Sentença de Julgado de Paz
Processo: 679/2016-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - CONTRATO DE EMPREITADA
Data da sentença: 09/28/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença

Processo n.º 679/2016 -JP
Matéria: Incumprimento Contratual
(alínea i) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objecto: Contrato de empreitada.
Valor da acção: €2.300,00 (dois mil e trezentos euros)

Demandante: A, Rua -------------------------------- Paço de Arcos.
Mandatário: Dra. B, Advogada e Dra. C, Advogada, com domicílio profissional na Rua ------------------------------------ Lisboa.
Demandada : D- Projectos e Construção, ENI, Rua Santarém ----------------------e Rua da ----------------------------------------- Lisboa. Mandatário: Dra. E, Advogada, com domicílio profissional na Rua ------------------------------------------------- Algés.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 3
Pedido: Fls. 3.
Junta: 9 documentos.

Contestação: A fls. 60 e segs.
Tramitação:
Foi realizada mediação não tendo as partes logrado acordo susceptível de pôr fim ao litígio.
Foi marcada audiência para o dia 07 de junho de 2017, pelas 11h e 30m, que continuou em 07 de julho de 2017, pelas 15h, sendo as partes notificadas para o efeito.

Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 152 a 157.
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Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – A demandante tem registado a seu favor a aquisição por compra, com data de 05 de junho de 2015, do imóvel sito na Rua do -------------- em Lisboa (cfr. doc.1, fls. 4, cujo teor se dá por reproduzido);
2 – Na fase de negociações para a compra a demandante contatou o demandado, na sua qualidade de projectista, com vista à realização de intervenções de manutenção e reabilitação do imóvel, tendo o demandado feito ”démarches” junto da CML, deslocações ao imóvel e a outros locais onde se reuniu com a demandante (admitido);
3 – Em 16 de janeiro de 2015, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu uma intimação dirigida aos então proprietários para realização de obras (cfr. doc. de fls. 97 e 98);
4 – Em abril de 2015 o demandado enviou ao companheiro da demandante, com conhecimento a esta, desenhos por si realizados (fls. 106 a 108, admitido pela demandante);
5 - Em 29 de abril de 2015 foi apresentado o pedido de ocupação de via pública, subscrito pelo técnico F (cfr. fls. 113);
6 – Em maio de 2015 a demandante e o demandado subscreveram um caderno de encargos relativo as projectadas obras, que a demandante adjudicou ao demandado (cfr. doc. 3, fls. 8 e 9, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7 – O pedido de ocupação de via publica foi deferido em 24 de agosto de 2015, sendo o Alvará e Licenças levantados pelo demandado em 25 de agosto de 2015 (cfr. fls. 113 a 116);
8 - Em 25 de setembro de 2015 o demandado providenciou a montagem de andaimes pelo empreiteiro G, com o custo de €800,00 (confirmado pelo próprio que depôs como testemunha);
9 - Em 29 de Setembro de 2015 a demandante rescindiu o contrato por sms e pede o reembolso do valor depositado (fls. 48 a 52);
10 – Entre 7 e 13 de outubro de 2015, o marido da demandante e o demandado trocaram emails, donde resulta que a demandante pretendia que o demandado procedesse apenas à obra na fachada e traseira do prédio, dizendo “só há condições para ele executar as intervenções relativas à fachada e à traseira do edifício, aproveitando a instalação de andaimes e a licença em vigor” (doc. 8, fls. 19 a 25, cujo teor se dá por reproduzido);
11 – Em 10 de outubro o demandado responde ao marido da demandante dizendo que uma parte não pode impor à outra uma alteração radical do contrato (cfr, e-mail de 10 de outubro a fls. 19, cujo teor se dá por reproduzido);
12 - Em 13 de outubro de 2015 o demandado e o marido da demandante trocaram emails e o contrato ficou rescindido (cfr. fls. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13 - Em 14 de outubro de 2015 a demandante envia ao demandado uma carta registada a confirmar a rescisão do contrato, aludindo a acerto de contas “face à parcela de sinal dado no montante de €3.100,00” (cfr. doc. 5, fls. 11 e 12).

Factos não provados.
Com relevância para a decisão da causa não se considera provado:
- Que a demandante tenha depositado a favor do demandado quaisquer quantias;
- Que a demandante tenha entregue ao demandado €3.600,00 em numerário.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos depoimentos das partes e nos depoimentos das testemunhas apresentadas, referidos nos respectivos factos.
A testemunha H confirmou que o demandado lhe pagou €800,00 da montagem dos andaimes com os quais acabou por fazer a obra da fachada por conta da demandante. Quanto à testemunha I, companheiro da demandante e primo do demandado, foi interveniente no relacionamento com o demandado, tendo participado de modo ativo nas negociações, a avaliar pelo teor dos SMS juntos aos autos pelo demandado a fls. 143 a 146, e no teor dos e-mails juntos como doc. 8 a fls. 19 a 23, e com inquestionável interesse na causa. Quer esta testemunha quer a demandante defendem a tese de que o atraso da obra se deveu a deficiente trabalho do demandado em virtude de não ter cumprido os regulamentos de ocupação de via pública, mas, a verdade é que resulta do teor dos referidos sms que havia constrangimentos relacionados com o registo predial. Quanto aos alegados pagamentos em dinheiro a que também alude no seu depoimento, não soube explicar onde foram feitos porque não estava presente. Ou seja disse que sabe que foram feitos, o que, face ao seu envolvimento no caso não pode ser avaliado com a credibilidade necessária.
No seu depoimento afirmou a demandante que em 25 de maio de 2015 o demandado apresentou um orçamento no montante de €800,00 mais IVA para obtenção das licenças, que a demandante aceitou; disse que para este pagamento fez duas entregas ao demandado no montante €250,00 à porta de um centro comercial e outro tanto no estacionamento Oeiras Parque e deu €3.100,00 em dinheiro, no dia 30 de junho de 2015, em frente ao Montepio de Oeiras Parque. Sobre o documento que juntou aos autos como doc. 4, a fls. 10 dos autos, que atesta um levantamento feito por si da sua conta do Montepio, no montante de €3.100,00, disse que foi o dinheiro que entregou ao demandado, mas não deu uma explicação plausível para a utilização deste meio em vez de ter transferido para a conta do demandado; afirmou que entende que só tem de pagar ao demandado as “démarches” que este fez junto da CML.
Quanto ao demandado, admitiu que recebeu da demandante €250,00, os quais entregou em mão ao técnico que subscreveu o requerimento entregue na CML, sustentou o teor do e-mail que enviou ao companheiro da demandante e juntou a fls. 121, do qual resultam dúvidas quanto ao montante que efectivamente recebeu da demandante. Relativamente ao alegado atraso alegou vários factores: que o Regulamento da CML foi alterado já o processo estava em curso (o que não ficou claro), que surgiram problemas relativos ao registo na medida em que a demandante não estava inscrita como proprietária (o que resulta dos documentos juntos e do teor do sms de fls. 143 a 146), e que o processo se extraviou na Câmara por ter sido mudado para outras instalações vindo a ser localizado num departamento na Baixa onde o foi resgatar (o que a demandante confirmou, alegando que foram os seus esforços que o localizaram); disse que a demandante tentou renegociar o contrato reduzindo a intervenção para quinze mil euros, com o que não concordou, alegando que o orçamento que apresentou e a demandante aprovou já era muito baixo a contar com a intervenção programada; mais disse que a licença saiu no dia 24 de agosto e que imediatamente deu ordem ao engenheiro para montar o andaime, o que ocorreu cerca de três/quatro dias antes de receber o email da demandante a rescindir o contrato, e que recebeu um telefonema por parte do engenheiro da obra a informá-lo que a demandante o tinha contatado para contratar a obra directamente com ele. A demandante reitera as afirmações sobre as entregas de verbas ao demandado; que o atraso na colocação do andaime se deveu a montagem errada de andaimes e que no dia 30 de outubro ia para o Brasil.

Do Direito.
Dos factos supra dados por provados e não provados, resulta que a demandante e o demandado celebraram um contrato nos termos do qual o demandado se obrigou a fazer uma obra num imóvel da demandante e esta se obrigou a pagar um preço, tudo nos termos do caderno de encargos que a demandante juntou como doc. 3, a fls. 8 e 9, dado por integralmente transcrito.
Não existe dissídio entre as partes quanto à qualificação da relação jurídico-contratual a que se vincularam, admitindo ambas as que celebraram entre si um contrato de empreitada. O contrato de empreitada é uma modalidade de contrato de prestação de serviço (art.1155º do Código Civil), definido no artigo 1207º do Código Civil nos seguintes termos: – “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.” Resulta assim que o contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático. O sinalagma, no contrato de empreitada, é genético e funcional. Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual, no contrato de empreitada – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº 2 do art. 1211º do citado diploma. No que respeita à obra propriamente dita, não passou a mesma do início, com a colocação do andaime, na medida em que a demandante rescindiu o contrato com fundamento no incumprimento de deveres que o demandado assumiu e que eram acessórios, tais como a obtenção de licenças junto da CML, e que levaram ao atraso no começo da obra e que a demandante imputa ao demandado, colocando o enfoque do atraso no alegado incumprimento de regulamentos por parte do demandado, sendo que, na altura em que rescinde o contrato essas contingências, fosse a culpa de quem quer que fosse, já estavam ultrapassadas. O andaime estava colocado configurando o começo da obra. O contrato foi rescindido, e a demandante exige do demandado a devolução do montante que lhe entregou. É aqui que reside o litigio. Em primeiro lugar há dúvidas sobre o montante que entregou. Em segundo lugar importa saber se podia rescindir o contrato. Uma vez que não estão configurados factos donde resulte que o empreiteiro não cumpriu a sua obrigação, sendo certo que esta obrigação é a realização de uma obra (que a demandante sustou mal começou), a situação dos autos é subsumível a uma desistência da empreitada. Estabelece o artigo 1229.º que. “O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”. Fixados assim os factos constitutivos do direito da demandante a desistir da obra, cabia-lhe fazer prova dos mesmos conforme determina o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Ora, a demandante não logrou provar o valor exato que entregou ao demandado, por um lado, por outro, não temos quaisquer dúvidas que o demandado pagou ao técnico que entregou o pedido de licenças a quantia de €250,00 e pagou a colocação de andaimes no montante de €800,00, restaria apurar o valor do trabalho despendido pela demandada na elaboração dos desenhos, deslocações e “démarches” feitas na CML, e ainda o valor da indemnização relativa a eventuais proveitos que retiraria da obra se a tivesse realizado de acordo com o caderno de encargos, conforme previsto no referido artigo 1229.º do Código Civil. Assim, a pretensão da demandante tem de improceder por falta de prova dos elementos que constituem os pressupostos do direito à devolução nos termos que invoca na presente ação.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente por não provada e em consequência fica o demandado absolvido do pedido.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandante parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação ao demandado.
Julgado de Paz de Lisboa, em 28 de Setembro de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias


Processo n.º 679/2016 -JP
DESPACHO
Na sequência da apresentação da contestação, não formulando qualquer pedido reconvencional.
Em 29 de abril de 2016, a fls. 64 a 66, veio a demandante apresentar réplica . -
Nos julgados de paz, por do disposto nos artigos art. 43.º a 48.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho de 2001, alterada pela Lei n.º 34/2013 de 31 de julho, não é admissível resposta à contestação.
Consequentemente, por não ser admissível, desentranhe e devolva as fls. 64 a 66.
Julgado de Paz de Lisboa, em 07 de julho de 2017
A Juíza de Paz

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Maria Judite Matias