Sentença de Julgado de Paz
Processo: 523/2013-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS - IMPERMEABILIZAÇÃO DE TERRAÇO - INDEMNIZAÇÃO POR PREJUÍZOS
Data da sentença: 02/26/2014
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença

Matéria: Direitos e deveres de condóminos.

(Alínea c), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho).

Objecto do litígio: Pedido de realização de obras de impermeabilização de terraço e indemnização por prejuízos.
Demandantes: A- e marido B- , Praça x , 2910 Setúbal.
Mandatário: C- Dr. advogado, com escritório na Av. xxx, Fogueteiro, 2845-601 Amora.
Demandados: -D-1.º - Condomínio do prédio sito na xxxx, 2910 Setúbal;
E- 2.º -, Av. xxx, 2900-205 Setúbal, por si e na qualidade de administradora do condomínio;
Mandatário: F- Dr. advogado, com escritório na Av. xx, 2900-311 Setúbal.
G- 3.º- , condómino do 1.º Dt.º do mesmo condomínio, Praça x, 2910 Setúbal.
Valor da acção: 11 009,60 €.
Dos articulados
A demandante alega que é proprietária da fracção autónoma letra “G”, correspondente à loja F, do prédio sito em Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º xxxx; que a demandada E- é administradora do Condomínio demandado, no qual se insere a fracção da demandante e do terceiro demandado G- que é proprietário da fracção “I”, correspondente ao 1.º andar direito, que inclui um terraço que constitui a cobertura da loja da demandante.
Mais alega que desde há alguns invernos tem alertado os demandados que estava a sofrer infiltrações no tecto da sua loja que só podem ser provenientes deste terraço. Não tomaram quaisquer providências para reparar o terraço e por fim às infiltrações.
A demandante solicitou uma inspecção a um perito que realizou uma visita técnica a ambas as fracções e elaborou o relatório junto.
Este relatório é claro ao confirmar as abundantes infiltrações na loja da demandante como “o avançado estado de degradação do terraço do 1.º direito que não garante as funções de cobertura. Confirma também a presença de água na camada de betonilha que constitui a base do assentamento cerâmico.
Alega que nos termos do n.º 1, do artigo 1421.º do Código Civil os terraços de cobertura são partes comuns e ainda que este terraço seja de uso exclusivo não deixa de ser parte comum. Por outro lado, a administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos e a um administrador, sendo a responsabilidade da conservação das partes comuns do Condomínio e Administradora. Faz também referência ao artigo 493.º do Código Civil.
Mais alega que a loja da demandante comercializa roupas e artigos para bebe e as abundantes infiltrações que se verificaram no passado mês de Outubro já danificaram alguns artigos, entre eles uma bolsa de maternidade com o valor de 27,50 € mais IVA. Embora não seja fácil de quantificar o negócio da demandante tem sido prejudicado.
Mais alegou conforme requerimento inicial de fls 4 a 9, que aqui se dá como reproduzido.
Conclui requerendo que (a) sejam os demandados condenados a realizar obras de reparação do terraço de acordo com o parecer técnico e da loja doa demandante no prazo máximo de trinta dias; (b) sejam os demandados condenados a pagar a mercadoria danificada, nomeadamente a bolsa de maternidade no valor de 27,50 € mais IVA; (c) sejam os demandados condenados a pagar as mercadorias, móveis e utensílios que se possam vir a danificar com as infiltrações até que as mesmas sejam reparadas; (d) que com o recurso à equidade sejam os demandados condenados a pagar uma indemnização à demandante pelos prejuízos causados pela imagem da loja perante o público e pela consequente diminuição do negócio desde que se iniciaram as infiltrações em Outubro de 2013.
Contestaram o demandado condomínio e a demandada E, excecionando a ilegitimidade por estar desacompanhada do marido também proprietário da fracção, a excepção da ilegitimidade passiva quer do condomínio quer da demandada E, dado que o terraço em causa é parte integrante da fracção do demandado G e só ele é responsável pelo mesmo e por outro lado a E está demandada por si e não na qualidade de administradora do Condomínio pelo que também não tem interesse em contradizer. Contesta o valor da acção face aos valores não quantificados no pedido e o valor atribuído à acção (12 750,00 €) e propõe um valor da acção de 500,00 €. Defendem-se de seguida por impugnação. Aceita os artigos 1.º (parcial) a 6.º do requerimento inicial e impugna o restante. Reitera que o terraço não é parte comum e que o demandado G nele erigiu uma edificação/avançado em alvenaria sem qualquer tipo de aviso prévio ou autorização do condomínio, o que levou a que este participasse o facto à Câmara Municipal. Desconhecem – por não ter acesso ao referido terraço qual o tipo de uso e conservação existente bem como a dimensão e extensão dos danos provocados no terraço decorrentes da “obra” realizada pelo demandado G. A existirem danos no imóvel e loja da demandante provenientes de infiltrações do terraço os mesmo terão de ser imputados ao demandado G. Impugnam os documentos 3 e 4 juntos com o requerimento por desconhecerem em que condições o referido relatório de inspecção técnica foi elaborado e quais as competências técnicas de quem o elaborou, bem como se efectivamente foi danificado algum artigo da loja da demandante.
Mais alegou conforme contestação de fls 54 a 61, que aqui se dá como reproduzida.
Termina concluindo pela procedência das excepções invocadas e absolvição da instância, devendo fixar-se o valor de 500,00 € à acção e, no caso de improcedência das excepções, pela absolvição do demandado Condomínio e demandada E.
Contestou o demandado G, admitindo que é proprietário da fracção “I” e que já desde que a adquiriu em 2005 que nas reuniões de condomínio se falava nas infiltrações na loja da demandante. Refere que sendo parte comum compete ao condomínio a reparação do referido espaço embora seja da sua responsabilidade a manutenção do mesmo. Refere que o terraço é lavado diariamente devido à presença de um animal doméstico e é mantido nas melhores condições. Quando foi necessária a mesma intervenção no terraço contíguo o condomínio pagou a impermeabilização e o proprietário pagou o pavimento. O estado do pavimento é o mesmo que já existia em 2005 e já foi realizada intervenção de impermeabilização há cerca de 15 anos. Pela opinião de um empreiteiro credenciado não adiante colocar uma camada de chão nova sem que seja efectuada intervenção de impermeabilização na camada de betonilha, o que vai ao encontro do relatório técnico junto pela demandante. O Condomínio realizou uma intervenção de impermeabilização dos muros do terraço do 1.º direito, fracção “I” o que não resolve o problema do pavimento. As infiltrações não surgiram em Outubro de 2013 mas pelo menos há mais de oito anos. No que se refere às fotos 11 e 12, a ampliação foi realizada em 2013, por empreiteiro credenciado e experiente, não tendo sido feita qualquer perfuração da placa de cobertura das lojas da demandante, nem qualquer instalação de águas. No que se refere às fotos 23 e 24, os pontos de drenagem do terraço foram realizados em Setembro de 2013. No que se refere à foto 25, esta caleira faz a recolha das águas do telhado da co9nstrução edificada no terraço e está a desaguar nas tubagens de águas pluviais do terraço do 1.º Esquerdo, seguindo para o sistema de drenagem na parte exterior do muro.
Mais alegou conforme contestação de fls 47 a 49, que aqui se dá como reproduzida.

Fundamentação
Dos factos
Com base nos depoimentos de parte, testemunhas e documentos, dão-se como provados os seguintes factos:
1 – O prédio sito em 2910 Setúbal, foi constituído em propriedade horizontal, por escritura de 27 de Outubro de xxxx, do Segundo Cartório Notarial de Almada, junta a fls 12 a 17 e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º xxxx.
2 – O prédio compõe-se cave para parqueamento, rés-do-chão para seis lojas e habitação para porteiro e primeiro a décimo andares, lados direito, esquerdo e frente, todos para habitação.
3 - E, com sede na Avenida x, 2900-205 Setúbal, representada pelo gerente H-, com domicílio profissional na Av.x, 2900-205 Setúbal, é administradora deste Condomínio.
4 - Os demandantes são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente à loja F, destinada ao comércio, do mesmo condomínio.
5 - O terceiro demandado (G) é proprietário, desde 2005, da fracção “I”, correspondente ao 1.º andar direito, fracção que compreende um terraço, que constitui a cobertura da loja F da demandante.
6 – O terceiro demandado erigiu, em Abril de 2013, uma construção em alvenaria, em substituição de marquise, sobre o terraço, e nele tem uma piscina, insuflável, com capacidade para 6 000 litros de água.
7- Em 2005, a Assembleia de Condóminos deliberou, sobre pedido de edificação de marquise e alpendre que “que para efectuar as alterações aprovadas terá que obter licenciamento municipal”, conforme acta 5/2005, que aqui se dá como reproduzida.
8 – O Condomínio participou à câmara Municipal de Setúbal a construção em alvenaria efectuada no terraço pelo terceiro demandado.
9 – O terceiro demandado procede a lavagem diária do terraço por aí ter um animal doméstico (cão).
10 – Desde há vários anos que há infiltrações na loja F, com maior incidência deste Outubro de 2013.
11 – As infiltrações na loja F são provenientes do terraço da fracção “I”.
12 - O condomínio, recentemente, impermeabilizou os muros do terraço, limpou algerozes e reparou a drenagem de tubos de água.
13 – As infiltrações provocaram e provocam danos na loja F, designadamente nos tectos e paredes que obrigam à sua reparação.
14 – A loja F está fechada ao público, mas as lojas D e E, também dos demandantes, estão abertas ao público e os clientes, por vezes, são levados à loja F.
15 – Uma bolsa de maternidade, no valor de 25,70 mais IVA, ficou inutilizada devido às infiltrações.
16 – É previsível que se possam verificar danos em alguns artigos para venda, móveis e utensílios, na Loja F, devido às infiltrações e até à reparação da origem das mesmas.
17 – Não provado que as saídas de águas pluviais dos terraços (1.º Dt.º e Esqu.º), reparados em 2013, estejam a contribuir para as infiltrações, por os tubos de saída estarem ligeiramente acima do nível da drenagem.
Os declarantes e testemunhas foram credíveis e imparciais na medida do adequado. As testemunhas Sónia Barradas e Paulo Barradas, filha e genro da demandante, referiram ter interesse directo na acção, mas este interesse não é efectivamente directo mas reflexo, na medida em que Sónia Barradas é gerente da loja (empregada da demandante).

Do direito
Ilegitimidade da demandante e valor da acção
No início da audiência de julgamento, estando o marido da demandante presente, foi proferido o seguinte despacho:
“A situação invocada de litisconsórcio necessário é passível de ser sanada, nos termos do artigo 39.º, da Lei dos Julgados de Paz (Lei 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de Julho). A demandante e marido são ambos proprietários da fracção “G”, objecto dos autos.
O marido da demandante declarou ratificar todo o processado e passa a ser parte na acção, como demandante, juntamente com a esposa, ficando sanada a ilegitimidade activa.
As ilegitimidades passivas do Condomínio e E, L.da serão analisadas a final.
É aceite o valor atribuído pelas partes à acção e a desistência do pedido, inserto no ponto 4 do pedido, do requerimento inicial, é válida e eficaz, pelo que se homologa, nos termos do n.º 4, do artigo 290.º , do Código de Processo Civil.”
Ilegitimidade do demandado Condomínio e da demandada E, L.da
Tal como os demandantes configuram a acção, o demandado Condomínio é parte, tendo interesse em contradizer, seja qual for o desfecho da acção, já que no requerimento do demandante é apresentado como responsável pela conservação e manutenção das partes comuns do prédio, sendo alegado que o terraço é parte comum, e sendo esta uma das questões a dirimir, pelo que não há ilegitimidade em relação ao primeiro demandado (Condomínio).
A sociedade E, L.da é a administradora do Condomínio pelo que tem de estar no processo nesta qualidade, em representação deste. Contudo é chamada à acção em nome próprio. Sendo administradora do Condomínio pode ser responsabilizada pela sua acção que é o que o demandante pretende, embora a causa de pedir em relação a esta situação esteja muito diluída, em relação à pretensa responsabilidade de todos os demandados por omissão de acção. Contudo, na sua contestação, conjunta com a do Condomínio, tal é compreendido e contestado, pelo que também a segunda demandada é parte legítima.
Improcedem as excepções da ilegitimidade do demandado Condomínio e da demandada E

Da matéria
As questões a resolver são determinar quem é o responsável pela reparação do terraço da fracção “I”, que, por deficiências no pavimento e camada impermeabilizadora, está a provocar infiltrações na loja F e consequentes danos, bem como quem responde por estes.
Estas questões são solucionadas, verificando, face à lei aplicável, se este terraço é ou não parte comum.
Sobre a matéria transcrevem-se a seguir o sumário e excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 1972/06-2, de 14-12-2006 (in dgsi.pt):
“I – O artigo 1421º do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 267/94 de 25/10, não se aplica às situações já definitivamente constituídas e reguladas, quando o mesmo entrou em vigor. II – O terraço incrustado no primeiro andar do prédio, afecto ao uso exclusivo do proprietário daquele andar, e ao qual apenas este tem acesso, deve ser considerado como intermédio e não de cobertura, ainda que o mesmo dê, em parte, cobertura a uma das fracções do rés-do-chão. III – Para os efeitos da alínea b) do artigo 1421º, do Código Civil, na redacção anterior ao citado Decreto-Lei n.º 267/94, os terraços intermédios não constituem partes comuns do prédio.
- Entendeu-se na sentença que o terraço descrito na escritura de constituição da propriedade horizontal, cuja cópia consta dos autos a fls. 5 e segs. , era comum até porque uma parte desse terraço constitui a cobertura da fracção C. Em consequência declarou-se a nulidade (em parte) da escritura de constituição da propriedade horizontal, na parte em que integra o terraço na fracção propriedade dos autores. A propriedade horizontal foi constituída em 28 de Novembro de 1987, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995.O citado decreto-lei deu nova redacção às alíneas b) e d) do n.º 1 e à alínea d) do n.º 2 do artigo 1421º do Código Civil, assim como lhe introduziu o n.º 3 .Com este decreto passou a ser admissível que os telhados ou os terraços de cobertura sejam destinados ao uso de qualquer fracção, e não apenas ao uso do último pavimento, assim como advieram alterações no que respeita às instalações de gás, e das comunicações, bem como no que respeita aos lugares de estacionamento. Era a seguinte a redacção do artigo 1421º do Código Civil, à data da constituição da propriedade horizontal: “são comuns as seguintes partes do edifício: (...) b) o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento”. No caso sub judice há que averiguar, face à lei em vigor (ao tempo da constituição da propriedade horizontal) qual a natureza do terraço da fracção “E” , se comum ou individual. Como resulta da matéria de facto provada, o terraço em causa não é um terraço de cobertura, mas um terraço intermédio, embora uma parte desse terraço sirva de telhado a uma fracção (do rés-do-chão). Na jurisprudência existem duas correntes sobre este tipo de terraços; uma que considera, que apenas são comuns os terraços de cobertura, mas não os terraços intermédios, e outra que considera também os intermédios como comuns. Conforme resulta do artigo 1418º do Código Civil, (com a redacção do Decreto-Lei n.º 267/94), as partes comuns não têm que ser especificadas no título constitutivo da propriedade horizontal, sendo delimitadas por exclusão de partes, e valendo a regra de que tudo o que não estiver descrito no título constitutivo como parte própria é propriedade comum. Tendo em conta o disposto na lei, as partes comuns não necessitam de ser especificadas no título constitutivo de propriedade horizontal, e conhecem-se por exclusão de partes. Ou seja, a lei apenas obriga a especificar no título as partes dos edifícios correspondentes às várias fracções, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas. No que respeita ao terraço em causa, no título de constituição da propriedade horizontal, o mesmo é descrito como parte integrante da fracção pertencente aos autores. Há assim que decidir se esta menção viola ou não o disposto no artigo 1421º b) do Código Civil, vigente à data da constituição da propriedade horizontal - 1987 – como se decidiu na sentença, tendo-se aí concluído que a escritura de constituição de propriedade horizontal é nessa parte nula. O citado artigo 1421º, b) , na redacção anterior ao citado Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, considera imperativamente comuns o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento. Esta destinação do uso do terraço ao último pavimento só tem sentido se se entender que esse terraço é o que serve tal como o telhado de cobertura ao prédio em si, visto na sua globalidade. Se a lei visasse também os terraços intermédios, teria certamente ressalvado, do mesmo modo, a afectação do uso desses terraços aos pavimentos contíguos – neste sentido Ac. do STJ de 8/4/97, CJ Ano V, t. 2, pág. 35.Também Pires de Lima e Antunes Varela referem que “são considerados comuns, por constituírem igualmente parte integrante da estrutura do prédio, o telhado, e os terraços de cobertura. “ Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (por estar situado no mesmo nível do último pavimento, porque o acesso se faça pelo interior desse pavimento), ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção (alínea b) do n.º 1)” – Cód. Civil, Anotado, v. 3º, 2ª ed., pág. 422. No acórdão da Relação de Lisboa de 25/5/91, considerou-se que “o telhado e os terraços de cobertura de fracção de prédio submetido ao regime de propriedade horizontal só são partes comuns quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção “ – CJ ano XVI, t. 3, pág. 148. Já o acórdão da mesma Relação de 23/3/82, e de 27/4/89 considerou que os terraços mesmo ao nível do primeiro andar por servirem de cobertura a um estabelecimento são parte comum, mesmo que estejam afectos ao uso exclusivo de algum condómino (CJ, Anos, VII, t. 2, pág. 173 e XIV t. 2, pág. 151). Só que como se refere no citado Acórdão do STJ de 8/4/97, esta corrente não tomou em consideração, para além do mais, o argumento que se alicerçava na 2ª parte do preceito (na anterior redacção) quando refere “ainda que destinados ao uso do último pavimento”. Ora, a redacção actual do artigo 1421º do Código Civil, dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica àquelas situações já definitivamente constituídas e reguladas, quando da sua entrada em vigor. E assim, tendo em conta a data da constituição da propriedade horizontal – 1987 – entendemos que o terraço em causa, não tinha a natureza de parte comum do edifício. O terraço não serve de cobertura ou protecção do imóvel visto na sua globalidade, e do teor do título constitutivo ressalta que o mesmo integra a fracção E. Como resulta do título constitutivo a fracção dos autores é constituída por um terraço, que é intermédio e não de cobertura, e por isso não se presume, nem presumia à data da constituição da propriedade horizontal como comum, nem a escritura violou a imperatividade do citado artigo. E a lei nova – nova redacção do artigo 1421º- não se aplica ao caso concreto.
.... No entanto, e como já referimos, tendo a propriedade horizontal sido constituída por título definitivo e regulada, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94 de 25 de Outubro, não se aplica o artigo 1421º do Código Civil, na redacção deste decreto. Por outro lado, tendo o terraço sido descrito no título constitutivo de propriedade horizontal, como privativo da fracção “E”, não pode ser considerado parte comum, pertença do condomínio, se não é terraço de cobertura, não obstante funcionar como cobertura parcial de uma fracção.”
Da leitura desta transcrição do acórdão, na melhor interpretação da lei (a seguida pelo acórdão e que se subscreve) resulta para o caso em apreço que, face à lei aplicável, na data da constituição da propriedade horizontal do prédio – 1986 – o terraço da fracção “I”, integra a fracção, não tendo o título constitutivo da propriedade horizontal violado a norma imperativa (alínea b), do artigo 1421.º, do Código Civil, na redacção anterior ao DL 267/94, pelo que é válido, não sendo em consequência o terraço da fracção “I” parte comum. Deste modo é responsabilidade do seu proprietário a sua manutenção e conservação, sendo o único responsável pelos danos que da omissão destes deveres resultem para terceiros, designadamente, no caso para os demandantes, nos termos dos artigos 492.º e 493.º, do Código Civil, que estabelecem que o proprietário ou possuidor de imóvel, ou quem sobre ele tiver o dever de vigilância, responde pelos danos que o imóvel causar excepto se provar que não houve culpa sua ou que os danos se teriam igualmente produzido independentemente de culpa. No caso em apreço o terceiro demandado (G) conhece a existência de infiltrações do terraço para a loja dos demandantes, desde há anos e com maior gravidade desde Outubro de 2013, não tendo tomado as providências devidas para eliminar as deficiências de impermeabilização do terraço. Ademais fez ainda obras e mantém peso no terraço também com a água da piscina, que poderão influir no agravamento dessas deficiências, bem como lava o terraço diariamente (devido à presença do animal doméstico) sabendo que a impermeabilização deste está danificada, sendo esta actuação negligente e grave, havendo culpa da sua parte.
Quem está obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, nos termos dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil.
Impende sobre o terceiro demandado a obrigação de reparar o terraço, procedendo à sua impermeabilização para eliminar as infiltrações na loja dos demandantes e reparar os danos na loja F (Fracção “G”), concedendo-se um prazo de sessenta dias para as obras do terraço e de noventa dias para as da Loja F, dado que não se tem como razoável o prazo de 30 dias requerido pelos demandantes, face à complexidade das obras, à necessidade de dispor de tempo favorável e da loja F ter de secar antes de ser reparada.
Sobre ele impende também a obrigação de indemnizar os demandantes pelos danos da mercadoria danificada, no caso, o custo de uma bolsa de maternidade no valor de 27,50 € mais IVA, bem como os danos previsíveis que se venham a verificar nas mercadorias, móveis e utensílios, existentes na loja F, devido às infiltrações até que as mesmas sejam reparadas; a determinar em liquidação de sentença.
Não sendo o terraço da fracção “I” parte comum, não são os demandados Condomínio e E L.da responsáveis pela sua conservação nem pelos danos decorrentes de infiltrações resultantes de deficiências de impermeabilização do mesmo.
Em relação ao condomínio, deve o mesmo - por precaução, uma vez que não se deu o facto como provado – verificar se a drenagem dos tubos recentemente reparados está correcta e rectificar se for caso disso.
Não se analisa nesta acção a questão da legalidade da construção no terraço da fracção “I” por não ser objecto deste processo. Por outro lado o facto já foi participado à Câmara Municipal.

Decisão
Em face do exposto:
1 – Condeno o demandado Carlos Manuel Gonçalves Garcia Franco a reparar o terraço, procedendo à sua impermeabilização para eliminar as infiltrações na loja dos demandantes e reparar os danos na loja F (Fracção “G”), concedendo-se um prazo de sessenta dias para as obras do terraço e de noventa dias para as da Loja F.
2 - Condeno o demandado G a indemnizar os demandantes pelos danos da mercadoria danificada, no caso, o custo de uma bolsa de maternidade no valor de 27,50 € mais IVA, bem como os danos previsíveis que se venham a verificar nas mercadorias, móveis e utensílios, existentes na loja F, devido às infiltrações até que as mesmas sejam reparadas, a determinar em liquidação de sentença.
3 – Absolvo os demandados D e E – Administração de Condomínios, L.da.

Custas
Nos termos do n.º 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, os demandantes, face ao decaimento, e o demandado G são declarados parte vencida para efeitos de custas, na proporção de 50%, pelo que o demandado G deve efectuar o pagamento de 23,32 € (uma vez que efectuou o pagamento de 11,66 €), referente às custas, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso.
Reembolsem-se os demandados D e E, L.da nos termos do disposto no n.º 9.º daquela Portaria, em 11,66€ cada.
Esta sentença foi proferida e explicada, nos termos do art.º 60.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 26-02-2014
O juiz de Paz
António Carreiro