Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2887/2007-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I - O concurso de credores a que há lugar no decurso da tramitação duma execução para pagamento de quantia certa constitui um apenso do processo de execução propriamente dito (cfr. o nº 8 do artigo 865º do Código de Processo Civil), tendo natureza manifestamente incidental.
II - A reclamação, verificação e graduação dos créditos realiza-se numa acção declarativa de carácter incidental, pois que todas as reclamações que forem deduzidas pelos vários credores são autuadas num único apenso ao processo de execução (art. 865º, nº 4). Trata-se de mais um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo.
III - Todos os quatro processos declarativos que podem enxertar-se na marcha do processo de execução para pagamento de quantia certa (liquidação, embargos de executado, embargos de terceiro e verificação e graduação de créditos) são de processamento eventual: no que concerne ao último, basta pensar em que pode não haver credores privilegiados com garantia real sobre os bens penhorados ou, havendo-os, podem eles não querer reclamar os seus créditos.
IV - O concurso de credores instaurado no decurso duma execução para pagamento de quantia certa não constitui um verdadeiro processo autónomo, “qua tale”, mas antes um mero incidente da execução propriamente dita.
F.G.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível da Relação de LISBOA:

Inconformado com a decisão que, no apenso de reclamação de créditos organizado por dependência da Execução para pagamento de quantia certa instaurada em 1997 contra A, determinou o desentranhamento dos autos da reclamação de créditos por si deduzida em 4/7/2006 e a sua entrega ao reclamante, após trânsito, nos termos do artigo 467º, nº 5, do Código de Processo Civil, por o Reclamante não ter junto documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
1. O processo principal deu entrada em juízo em 1997.
2. O DL 324/2003, de 27 de Dezembro, que alterou o Código das Custas Judiciais, s6 entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004;
3. Dispõe o art° 14°, n°1 daquele diploma legal que as alterações ao CCJ constantes do mesmo só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor;
4. O concurso de credores traduz-se numa acção declarativa com natureza incidental face ao processo executivo, não gozando de autonomia própria.
5. O regime de custas que lhe é aplicável é o que vigorava á data da instauração do processo de execução;
6. O Agravante ao tempo em que o processo principal foi instaurado beneficiava da isenção de custas nos termos do nº 1, al. b) do art° 2° do CCJ;
7. A reclamação de créditos constitui um apenso executivo pelo que nos termos do art° 29°, al. a) do n°3 do CCJ vigente não bá lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial e subsequente.
8. O Agravante não está obrigado ao pagamento da taxa de justiça inicial, não tendo aplicação o disposto no 467°n 3 do CPC.
NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente e revogada a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine a junção ci.a reclamação apresentada pelo Agravante e ordene o cumprimento do disposto no art° 866° do CPC.
No entanto, Vª. s Exa. s decidindo, farão a habitual JUSTIÇA!”.


Não houve contra-Alegações.

O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do agravo interposto pelo Agravante.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
Nos termos preconizados pelo art. 467º, nº 5, do C.P.C., uma vez que a Reclamante de fls 53 não juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, determina-se o desentranhamento da reclamação formulada pelo Ministério Público, e a sua entrada, digo, entrega ao apresentante, após trânsito.
Notifique.”.
O OBJECTO DO RECURSO

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2).
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º)(3)(4). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo ora Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito a uma única questão: a de saber se, uma vez que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro - nomeadamente a que eliminou a isenção de custas de que antes gozava o MINISTÉRIO PÚBLICO, quando agia em representação da Fazenda Nacional (cfr. o artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida por aquele diploma) – só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (ocorrida em 1 de Janeiro de 2004), ex vi do artigo 14º, nº 1, do cit. DL. nº 324/2003, o MINISTÉRIO PÚBLICO continua a beneficiar da isenção de custas que lhe era conferida pelo art. 2º, nº 1, al. b), do Código das Custas Judiciais (na redacção anterior), numa reclamação de créditos deduzida por apenso a uma execução instaurada em 1997, por isso que o apenso de reclamação de créditos não constitui um processo “a se”, tendo antes natureza meramente incidental.
FACTOS PROVADOS

Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:
1) A execução para pagamento de quantia certa por dependência da qual foi deduzida a reclamação de créditos na qual foi proferido o despacho recorrido foi instaurada em 1997;
2) A reclamação de créditos deduzida pelo ora Agravante MINISTÉRIO PÚBLICO foi apresentada em juízo em 4 de Julho de 2006.
3) A petição inicial da reclamação de créditos deduzida pelo ora Agravante MINISTÉRIO PÚBLICO não se fez acompanhar de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.
O MÉRITO DO AGRAVO
Como vimos, o objecto do presente recurso de agravo está confinado a uma única questão: a de saber se, uma vez que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro - nomeadamente a que eliminou a isenção de custas de que antes gozava o MINISTÉRIO PÚBLICO, quando agia em representação da Fazenda Nacional (cfr. o artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código das Custas Judiciais, na redacção introduzida por aquele diploma) – só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (ocorrida em 1 de Janeiro de 2004), ex vi do artigo 14º, nº 1, do cit. DL. nº 324/2003, o MINISTÉRIO PÚBLICO continua a beneficiar da isenção de custas que lhe era conferida pelo art. 2º, nº 1, al. b), do Código das Custas Judiciais (na redacção anterior), numa reclamação de créditos deduzida por apenso a uma execução instaurada em 1997, por isso que o apenso de reclamação de créditos não constitui um processo “a se”, tendo antes natureza meramente incidental.

O artigo 2º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro, isentava de custas o MINISTÉRIO PÚBLICO. Porém, mercê da nova redacção conferida à al. a) do nº 1 do cit. art. 2º do C.C.J. pelo Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, o MINISTÉRIO PÚBLICO apenas ficou isento de custas “nas acções, procedimentos e recursos em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei”.
Consequentemente, o MINISTÉRIO PÚBLICO deixou de estar isento de custas na actividade judiciária que desenvolve no âmbito da representação do Estado, ou de outras pessoas colectivas de direito público ou de particulares a quem o Estado-Colectividade deva protecção, apenas estando delas isento nas acções e/ou procedimentos para os quais dispõe de legitimidade própria (caso das acções oficiosas de investigação de maternidade ou paternidade, de interdição, de anulação de contratos de sociedades ou de cooperativas e de casamentos) (5).
Simplesmente, como o cit. Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, apenas entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (cfr. o respectivo artigo 16º, nº 1) e o artigo 14º, nº 1, daquele diploma dispõe que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as alterações ao CCJ constantes deste diploma só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor" e a reclamação de créditos na qual foi proferido o despacho ora sob censura apenas foi autuada em 2006, tudo está em saber se o concurso de credores que corre por dependência duma execução para pagamento de quantia certa constitui um processo “a se” ou, pelo contrário, tem natureza meramente incidental. Isto porque, no 1º caso, o MINISTÉRIO PÚBLICO não está isento de custas e, consequentemente, o despcho ora agravado não mereceria qualquer censura, ao ter ordenado o desentranhamento dos autos da reclamação de créditos apresentada pelo Agravante, por não vir acompanhada de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial (como impõe o art. 467º, nº 3 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), enquanto, pelo contrário, na segunda hipótese, o MINISTÉRIO PÚBLICO estaria dispensado do pagamento da taxa de justiça inicial (por estar isento de custas) e o despacho recorrido não poderia subsistir.
A resposta à questão supra enunciada não oferece dúvidas.
O concurso de credores a que há lugar no decurso da tramitação duma execução para pagamento de quantia certa constitui um apenso do processo de execução propriamente dito (cfr. o nº 8 do artigo 865º do Código de Processo Civil), tendo natureza manifestamente incidental.
«A reclamação, verificação e graduação dos créditos realiza-se numa acção declarativa de carácter incidental, pois que todas as reclamações que forem deduzidas pelos vários credores são autuadas num único apenso ao processo de execução (art. 865º, nº 4)» (6). «Trata-se de mais um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo» (7).
Todos os quatro processos declarativos que podem enxertar-se na marcha do processo de execução para pagamento de quantia certa (liquidação, embargos de executado, embargos de terceiro e verificação e graduação de créditos) são de processamento eventual: no que concerne ao último, basta pensar em que pode não haver credores privilegiados com garantia real sobre os bens penhorados ou, havendo-os, podem eles não querer reclamar os seus créditos.
O concurso de credores instaurado no decurso duma execução para pagamento de quantia certa não constitui, portanto, um verdadeiro processo autónomo, “qua tale”, mas antes um mero incidente da execução propriamente dita.
Ora, a referência a "processo" feita pelo cit. artigo 14° do Dec.-Lei n° 324/2003, de 27 de Dezembro tem em vista os procedimentos autónomos e não os que, independentemente da sua natureza, daqueles sejam dependentes ou incidentais. Neste sentido se poronunciarem, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21/2/2005 e de 17/1/2005, o Ac. da Relação de Coimbra de 25/11/2004 e os Acórdãos desta Relação de Lisboa de 21/11/2005 e 10/11/2005, cujos sumários e/ou textos integrais podem ser acedidos, via Internet, in www.dgsi.pt.
Assente, pois, que, no caso dos autos, o MINISTÉRIO PÚBLICO está isento de custas (nos termos do art. 2º, nº 1, al. b), do C.C.J. de 1996, na redacção anterior à introduzida pelo cit. Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, o agravo não pode, pois, deixar de ser provido.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando consequentemente a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que mande notificar o executado, o exequente e os outros credores reclamantes do teor da reclamação de créditos apresentada pelo ora Agravante (art. 866º-1 do Código de Processo Civil).
Sem custas.

Lisboa, 3/7/2007
Rui Torres Vouga (Relator)
Carlos Moreira (1º Adjunto)
Isoleta Almeida Costa (2º Adjunto)
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1 - Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
2 - Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 - O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 - A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 - Cfr., neste sentido, SALVADOR DA COSTA in “Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado”, 8ª ed., 2005, p. 70.
6 - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Acção Executiva Singular”, 1998, p. 341.
7 - JOSÉ LEBRE DE FREITAS in “A Acão Executiva Depois da Reforma”, 4ª ed., 2004, p. 317.