Sentença de Julgado de Paz
Processo: 46/2016-JP
Relator: ISABEL ALVES DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO; EXEQUENTE; AGENTE DE EXECUÇÃO
Data da sentença: 10/03/2017
Julgado de Paz de : CASTRO VERDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Demandante: A, NIPC …, com sede na Rua … Castro Verde, aqui representada pela sócia gerente com poderes para o acto, B, com residência na Rua … Castro Verde
Mandatária: C, advogada, com escritório na Avenida … Castro Verde
Demandada: D, NIPC …, com sede na Rua … Lisboa
Mandatário: E, advogado, com escritório na Rua …
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I. Relatório

A demandante A intentou a presente acção pedindo a condenação da demandada D a pagar-lhe a quantia de 13.972,68€ pelos danos patrimoniais sofridos em resultado da afixação de edital de penhora na porta principal do estabelecimento de turismo rural que explora, já após a extinção do processo executivo.

Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 3 e juntou treze documentos, que aqui se dão por reproduzidos.

A demandada foi regularmente citada e contestou nos termos constantes de fls. 39 a 52 dos autos, invocando a ilegitimidade da demandante e impugnando todo o demais, concluindo pela improcedência da acção e pela absolvição do pedido. Juntou dois documentos, que também se dão por reproduzidos.

O litígio não foi submetido a mediação. Para a instrução do processo foi determinada a junção de duas certidões do processo n.º 54/2015 que correu termos neste Julgado de Paz entre as aqui demandante e demandada, contendo quatro documentos, e a demandante juntou certidão permanente do registo predial do prédio urbano propriedade da sua gerente e cópia de contrato de comodato, que aqui se dão igualmente por reproduzidos.

Realizou-se a audiência de julgamento, não tendo as partes apresentado prova testemunhal.


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II. Fundamentação da matéria de facto

Factos provados

Com relevância para o conhecimento do mérito da causa, estão provados os seguintes factos:

1 – A demandante é uma sociedade comercial cujo empreendimento turístico, denominado F está instalado no prédio urbano sito na Rua … Castro Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial de Castro Verde sob o n.º …. (doc. fls. 86-87, que se dá por reproduzido, consignando-se que o mesmo se encontra incompleto).

2 – O prédio urbano referido em 1. é propriedade da gerente da demandante, B, que o cedeu à demandante por comodato (doc. fls. 86-87 e doc. fls. 88-89, que se dão por reproduzidos).

3 – Entre a gerente da demandante e a demandada correram termos o processo n.º 54/2015 no Julgado de Paz de Castro Verde e o processo executivo n.º 99/15.5T8ORQ no Tribunal da Comarca de Beja, Instância Local de Almodôvar, secção de competência genérica J-1.

4 – No âmbito do processo n.º 99/15.5T8ORQ foi penhorado o prédio identificado em 1.

5 – No processo n.º 54/2015, foi homologado, em 12-05-2016, um acordo entre as partes no qual a gerente da demandante reconheceu a existência de uma dívida à demandada, que era objecto do processo executivo n.º 99/15.5T8ORQ.

6 – À data deste acordo haviam já sido efectuados pagamentos parciais, pelo que o montante em dívida era então de 1.122,09€ (doc. fls. 6-9, que se dá por reproduzido).

7 – A gerente da demandante obrigou-se a efectuar o pagamento da referida quantia em duas prestações, uma até ao dia 15-05-2016 e outra até ao dia 15-06-2016 (doc. fls. 6-9, que se dá por reproduzido).

8 – Mediante o pagamento integral e tempestivo das duas prestações por parte da demandante e boa cobrança por parte da demandada, esta obrigou-se a extinguir o procedimento executivo no processo n.º 99/15.5T8ORQ e a levantar a penhora (doc. fls. 6-9, que se dá por reproduzido).

9 – A gerente da demandante pagou integral e atempadamente as duas prestações acordadas.

10 – Em data não concretamente apurada do mês de Junho, mas anterior a 30-06-2016 (data da entrada da presente acção) foi afixado na porta principal da “F” um edital a anunciar a penhora do imóvel referido em 1 (doc. fls. 10, que se dá por reproduzido).

11 – O edital foi colocado em sobreposição ao letreiro da demandante onde está afixado o horário de funcionamento e os contactos para reservas de alojamento, informações que deixaram de estar visíveis (docs. fls. 11, 12, 13, 14 e 15, que se dão por reproduzidos).

12 – Após o pagamento da segunda prestação, a mandatária da demandante entrou em contacto com a mandatária da demandada no processo n.º 54/2015JPCV, solicitando-lhe que, em cumprimento do acordado, diligenciasse no sentido da extinção da instância executiva, do levantamento da penhora e da remoção do edital, ao que a advogada respondeu que já tinha cessado a sua intervenção no processo.

13 – A acção executiva a que se refere o processo n.º 99/15.5T8ORQ foi declarada extinta pelo agente de execução em 28-03-2016, declaração que foi notificada à gerente da demandante e à demandada (doc. fls. 5, que se dá por reproduzido).

14 – Em 28-03-2016 o agente de execução notificou a demandada para declarar se prescindia ou não da penhora, sob pena de, na sua omissão, a mesma não se converter em hipoteca ou penhor (doc. fls. 66 e 111), ao que a demandada respondeu em 04-04-2016, declarando não prescindir da penhora e requerendo a sua conversão para garantia do crédito exequendo (doc. fls. 64-65, que se dá por reproduzido).

15 – Em 18-07-2016, o agente de execução procedeu ao registo do levantamento da penhora do imóvel referido em 1 (doc. fls. 75, que se dá por reproduzido).

16 – A afixação do edital motivou rumores e especulações na localidade de Piçarras, nomeadamente “se era o banco que vinha buscar a casa”.

17 – A gerente da demandante sentiu-se envergonhada e não aceitou reservas de pessoas que conhecia e de emigrantes que eram da terra.

Factos não provados

Não se provou que:

- Desde o mês de Junho de 2016, inclusive, que a demandante não recebe hóspedes;

- O dano patrimonial sofrido pela demandante é o equivalente às receitas obtidas em 2015, no valor total de 13.972,68€.

Motivação da matéria de facto

Os factos provados resultaram quer do acordo das partes (factos 3 a 9, 12 e 13) quer do teor dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados. Para a prova dos factos 16 e 17 atendeu-se às declarações da gerente da demandante, que mereceram credibilidade.

Quanto aos factos não provados, os mesmos resultaram da ausência de prova.


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III. Fundamentação de direito

Questão prévia - Da ilegitimidade da demandante

A demandada, na sua contestação, invocou a ilegitimidade da demandante por, no seu entender e em suma, a mesma fundar a sua pretensão numa fonte de obrigação da qual não participa já que “não é parte do acordo em cujo incumprimento se baseia para peticionar a indemnização que peticiona contra a Demandada”.

Dada a palavra à demandante, em sede de audiência de julgamento para se pronunciar, a mesma pugnou pela sua legitimidade porquanto, em resumo, é a demandante que faz a exploração do imóvel penhorado e foi na sua esfera jurídica que se produziram os danos.

De acordo com o artigo 30.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável nos termos do artigo 63.º da LJP, a legitimidade afere-se pelo interesse directo do demandante em demandar e pelo interesse directo do demandado em contradizer, sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida num processo em concreto, tal como é configurada pelo autor.

Neste caso em concreto, a demandante visa, com a presente acção, ser ressarcida pelos danos causados na sua esfera jurídica derivados da falta de clientela que, na sua tese, foram provocados pela afixação de edital de penhora do imóvel onde tem instalado o empreendimento turístico que explora. Imputa essa responsabilidade à demandada na qualidade de exequente no processo executivo no âmbito do qual foi efectuada a penhora e em que é executada a gerente da demandante, com quem celebrou contrato de comodato do referido imóvel.

Nestes termos, considerando a forma como configurou a acção e formulou a causa de pedir e o pedido, e atendendo ao que é disposto no n.º 2 do artigo 30.º do CPC, a demandante tem interesse em demandar, pelo que improcede a invocada excepção de ilegitimidade activa.


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Quanto ao peticionado nos autos, a demandante ancora a sua pretensão indemnizatória contra a demandada na responsabilidade civil por factos ilícitos.

O artigo 483.º do Código Civil determina que «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação». Refere lapidarmente Antunes Varela que “A simples leitura do preceito mostra que vários pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante” (Das obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª ed., p. 525), enumerando o Autor: “a) o facto (controlável pela vontade do homem); b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano: e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano” (p.526).

No caso em apreço a demandante imputa a lesão do seu património à afixação do edital relativo à publicitação da penhora do imóvel no qual tem instalado o seu empreendimento de turismo rural. Ora, essa afixação é da responsabilidade do agente de execução, conforme o n.º 3 do artigo 755.º do CPC, e não da demandada. Além disso, ficou provado o comportamento processual da demandada no processo executivo no sentido de seguir os trâmites previstos na lei (cfr. factos provados 13, 14 e 15), não se provando qualquer conduta por acção ou omissão a que a demandada estivesse obrigada e tivesse sido violada.

Por outro lado, sendo o edital relativo a uma penhora efectuada em 09-06-2015 e tendo sido afixado em Junho de 2016, após declaração de extinção da execução efectuada pelo agente de execução em 28-03-2016 e do acordo de pagamentos firmado em 12-05-2016 entre a gerente da demandante e a demandada, no âmbito do processo n.º 54/2015-CV, ou seja, em momento processual desajustado, questiona-se se a demandada e exequente no processo de execução n.º 99/15.5T8ORQ, responde pelo acto praticado pelo agente de execução.

Para ocorrer responsabilidade pelo acto praticado por outrem é necessária a existência de um vínculo jurídico, contratual ou legal, com o causador dos danos. Atendendo às relações que se estabelecem entre exequente e agente de execução no âmbito do processo executivo, verifica-se que o exequente designa o agente de execução, pode substituí-lo (expondo os motivos para tal) mas não pode destituí-lo, acto que apenas cabe ao órgão com competência disciplinar (artigo 720.º do CPC). Por seu turno, o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes e Execução, aprovado em anexo à Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, estabelece que «O agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa» (artigo 162.º, n.º 3) e o Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pelo Regulamento n.º 202/2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2015) determina que «O agente de execução, mesmo que seja nomeado pelo exequente, não é dele mandatário ou representante». Este aspecto tem sido também evidenciado na jurisprudência. O Ac. STJ de 06-07-2011, proferido no processo n.º 85/08.1TJLSB.L1.S1, esclareceu que “O solicitador de execução não atua como mandatário das partes e está sujeito a um tarifário pelos honorários”. No Ac. RL de 28-06-2016 (processo n.º 517/14.0T8AMT-A.P1) considerou-se que não se aplicam as regras do mandato entre exequente e agente de execução uma vez que este não se obriga a praticar actos jurídicos por conta do exequente, mas, sim, a colaborar com o Tribunal no âmbito do processo executivo e nos termos previstos no Código de Processo Civil. É, pois, com autonomia estatutária e profissional que o agente de execução desenvolve a sua actividade, inexistindo qualquer relação do tipo comitente-comissário entre ele e o exequente, nem o agente de execução é representante legal ou auxiliar do exequente.

Considerando todo o exposto, não pode a demandada ser responsabilizada pela afixação do edital referido nos autos, seja porque tal afixação não se mostra contida no seu domínio da vontade, seja porque não se provou que tenha resultado de qualquer acto ou omissão praticado pela demandada enquanto exequente no processo n.º 99/15.5T8ORQ ou enquanto demandada no processo n.º 54/2015-CV, seja porque entre exequente e agente de execução não existe qualquer vínculo jurídico que implique a responsabilidade daquele pelos actos deste.

Face ao exposto, está prejudicada a análise dos restantes pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

IV. Decisão

Nestes termos, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a demandada D do pedido formulado pela demandante.

Custas:

A demandante é declarada parte vencida para efeito de custas, pelo que deve efectuar o pagamento de 35€ (70-35€ já pagos), neste julgado de paz, no prazo de três dias úteis, a contar do conhecimento desta decisão, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00€, por cada dia de atraso (artigos 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro, e n.º 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).

Reembolse-se a demandada, no valor de 35€ (artigo 9.º da mesma Portaria).


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Registe e notifique – artigo 60.º, n.º 2 da LJP.

Castro Verde, 3 de Outubro de 2017

A Juiz de Paz

Isabel Alves da Silva