Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8693/2006-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I- A concretização apenas na proposta de decisão, para a qual remete a decisão da IGT, de determinadas circunstâncias, que mais não são do que um mero desenvolvimento (por via de um juízo de direito) do facto que constitui o elemento essencial do tipo da infracção que é imputada ao arguido, em nada altera a contra-ordenação ou contra-ordenações imputadas nem as respectivas sanções, não se mostrando violado o direito de audição e de defesa consignado no art. 50º do RGCO.
II- Ainda que, porventura, seja de admitir a violação essa disposição legal, a nulidade em causa tem de considerar-se sanada quando o arguido, ao impugnar judicialmente a decisão da IGT, não se limita a invocar a nulidade por violação do art. 50º do RGCO, e também se pronuncia sobre o mérito da decisão recorrida.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

M…, arguida em processo de contra-ordenação laboral movido pela Inspecção Geral do Trabalho (IGT), subdelegação do Barreiro, impugnou judicialmente a decisão desta entidade, que lhe aplicou uma coima única de € 35.000, pela prática de dois ilícitos contra-ordenacionais consistentes na violação do art. 19º, nº2, alíneas d) e e), do D.L. 273/2003, de 29/10 e na do art. 42º do RSTCC e condenou, solidariamente, pelo pagamento da coima os Senhores C… e E…, na qualidade de Administradores da arguida.
Após audiência de julgamento foi proferida sentença que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
De novo inconformada, recorreu a arguida para este tribunal, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…)
O M.P. no tribunal recorrido respondeu pugnando pela confirmação da sentença.
Subidos os autos a este tribunal, procedeu-se a audiência.

As questões suscitadas no recurso são:
- se a decisão da autoridade administrativa padece de nulidade, por ter feito uso de factos ou elementos novos (art. 379º nº 1 al. b) do CPP ex vi do art. 41º nº 1 do RGCO);
- se a sentença deve ser considerada nula nos termos da mesmas disposições;
- assim não se entendendo, se a decisão da IGT e a sentença são nulas por violação do art. 50º do RGCO e art. 133º nº 2 al. d) do CPA;
- se a factualidade apurada permite considerar que a arguida cometeu as contra-ordenações que lhe são imputadas.

Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade:
1- No dia 9 de Março de 2005, pelas 17 horas, foi efectuada pelo Sr. Inspector autuante uma visita inspectiva no local de trabalho (estaleiro), sito na ---;
2- Naquele local encontrava-se em construção um prédio constituído por quatro pisos, destinado à habitação;
3- Da referida obra era, simultaneamente, dono de obra, entidade executante e empregador, a empresa “M…”;
4- Da referida obra era subempreiteira da cofragem e empregador a empresa “M...”;
5- À data da inspecção, a obra encontrava-se na fase de estruturas- construção da cofragem da laje superior do piso três;
6- À data da inspecção, no local identificado no ponto 1, encontrava-se no exercício da sua actividade, ao serviço da empresa subempreiteira “M...”, os seguintes trabalhadores: ----, todos com a categoria de Carpinteiro de Cofragem de 1ª e ---, estes com a categoria de Serventes;
7- Igualmente se encontravam em obra, no perímetro do estaleiro e supervisionando a construção de todos os lotes, o trabalhador da arguida, ---, com a categoria de encarregado;
8- Os referidos trabalhadores vinham exercendo a sua actividade a cerca de 10 metros de altura;
9- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade -bordadura da frente e bordadura traseira da laje superior do piso três- não existiam plataformas de trabalho com a largura mínima de de 60 cm e com guarda-costas, exteriores ao edifício e em toda a periferia do piso de trabalho;
10- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade inexistiam plataformas de segurança com largura mínima de 1,30 metros para o exterior da obra, com dois guarda-corpos, instalados ao nível do piso inferior ao de trabalho, acompanhando o levantamento da estrutura;
11- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade, não estavam colocadas quaisquer redes horizontais, tipo “baliza”;
12- As lajes dos pisos inferiores não possuíam plataformas contínuas para o exterior do edifício, com dois guarda-corpos nem qualquer rede de protecção colectiva, tipo “baliza”;
13- Por considerar que existia um perigo grave e iminente de queda em altura dos trabalhadores ali presentes, o Inspector autuante ordenou a suspensão imediata de todos os trabalhos que se desenvolviam sobre os três pisos do edifício;
14- A notificação da suspensão foi entregue na pessoa do Sr. ---, Encarregado e trabalhador da empresa arguida;
15- A arguida foi notificada para apresentar na IGT-Subdelegação do Barreiro, um requerimento que contivesse as medidas de prevenção que iriam ser tomadas para que a obra pudesse prosseguir com as adequadas medidas de segurança;
16- A arguida, em 10 de Março de 2005, apresentou naqueles serviços, um requerimento no qual informava que iria proceder à colocação de redes de protecção, tipo “horizontal inclinada”, no piso imediatamente abaixo- 3º piso - 2º andar;
17- Em 10 de Março de 2005, pelas 17 horas, foi a arguida notificada da autorização para recomeço dos trabalhos suspensos, desde que cumpridas todas as medidas de segurança formalizadas no requerimento apresentado pela arguida em 10 de Março de 2005;
18- Na qualidade de dona da obra, foi a arguida notificada para, em 16 de Março (1) de 2005, exibir, na Subdelegação da IGT do Barreiro, entre outros documentos, o Plano de Segurança e Saúde, bem como a identificação do Coordenador de Segurança;
19-A arguida nomeou como Coordenador de Segurança o Sr.----;
20- Da declaração de nomeação do Coordenador de Segurança em obra e termo de aceitação, elaborado pela arguida em 10 de Março de 2005, consta como função do Coordenador: avaliar o cumprimento do Plano de Segurança e Saúde e das prescrições legais por parte dos intervenientes na execução da obra, nomeadamente no que respeita aos riscos especiais;
21- Do termo de aceitação do Coordenador de Segurança consta a obrigação de assegurar o planeamento da coordenação das actividades desenvolvidas pelas várias empresas intervenientes no âmbito da segurança e saúde do trabalho;
22- Conforme registo individual da Inspecção Geral do Trabalho, a arguida foi condenada no processo de contra-ordenação nº 030300264, pelo cometimento de uma infracção muito grave, por violação do disposto no artigo 9º, nº2, al. b) do D.L. 155/95, de 1/7, na coima de € 11.000,00, cuja data de prescrição irá ocorrer em 10 de Novembro de 2006;
23- A arguida, de acordo com o Mapa do Quadro de Pessoal de 2003, apresentou um volume de negócios de € 22.648.964,71;
24- No sítio onde os trabalhadores estavam a executar as suas tarefas- laje superior do 3º piso- existia um cabo de aço, ligado aos ferros verticais, que se destinava a servir de linha de vida, através de um acessório de ligação a um arnês de segurança existentes em coletes destinados aos trabalhadores;
Foram dados como não provados:
-que, no momento da visita inspectiva, os trabalhadores identificados tinham um arnês de segurança, com acessório que estava fixado a um cabo de aço que servia de linha de vida;
- que, na altura da visita inspectiva, o Coordenador de Segurança estava a indicar as medidas de segurança a implementar na zona mais próxima do prédio contíguo, onde o betão estava a acabar de secar nesse dia, para que aí se pudessem iniciar os trabalhos de construção.

Apreciação
Começa a recorrente por suscitar a reapreciação da parte da sentença que julgou improcedente a arguida nulidade da decisão da autoridade administrativa prevista no art. 379º nº 1 al. b) do CPP, por força do art. 41º nº 1 do RGCO, bem como a alegada violação do direito de defesa e de resposta da arguida em relação aos factos e elementos novos apenas invocados na proposta de decisão, para a qual remete a decisão, já que a srª Juíza (e muito bem) considerou tratar-se de uma única questão – saber se foi violado o direito de audição e defesa consignado no art. 50º do RGCO.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Do confronto entre o auto de notícia (relativamente ao qual foi facultado à arguida o direito de defesa, pela notificação de fls. 26) e a decisão da autoridade administrativa verifica-se que, em termos factuais e no que ora interessa, a imputação efectuada na 1ª peça é a de que “os trabalhadores exerciam a sua actividade a cerca de dez metros de altura, bordadura da frente e bordadura traseira, respectivamente, conforme se comprova pelas fotos anexas, sem que estivesse colocada qualquer protecção contra quedas em altura” ao passo que, na segunda peça, essa matéria se encontra desenvolvida e concretizada, mais precisamente nos seguintes termos:
“9- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade - bordadura da frente e bordadura traseira da laje superior do piso três- não existiam plataformas de trabalho com a largura mínima de de 60 cm e com guarda-costas, exteriores ao edifício e em toda a periferia do piso de trabalho;
10- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade não existiam plataformas de segurança com largura mínima de 1,30 metros para o exterior da obra, com dois guarda-corpos, instalados ao nível do piso inferior ao de trabalho, que acompanhariam igualmente o levantamento da estrutura, destinadas a amparar qualquer trabalhador que se desequilibre ao instalar a cofragem para a laje superior, ou a colocar sobre ela a armação de ferro, para a construção da respectiva laje;
11- Onde os trabalhadores exerciam a sua actividade, não existia a instalação de redes horizontais, tipo “baliza”;
13- As lajes dos pisos inferiores não possuíam plataformas contínuas para o exterior do edifício, com dois guarda-corpos nem qualquer rede de protecção colectiva, tipo “baliza;
Entendeu a Srª Juíza que a circunstância de o auto de notícia indicar como normas violadas o art. 19º nº 2 al. d) e e) do DL 273/20003, de 29/10 e o art. 42º do Dec. 41.821, de 11/8/58, sendo este último que indica concretamente as protecções colectivas que deverão existir, não se pode considerar que à arguida não tivesse sido concedido o direito de resposta quanto às medidas colectivas que deveria ter, tanto mais quanto foi a própria arguida que, na resposta dada quanto ao levantamento da suspensão, informava que ia proceder à colocação de redes de protecção tipo “horizontal inclinada” no piso imediatamente abaixo, reconhecendo desse modo que não tinha essa protecção colectiva. Concluiu em suma que a referência na decisão recorrida às medidas que a arguida deveria ter adoptado para limitar o risco de queda em altura dos trabalhadores, não consubtancia uma alteração de factos.
Se bem que tenhamos que reconhecer que a invocação do art. 42º do Regulamento de Segurança no Trabalho na Construção Civil aprovado pelo Dec. nº 41820 de 11/8/58 é duvidosa - na medida em que tal norma, sob a epígrafe “aberturas em paredes” dispõe “qualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 metro acima do soalho ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos com as características indicadas no parágrafo único do art. 40º, …” e, no caso, os trabalhadores procediam à construção da cofragem da laje superior do piso 3, a cerca de 10 metros do solo, não havendo portanto, ainda, quaisquer paredes - afigura-se-nos todavia que, sendo, precisamente devido à inexistência de paredes, o risco de queda em altura ainda maior do que no caso de abertura feita numa parede, por maioria de razão, as medidas de protecção contra queda em altura não poderiam ser menos rigorosas do que as previstas para os casos de abertura em paredes, podendo mesmo equiparar-se a inexistência de paredes a uma grande abertura.
Nos termos do nº 1 art. 11º da Portaria 101/96 de ¾ (mantida em vigor, tal como o RSTCC, pelo art. 29º do DL 273/2003 até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção) “Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas as medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o RSTCC.”
Dispõe o art. 50º do RGCO que “Não é permitida a aplicação de uma coima …sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”
À arguida foi assegurado o direito de se pronunciar sobre as infracções que lhe são imputadas e respectivas coimas, através da notificação de fls. 26.
A concretização apenas na proposta de decisão, para a qual remeteu a decisão da IGT, das medidas que a arguida não implementou (devendo ter implementado) para diminuir o risco de queda em altura, sendo um mero desenvolvimento (por via de um juízo de direito), do facto que constitui o elemento essencial do tipo da infracção que lhe é imputada - a existência de trabalhos de construção civil com risco de queda em altura, sem que tivessem sido implementadas quaisquer medidas de protecção colectiva contra esse risco – em nada altera a contra-ordenação ou contra-ordenações imputadas nem as respectivas sanções, pelo que não foi violado o direito de audição e de defesa consignado no art. 50º do RGCO.
Ainda que assim não se entendesse – e não é o caso - haveria que ter em conta que, ao impugnar judicialmente a decisão da autoridade administrativa, esta passa a valer como acusação por força do disposto pelo art. 62º do RGCO. Ora, como se afirma no acórdão de fixação de jurisprudência publicado no DR, Iª Série A, de 25/1/2003 (“Assento” nº 1/2003) “A eventual preterição, no decurso da instrução contra-ordenacional, do «direito (processual) de audição» garantido pelo art. 50º do regime geral das contra-ordenações haveria de ficar «sanada» - por força do disposto no art. 121º nº 1 al. c) do CPP- se o arguido viesse a prevalecer-se, na impugnação judicial da «acusação» administrativa, do direito (de defesa) a cujo exercício o acto anulável se dirigia.
Com efeito, não faria sentido (e seria mesmo processualmente antieconómico) anular a «acusação» (a não ser que a impugnação se limitasse a arguir a correspondente nulidade) se o «participante processual interessado» aproveitasse a impugnação (da «decisão administrativa» assim volvida «acusação») para exercer – dele enfim se prevalecendo – o preterido direito de defesa, em ordem (cfr. art. 286º nº 1) à «comprovação judicial» (negativa) da decisão de deduzir acusação.
Com essa excepção (sanação do vício por os participantes processuais se terem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia) «o legislador procura evitar a anulação do processado por motivos de mera forma, contribuindo para a construção de um sistema menos formalista e mais preocupado com a justiça material. Se o acto, apesar de imperfeito, cumpriu os objectivos para os quais foi pensado pelo legislador […] não se justifica a sua repetição».
Ora, a arguida ao impugnar judicialmente a decisão da IGT não se limitou a invocar a nulidade por violação do art. 50º do RGCO, pronunciou-se também sobre o mérito da decisão recorrida, como se vê dos pontos III a V da respectiva motivação.
Assim, ainda que porventura fosse de admitir que tivesse sido violado o art. 50º do RGCO, a nulidade em causa teria de considerar-se sanada, nos termos do art. 121º nº 1 al. c) do CPP por a arguida se ter prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia, ou seja, por ter afinal acabado por exercer o direito de defesa quanto à contra-ordenação e sanção.
Pelo mesmo motivo - ter ela exercido a sua defesa sobre os factos ou elementos contidos na decisão que, por via da impugnação, se converteu em acusação e que reputa de novos - nunca a sentença recorrida poderia ser considerada nula por ter feito uso de tais factos ou elementos.
Improcedem, pelo exposto, as conclusões 1ª a 10ª.

Entende ainda a recorrente que a factualidade assente não é suficiente para que se considerem verificadas as infracções que lhe são imputadas, pelo que a sentença ao decidir em contrário incorreu em erro.
A arguida foi condenada por duas contra-ordenações, ambas tipificadas como muito graves, respectivamente no art. 25º nº 3 al. a) do DL 273/2003 de 29/10, imputável ao dono da obra e que consiste na violação do art. 19º nº 2 al. d) e e) do mesmo diploma e no nº 4 do mesmo artigo, imputável ao empregador ou trabalhador independente e que consiste na violação, por algum deles, do Regulamento de Segurança no Trabalho na Construção Civil aprovado pelo Dec. nº 41.820 de 11/8/58, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores.
Na parte que releva, dispõe o citado art. 19º nº 2:
O coordenador de segurança em obra deve no que respeita à execução desta:

d) verificar a coordenação das actividades das empresas e dos trabalhadores independentes que intervêm no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais;
e) Promover e verificar o cumprimento do plano de segurança e saúde, bem como das outras obrigações da entidade executante, dos subempreiteiros e dos trabalhadores independentes, nomeadamente no que se refere à organização do estaleiro, ao sistema de emergência, às condicionantes existentes no estaleiro e na área envolvente, aos trabalhos que envolvam riscos especiais, aos processos construtivos especiais, às actividades que possam ser incompatíveis no tempo e no espaço e ao sistema de comunicação entre os intervenientes na obra.”
Ora estando assente que, aquando da visita inspectiva, na obra em causa, de que a arguida era dona, decorriam trabalhos de construção da cofragem da laje superior do piso 3, encontrando-se em actividade, a cerca de 10 metros de altura, oito trabalhadores da empresa subempreiteira da cofragem e um da ora arguida, que também era a entidade executante, sem que tivessem sido implementadas quaisquer medidas de protecção colectiva contra quedas em altura, sendo, quanto a nós, indiscutível que, para aqueles trabalhadores, trabalhando a cerca de 10 metros do solo, esse risco era real, não podemos deixar de reconhecer que o coordenador de segurança em obra omitiu, pelo menos, o dever que lhe é imposto pela citada norma do art. 19º nº 2 al. e), de promover o cumprimento, pela entidade executante das obrigações no que se refere às condicionantes existentes no estaleiro e aos trabalhos que envolvam riscos especiais, mais precisamente da obrigação de implementar as medidas de protecção colectiva contra o risco de quedas em altura.
A obrigação de implementar as medidas de protecção colectiva caberá à entidade executante (designadamente no âmbito do dever imposto pelo art. 20º al. d) do DL 273/2003), mas porque na execução da obra podem desenvolver actividade, simultaneamente, diversas empresas e mesmo trabalhadores independentes, a lei impõe ao dono da obra o dever de nomear um coordenador de segurança em obra (art. 9º nº 2) e a este, entre outros, os deveres acima discriminados. No caso, porque a entidade executante e o dono da obra eram a mesma pessoa – a ora recorrente - não obstante os trabalhos de cofragem decorrerem ao nível do piso 3 (a cerca de 10 metros de altura), sem que a entidade executante tivesse implementado as medidas de protecção colectiva contra riscos de queda em altura a que estava obrigada (designadamente pelo Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº 41.821 de 11/8/58), não cremos que isso signifique que o coordenador de segurança não procedeu à coordenação das actividades das empresas que intervém no estaleiro, tendo em vista a prevenção dos riscos profissionais, pelo que não temos por verificada violação do preceituado pelo art. 19º nº 2 al. d) do DL 273/2003.
O que não significa que a arguida não tenha incorrido na infracção tipificada no art. 25º nº 3 al. a) do mesmo diploma, já que, como vimos atrás, como dona da obra é-lhe imputável a contra-ordenação pela omissão pelo coordenador de segurança do dever imposto pela norma da al. e) do art. 19º nº 2 de promover o cumprimento, pela entidade executante das obrigações no que se refere às condicionantes existentes no estaleiro e aos trabalhos que envolvam riscos especiais.
No que concerne à infracção tipificada no art. 25º nº 4 - “constitui contra-ordenação muito grave, imputável ao empregador ou a trabalhador independente, a violação por algum deles do RSTCC aprovado pelo Dec. nº 41.821 de 11/8/58, se a mesma provocar risco de queda em altura, de esmagamento ou de soterramento de trabalhadores” – a decisão recorrida considerou-a verificada por ter como violada a norma do art. 42º do referido RSTCC. Como já referimos atrás, é duvidoso que possa ter-se como violada a norma do art. 42º uma vez que não estamos, em rigor, perante abertura em paredes, mas por outro lado, sendo o risco de queda em altura bem maior na situação verificada nos autos do que propriamente numa situação de abertura em paredes, mal se compreenderia que as medidas de segurança colectiva - que, de acordo com o disposto pelo art. 8º nº 2 al. f) do DL 441/91 de 14/11, devem ter prioridade sobre as medidas de segurança individual – fossem menos exigentes do que naquele caso, pelo que entendemos dever a norma do art. 42º do RSTCC ser interpretada extensivamente de forma a abranger a situação vertente, equivalente a uma grande abertura em parede.
Não nos repugna, porém, a tese da recorrente de considerar antes aplicável à situação detectada no dia 9/3/2005 o art. 44º (2) do mesmo regulamento, relativo a obras em telhados, já que o trabalho na laje do último piso construído se nos afigura de certo modo equivalente, em termos de risco de queda em altura, ao que envolve trabalhar num telhado. Porém as medidas adequadas a limitar esse risco são, também, em parte idênticas: plataformas e guarda-corpos, que no caso, não foram implementadas, não se podendo afirmar que as mesmas não fossem praticáveis.
Mas, ainda que porventura se admitisse que tais medidas de segurança colectiva eram impraticáveis, devendo por isso entrar em cena as medidas de protecção individual, designadamente o uso de cintos de segurança ligados à linha de vida, temos que, embora, existisse no local, naquela data, um cabo de aço destinado a funcionar como linha de vida (nº 24 da matéria de facto), o certo é que não ficou provado que, no momento da visita inspectiva, os trabalhadores identificados, designadamente aquele de que a recorrente era empregadora, tivessem um arnês de segurança com acessório de ligação ao cabo de aço que servia de linha de vida, pelo que sempre se teria de ter como violada a norma do art. 44º § 2 do RSTCC.
Em qualquer dos casos havia violação de uma norma do RSTCC, que provocava risco de queda em altura, pelo que a arguida, como empregadora, incorreu também na prática desta contra-ordenação, já que como pessoa colectiva titular de uma empresa organizada, era sem dúvida capaz de cumprir tais normas, como lhe era exigível que procedesse com a diligência necessária ao respectivo cumprimento.
Afigura-se-nos todavia, não obstante o preenchimento da hipótese típica das duas infracções imputadas à arguida, se bem que em vestes distintas (como dona da obra, por um lado e como empregadora, por outro) que a mesma deve ser punida apenas por uma delas, uma vez que ambas visam proteger o mesmo valor - a segurança no trabalho, mormente no que concerne ao risco de queda em altura – encontrando-se tais normas numa relação de consunção, ou seja a segunda infracção é consumida pela primeira, na medida em que esta protege o valor segurança no trabalho contra o risco de queda em altura de todos os trabalhadores da obra e aquela protege o mesmo valor apenas quanto aos trabalhadores juridicamente subordinados à recorrente.
Entendemos por isso dever absolver a arguida da segunda contra-ordenação que lhe é imputada, mantendo a condenação quanto à contra-ordenação prevista no art. 25º nº 3 al. a) com referência ao art. 19º nº 2 al. e) do mesmo diploma.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso, absolvendo a arguida da contra-ordenação prevista no nº 4 do art. 25º do DL 273/2003, mantendo a coima de € 15.000 pela contra-ordenação prevista art. 25º nº 3 al. a) com referência ao art. 19º nº 2 al. e) do mesmo diploma.
Custas pela arguida com fixação da taxa de justiça em 3 ucs.
Lisboa, 10 de Janeiro de 2007

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira



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1.-Embora na sentença conste “Dezembro”, trata-se de manifesto lapso, como se verifica pelo confronto com o doc. de fls. 17 (notificação para apresentação de documentos), pelo que se procede à rectificação.

2.-Art. 44º - No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela sua inclinação, natureza, ou estado da sua superfície ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1º….
§ 2º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.