Sentença de Julgado de Paz
Processo: 602/2017-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM – INVERSÃO DO CONTENCIOSO – PROVIDÊNCIA CONCRETAMENTE ADEQUADA
Data da sentença: 03/09/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente providência cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos e, cumulativamente, procedimento cautelar comum, contra B, por si e na qualidade de administrador do condomínio do prédio urbano sito na Rua Z, na cidade do Porto e contra os condóminos C, D, E, F, G, H, I, J, pedindo a imediata anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 06/10/2017 e a anulação dos seus efeitos com a consequente e imediata anulação e suspensão da obra de reabilitação do terraço, a qual não se deve iniciar, por infundadamente aprovada, ilegal, sem qualquer fundamentação nem indicação fáctica, sem qualquer demonstração orçamental ao requerente e contrária à decisão do órgão camarário máximo da cidade e superintendente nestes casos: o Departamento Municipal de Fiscalização da Câmara Municipal do Porto. Mais requereu, cumulativamente, que fossem adotadas as providências necessárias para que não fossem erguidos nenhuns andaimes nem efetuada nunca qualquer obra nem no dia 20/11/2017, nem depois, que faculte acesso ao terraço, e para que fosse impedido e proibido qualquer estranho, por qualquer meio, de qualquer entrada no terraço, propriedade privada do requerente e sua mulher, para que não fossem tiradas fotografias nem efetuados quaisquer tipos de danos, obras, buracos no chão, ou qualquer invasão da propriedade do terraço do requerente, para que seja reposto o direito ao sossego, ao repouso, ao bem-estar, à saúde do requerente e sua mulher, para que sejam acautelados também os direitos à intimidade da vida privada e para que se evite o agravamento do estado de saúde do requerente e mulher. Finalmente, o demandante pediu ainda, cumulativamente, a imediata anulação dos efeitos da carta do 1º demandado de 12/06/2017, mediante a qual lhe é imputada por este a imposição do pagamento dos honorários da mandatária do mesmo no Proc. nº 256/2016, deste Julgado de Paz do Porto, no total de 1.730,00 €, em oposição ao ditado na respetiva sentença, concluindo, por isso, com o pedido de exoneração do administrador do condomínio.
Para tanto, o requerente alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 18, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo dez documentos.
Regularmente citados, os requeridos apresentaram a oposição de fls. 108 a 118, que aqui se dá por reproduzida, invocando as exceções de ineptidão da petição inicial e de caducidade da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, além de invocar a violação de caso julgado material e de pugnar pela improcedência do procedimento cautelar e de todos os pedidos, bem como de requerer a condenação do requerente como litigante de má-fé e a comunicação à Ordem dos Advogados da má-fé instrumental da sua mandatária, nos termos e para os efeitos do artigo 545º do CPC.
Face às invocadas exceções, foi proferido despacho liminar, em que se considerou estarem os pedidos cumulados numa relação de subsidiariedade; se convidou o requerente a esclarecer se pretendia ou não requerer a inversão do contencioso, atendendo aos pedidos anulatórios das deliberações condominiais formulados no requerimento inicial; se julgou verificada a exceção de caducidade da providência cautelar de suspensão das mesmas, considerando a mesma desde logo improcedente e, nessa medida, admitindo a cumulação de um procedimento cautelar comum com aquela; e se designou data para a realização da audiência final.
Posto isso, o requerente veio requerer a inversão do contencioso.
Foi, então, realizada a audiência final, desdobrada em duas sessões, cada uma delas adiada por uma vez, por motivo de falta justificada do requerente e da sua mandatária.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º, nº 1 c), 11º, nº 1 e da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente ação em 6.178,95 €.
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Discutida a causa, ficaram sumariamente provados os seguintes factos:
1. O requerente é proprietário, em comum com a sua mulher, da fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4º andar recuado, do prédio urbano sito na Rua Z, n.os 42 a 56, na cidade do Porto, estando descrito no respetivo título constitutivo da propriedade horizontal como uma habitação (…) composta por vestíbulo, copa, despensa, (…), varanda de serviço (…), terraço, arrumos na garagem.
2. No Proc. nº 256/2016, deste julgado de paz, foi proferida sentença, já transitada em julgado, na qual o ora requerente foi condenado, entre outros, a dar acesso ao terraço que serve a sua fração autónoma, através desta, ao aqui 1º requerido, para recolha de orçamentos para a realização de obras no edifício, bem como para efeitos de realização da mesma obra, se e quando a mesma for aprovada, na medida em que isso se mostre indispensável.
3. As fachadas norte e poente do edifício estão deterioradas, estando o revestimento da primeira descolado da parede.
4. Após a notificação da referida sentença, foram solicitadas ao requerente duas visitas técnicas pelo 1º requerido, tendo-se este deslocado ao terraço de uso exclusivo do requerente, no dia 19/07/2017, com elementos de duas empresas de construção civil, uma na parte da manhã e outra de tarde.
5. O requerente não foi informado do resultado das referidas visitas técnicas.
6. Na assembleia de condóminos de 06/10/2017, cuja ata foi recebida pelo requerente dez dias depois, foi aprovado por unanimidade dos presentes eleger a empresa K. e respetiva proposta, no valor de 15.550,00 €, para a execução da obra de reabilitação do terraço de cobertura.
7. Em 18/05/2017, o requerente obteve um orçamento, no valor total de 8.158,00 € + IVA, válido por trinta dias, para a execução de obras de impermeabilização do referido terraço.
8. A quota-parte do requerente no orçamento aprovado é de 3.483,60 €.
9. A sociedade comercial K é titular do NIPC 0, tem sede em Vila Nova de Famalicão e o capital social de 5.000,00 €, dividido em duas quotas iguais, sendo uma de L e outra de M.
10. Em 22/05/2017, o requerente solicitou uma vistoria de segurança/salubridade/arranjo estético à Câmara Municipal do Porto, o qual deu origem ao procedimento administrativo nº 0/0.
11. Em 13 de Junho de 2017, foi realizada a vistoria camarária, tendo comparecido três técnicos superiores da mesma, os quais lavraram o respetivo auto com o nº 0/0, do qual consta que “da vistoria efetuada, verificou-se que a habitação não oferece perigo para a segurança das pessoas, não oferece risco para a saúde das pessoas e não carece de melhoria do arranjo estético”, pelo que “não são necessárias obras de conservação, dado não se terem visualizado perigos para a segurança ou saúde das pessoas”.
12. Face ao teor do referido auto de vistoria, foi proposta a extinção do respetivo procedimento administrativo em 31/08/2017, tendo o requerente sido notificado dessa intenção camarária por ofício de 12/10/2017, para se pronunciar sobre a mesma no prazo de 15 dias úteis.
13. Há vários anos, o requerente e a esposa foram vítimas de um assalto na sua habitação, tendo ficado bastante fragilizados e angustiados, não mais o tendo esquecido.
14. A realização de obras no terraço provocará pó e barulho e impossibilitará o requerente e família de usufruir normalmente do mesmo.
15. Na assembleia de condóminos de 06/10/2017 foi ainda deliberado solicitar ao empreiteiro eleito orçamento para a reparação da fachada norte, na sequência das obras que se irão realizar no terraço e com vista a aproveitar os andaimes de acesso à obra.
16. O 1º requerido apresentou ao requerente, para pagamento por parte de este, contas relativas aos honorários da sua mandatária no processo com o nº 256/2016, explicando por carta, datada de 12/06/2017, a que se referiam os mesmos.
17. O requerente, neste momento e desde há mais de cinco meses, começou a sentir ansiedade relacionada com esta situação do condomínio.
18. O requerente teve que recorrer à urgência hospitalar, em 17/09/2017, por problema do foro neurológico.
19. A mulher do requerente, que com ele habita no 4º andar, é doente oncológica, operada por esse motivo aos 38 anos, sofre atualmente e de longa data de um quadro depressivo, reativo, arrastado e com forte componente ansiosa, além de doença respiratória e alérgica, com pneumopatias de repetição. Necessita de repouso pós-prandeal, em ambiente calmo, não sujeito a ruídos e não pode estar sujeita à inalação de poeiras, pelo que estão contraindicadas obras no seu local de habitação, que impliquem ruído e pó, sendo certo que a mesma necessita de residir em habitação resguardada e que não tenha entradas de vento nem humidades, constituindo um perigo para a sua saúde a sua remoção para habitação menos adequada.
20. Na sequência da referida sentença proferida no Proc. nº 256/2016, foi convocada e realizou-se, no passado dia 19/05/2017, uma assembleia de condóminos, na qual foi aprovada por unanimidade a execução das obras urgentes para a reposição das condições de segurança e salubridade do prédio, designadamente nos terraços de cobertura e todas as fachadas.
21. Foi ainda deliberado por unanimidade na mesma assembleia de condóminos, a constituição de uma comparticipação individual extraordinária para a realização das referidas obras, de valor equivalente ao montante mensal devido por cada condómino em função da permilagem da sua fração, a partir do mês de Junho e até ao final de 2017.
22. Na sequência dessa assembleia de condóminos, foi convocada uma nova assembleia de condóminos extraordinária revogatória, requerida pelo demandante, por pretender impugnar a validade de todas as deliberações nela tomadas, a qual viria a realizar-se no dia 11/07/2017, confirmando todas as referidas deliberações.
23. Foi, então, instaurada pelo requerente uma nova ação declarativa de anulação, que corre os seus termos sob o nº 368/2017, neste julgado de paz, visando a impugnação das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 19/05/2017, a qual se encontra ainda pendente e foi oportunamente contestada por todos os condóminos aí demandados.
24. Não obstante essa impugnação, o requerente já entregou para o fundo comum de reserva, a quantia de 456,32 €, estando, porém, por pagar o remanescente de 3.027,28 €.
25. Na sequência da adjudicação da obra à empresa acima identificada, foi celebrado entre o condomínio e aquela, em 24/10/2017, contrato de empreitada, tendo ficado convencionado que o início da obra teria início em 20/11/2017, o que foi notificado ao requerente por meio da referida carta do 1º requerido de 06/11/2017.
26. Tendo em consideração o conhecimento da presente providência cautelar no dia 17/11/2017, a administração do condomínio entendeu que seria melhor adiar o início da obra.

Os factos provados tiveram em conta os documentos constantes dos autos, nomeadamente as atas das assembleias de condóminos acima citadas, a correspondência entre as partes, fotografias do edifício, o auto de vistoria camarário, relatórios médicos, contrato de empreitada, mapa de distribuição da comparticipação extraordinária e recibos referentes à mesma, e ainda caderno de encargos e orçamento da obra de reabilitação do terraço, em conjugação com as declarações do 1º e 3º requerido e os depoimentos das testemunhas N, amigo da família do requerente, O, filha do requerente, P e Q, ambos moradores no edifício, do conjunto dos quais foi possível retirar a convicção de que esta situação conflituosa com os requeridos está a desgastar o requerente e esposa, os quais têm idade avançada e problemas de saúde, sem, contudo, resultar a mesma de qualquer intuito persecutório dos demais condóminos, os quais querem apenas intervir no edifício para reabilitar o mesmo e fazer cessar as infiltrações de água que os afetam, apesar da intransigência do requerente em se opor à realização das obras no referido terraço.
Por outro lado, os factos atinentes aos Proc. nº 256/2016 e nº 368/2017, foram distribuídos ao mesmo juiz, pelo que o conhecimento dos mesmos advém do exercício da sua função (cfr. artigo 412º, nº 2, 1ª parte, e 421º, nº 1 do CPC), apesar de ter sido também junta aos autos a sentença proferida no primeiro. Nesse sentido, o conhecimento do estado de conservação do edifício, nomeadamente das fachadas norte e poente, advém da inspeção ao local efetuada no processo mais antigo.
Em qualquer caso, os requeridos admitiram por acordo grande parte da factualidade alegada pelo demandante (n.os 1 a 19), divergindo apenas quanto ao alcance da deliberação impugnada.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Antes do mais, por uma questão de precedência lógica, impõem-se duas aclarações:
Em primeiro lugar, quando se decidiu no Proc. nº 256/2016 que o ora requerente ficava condenado, entre outros, a dar acesso ao terraço que serve a sua fração autónoma, através desta, ao aqui 1º requerido, para recolha de orçamentos para a realização de obras no edifício, bem como para efeitos de realização da mesma obra, se e quando a mesma fosse aprovada, na medida em que isso se mostrasse indispensável, a referida indispensabilidade referia-se à passagem forçada momentânea para a execução da obra, mas não à obra em si. Na verdade, estava em causa o acesso ao terraço para a recolha de orçamentos e para a realização da respetiva obra através da fração autónoma do aqui requerente, pelo que o tribunal decidiu obrigar este a franquear o acesso ao terraço para a recolha de orçamentos e, na medida em que isso fosse indispensável, para a realização das obras respetivas, se e quando as mesmas fossem aprovadas. Na verdade, se bem que a recolha de orçamentos tinha necessariamente de se fazer mediante o acesso ao terraço através da fração autónoma do demandado, a realização das obras no mesmo não implica necessariamente o atravessamento da fração deste. Com efeito, as obras podem ser realizadas a partir do exterior, mediante a instalação de andaimes, de tal modo que não seja necessária a passagem forçada momentânea pela fração do requerente.
Em segundo lugar, em matéria de suspensão e anulação de deliberações da assembleia de condóminos, o tribunal limita-se a fazer uma tutela da legalidade das mesmas, mas não do seu mérito. Deste modo, ainda que determinada deliberação não seja prioritária ou seja voluptuária ou desnecessária, o tribunal só pode verificar a sua conformidade com a lei ou regulamento anteriormente aprovados, conforme o disposto no artigo 1433º, nº 1 do Código Civil. Ou seja, o tribunal não se pode substituir aos condóminos na administração do seu património comum. E só não será assim se determinada deliberação for tomada com o propósito de prejudicar o condomínio ou algum dos condóminos, ou de assegurar vantagens especiais ilegítimas para outro, caso em que haverá abuso de direito (cfr. artigo 334º do Código Civil e artigo 58º, nº 1 b) do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por analogia).
Por outro lado, como já se escreveu na referida sentença, “O artigo 1421º, nº 1 b) do Código Civil estipula que “são comuns as seguintes partes do edifício: o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração”. Trata-se de disposição legal imperativa, como se depreende do confronto com o nº 2 do mesmo preceito legal, pelo que a sua violação importa a nulidade, ao menos parcial, do título constitutivo da propriedade horizontal (cfr. artigos 292º e 294º do Código Civil).
Assim sendo, a cláusula do título constitutivo da propriedade horizontal que descreve a composição da fração autónoma designada pela letra “I”, pertencente ao demandado, e integra o terraço na mesma, será nula nessa parte, a menos que seja interpretada como atributiva do uso exclusivo daquele ao referido proprietário.
De facto, o terraço em causa, como se percebeu aquando da inspeção ao local, serve de cobertura parcial às frações autónomas do 3º andar, situadas imediatamente por baixo do mesmo. Na verdade, a fração do demandado constitui um andar cimeiro recuado, pelo que a área sobrante da placa de cobertura do edifício conforma o referido terraço”.
Deste modo, não há dúvida que as obras de conservação do terraço do 4º andar competem ao condomínio, concretamente aos seus órgãos de administração (cfr. artigo 1430º, nº 1 do Código Civil).
Neste caso, a realização de obras no terraço foi aprovada por deliberação da assembleia de condóminos de 19/05/2017, tendo a assembleia de condóminos de 06/10/2017 vindo a aprovar o respetivo orçamento e a adjudicar a respetiva obra. É verdade que está pendente a referida ação de impugnação das deliberações tomadas na primeira, mas, atendendo ao regime da anulabilidade, as mesmas produzem os seus efeitos normais se e enquanto não forem anuladas, tanto mais que não foi pedida a sua suspensão.
Ora, como vícios desta última deliberação, o requerente limita-se a invocar a inconveniência da mesma, mas não a sua ilegalidade, salvo no que respeita ao abuso de direito, que se apreciará mais adiante.
Aliás, a vistoria da Câmara Municipal do Porto não é decisiva para o efeito em vista, quer porque a mesma não incidiu sobre todo o edifício, nomeadamente sobre as frações inferiores ao referido terraço, sendo, por isso, inconclusiva sobre a estanquicidade atual deste, quer porque o seu resultado não impede a assembleia de condóminos de fazer as obras de conservação que tiver por convenientes, desde que cumpra as normas do regime jurídico de urbanização e edificação. Na verdade, os pressupostos da intervenção da Câmara Municipal do Porto assentam na fiscalização do cumprimento de normas de interesse público e só a violação das mesmas implicaria a imposição de uma conduta ao condomínio, o que não foi o caso, tendo o procedimento administrativo sido arquivado. Deste modo, a vistoria da Câmara Municipal do Porto torna-se irrelevante para a decisão da causa, uma vez que não se aprecia nestes autos se as obras são indispensáveis para a conservação do edifício, mas sim se a deliberação que as aprovou sofre de algum vício que implique a sua invalidade.
Por outro lado, apesar de ter sido alegado o abuso de direito, não se evidencia que o exercício do direito de voto dos condóminos que aprovaram a realização da obra, ou melhor, o respetivo orçamento e a adjudicação da mesma, exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, nomeadamente por ter sido tomada com o propósito de prejudicar o demandante ou de garantir vantagens especiais para aqueles. Na verdade, considerando a prova produzida, ficou a ideia que os condóminos pretendem tão-só pôr termo a situações de infiltração de água nas suas frações, que deterioram as mesmas e constrangem a sua normal fruição. Trata-se de uma motivação perfeitamente razoável e legítima. Poder-se-á argumentar, como fez a ilustre mandatária do requerente, que não ficou demonstrado, nomeadamente por meio de prova pericial, que essas infiltrações tenham origem na deficiente impermeabilização do terraço, mas em qualquer caso ficou indiciada a sua elevada probabilidade. De resto, decorre das regras da experiência que a água escorre por efeito da gravidade, apesar de nem sempre ser fácil perceber os caminhos que percorre até aparecer à superfície, pelo que a afetação dos andares que têm o terraço como cobertura aponta nesse sentido. E, nesse cenário, é aceitável que se proceda por eliminação de hipóteses, pelo que, até por essa via, faz sentido realizar obras de impermeabilização do terraço.
Finalmente, no que respeita à colisão de direitos invocada pelo demandante, é certo que os direitos de personalidade, bem como o direito de propriedade, têm proteção constitucional e legal reforçada (cfr. artigos 25º, 26º, nº 1, 34º e 62º da CRP e 70º e ss. do Código Civil). Contudo, por seu turno, os requeridos também estão a exercer o seu direito de compropriedade sobre as partes comuns, procedendo à conservação das mesmas, pelo que não existe uma ofensa ou ameaça de ofensa ilícita aos direitos do requerente. Além disso, admitindo-se que haja colisão de direitos, esta dá-se entre direitos iguais ou da mesma espécie. Nessa medida, ambas as partes terão de ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer delas (cfr. artigo 335º, nº 1 do Código Civil). Deste modo, é inviável obstar à execução das referidas obras, embora se possam adotar providências para minorar os seus efeitos perturbadores.
Porém, desde logo, note-se que o direito de propriedade e de inviolabilidade do domicílio do requerente não está propriamente ameaçado pelos requeridos, mas sim, potencialmente, por terceiros que se possam aproveitar da instalação dos andaimes para trepar até ao 4º andar e penetrar na habitação daquele para lhe furtar os seus pertences. Ora, é certo que a realização de obras num edifício aumenta a vulnerabilidade das respetivas frações autónomas, como a experiência comum o demonstra. Contudo, neste caso, a ameaça atinge todos os moradores por igual, atendendo a que todos ficarão em situação de maior exposição a esse perigo. Deste modo, para acautelar o risco de furto ou roubo, faz sentido que o condomínio exija, por um lado, um seguro de responsabilidade civil ao empreiteiro da obra e, por outro, que contrate seguro sobre o conteúdo das frações autónomas, designadamente do requerente, durante o período de execução da mesma. Por outro lado, no que respeita à salvaguarda da integridade física do requerente e esposa, não é desajustado impor a presença de guarda-noturno que faça a vigilância do edifício durante esse período, dado que o custo salarial do mesmo se dilui entre todos os condóminos e pouco representa no valor global da obra.
No que respeita ao direito ao repouso, este está desde logo protegido pelas normas que regulam o período durante o qual é possível realizar trabalhos de construção civil (cfr. artigo 14º a) do Regulamento Geral do Ruído), pelo que bastará remeter para o cumprimento desse horário (8h-20h), recomendando que as mesmas decorram entre as 9h e as 18h, considerando a entrada em vigor da hora de verão no final deste mês e a duração da jornada laboral.
No que concerne ao estado de saúde do requerente, não se vislumbra em que medida é que a realização de obras de impermeabilização no terraço, por si só, poderá ter o condão de agravar o mesmo, à míngua de prova técnica que aponte nesse sentido. Por sua vez, quanto à sua esposa, não é a mesma parte no processo. Todavia, ainda assim, não se pode aceitar, em atenção ao disposto no artigo 368º, nº 2 do CPC, que se deixe de fazer as obras em função do estado de saúde da mesma, sob pena de agravamento da situação do edifício. Note-se que o requerente reside em zona densamente urbanizada e que o ambiente ao redor não é propriamente silencioso. Por outro lado, as obras terão a duração previsível de um mês. Deste modo, acautelado o risco de furto ou roubo, bem como o período de descanso do requerente e esposa, não se vê que subsista prejuízo de monta para a saúde dos mesmos pelo mero facto de decorrerem obras no terraço, que também servem para proteger e valorizar o seu património.
Finalmente, a privação temporária do uso do terraço mostra-se justificada pelo facto do mesmo carecer de obras de conservação, pelo que só mereceria reparação se as mesmas se estendessem para além do tempo razoável para o efeito, por facto imputável ao condomínio. Nesse caso, porém, não estará em causa um prejuízo dificilmente reparável, já que o mesmo poderia ser ressarcido por via indemnizatória.
Isto posto e considerando que o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, conforme o disposto no artigo 376º, nº 3 do CPC, tendo nomeadamente em conta o princípio da proporcionalidade (cfr. artigo 368º, nº 2 do CPC), decreto as providências acima enunciadas, impondo nomeadamente ao 1º requerido: a) que se abstenha de levar a efeito trabalhos no período compreendido entre as 20h e as 8h, definindo-se o intervalo temporal das 9h às 18h como o período recomendável para o efeito; b) que exija ao empreiteiro a quem a obra foi adjudicada apólice de seguro de responsabilidade civil que cubra os eventuais danos causados no edifício e pertences dos moradores pelos seus colaboradores, não podendo iniciar a obra sem a sua apresentação; c) que contrate seguro do recheio da habitação do requerente, salvo se o mesmo já for titular de apólice que cubra o mesmo risco, e facultativamente dos demais condóminos; e d) que contrate vigilante noturno (24h-8h) durante o período em que estiverem instalados os andaimes para a realização da obra.
Por sua vez, atento o exposto, não existe suporte factual para decretar a exoneração do administrador do condomínio, considerando que não há justa causa para o efeito.
Por último, considerando o requerido e tendo presente o disposto no artigo 369º, nº 1 do CPC, dispenso o requerente do ónus de propositura da ação principal.

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo o presente procedimento cautelar comum parcialmente procedente e provado, e, por via disso, condeno o 1º requerido:
a) A abster-se de levar a efeito trabalhos no terraço do 4º andar no período compreendido entre as 20h e as 8h, definindo o intervalo temporal das 9h às 18h como o período recomendável para o efeito;
b) A exigir ao empreiteiro a quem a obra foi adjudicada apólice de seguro de responsabilidade civil que cubra os eventuais danos causados pelos seus colaboradores ao edifício e a pertences dos moradores, não podendo iniciar a obra sem a sua apresentação;
c) A contratar seguro do recheio da habitação do requerente, salvo se o mesmo já for titular de apólice que cubra o mesmo risco, e facultativamente dos demais condóminos; e
d) A contratar vigilante noturno durante o período em que estiverem instalados os andaimes para a realização da obra;
Absolvendo os requeridos do demais peticionado.
Custas em partes iguais (cfr. artigos 607º, nº 6 do CPC e 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 9 de Março de 2018

O Juiz de Paz,


(Luís Filipe Guerra)