Já no que se reporta ao requisito da ilicitude, por via da conduta adoptada, o Demandado violou um direito subjectivo absoluto da Demandante, especificamente, violou o direito de propriedade da mesma sobre o terreno no qual se encontravam as árvores e sobre as próprias árvores: com efeito, ao ter sido invadida a propriedade da Demandante e ao terem-se cortado árvores aí existentes, foi violado o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do terreno em causa, propriedade da Demandante e, bem assim, das árvores que aí se encontravam (cfr. artigo 1305.º do CC).
Assim, encontra-se, igualmente, verificado o requisito da ilicitude. Realce-se que, ao considerar-se verificado o requisito da ilicitude nos termos que se deixaram expostos, considera-se, por conseguinte, procedente o (prévio) pedido de reconhecimento da propriedade das árvores que foram cortadas e que se integravam dentro do prédio da Demandante.
Relativamente à culpa, isto é, ao juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma, a mesma não pode deixar de se considerar verificada, na modalidade de negligência. Com efeito, o pai do Demandado, testemunha inquirida nos autos, foi peremptório em afirmar que o Demandado, convencido de que as árvores se integravam no prédio do seu sogro, contíguo ao prédio da Demandante, sem qualquer vedação entre ambos ou demarcação visível, cortou um eucalipto e um carvalho. Mais referiu que, quando a Demandante o confrontou com o suposto indevido corte das árvores, disse-lhe precisamente isso, bem como que o Demandado anuiria em ressarcir a Demandante do prejuízo por esta tido com o corte das árvores. Ora, em face do exposto, conclui o Tribunal que o Demandado não foi diligente aquando do corte das árvores, pois não se certificou, previamente, sobre os limites das propriedades do seu sogro e da Demandante, as quais não estavam vedadas, nem delimitadas por quaisquer marcos visíveis. Não actuou, assim, o Demandado, segundo a “diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias” do caso, à luz do disposto no indicado artigo 487.º do CC.
Pelo que, e em face do exposto, igualmente se encontra preenchido o requisito da culpa.
Já relativamente ao dano, dispõe o artigo 563.º do CC que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A lesão, no caso, é o corte das árvores que se encontravam na propriedade da Demandante e, por conseguinte e desde logo, a destruição daquelas.
Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o mesmo verifica-se, igualmente, pois não fosse a actuação do Demandado, consubstanciada na invasão da propriedade da Demandante e no corte do eucalipto e do carvalho aí plantados, estes não teriam sido destruídos.
Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do Demandado.
Dispõe o artigo 566.º, n.º 1, do CC, que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, mais preceituando o n.º 3 do mesmo artigo que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
A reconstituição natural não é, no caso, possível, pelo que a indemnização terá que ser fixada em dinheiro.
A Demandante alega que foram indevidamente cortadas três árvores, especificamente, um eucalipto e dois carvalhos, de grande porte e com um avultado valor patrimonial, e que, até à data da propositura da acção, teve um prejuízo nunca inferior a € 1.700,00 (mil e setecentos euros), contabilizado com o corte dessas árvores. Conforme exposto e pelas razões apontadas, apenas se deu como provado o corte de duas árvores, um eucalipto e um carvalho, não se tendo dado como provado que tais árvores tivessem um grande porte e avultado valor patrimonial, assim como que a Demandante tenha tido, com o corte, um prejuízo no indicado valor. Com efeito, e no que ao quantum indemnizatório adveniente do corte das árvores se reporta, apenas o pai do Demandado, que presenciou o corte das árvores, afirmou que a madeira em causa encheu “um tractor de achas” e que, no seu entendimento, a mesma valeria, no total, cerca de € 100,00. Ora, atenta a (única) prova (testemunhal) produzida no que se reporta ao quantum indemnizatório e, não tendo sido possível averiguar, com exactidão, o valor do dano em causa, considera o Tribunal ajustado fixar o valor desse dano, com recurso à equidade, e à luz do disposto no indicado artigo 566.º, n.º 3, do CC, em € 100,00 (cem euros).
Pelo que, por consequência e em conformidade com o exposto, condena-se o Demandado a reconhecer a propriedade do eucalipto e do carvalho que foram cortados e que se integravam dentro do prédio da Demandante e a pagar à Demandante o valor de € 100,00 (cem euros), a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos com o corte das árvores em causa.

*

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência:
a) Condena-se o Demandado a reconhecer a propriedade do eucalipto e do carvalho que foram cortados e que se integravam dentro do prédio da Demandante;
b) Condena-se o Demandado a pagar à Demandante o valor de € 100,00 (cem euros), a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos com o corte das árvores mencionadas na precedente alínea;
c) Absolve-se o Demandado do pedido de reconhecimento da propriedade de um outro carvalho e do correspondente pedido de condenação no pagamento de indemnização.
Custas a cargo da Demandante e do Demandado na proporção de 30% e de 70%, respectivamente – cfr. artigos 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique os faltosos.
Terras de Bouro, 13 de Julho de 2018
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)
Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz de Terras de Bouro