Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1/2018-JPTBR
Relator: MARTA MESQUITA GUIMARÃES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO
Data da sentença: 02/15/2018
Julgado de Paz de : TERRAS DE BOURO
Decisão Texto Integral:
IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Requerente: A, NIF 000, residente na Rua X, Porto

Requerida: B, NIPC 000, com sede no Lugar X, Gondoriz, Terras de Bouro


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OBJECTO DO LITÍGIO

O Requerente propôs contra a Requerida a presente acção cautelar, enquadrável nos artigos 41.º-A e 9.º, n.º 1, alínea j), da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, peticionando que fosse julgado procedente o procedimento cautelar de arresto, sem audição prévia da Requerida para não serem frustrados os fins visados pela diligência e, em consequência, que se determinasse o arresto dos bens que indicou a fls. 7 e 8, por forma a fazer garantir o valor de € 11.503,94.
Alegou, em suma, que, em 11.04.2015, deu entrada no XX de uma candidatura de um projecto para constituição e financiamento de empresa vocacionada para a fruticultura de pequenos frutos – mirtilos, cujo projecto veio a ser aprovado em 25.11.2015; em 30.06.2016, celebrou um contrato de fornecimento e prestação de serviços agrícolas com a Requerida, para execução dos trabalhos referentes ao referido projecto; de acordo com o aludido contrato, o preço a pagar pela execução dos serviços seria de € 33.098,35 + IVA, e os pagamentos seriam efectuados em três tranches: a primeira de 50% e as restantes de 25% cada; a Requerida emitiu, na data de celebração do contrato, a factura n.º 001 de valor de € 16.549,18, tendo o Requerente pago esse valor em 05.08.2016; no início de 2017, a Requerida entrou em conflitos com o supervisor da obra, tendo a mesma interrompido os trabalhos; no dia 11.10.2017, ambas as partes, de comum acordo, revogaram o contrato supra aludido, porquanto era urgente dar continuidade ao projecto; estima que os serviços prestados pela Requerida importem € 5.045,00, encontrando-se em dívida cerca de € 11.503,94; ficou acordado com a Requerida, quer no dia da assinatura do acordo, quer em data posterior, que esta iria proceder ao pagamento do valor em dívida até ao final do ano de 2017, porquanto os trabalhos agrícolas no terreno do Requerente continuaram, com as inerentes despesas; a Requerida nunca mais prestou contas, nem pagou, ao Requerente, apesar das diversas insistências deste; necessita, com urgência, do dinheiro em dívida para dar continuidade ao projecto, uma vez que os trabalhos agrícolas no seu terreno continuaram, necessitando do montante para cumprir com os compromissos assumidos perante as entidades que laboram actualmente no terreno, as quais se encontram a pressioná-lo para efectuar os pagamentos, sendo o prazo máximo para conclusão da obra 30.03.2018; caso o Requerente não tenha os trabalhos concluídos nessa data, tem como consequência a devolução de todo o capital recebido e a receber a título de subsídio ao XX, indemnizações por não cumprimento de contrato e a anulação do projecto; teve conhecimento que a Requerida leva uma vida comercial irregular e anómala; a Requerida não paga a outros fornecedores, nomeadamente o supervisor do projecto e a “X”; a Requerida está a vender todo o seu activo; pela certidão da Conservatória do Registo Comercial, a Requerida só prestou contas no ano de 2015; deixou uma máquina nas instalações do Requerente, não a vindo a levantar, tendo encetado esforços junto de outros agricultores para a vender; a Requerida não tem carteira de clientes, não tendo proveitos; o gestor do projecto assistiu a compras efectuadas pela Requerida em máquinas e outros bens para proveito próprio desta, sabendo que tal dinheiro provinha do depósito que o Requente tinha efectuado na conta daquela, porquanto a Requerida não tinha, na altura, capital para efectuar investimentos – cfr. fls. 1 a 37 dos autos.

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Procedeu-se à realização da inquirição de testemunha e à prova por declarações de parte do Requerente, tal como por este solicitado, com observância do legal formalismo, consoante resulta da acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. artigos 41.º-A e 9.º, n.º 1, alínea j), da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 78.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, doravante CPC), e do valor, que se fixa em € 11.503,94 (cfr. artigos 296.º, nº 1, 304.º, n.º 3, alínea e) e 306.º, n.º 2, todos do CPC).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. O Requerente deu entrada no XX da candidatura n.º 000 de um projecto para constituição e financiamento de empresa vocacionada para a fruticultura de pequenos frutos – mirtilos.
B. No dia 25.11.2015, pelo XX foi aprovado o projecto supra mencionado no precedente ponto A., tendo o Requerente assinado o respectivo termo de aceitação em 12.04.2016.
C. Em 30.06.2016, Requerente e Requerida celebraram um contrato de fornecimento e prestação de serviços agrícolas para execução dos trabalhos referentes ao projecto referido no precedente ponto A..
D. Ficou como responsável técnico da obra para supervisionar os trabalhos o Eng.º C.
E. De acordo com o contrato referido no precedente ponto C., o preço a pagar pela execução dos serviços seria de € 33.098,35 + IVA, e os pagamentos seriam efectuados em três tranches: a primeira de 50% e as restantes de 25% cada.
F. No dia 30.06.2016, a Requerida emitiu a factura n.º 00, no valor de € 16.549,18, tendo o Requerente pago à Requerida, através de transferência bancária, no dia 05.08.2016, contra a entrega do respectivo recibo.
G. No âmbito da execução do projecto aludido no precedente ponto A., a Requerida entrou em conflitos com o supervisor do projecto.
H. No dia 11.10.2017, Requerente e Requerida, de comum acordo, revogaram o contrato aludido no precedente ponto C..
I. Pela verificação da certidão da Conservatória do Registo Comercial, a Requerida só prestou contas até ao ano de 2015.
J. A Requerida deixou uma máquina nas instalações do Requerente, não a vindo levantar.
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FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
1. No início do ano de 2017, a Requerida entrou em conflitos com o supervisor da obra, tendo a mesma interrompido os trabalhos.
2. Estima-se que os serviços efectuados pela Requerida, ao abrigo do contrato aludido no ponto C. dos Factos Provados, e até 11.10.2017, importem em € 5.045,00, porquanto os serviços efectuados pela Requerida foram apenas:
- Despedrega do terreno e remoção de alguns resíduos - € 560,00;
- Pagamento à firma que executou o poço - € 1.710,00;
- Aquisição de argolas - € 815,24;
- Pagamento a topógrafo - € 700,00;
- Pagamento de serviços a Eng.º C - € 450,00;
- Pagamento autocad - € 100,00;
- Pagamento trabalho de riper - € 600,00;
- Mão-de-obra a 2 funcionários - € 110,00,
Num total de € 5.045,24, pelo que, encontra-se em dívida cerca de € 11.503,94.
3. Ficou acordado com a Requerida, quer no dia da assinatura do acordo, quer em data posterior, em reunião que teve com o Requerente, que aquela iria proceder ao pagamento do valor em dívida pelo menos até ao final do ano de 2017, porquanto os trabalhos agrícolas no terreno do Requerente continuaram, com as inerentes despesas, necessitando o Requerente do dinheiro para cumprir com os compromissos assumidos perante as entidades que laboram neste momento no seu terreno.
4. A Requerida nunca mais prestou contas, nem pagou ao Requerente, apesar das diversas insistências por parte deste.
5. Assim, em 02.11.2017, o Requerente enviou carta à Requerida a solicitar o pagamento.
6. Tendo a Requerida respondido por carta registada com aviso de recepção, na qual se compromete, a muito breve prazo, a prestar contas e a efectuar o pagamento.
7. Como mais nada disse, em 04.01.2018, o Requerente, através da sua mandatária, enviou carta à Requerida a solicitar o pagamento.
8. O Requerente necessita do dinheiro em dívida pela Requerida para dar continuidade ao projecto, uma vez que os trabalhos agrícolas no seu terreno continuaram, com as inerentes despesas, necessitando o Requerente do dinheiro para cumprir com os compromissos assumidos perante as entidades que laboram neste momento no seu terreno, sendo que o prazo máximo para conclusão da obra termina em 30.03.2018.
9. A empresa que, neste momento, está a dar continuidade ao projecto está a pressionar o Requerente para que lhe sejam efectuados os pagamentos.
10. O Requerente teve conhecimento de que a Requerida leva, desde algum tempo, uma vida comercial irregular e anómala.
11. Os sucessivos desentendimentos entre o supervisor do projecto e a Requerida tiveram como principal causa o facto de o gestor ter assistido a compras em máquinas e equipamentos desnecessários para a execução dos trabalhos.
12. A Requerida também não paga a outros fornecedores, nomeadamente ao supervisor do projecto, e à “X”, que neste momento já ascende a uma dívida de cerca de € 7.000,00.
13. A Requerida está em situação de pré-insolvência, não pagando a fornecedores, estando a vender todo o seu activo.
14. A Requerida encetou esforços junto de outros agricultores para vender a máquina aludida em J. dos Factos Provados.
15. É do conhecimento do gestor de projecto que a Requerida, neste momento, não tem carteira de clientes, não tendo proveitos, e os possíveis clientes saíram da empresa juntamente com o gestor.
16. O gestor do projecto tem conhecimento de que existem outros credores da Requerida, havendo grande probabilidade de esta proceder com o dinheiro ao pagamento de outras dívidas.
17. O gestor do projecto assistiu a compras efectuadas pela Requerida em máquinas e outros bens para proveito próprio desta, sabendo que tal dinheiro provinha do depósito que o Requerente tinha efectuado na conta da Requerida, porquanto a Requerida não tinha na altura capital para efectuar investimentos.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez.
Assim, os factos A., B., C., E., F., H. e I. resultaram provados em face da prova documental junta aos autos pelo Requerente (respectivamente, facto A. provado por via do documento n.º 1, facto B. por via dos documentos nºs 1 e 2, factos C. e E. por via do documento n.º 3, facto F. por via dos documentos nºs 4, 5 e 6, facto H. por via do documento n.º 7 e facto I. por via do documento n.º 11).
Já os factos D. e J. resultaram provados em face da prova testemunhal produzida, conjugada com as declarações de parte igualmente prestadas. Na verdade, e quanto ao facto D., o responsável técnico da obra para supervisionar os trabalhos foi a própria testemunha inquirida (Eng.º C), a qual prestou depoimento confirmando esse mesmo facto. Também o próprio Requerente, em sede de declarações de parte, confirmou ser a testemunha o responsável pela supervisão dos trabalhos no âmbito do projecto em causa. Relativamente ao facto J., quer a testemunha, quer o Requerente, foram unânimes em afirmar que a Requerida havia deixado uma máquina nas instalações no Requerente, não a tendo vindo levantar.
Finalmente, o facto G. resultou provado em face da prova testemunhal produzida, pois a testemunha inquirida confirmou ter tido conflitos com a Requerida, no âmbito do projecto em apreço.
Os factos não provados ficaram a dever-se à insuficiência ou inexistência de prova produzida no sentido da sua demonstração.
Assim, quanto ao facto 1., a testemunha inquirida afirmou que os conflitos com a Requerida se iniciaram em meados de Junho de 2017 – e não no início do ano de 2017, conforme alegado pelo Requerente. Pelo que, também não resultou provado que a Requerida tenha interrompido os trabalhos no início do ano de 2017.
Já relativamente ao facto 2., da prova documental junta aos autos (especificamente, documento n.º 7), resulta que o Requerente assinou o acordo de revogação do contrato com a Requerida tendo aí ficado expressamente referido que “1.º A 1ª outorgante e o 2º outorgante declaram revogar o contrato de fornecimento de prestação de serviços agrícolas entre ambos celebrados em 30 de Junho de 2016 com efeitos a partir de 11 de Outubro de 2017, data em que se consideram para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato.” e que “2º O presente contrato exprime a única, fiel e actual vontade das partes ora outorgantes, sobrepondo-se a qualquer outro prévio acordo ou entendimento contraditório com os termos aqui expressos.” Não obstante o Requerente ter, em sede de declarações de parte, afirmado que tais cláusulas apenas visavam por fim às prestações inerentes à execução do contrato em apreço, a verdade é que um destinatário das cláusulas em apreço, colocado na posição do real declaratário, não retiraria tal conclusão da interpretação de tais cláusulas (cfr. artigo 236.º do Código Civil, doravante CC). Acresce que, não é crível que alguém que tenha um crédito para com outrem, do valor alegadamente em causa nos autos, não tenha, aquando da formalização de um acordo de revogação do contrato alegadamente incumprido, se munido, por qualquer forma, de um documento por via do qual o devedor se mostrasse responsável pelo alegado valor em dívida, desde logo, fazendo constar do acordo de revogação uma cláusula nesse mesmo sentido. Cumpre, ainda, referir que quando confrontado pelo Tribunal com esta mesma factualidade, o Requerente não soube dar qualquer explicação para não ter acautelado a sua posição, junto da Requerida, no acordo de revogação (ou por outra via). Mais, não sendo possível, como não é, tomar conhecimento, nesta fase processual, da versão da Requerida quanto à interpretação das cláusulas em apreço (cfr. artigo 393.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), considerou o Tribunal não ser plausível a versão apresentada pelo Requerente, atento, precisamente, o que ora se deixou exposto supra. Em face do exposto, considerou o Tribunal não provado este facto.
Quanto ao facto 3., não se fez qualquer prova, documental ou outra legalmente admissível (cfr. artigo 394.º, n.º 1, do CC), de que, no dia da assinatura do acordo e em data posterior, em reunião tida com o Requerente, ficou acordado que a Requerida iria proceder ao pagamento do valor em dívida até ao final do ano de 2017. Acresce que, não estando determinado o suposto valor em dívida, porque dependente de prestação de contas – tal como o Requerente o reconhece por via da carta que juntou aos autos como documento n.º 10, e por via da qual enviou comunicação à Requerida a informá-la de que pode evitar o recurso à acção jurisdicional por parte do Requerente se, no prazo de 5 dias, proceder “à prestação de contas.”–, não se afigura crível que a Requerida se comprometesse a pagar um valor que não está determinado. Ainda quanto a este facto, também não se provou que os trabalhos agrícolas no terreno do Requerente tenham continuado, com as inerentes despesas, necessitando o Requerente do dinheiro para cumprir com os compromissos assumidos perante as entidades que laboram neste momento no seu terreno. Antes pelo contrário: conforme confissão feita pelo Requerente em sede de declarações de parte (cfr. fls. 46 dos autos), o mesmo reconheceu que não existe qualquer empresa a dar continuidade ao projecto, portanto, reconheceu que o projecto está parado.
Quanto ao facto 4., o mesmo resultou não provado como decorrência lógica de se terem dado como não provados os factos 2. e 3.. Acresce, ainda, que o Requerente também não provou as “diversas insistências” que terá tido junto da Requerida, pois apenas juntou aos autos duas comunicações: a primeira, datada de 02.11.2017 (cfr. documento n.º 8), mas cujo comprovativo de envio nem sequer foi junto, e outra, datada de 04.01.2018 (cfr. documento n.º 10), esta já com o respectivo comprovativo de envio via postal. Pelo que, na verdade, o Requerente apenas fez prova de ter solicitado, uma vez, a prestação de contas à Requerida, por comunicação de 04.01.2018, e nunca o pagamento.
Quanto ao facto 5., nenhum comprovativo do envio da carta é junto aos autos, pelo que, não pode o Tribunal dar como provado tal envio.
Também relativamente ao facto 6., apesar de o Requerente alegar que a Requerida lhe enviou uma carta registada com aviso de recepção, na qual se compromete, a muito breve prazo, a prestar contas e a efectuar o pagamento, o que foi junto aos autos foi apenas uma comunicação sem qualquer comprovativo de registo postal (como seja o envelope com o respectivo código de registo postal), alegadamente assinada pelo representante da Requerida, e por via da qual se menciona que se irá proceder à descrição das contas (não se fazendo qualquer referência a qualquer pagamento) – cfr. documento n.º 9.
Relativamente ao facto 7., conforme já exposto, por via da comunicação remetida, em 04.01.2018, pelo Requerente, através da sua mandatária, não foi solicitado qualquer pagamento: foi, antes, solicitada a prestação de contas (cfr. documento n.º 10).
No que respeita aos factos 8. e 9., os mesmos resultaram não provados em face da confissão feita pelo Requerente e à qual já se aludiu supra.
Quanto ao facto 10., não foi feita prova da alegada “vida comercial irregular e anómala” levada pela Requerida, sendo ainda certo que, em sede de declarações de parte, se provou que o “conhecimento” que o Requerente alegou ter consubstancia, afinal, aquilo que lhe foi comunicado pela testemunha inquirida.
Os factos 11. e 17. resultaram não provados por ausência de prova. Na verdade, e contrariamente ao alegado, o que se provou, por via da prova testemunhal produzida, foi que a Requerida terá adquirido uma máquina, para execução não só dos trabalhos a realizar no âmbito do projecto em apreço, mas também de outros projectos em que estaria envolvida.
Relativamente ao facto 12., e no que respeita ao supervisor do projecto, o mesmo prestou depoimento na qualidade de testemunha e não soube concretizar o montante que, alegadamente, a Requerida lhe deve. Mencionou, apenas, que a Requerida lhe devia dinheiro de outros projectos. Já quanto à alegada dívida da Requerida à “X”, temos que a própria testemunha afirmou prestar serviços para esta empresa, pelo que, demonstra, assim, um interesse na demonstração de tal facto, o que não pode deixar de relevar em sede de ponderação da credibilidade do testemunho, ao que acresce o facto de não ter sido feita qualquer outra prova, para além do depoimento da indicada testemunha, quanto à invocada dívida.
Os factos 13., 14., 15. e 16. resultaram não provados por ausência de prova. Com efeito, não se fez prova de que a Requerida não esteja a pagar a fornecedores, esteja a vender todo o seu activo, não tenha carteira de clientes, não tenha proveitos e que os “possíveis clientes” tenham deixado de lhe solicitar serviços. Confrontada a testemunha inquirida, bem como o Requerente, com as alegadas tentativas de venda da máquina pela Requerida a outros agricultores, os mesmos não souberam indicar um único nome. Também quanto aos alegados outros credores da Requerida, a testemunha inquirida também não soube concretizá-los, assim como o Requerente.
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DIREITO
Por via da presente acção, o Requerente pede que seja julgado procedente o procedimento cautelar de arresto, sem audição prévia da Requerida para não serem frustrados os fins visados pela diligência e, em consequência, que se determine o arresto dos bens que indicou a fls. 7 e 8, por forma a fazer garantir o valor de € 11.503,94.
Dispõe o artigo 619.º, n.º 1, do CC que o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor, nos termos da lei de processo.
Preceitua, ainda, o artigo 622.º, n.º 1, do mesmo diploma legal que os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.
Por sua vez, disciplina o artigo 391.º, n.º 1, do CPC que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor. De seguida, preceitua o artigo 392.º, n.º 1, que o requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência. Finalmente, dispõe o artigo 393.º, n.º 1 do mesmo diploma legal que, examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
Temos, assim, que é necessária a verificação cumulativa de dois requisitos legais para que possa ser decretada a providência cautelar (nominada) de arresto: a) a probabilidade da existência do crédito (o denominado fumus boni iuris) e b) o justificado receio de perda da garantia patrimonial (o denominado periculum in mora).
Quanto ao primeiro, basta somente que se prove a probabilidade séria da existência do crédito, tendo, assim, que constar dos autos, em face da prova produzida, elementos suficientes que permitam tal conclusão. Ora, em face dos factos provados que se deixaram expostos supra, entendemos que não constam dos autos elementos suficientes para afirmar que existe uma probabilidade séria da sua existência, na medida em que, conforme exposto, o Requerente assinou o acordo de revogação do contrato em apreço, que juntou como documento n.º 7, sendo que do mesmo constam as cláusulas 1º e 2º supra transcritas, as quais suscitam sérias dúvidas quanto à eventual existência de uma dívida por parte da Requerida. E, não obstante o Requerente ter, em sede de declarações de parte, afirmado que tais cláusulas apenas visavam por fim às prestações inerentes à execução do contrato em apreço, a verdade é que um destinatário das cláusulas em apreço, colocado na posição do real declaratário, não retiraria tal conclusão da interpretação de tais cláusulas, de acordo com a teoria da impressão do destinatário ínsita no artigo 236.º, n.º 1, do CC. Em anotação a este artigo, ensinam-nos PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA InCódigo Civil Anotado, Volume I”, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora Limitada, 1987, pag. 223 e 224. que “A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do decalaratário real, em face do comportamento do declarante. (…) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.” Acresce que, não é crível que alguém que tenha um crédito para com outrem, do valor alegadamente em causa nos autos, não tenha, aquando da formalização de um acordo de revogação do contrato alegadamente incumprido, se munido, por qualquer forma, de um documento por via do qual o devedor se mostrasse responsável pelo alegado valor em dívida, desde logo, fazendo constar do acordo de revogação uma cláusula nesse mesmo sentido. Ora, o Requerente não só não se muniu de tal documento, como, inclusive, assinou o acordo de revogação com o teor das cláusulas ora supra transcritas, não tendo dado qualquer explicação ao Tribunal para não ter acautelado a sua posição, junto da Requerida, no acordo de revogação (ou por outra via). Portanto, não reúnem os autos elementos mínimos que permitam ajuizar sobre a probabilidade séria da existência do crédito, mesmo que indiciário, tanto mais que não pode o Tribunal conhecer, de momento, a versão da Requerida quanto à interpretação das cláusulas em apreço. Pelo que, não pode o Tribunal aferir se a Requerida conhecia ou não o sentido que o Requerente pretendeu exprimir através da declaração, para efeitos de eventual aplicação do disposto no n.º 2 do citado artigo 236.º do CC, segundo o qual sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Portanto, nestes casos, “é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram Cfr. Autores e ob. supra citados, pág. 224.. Acresce que, o Requerente juntou aos autos, como documento n.º 10, a comunicação que enviou à Requerida, no dia 04.01.2018, e por via da qual a informa de que esta pode evitar o recurso à acção jurisdicional pelo Requerente se, no prazo de 5 dias, proceder “à prestação de contas.”. Portanto, se assim é, e se o Requerente pretende que a Requerida preste contas dos serviços realizados no âmbito do contrato, é porque não sabe, em concreto, qual o custo desses serviços e, por conseguinte, não sabe qual o valor que, alegadamente, estará em dívida por parte da Requerida. Mas mais: a máquina aludida no ponto J. dos Factos Provados foi comprada para este projecto e para outros. Portanto, parte do valor da máquina (que o Requerente indicou ser de cerca de € 2.500,00) sempre teria que ser, em princípio (e sem prejuízo da versão da Requerida, que não conhecemos), contabilizado como custo/despesa tida pela Requerida com o projecto em apreço, e tal custo/despesa não consta da lista feita pelo Requerente dos serviços prestados pela Requerida e constante do artigo 9.º do requerimento inicial.
Pelo que, não pode este Tribunal, em face da factualidade que se deu como provada, considerar verificado, desde logo, o primeiro dos requisitos legais de que depende a procedência do procedimento cautelar de arresto.
Assim sendo, e na medida em que os dois requisitos em causa são cumulativos, não há que conhecer do segundo dos requisitos: o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
De qualquer modo, sempre se dirá que, mesmo que o primeiro requisito estivesse preenchido – e não está, conforme exposto –, sempre o segundo requisito não se verificaria. Na verdade, quanto ao segundo requisito, tem sido defendido, jurisprudencial e doutrinalmente, que para a comprovação do justificado receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjectivo do credor, já que para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação. Veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 14.12.2004 Disponível em www.dgsi.pt, processo n.º 3546/04., no qual se menciona que “o receio, para ser justificado, há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, revelando, designadamente, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes” (realce nosso). Assim, conclui-se que o justo receio da perda de garantia patrimonial pressupõe a alegação e a prova, ainda que indiciária, de um circunstancialismo factual anormal e suspeito, que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. O critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do credor (isto é, em simples conjecturas), antes deve basear-se em factos que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa. Ora, desde logo em face da relação negocial estabelecida entre as partes, a haver qualquer pagamento a ter que ser feito ao Requerente pela Requerida, o mesmo está dependente da prestação de contas por parte desta, sendo ainda certo que não se pode retirar da factualidade dada como provada (especificamente, pontos I. e J.) que a Requerida pretende evadir-se de efectuar qualquer pagamento ao Requerente.
Note-se, ainda, que o Requerente foca o periculum in mora na necessidade de dar continuidade ao projecto, de proceder a pagamentos às “entidades que laboram neste momento no seu terreno”, alertando que o prazo máximo para a conclusão da obra termina em 30.03.2018 e que, caso não tenha os trabalhos concluídos nessa data, terá “como consequência a devolução de todo o capital recebido e a receber a título de subsídio ao X, indemnizações por não cumprimento do contrato e a anulação do projecto”. Ora, mais do focar a necessidade de continuidade do projecto, o Requerente deveria ter alegado e provado o justificado receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito, isto é, e a título de exemplo, o justificado receio de fuga do devedor, de sonegação ou ocultação de bens, de situação económica deficitária, etc., prova que, conforme exposto, não logrou efectuar. Mas mesmo que assim não fosse, a verdade é que o Requerente também não logrou provar que necessita de efectuar pagamentos a entidades que laboram neste momento no seu terreno, pelo simples facto de ter sido o próprio Requerente a reconhecer que nenhuma entidade labora, actualmente, no seu terreno e que tem, por conseguinte, o projecto parado. Mais: também não é correcta a afirmação segundo a qual, caso não tenha os trabalhos finalizados na data da conclusão da obra, tenha “como consequência a devolução de todo o capital recebido e a receber a título de subsídio ao X indemnizações por não cumprimento do contrato e a anulação do projecto”. Ora, antes de mais, sempre aqui terá que se afirmar que, em face da decisão de aprovação da candidatura do Requerente ao X, bem como do termo de aceitação (cfr. documentos nºs 1 e 2), o Requerente teria que despender, na execução do projecto, excluindo o montante do financiamento, o valor de € 158.939,27. Portanto, tendo o Requerente que efectuar, com a execução do projecto em apreço, um gasto de tal montante, não se afigura crível que seja a alegada falta do valor que o Requerente pretende ver assegurado por via do presente processo (cerca de € 11.500,00, portanto, menos de um décimo do gasto total do Requerente com o projecto) que poderá por em causa o projecto. Depois, sempre se dirá que, a alegada falta dos indicados € 11.500,00 para a execução do projecto não poderia determinar, sem mais, a devolução de todo o capital recebido e a receber a título de subsídio ao X e a anulação do projecto, em face das disposições legais aplicáveis (cfr. artigo 23.º, nºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 159/2014, de 27 de Outubro).
Face a todo o exposto e à prova produzida, mesmo que se encontrasse verificado o requisito da probabilidade séria da existência do crédito – e já se deixou exposto que tal não se verifica –, nunca poderia o presente Tribunal considerar verificado o requisito do justificado receio da perda da garantia patrimonial do crédito, pelas razões que ora também se deixaram expostas.
Destarte, improcede a providência cautelar requerida.
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DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, não se determina o arresto dos bens indicados pelo Requerente.
Custas a cargo do Requerente, parte que se declara vencida – cfr. artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe e notifique os faltosos.
Terras de Bouro, 15 de Fevereiro de 2018
A Juíza de Paz,

(Marta M. G. Mesquita Guimarães)

Processado por computador
(Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Revisto pela signatária.
Julgado de Paz de Terras de Bouro