Sentença de Julgado de Paz
Processo: 129/2017-JP
Relator: JOÃO CHUMBINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 10/18/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, solteiro, contribuinte fiscal n.º …., portador do cartão de cidadão n.º …, residente na Rua … Alcochete;
Demandado: B Pessoa Colectiva n.º …, com sede no … Lisboa.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou contra a Demandada uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a responsabilidade civil contratual e extracontratual, pedindo que este Tribunal condene a Demandada na obrigação de pagar ao Demandante a quantia de €: 2.537,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Alegou para tanto, e em síntese, que a Demandante solicitou por conversa telefónica à Sr.ª C, residente no Brasil, a compra de um aparelho de Fisioterapia/ Medicina (K… Bio) em Julho de 2016, no valor de €: 1.537,00. Alegou ainda que o aparelho se destinava a ser entregue no Largo … Alcochete, tendo a encomenda postal com o n.º …. BR, saído do Brasil no dia 8 de Agosto de 2016, sido desalfandegada no dia 5 de Setembro de 2016 e entregue aos B, tal como comprova o pagamento aos correios do valor de €: 171,00. O Demandante alegou ainda que apresentou diversas reclamações junto da Demandada, cujas respostas foram sempre que não seria possível localizar o aparelho, mudando a resposta na última reclamação, em que foi dito que a responsabilidade seria do remetente, ao que o remetente respondeu que a responsabilidade seria da Demandada, devendo a Demandada entregar o objecto, ou pagar o seguro.
A Demandada, regularmente citada, contestou, alegando que, enquanto a correspondência não é entregue ao seu destinatário, a Demandada é apenas responsável perante o remetente, não sendo o Demandante parte legítima para intentar a presente acção, requerendo a absolvição da instância. Alegou ainda que o Demandante não identifica os danos concretos sofridos, patrimoniais ou não patrimoniais, geradores da obrigação de indemnizar, consistindo isto numa ausência de causa de pedir, e consequente ineptidão da petição inicial. A Demandada alegou ainda o desconhecimento de certos factos alegados pelo Demandante, impugnando expressamente todo o articulado. Alegou ainda que, da parte do remetente, não houve qualquer reclamação junto do operador postal brasileiro, o que é obrigatório para o accionamento de qualquer procedimento de apuramento de responsabilidade e consequente indemnização. Para finalizar, a Demandada alegou que, a existir responsabilidade, seria única e exclusivamente perante o remetente, em casos de perda, espoliação ou avaria causados por sua culpa, sendo a indemnização limitada pelos valores legalmente previstos.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como da acta se alcança.
Cumpre apreciar e decidir.

Da Ilegitimidade Activa
A Demandada, em sede de contestação, vem alegar que o Demandante não é parte legítima dado que não celebrou qualquer contrato para expedição da encomenda, no entanto, o Demandante não assenta a sua pretensão no referido contrato, mas sim na conduta da Demandada enquanto prestadora de serviços públicos essenciais e, portanto, nos termos do artigo 30.º, do Código de Processo Civil, o Demandante tem interesse directo em Demandar e é parte legítima e, por isso, a excepção não poderá proceder.

Da Ineptidão do Requerimento Inicial
Decorre da leitura do processo que os pedidos são inteligíveis e que a causa de pedir é suficiente para o Tribunal se pronunciar sobre os pedidos do Demandante, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho e nos termos do artigo 2.º da mesma Lei, tendo presente que o Demandante alega o seu crédito, alegando os factos que consubstanciam a fonte da obrigação tendo o Demandante em sede de requerimento a fls. 56 e seguintes que os danos não patrimoniais se concretizam na privação de uso, por um lado, e a qualidade de destinatário de serviços públicos, o que remete para a aplicação do Regime Jurídico dos Serviços Públicos Essenciais.
Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III - FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados resultam, quer do depoimento da testemunha apresentada pela Demandada, quer dos documentos apresentados pelo Demandante e pela Demandada, que se encontram junto aos autos de folhas 3 a 18, 34 a 39.
Dispõe o n.º 1 do artigo 60.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que a sentença deve conter uma sucinta fundamentação.
Resulta da matéria provada que o Demandante solicitou por conversa telefónica à Sr.ª C, residente no Brasil, a compra de um aparelho de Fisioterapia/ Medicina (K… Bio) em Julho de 2016, no valor de €: 1.537,00. Resultou ainda provado que o aparelho se destinava a ser entregue no Largo…. Alcochete, tendo a encomenda postal com o n.º …… BR, saído do Brasil no dia 8 de Agosto de 2016, sido desalfandegada no dia 5 de Setembro de 2016 e entregue aos B. (provado por doc. 6 e declarações do Demandante). Ainda resultou provado que o Demandante apresentou diversas reclamações junto da Demandado, cujas respostas foram sempre que não seria possível localizar o aparelho, mudando a resposta na última reclamação, em que foi dito que a responsabilidade seria do remetente, ao que o remetente respondeu que a responsabilidade seria do Demandado.
Apesar da testemunha apresentada pela Demandada, Senhora D ter referido que foi efectuado um seguro e declarado um valor para efeitos de indemnização no valor de €: 1849,00, o que resulta provado pelo depoimento da testemunha, não resultou provado que essa quantia tenha sido paga pela Demandada aos Serviços Postais Brasileiros, face à contradição entre o depoimento da testemunha e o teor das declarações constantes do documento junto a fls. 66 e 68, de onde não resulta que tenha sido paga qualquer indemnização, ónus que caberia à Demandada, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Nos termos do artigo 406.º do Código Civil “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.” Resultou provado que a remetente, C, celebrou um contrato com os Serviços Postais Brasileiros nos termos do qual estes se obrigavam ao envio de um aparelho de fisioterapia, equipamento adquirido pelo Demandante à Senhora C, pela quantia de €: 1537,00. Resultou igualmente provado que não foi o Demandante que celebrou o contrato com os serviços postais brasileiros, mas sim a remetente.
Neste contexto a pretensão do Demandante apenas pode ser aferida à luz da responsabilidade civil extracontratual. Nos termos do artigo 483.º do Código Civil “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” A responsabilidade civil pressupõe a verificação de pressupostos, a saber: ilicitude; culpa; dano e nexo de causalidade.
A Lei n.º 23/96, de 26/07 (com a redacção decorrente da Lei n.º 44/2011, de 22/06) regula o regime de prestação dos serviços públicos essenciais (LSPE) com vista à protecção do utente, estabelecendo o seu artigo 3.º um princípio geral que é o seguinte “O prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger”, impondo a referida lei elevados padrões de qualidade na prestação desses serviços (artigo 7.º). Nos termos do artigo 7.º, LSPE exigia padrões de qualidade o que não se verificou, ou seja, apesar da Demandada ter tido acesso ao objecto o mesmo não foi entregue ao Demandante, tendo a Demandada assumido a responsabilidade junto dos Serviços Postais Brasileiros.
A Conduta da Demandada é censurável à luz do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, porque violou o dever prestação de um serviço de qualidade como estava obrigado qualquer prestador médio e porque não teve em conta os interesses do utente (artigo 3.º LSPE), o ora Demandante.
Quanto aos danos, em face da matéria alegada e das declarações do Demandante em Tribunal, de onde se comprovou que o Demandante pagou por um equipamento a quantia de €: 1537,00 ao remetente e, portanto, dado o extravio do bem o dano patrimonial apurado é o respectivo preço que pagou pelo bem. A Demandada alega que a convenção Postal Universal ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 36-A/2004, de 11 de Maio, aplicável à situação em concreto, apenas atribui o direito de indemnização ao remetente e junto dos Serviços Postais Brasileiros, mas certo é que o n.º 7 do artigo 34.º do referido diploma, refere que quando é devida indemnização no caso de um objecto com valor declarado, que é o caso, o direito à indemnização pode ser exercido quer pelo remetente, quer pelo destinatário, o ora Demandante. Resultando do doc. 11 do processo, a fls. 14, que a remetente cedeu o direito à indemnização ao destinatário, o ora Demandante, estipulando o artigo 77.º, n.º 4, do Regulamento do Serviço Público de Correios – Decreto lei n.º 176/88, de 18 de maio que “O remetente ou o destinatário têm a faculdade de ceder o direito à indemnização entre si ou a terceiro.” Importa referir que, no caso em apreço, não se verifica qualquer das situações que excluem a responsabilidade da Demandada previstas no artigo 75.º, do Regulamento do Serviço Público de Correios – Decreto-lei n.º 176/88, de 18 de maio, aliás, a própria Demandada, com decorre do artigo 25.º da contestação, confessou que “…enquanto operadora postal do destino informou o operador postal do remetente, situado no Brasil, assumindo o extravio e o valor da indemnização…”, no entanto, não resultou provado que a Demandada pagou qualquer quantia aos Serviços Postais Brasileiros.
Além disso, a alegação da Demandada de que o valor da indemnização deve estar limitado aos valores legalmente previstos no n.º 2.1, do artigo 34.º, da Convenção Postal Universal é abusiva à luz do artigo 334.º do Código Civil, pois a Demandada tem conhecimento que a referida expedição foi objecto de valor declarado.
Quanto aos danos não patrimoniais no valor de €: 1000,00, o Demandante não provou a gravidade dos danos exigível à luz do artigo 496.º, n.º1, do Código Civil, ónus que lhe cabia nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, dado que subsumiu os danos de privação de uso a danos não patrimoniais
A conduta ilícita e culposa da Demandada, além de ter aumentado o risco de ocorrência do resultado, foi, nos termos do artigo 563.º do Código Civil, a causa adequada para a ocorrência dos danos sofridos pelo Demandante na quantia de €: 1537,00.
Assim, o Demandante é credor da Demandada na quantia de €: 1537,00.

IV- DECISÃO
Em face do exposto, A Demandada, B,, é condenada na obrigação de pagar à Demandante a quantia de €: 1537,00 (mil quinhentos e trina e sete euros) e absolvida do restante pedido

Custas a de €: 17,00 a pagar pela Demandada, B com a restituição de € 17,00 ao Demandante, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro
A Demandada deverá efectuar o pagamento das custas em dívida num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Decorridos dez dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efectuado o pagamento, será enviada certidão para execução por custas aos Serviços do Ministério Público junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, pelo valor então em dívida, que será de € 117,00 (cento e dezassete euros).
A data da leitura de sentença foi previamente agendada.
Registe e notifique. Arquive, após trânsito em julgado.
Julgado de Paz de Lisboa, 18 de outubro de 2017
Processado por meios informáticos
Revisto pelo signatário. Verso em branco

O Juiz de Paz
(João Chumbinho)