Biblioteca TCA


347.4 (BAR)
Monografia
"030"


BARBOSA, Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda
Do nexo de causalidade ao nexo de imputação : contributo para a compreensão da natureza binária e personalística do requisito causal ao nível da responsabilidade civil extracontratual / Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa.- Coimbra : [s.n.], 2013.- 1598 p. - (FDUC - Teses de Doutoramento)
Disponível no endereço: https://hdl.handle.net/10316/23223
(Broch.) : Internet


DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / Portugal, RESPONSABILIDADE CIVIL / Portugal, RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL / Portugal, NEXO DE CAUSALIDADE / Portugal, EVOLUÇÃO HISTÓRICA / Portugal, DIREITO ROMANO / Portugal, POSITIVISMO JURÍDICO / Portugal, IMPUTABILIDADE / Portugal, ILICITUDE / Portugal, ABUSO DO DIREITO / Portugal, ÓNUS DA PROVA / Portugal, ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA / Portugal, DIREITO SUBJETIVO / Portugal

Um breve périplo pelas posições jurisprudenciais e doutrinais em matéria de causalidade, ao nível da responsabilidade civil extracontratual, mostra-nos uma profunda ambivalência decisório-judicativa, que impede, muitas vezes, que se chegue a uma solução normativamente fundada e materialmente justa para os problemas que vão emergindo. A situação torna-se tanto mais grave quanto se constata que inúmeras são as pretensões indemnizatórias que decaem em virtude da falência do requisito, justificando, portanto, um percurso dialógico-argumentativo que tem como finalidade imediata reflectir acerca da categoria. Nesse percurso, depois de afloradas as principais doutrinas forjadas a propósito do tema, recuámos historicamente. E concluímos, nesse excurso histórico que nos levou desde o direito romano até à pluralidade de perspectivas actuais, que a conformação do nexo de causalidade depende quer da estrutura delitual em que estamos inseridos, quer do tipo de racionalidade que se mobiliza juridicamente, quer das finalidades que à responsabilidade civil são cometidas. Impôs-se, por isso, a investigação da teleologia do instituto. Percebemos, então, que, sendo o recorte comutativo a pedra de toque da responsabilidade aquiliana, ela não se esgota num esquema de contabilização de danos, reclamando, antes, a afirmação da pessoalidade do sujeito, sem a qual a própria responsabilidade não pode ir pensada. Nessa medida, a causalidade deixa de ser vista como uma categoria do mundo físico, mesmo que normativizada, para ser entendida em termos de imputação. O dado, confirmado pelos referentes metodológicos que mobilizámos, é o único que se compatibiliza com um certo entendimento do direito, assente num quadro axiológico que coloca no centro a pessoa, e mostra-se em consonância com os ensinamentos filosóficos que, apartando a causalidade da natureza da causalidade livre e afastandonos do determinismo, reclamam para a valoração do comportamento humano um sentido imputacional, que foi, no nosso trabalho, reafirmado do ponto de vista dogmático, ao abordarem-se determinados nichos problemáticos como os que lidam com a responsabilidade objectiva. Aí percebe-se que a causalidade não só não pode ser arvorada em fundamento da responsabilidade, como, ao nível dos critérios, não é ela – mas a imputação objectiva – que vai permitir impor uma obrigação ressarcitória. Ainda dogmaticamente, mas agora no plano da responsabilidade subjectiva, constata-se que a predicação da ilicitude no resultado insta o jurista a estabelecer o nexo de causalidade a que tradicionalmente se alude. Contudo, os termos do problema são agora diversos. Em primeiro lugar, impõe-se que, para lá do preenchimento da responsabilidade, seja resolvido, a montante, o problema da própria fundamentação da responsabilidade. Sendo esse o segmento imputacional a que circunscrevemos a dissertação, também limitada pelos contornos da violação do direito enquanto modalidade de ilicitude, conforme anunciado no início dela, importa sublinhar que o mesmo só pode ser recortado com apelo à dimensão ética personalística a que fizemos referência. Mas o cumprimento da validade não pode apagar uma vertente de eficácia, compreendida em moldes não tecnocráticos, que, tendo em conta a realidade telúrica, olhe para o risco como uma característica inerente às sociedades actuais. Será, pois, na dialéctica entre a validade e a eficácia que se encontrará o ponto de ancoragem dos critérios imputacionais que se procuram edificar. Numa segunda parte do nosso trabalho, testamos, iluminados pelos referentes enunciados, uma série de soluções propostas pelos autores para resolver o problema causal. Rejeitadas por não cumprirem a dialéctica anunciada, partimos de um dado entendimento da acção juridicamente relevante – viabilizado pela pressuposição axiológica em que assentamos o modelo a propor –, que conjugamos com uma assunção personalística do risco, para traçarmos critérios imputacionais consentâneos com o que até aí fomos afirmando. Assim, será com base na assunção de uma esfera de risco e no cotejo dela com outras esferas de risco (tituladas pelo lesado, por um terceiro ou pela própria realidade natural e social) que conseguiremos dizer quando deve haver imputação objectiva do dano-lesão ao comportamento do agente. Embora tal permita a pertinência com o real, a necessidade de garantir a transposição entre o dever ser e o ser e a obrigatoriedade de cumprir um ónus de contraargumentação levam-nos a, posteriormente, questionar o problema da prova da causalidade e, conexionado com ele, a questão da condicionalidade. É aí que lidaremos com questões, tão importantes como dilemáticas, como a causalidade hipotética, concorrente, cumulativa e alternativa. No final, tecem-se, ainda, como decorrência do modelo proposto, considerações acerca da questão da causalidade preenchedora da responsabilidade. Em tudo isto é a própria modelação do sistema delitual que conhece novos contornos. SUMÁRIO: 1ª PARTE - O nexo de causalidade ao nível da responsabilidade extracontratual: a formulação do problema, o tratamento doutrinal e jurisprudencial que recebe e os referentes histórico-filosóficos, teleológicos, teleonomológicos, metodológicos e dogmáticos de compreensão do requisito. CAPÍTULO I: Introdução. 1. O nexo de causalidade no seio da responsabilidade extracontratual: primeira aproximação ao problema. Circunscrição do âmbito de análise. 2. A experiência decisório-judicativa: a ambivalência da jurisprudência nacional. 3. A experiência decisório-judicativa: os dados sistemáticos colhidos além-fronteiras. 4. Recorte do âmbito de relevância problemática de situações tipo. CAPÍTULO II: O tratamento doutrinal da causalidade: visão macroscópica de algumas teorias forjadas para captar a categoria. 5. A doutrina da conditio sine qua non. Formulação e crítica. 6. A doutrina da causalidade adequada. Formulações e crítica. 7. A doutrina do escopo da norma violada. Formulação e crítica. 8. Da fisicidade da conditio sine qua non ao sentido imputacional da causalidade. Ordem de sequência. CAPÍTULO III: Evolução histórica do papel do nexo de causalidade como pressuposto da imputação delitual: do direito romano ao hodierno pluralismo de perspectivas. 9. A lição do Direito Romano. 9.1. Primeira aproximação à Lex Aquilia. 9.2. Os problemas resultantes da interpretatio e da applicatio da Lex Aquilia. 9.3. Os elementos da responsabilidade aquiliana. Em especial, a causalidade. 9.4. Culpa e causalidade. A dilemática relação entre os dois termos que se intui no direito romano. 9.5. Dano como lesão material da res e dano como prejuízo patrimonial. A evolução do pensamento jurídico romano a propósito do tema e as eventuais repercussões em sede de causalidade. 10. A responsabilidade civil na Idade Média. 11. A mutação da intencionalidade do jurídico: o jusnaturalismo racionalista e a edificação dos grandes sistemas de responsabilidade civil. 12. As duas vias calcorreadas pelo pensamento jurídico a caminho do positivismo: a Escola da Exegése e a Jurisprudência dos Conceitos. O seu eco no modelo napoleónico da faute e no modelo alemão de inspiração iheringuiana. 12.1. A génese e conformação do positivismo jurídico. 12.2. Os dois caminhos trilhados pelo positivismo e a sua projecção em sede delitual. 12.3. O papel da causalidade em cada um dos modelos delineados. 12.3.1. A função dogmática desempenhada na estrutura mencionada. 12.3.2. O condicionamento filosófico-metodológico das soluções cristalizadas. 12.3.3. O normativismo como filão condutor entre a condicionalidade sine qua non e a causalidade adequada. O duplo olhar sobre a adequação e a indiciação da superação do positivismo. 13. A superação do positivismo jurídico. 14. A causalidade comparativa. O contributo da análise económica do direito para a fixação dos contornos do pressuposto 15. Conclusões e ordem de sequência. CAPÍTULO IV: Os referentes teleológicos, teleonomológicos, metodológicos e dogmáticos de compreensão do requisito causal. 16. Teleologia e teleonomologia da responsabilidade civil. 17. Ordem de sequência. 18. Causalidade como requisito insuficiente mas necessário? Do declínio da causalidade à emergência do verdadeiro sentido da imputação. 19. Ordem de sequência. 20. Imputação e imputabilidade. O papel da imputabilidade no quadro da responsabilidade delitual. 21. A imputabilidade no diálogo comunicante com a responsabilidade pelo risco. Imputabilidade, imputação e causalidade nos meandros de tal modalidade ressarcitória. 22. Breves conclusões. Ordem de sequência. CAPÍTULO V: Os referentes teleológicos, teleonomológicos, metodológicos e dogmáticos de compreensão do requisito causal (cont.): a responsabilidade subjectiva. 23. A liberdade humana como raiz fundamentante da normatividade e, concomitante, da responsabilidade. 24. Da liberdade negativa à liberdade positiva. 25. Da responsabilidade a montante à responsabilidade a jusante ou a contaminação de toda a juridicidade pela nota da pessoalidade responsável. Aspectos metodológicos do problema. 26. Outcome responsability: a ideia autobiográfica do resultado e o resultado a evitar na pressuposição da pessoalidade. A responsabilidade civil e o desvalor de resultado. 27. Ilicitude da conduta e ilicitude do resultado. 28. Resultado preliminar e ordem de sequência. 29. A segunda modalidade de ilicitude delitual: a violação de disposições de protecção de interesses alheios. 29.1. A culpa ao nível da segunda modalidade de ilicitude delitual. 29.2. O problema da causalidade ao abrigo da segunda modalidade de ilicitude. 30. O abuso do direito como modalidade de ilicitude extracontratual e a compreensão do requisito causal no seio das hipóteses por ele assimiladas. 31. Conclusões preliminares. A primeira modalidade de ilicitude: a violação de direitos absolutos alheios e a necessidade de recondução do dano evento ao comportamento do agente. 32. Resultado preliminar. 2ª PARTE - A projecção da ratio iuris desvelada na conformação do pressuposto causal e a não alienação da realidade: o jogo dialéctico entre o sentido imputacional da responsabilidade e a comutatividade do ressarcimento. CAPÍTULO VI: A experimentação de critérios de configuração da causalidade que apelam ao sentido imputacional que deve ser reconhecido ao requisito. 33. O papel da culpa no problema da ligação do resultado à conduta do agente. A ideia de previsibilidade. 34. Possibilidade de aproveitamento da lição da adequação? A sua génese e o seu imbricamento na doutrina da responsabilidade e não na doutrina do dano; a impertinência de uma visão matematicista do problema; adequação, adequação social e probabilidade no sentido de aumento do risco. 35. Apreciação crítica. 36. A lição de PIETRO TRIMARCHI acerca da causalidade. 37. O domínio do facto e a consideração de noções como a autoria. Os modelos da mittelbaren Verursachung e o modelo da fahrlässing Verursachung (STEPHAN PHILIPP FORST). Critérios de imputação objectiva nas situações ditas de causalidade psicológica: sugestões doutrinais. CAPÍTULO VII: A contaminação do requisito causal pela ideia de risco. 38. O dado ontológico – a complexidade do devir real. 39. A caracterização da sociedade como uma sociedade de risco. 40. A permeabilidade do jurídico ao real ou a influência da sociologia na juridicidade. As consequências da caracterização da sociedade como uma sociedade de riscos no plano dogmático. 41. A justa distribuição do risco como critério imputacional ao nível do direito civil. A intencionalidade problemática do artigo 570º CC e o argumento que daí se pode extrair. 42. A ideia de risco em algumas soluções predispostas pela doutrina. 43. Da recusa do finalismo ao resvalar para o funcionalismo? 44. A acção juridicamente relevante. O impacto da consideração da sociedade ao nível da delimitação daquela. Axiologia e ontologia: o reforço da dialéctica anunciada. A importância do risco a este ensejo (como um risco imbricado na noção de esfera de responsabilidade delimitado dialecticamente no cotejo com a pessoalidade). CAPÍTULO VIII: A acção juridicamente relevante como base da imputação e a dialéctica entre a axiológica liberdade positiva e a ôntica realidade do risco: a definição dos critérios de imputação objectiva a partir da ideia de esferas de responsabilidade. 45. A acção humana como alicerce da imputação objectiva. 46. Nova referência ao sistema já constituído: a relevância da omissão no quadro da responsabilidade civil (breve excurso). 47. Pessoalidade, liberdade, responsabilidade e finalidade primária da responsabilidade civil: a definição dos critérios de imputação objectiva a partir da ideia de cotejo de esferas de responsabilidade. 47.1. A assunção de uma esfera de risco. 47.2. O cotejo de esferas de risco/responsabilidade. CAPÍTULO XIX: Um novo olhar sobre o modelo delitual: as consequências do entendimento proposto ao nível sistemático e dogmático. 48. Razão de ordem. 49. O sistema delitual como um sistema de alocação de riscos. 50. Um continuum de responsabilidade. 50.1. O modelo proposto por Nils Jansen. Análise e crítica. 50.2. Um continuum de responsabilidade personalisticamente perspectivado. CAPÍTULO X: O problema da correspondência entre o dever-ser e o ser; o ónus da prova da causalidade e a questão da condicionalidade. 51. Ordem de sequência. 52. O problema do ónus da prova da causalidade. 53. A condicionalidade como juízo prévio ou simultâneo da causalidade? 54. Causalidade múltipla ou sobredeterminação causal. Formulação do problema e perspectivas de solução segundo o ponto de vista tradicional e segundo o modelo dialogicamente proposto. 55. Obrigações solidárias. A (re)compreensão do regime da solidariedade obrigacional entre co-responsáveis à luz de uma ideia de imputação. A dialéctica entre diversos níveis argumentativos como expediente de densificação dos critérios tradicionalmente atidos à causalidade. 55.1. Obrigações solidárias e obrigações conjuntas. Breve excurso. 55.2. Solidariedade obrigacional e responsabilidade civil. CAPÍTULO XI: O preenchimento da responsabilidade: breve excurso. 56. Ordem de sequência. 57. Revisitação do direito subjectivo. 58. A emergência de um referencial de subjectivação e a génese do direito subjectivo. 59. A concepção germânica e a construção dogmática dos direito subjectivos privados: a teoria da vontade e a teoria do interesse. 60. Do objectivismo moderado de Ihering ao objectivismo radical de Duguit e kelsen. 61. Do individualismo ao personalismo ou a sustentação do direito subjectivo por referência à pessoa. 62. Síntese compreensiva e tomada de posição viabilizadora da conexão entre o conceito de direito subjectivo e o problema da causalidade preenchedora da responsabilidade. 63. Uma dúplice visão sobre o fenómeno da subjectivação. 63.1. O direito subjectivo na perspectiva do titular que o exerce. 63.2. O direito subjectivo na óptica do titular que o vê lesado. 64. O direito subjectivo e o interesse legalmente protegido. 65. A gestão de negócios e a consideração dos interesses do dominus que lhe anda associada. 66. O enriquecimento sem causa (nova referência) e a consideração do direito subjectivo como fundamento e radical operatório. 67. A determinação do dano a partir do conteúdo do direito subjectivo. 68. A obrigação de indemnizar à luz do direito positivo português. O debate em torno do artigo 563º CC. Síntese. Bibliografia.