Biblioteca TCA


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Analítico de Periódico



PORTUGAL. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA , de 9.4.2013, Proc. 187/09
INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE E ABUSO DO DIREITO. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE / [anotado por] Cristina M. A. Dias
CADERNOS DE DIREITO PRIVADO, Braga, nº 45 [jan./março 2014], p. 32-59


INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE / Portugal, DIREITO DE PERSONALIDADE / Portugal, PRAZO RAZOÁVEL, FILIAÇÃO, PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE OU UNIDADE DO ESTADO / Portugal, ESTATUTO PESSOAL, ESTATUTO PATRIMONIAL / Portugal, ABUSO DO DIREITO / Portugal

I - O prazo-regra de dez anos para investigação da paternidade, previsto no art. 1817.º, n.º 1, do CC, pese embora estar em causa um direito de personalidade, pessoalíssimo, é um prazo razoável e proporcional que não coarcta o exercício do direito do investigante, no confronto com o princípio da confiança e de tutela dos interesses merecedores de protecção do investigado, e, por isso, não enferma de inconstitucionalidade material. II - As consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade podem ser restringidas nos sues efeitos à questão de estado - a filiação -, não valendo para as consequências patrimoniais desse reconhecimento, permitindo, em casos concretos, afastar o investigante da herança do progenitor, não sendo violado o princípio da indivisibilidade ou unidade do estado, podendo afirmsr-se que, em caso de manifesto abuso do direito, o investigante, apesar de reconhecida a sua paternidade, poderá não beneficiar da vertente patrimonial inerente ao status de herdeiro. III - É no contexto do abuso do direito que tal distinção de efeitos deve ser enfocada, admitindo que qualquer pretensão jurídica pode ser paralisada se o respectivo exercício for maculado pelo seu abuso - a questão da "caça à fortuna" - nos casos em que o investigante, a coberto de averiguar a sua filiação, da proclamada intenção de conhecer as suas raízes, que apareceria como um propósito legítimo e da maior importância pessoal e social, pretenderia, primordialmente, acautelar aspectos patrimoniais, visando o estatuto de herdeiro para aceder à partilha dos bens do progenitor. IV - O facto do art. 1817.º, do CC, na redacção da Lei nº. 14/2009, de 1/4, estabelecer um prazo de caducidade de dez anos não resolve a questão de saber se, mesmo que se considere imprescritível o direito ao estabelecimento da paternidade , é possível, no plano constitucional ou infra-constitucional, cindir os efeitos dessa declaração, afirmando o pessoal, o status de filiação, mas recuar ooodireito patrimonial se as circunstâncias forem de molde a considerar que o exercício do direito é abusivo - art. 334.º do CC -, por, a coberto da busca do ser, se visar o teor, para almejar interesses da natureza patrimonial, o que afrontaria a conciência ética e os sentimentos sócio-afectivos. Nesta perspectiva, seriam violados os princípios constitucionais da igualdade, da confiança e da primazia das situações jurídicas. V - Não sendo de afirmar a inconstitucionalidade da norma do vigente n.º 1 do art. 1817.º do CC, por o prazo de dez anos nela fixado não ser arbitrário, nem desproporcionadamente limitador do exercício da acção de investigação da paternidade, e considerar que, casuisticamente, num quadro factual exuberante de abuso do direito, se poderá cindir, sem ofensa da Lei Fundamental, o estatuto pessoal do estatuto patrimonial inerentes à declaração de filiação, para, acolhendo aquele e os seus efeitos imateriais (filiação, estalecimento da avoenga), se poderem limitar as consequências desse reconhecimento, excluindo os efeitos patrimoniais, como sejam os direitos sucessórios, quando e se se evidenciar que o desiderato primeiro foi o de obter o estatuto patrimonial, entendemos que, se tal pretensão tiver sido exercida num quadro de actuação abusiva do direito, deve ser paralisada.