Sentença de Julgado de Paz
Processo: 532/2017-JPPRT
Relator: LUÍS FILIPE GUERRA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA À DISTÂNCIA
Data da sentença: 05/29/2018
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc. nº 532/2017

I. RELATÓRIO:
A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou a presente ação declarativa respeitante ao incumprimento contratual contra B Unipessoal, Lda., melhor identificado a fls. 23, pedindo a condenação do mesmo a ressarci-lo dos prejuízos causados no valor de 765,99 €, acrescido de juros de mora à taxa legal, bem como de todos os prejuízos resultantes da impossibilidade de utilizar o telemóvel, no valor de 50,00€/dia, dos custos de serviços de telecomunicações contratados dos quais não pôde usufruir plenamente, nomeadamente chamadas móveis e fixas, mensagens escritas, utilização de dados da Internet e acesso a redes wi-fi, tanto da residência como externas, no valor de 25,50€/dia, dos danos morais causados ao demandante, no valor de 1.000,00 €, dos custos relacionados com várias deslocações ao Centro Arbitral do Porto e aos Julgados de Paz do Porto, dezenas de telefonemas e correios eletrónicos enviados e horas perdidas na tentativa de obter o justo reembolso e ainda de todos os custos decorrentes desta ação, tanto administrativos como relacionados com deslocações passadas e futuras e pelas ausências justificadas ou injustificadas ao trabalho.
Para tanto, o demandante alegou, em síntese, que comprou na loja virtual da demandada, em 08/08/2017, pelo preço de 765,99€, um telemóvel novo, DUAL SIM, para uso pessoal e profissional, dado necessitar de substituir o seu aparelho, contra a garantia de disponibilidade do equipamento e de entrega no prazo máximo de 48 horas, em face do que fez o respetivo pagamento por transferência bancária, remetendo o respetivo comprovativo à demandada por correio eletrónico, a qual acusou a sua receção no dia seguinte, sem que esta, contudo, tenha procedido à entrega do equipamento, levando o demandante a efetuar, em 06/09/2017, pedido de anulação da encomenda e de reembolso do valor transferido, sem que isso tenha acontecido até hoje, causando-lhe prejuízos decorrentes da privação do uso, nomeadamente para fazer fotografias e vídeos em contexto familiar e profissional, para o que escolhera aquele telemóvel em concreto, bem como da angústia sofrida com a situação, dos custos suportados com telecomunicações de não pôde usufruir e com deslocações e tempo perdido.
Para prova da factualidade alegada, o demandante juntou aos autos cinco documentos.
Regularmente citada, a demandada não apresentou contestação.
Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que as partes faltaram à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade.
Foi, por isso, marcada a audiência de julgamento, mas a demandada não compareceu à mesma, sem que tenha vindo a apresentar justificação.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 i) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há nulidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.
Isto posto, fixa-se o valor da ação em 2.035,00 € (cfr. artigo 297º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Assim, cabe apreciar e decidir:

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
Nos termos do artigo 58º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, consideram-se confessados os factos alegados pela demandante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que corresponde no essencial à síntese da sua posição acima apresentada.
Assim sendo, dá-se aqui igualmente por reproduzido o teor dos documentos juntos pelo demandante como suporte probatório da sua alegação.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
As partes celebraram entre si um contrato de compra e venda à distância, previsto e regulado pelo Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de fevereiro. Com efeito, o artigo 3º f) deste diploma legal estabelece que o «Contrato celebrado à distância» é um contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração.
Nos termos do artigo 4º do referido diploma legal, o vendedor está obrigado a facultar ao consumidor informação pré-contratual clara e compreensível, em tempo útil, nomeadamente quanto ao preço total, incluindo transportes ou despesas de envio ou entrega, ao modo de cálculo do mesmo, ao direito de livre resolução e respetivo prazo e condições, cabendo-lhe o ónus da prova do cumprimento da referida obrigação.
Por outro lado, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve confirmar a celebração do contrato à distância no prazo de cinco dias contados dessa celebração e, o mais tardar, no momento da entrega do bem ou antes do início da prestação do serviço, realizando essa confirmação com a entrega ao consumidor das informações pré-contratuais acima aludidas em suporte duradouro (cfr. artigo 6º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma legal).
Por sua vez, o direito de livre resolução e as suas consequências para o fornecedor dos bens e o consumidor estão regulados nos artigos 10º a 13º do citado diploma legal, destacando-se que este dispõe do prazo de catorze dias para o seu exercício, sem quaisquer custos, salvo os da devolução dos bens, se isso constar da informação pré-contratual, devendo enviar os bens de volta no prazo de catorze dias após a comunicação da decisão de resolução, enquanto o primeiro deve reembolsar o outro do preço pago em prazo idêntico após a resolução contratual.
Finalmente, nos termos do artigo 19º, nº 1 do mesmo diploma legal, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve dar cumprimento à encomenda no prazo máximo de 30 dias, a contar do dia seguinte à celebração do contrato, salvo acordo em contrário entre as partes. Em caso de incumprimento do contrato devido a indisponibilidade do bem ou serviço encomendado, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve informar o consumidor desse facto e reembolsá-lo dos montantes pagos, no prazo máximo de 30 dias a contar da data do conhecimento daquela indisponibilidade (cfr. nº 2 do mesmo preceito legal).
E decorrido o prazo previsto no número anterior sem que o consumidor tenha sido reembolsado dos montantes pagos, o fornecedor fica obrigado a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do seu direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que possa ter lugar (cfr. nº 3 da citada disposição legal).
Neste caso, a demandada não entregou o aparelho adquirido pelo demandante no prazo acordado nem no prazo legal, pelo que se constituiu na obrigação de reembolsar o demandante do montante despendido por este no prazo de trinta dias após o termo do prazo de entrega. Com efeito, face à falta de entrega do equipamento no prazo legal, deve presumir-se que o mesmo estava indisponível para o efeito, com as consequências legais. Não tendo procedido ao reembolso naquele prazo, a demandada ficou, além do mais, obrigada a indemnizar o demandante pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que o mesmo possa ter sofrido, independentemente do pedido de anulação da encomenda que este veio a fazer, nos termos previstos contratualmente.

Assim, desde logo, a demandada terá que ser condenada a restituir ao demandante a quantia de 765,99 €, correspondente ao preço do telemóvel comprado por este e que não lhe chegou a ser entregue. É certo que o demandante poderia ter direito a receber esse valor em dobro, mas não o veio pedir, pelo que não pode o tribunal conceder-lhe o mesmo (cfr. artigo 609º, nº 1 do Código de Processo Civil).
No que respeita aos danos patrimoniais e não patrimoniais, não se pode esquecer que a obrigação de indemnização visa reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, só existindo em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigos 562º e 563º do Código Civil).
Ora, por um lado, o demandante refere-se a danos patrimoniais por não ter podido utilizar o telemóvel no exercício da sua atividade profissional, mais a mais tendo em conta as suas características de captação de fotografia e vídeo excelentes e, por outro, refere a angústia sentida por não ter podido tirar proveito do mesmo para registar as primeiras semanas de vida da sua filha, nascida a 06/10/2017. Além disso, o demandante alega ainda que não pôde usufruir plenamente dos serviços de telecomunicações por si contratados e que teve que perder tempo e suportar custos de deslocações para o tribunal arbitral e o julgado de paz.
No que se refere aos primeiros, admite-se, na linha do que defende Abrantes Geraldes, no seu livro “Temas da Responsabilidade Civil”, Vol. I., 3ª edição, Almedina, 2007, pág. 101, que “a indemnização pela privação do uso do bem pode ser o resultado de incumprimento de tal obrigação (de entrega da coisa ao comprador), impedindo o adquirente, para quem se transferiu o direito de propriedade, de beneficiar da sua fruição e disponibilidade”. E, na esteira deste autor, aceita-se que “mesmo quando se trate de veículo (ou outro bem) em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos, tendo em conta a mera indisponibilidade do bem” (obra citada, pág. 91), a quantificar com recurso à equidade (cfr. artigo 566º, nº 3 do Código Civil).
Neste caso, o demandante esteve privado do bem desde o dia 10 de Agosto de 2017 (termo do prazo contratual de entrega) até ao momento em que pediu a anulação da encomenda, em 06/09/2017 dado que a partir daí pretendeu anular a encomenda, tendo direito ao reembolso do preço e aos respetivos juros de mora. Ora, atendendo ao tipo de equipamento em causa, afigura-se que o valor de 50,00€ por dia é manifestamente exagerado, devendo o mesmo fixar-se em 5,00€ diários, no total de 135,00 €.
Quanto aos demais danos patrimoniais, não estão os mesmos suficientemente caracterizados e concretizados para poderem ser atendidos. Na verdade, o demandante não explicita que serviços de telecomunicações havia contratado e de que não pôde tirar proveito, mormente qual o seu preço nem qual a frequência de recurso ao telemóvel como meio de comunicação quer oral quer escrita, pelo que não é possível concluir que o mesmo tenha sofridos quaisquer danos por esse motivo. Do mesmo modo, no que respeita às deslocações e tempo perdido, com vista a obter o reembolso, o demandante não concretiza qual o custo efetivamente suportado nem se teve lucros cessantes por efeito da perda de tempo, pelo que o tempo perdido entra no domínio dos transtornos e aborrecimentos que, como se sabe, não revestem a gravidade suficiente para merecer a tutela do direito (cfr. artigo 496º, nº 1 do Código Civil).
Por contraste, tendo ficado provado que o demandante sentiu angústia por ter ficado privado do telemóvel e do preço por ele desembolsado, tem o mesmo direito a uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos a este título, a fixar por equidade, nos termos do artigo 496º, nº 3 do Código Civil. Assim, considerando o que está em causa, afigura-se equitativo fixar o montante da compensação devida em 500,00 € (cfr. artigo 494º do Código Civil).

V. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia global de 1.400,99 € (mil e quatrocentos euros e noventa e nove cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.
Custas por demandante e demandada na proporção do respetivo decaimento, fixando as mesmas em 30% para o primeiro e 70% para a segunda (cfr. artigos 607º, nº 6 do CPC e 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 29 de maio de 2018

O Juiz de Paz,

(Luís Filipe Guerra)