Sentença de Julgado de Paz
Processo: 747/2012-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 08/01/2013
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº 747/2012-JP, em que são partes:

Demandante: A

Demandados: BC - D

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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante propôs contra os Demandados a presente ação declarativa de condenação enquadrável na alínea h) do nº1 da citada Lei, pedindo a condenação destes:
A) Sejam os Demandados condenados a pagar ao Demandante a quantia de € 1.115,00 (mil cento e quinze euros), a que acresce IVA à taxa legal de 23% no montante de € 256,45 (duzentos e cinquenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de indemnização para reparação dos prejuízos sofridos;
B) Sejam os Demandados condenados a pagar a quantia de € 1.760,00 (mil setecentos e sessenta euros) relativamente à comparticipação nas despesas mensais pelos hóspedes do que o que o Demandante deixou de obter desde a data dos factos;
C) Sejam os Demandados condenados a retirar a canalização que colocaram no interior da parede de meação entre as frações;
D) Sejam os Demandados condenados a pagar a quantia de € 120,00 (cento e vinte euros) relativamente a despesas de deslocação;
E) Sejam os Demandados condenados a pagar juros de mora à taxa legal sobre estas quantias desde a citação até efetivo e integral pagamento, tudo com custas e demais encargos a cargo dos Demandados.
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Os Demandados apresentaram contestação nos termos plasmados a fls. 60 a 68 (a 2ª Demandada) e a fls. 98 a 100 (os 1ºs Demandados) impugnando parcialmente a versão dos factos alegados no requerimento inicial.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo como da respetiva ata se alcança.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor que se fixa em € 3.251,45 – art.ºs 306º nº1 e 315º nº 2, ambos do C.P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, tendo todos os Demandados interesse em contradizer - art.º 26º do Código de Processo Civil.
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FACTOS PROVADOS

A. O Demandante é dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “L”, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Ramalde, concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto sob o número xxx.
B. Os Demandados B e esposa C são proprietários da fração autónoma contígua à do Demandante, designada pela letra “K”, correspondente ao segundo andar direito do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Ramalde, concelho do Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Porto sob o número xxx.
C. A Demandada D, filha dos Demandados B e C, reside na fração “K” supra mencionada.
D. O segundo andar esquerdo do nº 10, do prédio sito no X, no Porto, é habitado por uma irmã do Demandante de nome E e por um filho desta.
E. Em Outubro de 2011, foi substituída a instalação elétrica da cozinha da fração “K” e, para tal, tiveram de ser metidos tubos na parede para os fios condutores de eletricidade andarem.
F. Foi ao fazer esta colocação que o eletricista furou a parede de meação entre a fração K e L, tendo atingido uma divisão do andar ao lado, ou seja, a fração “L”, pertença do Demandante, onde efetuou pelo menos 3 buracos.
G. Logo de seguida, o eletricista dirigiu-se ao andar ao lado, mas não encontrou ninguém em casa.
H. Só ao final do dia, a Demandada D se encontrou com a mencionada E, tendo-lhe esta transmitido que o assunto seria tratado apenas com o seu Pai, A, quando este viesse ao Porto.
I. Em 14 de Outubro de 2011, A apresentou queixa no Departamento Municipal de Fiscalização - Divisão Municipal de Fiscalização de Obras Particulares da Câmara Municipal do Porto para a fiscalização às obras levadas a cabo pela Demandada D.
J. Processo esse que veio a ser extinto por inutilidade superveniente.
K. No dia 1 de Janeiro de 20l2, A, entregou à Demandada D o orçamento apresentado pelo Sr. F, empreiteiro que havia feito umas obras no prédio todo – documento 2 junto com a contestação, que se dá aqui por reproduzido.
L. Nesta ocasião, a Demandada D comunicou ao Sr. A que ia ser operada no dia 4 seguinte a um carcinoma e que teria de repousar, pelo menos, 15 (quinze) dias, razão pela qual ela de nada, entretanto, podia tratar.
M. Como tinha sido contactada várias vezes pelo Sr. A, a Demandada D telefonou-lhe no dia 18 de Janeiro para lhe solicitar a indicação de dias disponíveis para ir um empreiteiro fazer um outro orçamento da reparação, uma vez que lhe parecia muito excessivo o orçamento do aludido Sr. F.
N. Na sequência deste sobredito contacto telefónico e como não obteve resposta, a Demandada D escreveu ao mesmo Sr. A, a carta junta como documento nº3, aqui dada como reproduzida, carta essa que foi devolvida pelo mesmo.
O. Na 2ª quinzena de Fevereiro e logo que teve outro "mestre" para dar o orçamento, telefonou ao Sr. A para que lhe facilitassem a entrada em "casa" coisa que veio a ser possível por intermédio do vizinho do rés-do-chão, que tinha uma chave do andar, o qual entrou lá com o empreiteiro, o qual elaborou o orçamento de fls. 86, que se dá aqui por reproduzido.
P.A parede da cozinha da fração “K” tem as canalizações para o tanque de lavar já há muitos anos, tanque esse que posteriormente foi substituído por uma máquina de lavar, mantendo-se as canalizações antigas dentro da parede.
Q. Ouvia-se barulhos de “martelos” na parede da cozinha da fração “K”, barulhos esses vindo do andar vizinho, do Demandante.
R. Na habitação do 2º Esquerdo estão visíveis na parede do quarto de dormir, identificada nos autos, 5 buracos com as seguintes dimensões:
- canto inferior direito: 10 cm de diâmetro
- lado direito médio: 8 cm de diâmetro
- buraco do meio em baixo: 20 cm de diâmetro
- buraco do lado esquerdo: 6 cm de diâmetro
- buraco situado por cima da cama: 3 cm de diâmetro
No buraco do lado esquerdo de 6 cm é visível um tubo flexível de eletricidade de 16 mm; no buraco do meio em baixo de 20 cm é visível um tubo de esgoto em PVC de 40 mm com uma bifurcação, é também visível massa de cimento recente; no buraco do lado direito médio de 8 cm é visível um tubo de ferro antigo de meia polegada e tem alguma massa de cimento recente visível; no buraco do canto inferior direito de 10 cm é visível um tubo de ferro de meia polegada e um tubo de esgoto de PVC de 40 mm, sendo ainda aqui visível uma massa de gesso.
Na habitação 2º Direito, na cozinha e nomeadamente na parede em questão, são visíveis algumas brechas, 4 tomadas de eletricidade e do lado esquerdo para o direito visualiza-se uma máquina de lavar roupa, banca, fogão e frigorifico.
S. A reparação dos estragos provocados na parede da fração “L” ascende a € 300,00.

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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA

Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que as testemunhas E e A, irmã e pai do Demandante, respetivamente, prestaram depoimentos demasiado emotivos, como se de causa própria se tratasse, pelo que não foram relevantes, enquanto os factos constantes de R. resultaram da diligência de inspeção ao local.

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Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
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O DIREITO

Pretende o Demandante com a presente ação, a condenação dos Demandados ao pagamento da quantia de € 1.115,00, acrescida de IVA à taxa legal de 23% no montante de € 256,45, a título de indemnização para reparação dos prejuízos sofridos, da quantia de € 1.760,00 relativamente à comparticipação nas despesas mensais pelos hóspedes do que o que o Demandante deixou de obter desde a data dos factos, a retirarem a canalização que colocaram no interior da parede de meação entre as frações, bem como no pagamento da quantia de € 120,00, relativamente a despesas de deslocação.
Alegou para tal e em síntese, que teve conhecimento em Outubro de 2011 que os Demandados se encontravam a realizar obras na cozinha da fração “L”, designadamente alteraram a canalização da cozinha (água e esgotos) e substituíram-na por nova, que foi colocada no interior da parede de meação das frações, tendo na execução das obras furado a parede de meação entre as duas frações e danificado a parede do lado da fração “K”, que é um quarto de dormir, onde ficaram visíveis vários buracos e a canalização de água e esgotos. Além disso os trabalhadores também andaram no sótão do imóvel, que é parte comum do prédio, tendo, a partir dessa altura começado a surgir diversas fissuras no teto do quarto de dormir. Devidos aos danos causados e também pelo barulho do correr das águas nos canos, o quarto ficou inutilizado, não sendo possível aí hospedar alguém, encontrando-se o quarto vago, tendo ainda tido despesas de deslocação de 8 viagens de comboio de Lisboa até ao Porto da sua mãe na tentativa de obter um acordo.
In casu, estamos no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos.
O art.º 483 CC determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos, ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Ora, o ónus da prova dos factos alegados incumbia ao Demandante por serem constitutivos do seu direito – art.º 342º nº1 do Cód. Civil.
No entanto, apenas resultou provado que em Outubro de 2011 foi substituída a instalação elétrica da cozinha da fração “K” propriedade dos Demandados e, para tal, tiveram de ser metidos tubos na parede para os fios condutores de eletricidade andarem e foi ao fazer esta colocação que o eletricista furou a parede de meação entre a fração K e L, tendo atingido uma divisão do andar ao lado, ou seja, a fração “L”, pertença do Demandante, não se tendo provado que trabalhadores teriam andado no sótão do imóvel, que é parte comum do prédio e muito menos o nexo de causalidade para terem começado a surgir diversas fissuras no teto do quarto de dormir.
Não se provou que tivesse sido alterada a canalização já existente, até porque segundo foi referido pela prova testemunhal, onde foi colocada uma máquina de lavar, já existia desde há muito tempo, um tanque de lavar roupa. Na diligência de inspeção ao local foram identificados pela testemunha F, um tubo de esgoto em PVC de 40mm (em dois buracos) e um tubo de ferro de meia polegada, acrescentando que o tubo de ferro era antigo e o de esgoto em PVC também poderia ter muitos anos.
Com a sua conduta, violaram os Demandados o direito de propriedade do Demandante, praticando um ato ilícito, cuja conduta é reprovável, pois deveriam ter observado, como lhe competia, as normas de segurança e os deveres de cuidado de quem leva a cabo uma obra desta natureza, de forma a prevenir o risco de danificar a parede de meação.
Assim, verificando-se todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano o nexo de causalidade entre o facto e o dano, fora, pois, de dúvida a obrigação de indemnizar que impende sobre os Demandados, responsabilidade essa solidária, uma vez que, os 1ºs Demandados são os proprietários da fração onde decorreram as obras, bem como a 2ª Demandada que reside na casa de seus pais.
Dos danos:
O princípio fundamental que tutela esta matéria é o da reposição da coisa no estado anterior à lesão, por ser a forma mais genuína de reparação, exceto se a restauração não for exequível ou se revelar excessivamente onerosa para o devedor.
No cumprimento do disposto no artigo 562º do Código Civil, será obrigação dos responsáveis indemnizar pelos prejuízos sofridos, de forma a reconstituir-se-lhes a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento danoso.
São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 564º do C.Civil) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do nº 1 do art.º 496º do C.Civil).
O Demandante, in casu, peticionou danos patrimoniais:
- a quantia de € 1.115,00, acrescida de IVA à taxa legal de 23% no montante de € 256,45, a título de indemnização para reparação dos prejuízos sofridos na parede e teto do quarto de dormir.
- Já vimos que, no que concerne ao teto não foram provados quaisquer danos.
Encontram-se juntos aos autos alguns orçamentos, nomeadamente a fls.17, 77/78 e 86. A Demandada apresentou como testemunhas ambos os autores destes orçamentos, que comprovaram o seu conteúdo. O orçamento de fls.78 não tem qualquer relevância porquanto nada tem a ver com os danos provocados. Por sua vez, o orçamento junto a fls. 86, apenas prevê o reparo de 2 buracos e pintura da parede, quando a testemunha G admitiu ter feito 2 a 3 buracos na parede. Restam os orçamentos de fls. 17 e 77. Este último, foi o que A entregou à Demandada D e que esta achou caro. O de fls.17, foi junto com o RI, o qual comparado com o de fls.77, é de facto exorbitante e atendendo às dimensões da parede, não se justifica.
Nos termos do já citado art.º 562º do Código Civil, será obrigação dos responsáveis indemnizar pelos prejuízos sofridos, mas dentro de parâmetros razoáveis e não pelo valor que o Demandante pretenda.
Assim sendo, tendo em conta que o orçamento de fls. 86 apenas prevê a reparação de 2 buracos e a pintura da parede, enquanto o orçamento de fls. 77 prevê a pintura de todo o quarto, o que não é já da responsabilidade dos Demandados, fixa-se equitativamente o montante de € 300,00 como suficiente para a reparação dos danos provocados na parede de meação – art.º 566º nº 3 do C.Civil.
No que concerne ao pedido de condenação dos Demandados a pagarem a quantia de € 1.760,00, relativamente à comparticipação nas despesas mensais pelos hóspedes de que o Demandante deixou de obter desde a data dos factos, nada resultou provado. Desde logo, a testemunha Jaime Braga, residente em Lisboa, que vem habitualmente de 3 em 3 semanas ao Porto, disse ficar sempre nesse quarto, quer antes, quer depois da existência dos buracos, pelo que se conclui que o quarto estava habitualmente desocupado.
Relativamente às peticionadas despesas de deslocação no montante de € 120,00, também não logrou o Demandante fazer a prova que lhe competia, pelo que improcede também este pedido.
Os juros de mora.
Nos termos do art.º 804º, 805º nº3 1ª parte e art.º 559º do Cód. Civil, sobre a obrigação de indemnizar incidirão também a obrigação de juros, a contar do momento de constituição em mora do devedor, o que, in casu, se verificará a partir da citação, à taxa legal de 4%, até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04).

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Da requerida litigância de má-fé:
Os pressupostos da litigância de má-fé encontram-se regulados no art.º 456º do C.P. Civil, podendo distinguir-se entre aqueles que têm natureza subjetiva dos que têm natureza objetiva, havendo tal tipo de litigância quando estão reunidos os pressupostos das duas mencionadas naturezas.
Nos termos do citado art.º 456º deve ser condenado como litigante de má-fé todo aquele que, com dolo ou negligência grave, deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, devendo ainda ser condenado como tal quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa ou aquele que tiver violado gravemente os deveres de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – als. a) a d) do nº 2.
Nos presentes autos, entende-se não existir um comportamento do Demandante, suscetível de ser considerado como litigante de má-fé, tendo em conta os pressupostos supra referidos.
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DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se os Demandados a pagarem ao Demandante a quantia de € 300,00 (trezentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar da citação até integral e efetivo pagamento, absolvendo-os do demais peticionado.
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 90% para o Demandante e 10% para os Demandados em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 1 de Agosto de 2013
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)

Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Julgado de Paz do Porto