Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
520/06.3TBLNH-F.L1-7
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
RESOLUÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
ÓNUS DA PROVA
MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I -É à parte que impugna a resolução que cabe alegar e provar todos os factos extintivos do direito de resolução.
II - Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou b) tiver alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.
III – Litiga de má fé quem invoca factos cujo conhecimento não podia ignorar, ainda que alega não os conhecer.
(sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. Relatório
1.1. Nos presentes autos, veio a M, Lda. impugnar a resolução da apreensão de bens efectuada na acção executiva n.º …., referindo para tal, em síntese:
Que a acção executiva foi posta em 4 de Outubro de 2005, enquanto a data da sentença de insolvência é bastante posterior. Entretanto foi feita uma transacção, em 9 de Novembro de 2006, não tendo o impugnante meio de saber que o executado se encontrava em situação de insolvência. Acresce ainda que não tem na sua posse os veículos em causa.
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1.2. Citado o senhor administrador da insolvência refere nada ter a opor a que a impugnação da resolução seja julgada procedente.
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1.3. Foi proferida decisão onde se julgou totalmente improcedente a impugnação de resolução, proposta por M, Lda. contra a massa insolvente de E, em consequência:
a) Manteve-se integralmente a resolução a favor da massa insolvente;
b) Condenou-se a requerente na multa, como litigante de má fé, de 6 UC;
c) Condenou-se a requerente nas custas da acção - art. 446.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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1.4. Inconformada com tal decisão dela recorreu a requerente terminando a sua motivação com as conclusões transcritas:
1.ª - A sentença de que ora se recorre nega provimento à Impugnação de Resolução da transacção judicial datada de 09/11/2006, celebrada entre a ora Recorrente e o devedor, no âmbito do processo executivo ……, que correu os seus termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial, não podendo a Recorrente concordar com tal decisão do Tribunal a quo por entender que a mesma se funda em graves falhas de apreciação.
2.ª - Para efeitos de sentença, o Tribunal a quo formou a sua convicção, invocando que ".. .concatenando estes elementos, logo se conclui que, a ter havido pagamento, o mesmo ocorreu entre 14 de Novembro de 2006 e 12 de Dezembro do mesmo ano e não na data que a impugnante refere pois que, se assim fosse, não alegaria não saber qual o montante da dívida exequenda, em data posterior ao alegado pagamento. "
3.ª - Não pode, porém, a Recorrente aceitar que o Tribunal a quo se tenha esquecido que a transacção judicial levada a cabo pelo ora Recorrente e devedor foi celebrada em 09/11/2006, ou seja, em data anterior ao entre tempo que decorreu desde 14/11/2006 a 12/12/2006, num período em que, efectivamente, a Recorrente não tinha conhecimento da situação iminente de Insolvência em questão.
Pois, na verdade,
4.ª - Entende a Recorrente que o acto aferidor relevante para a existência ou não da sua má fé na celebração da transacção judicial é o da celebração do mesmo, em 09/11/2006, com o devedor, e não o momento do pagamento da quantia acordada, pois é à data do acto da transacção, e não das obrigações legais dele decorrentes como seja o pagamento, que se afere do conhecimento por terceiro da situação iminente de insolvência.
Sendo que, inclusivamente,
5.ª - Só muito mais tarde, em 05/02/2007, veio a ser declarada a Insolvência do devedor, no âmbito do processo principal a que pertence o presente apenso, processo n…, pelo que não era, de todo, possível à ora Recorrente aferir da situação iminente de insolvência à altura da celebração da transacção comercial, em 09/11/2006, o que afasta a presunção de má fé da Recorrente quanto ao preceituado no artigo 120, n.o 5, alínea a) do CIRE.
6.ª -F. Por sua vez, o Senhor Administrador de Insolvência, que lançou mão ao instituto da resolução, nos termos do artigo 123.° do CIRE, notificado para contestar a impugnação de resolução da ora Recorrente, informou o Tribunal a quo da sua não oposição ao aperceber-se que, ao caso, não houve má fé das partes envolvidas na celebração do acordo supra mencionado, atenta a data da declaração de insolvência do devedor, em 05/02/2007, ser muito posterior à data da celebração da transacção judicial.
7.ª - Mais decidiu o Tribunal a quo pela "manifesta a falta de fundamento da sua pretensão" pois "ou tem efectivamente os bens na sua posse e tem interesse em agir, mas litiga de má fé, pois alega não os ter, ou não os tem e a presente acção não tem qualquer utilidade para si, pois não pode entregar aquilo que não tem, como, aliás, alega."
8.ª - Mas na verdade a Recorrente não é nem foi alguma vez proprietária dos veículos objecto da transacção judicial em 09/11/2006, nem alguma vez esteve em posse daqueles, tendo antes sido ressarcida por via de pagamento no valor de € 33.845,63 (trinta e três mil oitocentos e quarenta e cinco euros e sessenta e três cêntimos).
9.ª - Pelo que entende a Recorrente que, mesmo não tendo havido passagem dos veículos para a sua esfera patrimonial para efeitos de cumprimento do crédito em dívida pelo devedor, não pode o Tribunal a quo entender que tal facto vem retirar o seu interesse em agir no presente pleito visto que, enquanto credor, viu a quantia de € 33.845,63 liquidada, ainda que não pela entrega efectiva dos veículos conforme constava do documento de transacção judicial.
10.ª - Mais entende a Recorrente que o Tribunal a quo decidiu mal ao condená-la ao pagamento de 6 UC a título de litigância de má fé, nomeadamente porque aquando da transacção judicial celebrada com o devedor, em 09/11/2006, desconhecia, por completo, a situação de insolvência iminente do devedor e muito menos previa a sua declaração de Insolvência, visto que esta apenas foi proferida em 05/02/2007.
Razões pelas quais,
11.ª - Se conclui que a impugnação de resolução da transacção judicial deduzida pela ora Recorrente deve ser julgada procedente pelo facto de não estar preenchido o pressuposto plasmado na alínea a), n,o 5 do artigo 120,° do CIRE e, por consequência, deve ser revogada a decisão do Tribunal a quo que condenou a Recorrente em 6 UC por alegada litigância de má fé.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas.
doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado inteiramente procedente, e nomeadamente:
I - Julgar pela procedência da Impugnação de Resolução da transacção judicial deduzida pela Recorrente, por não estar preenchida a má fé presente na alínea a), n.o 5 do artigo 120.° do CIRE;
II - Revogar a decisão do Tribunal a quo que condena a Recorrente no pagamento de 6 LNH, UC por alegada litigância de má fé;
III - Julgado totalmente procedente o presente recurso, revogar a decisão do Tribunal a quo que condena a Recorrente no pagamento das custas da acção, nos termos do artigo 446.°, n.o 1 e 2 do Código do Processo Civil;»
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1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. Os senhores Desembargadores Adjuntos tiveram visto.
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2. Fundamentação
2.1. Factos com interesse para a questão.
2.1.1. - O impugnante intentou acção executiva contra E em 4/10/2005, que correu termos no processo n.º……Tribunal Judicial.
2.1.2. – Em 9/11/2006 o impugnante e o executado celebraram transacção judicial, findando a execução em 12/12/2006 por inutilidade superveniente da lide.
2.1.3. – Na transacção referida em 2.1.2. ficou acordado que, para efeitos de pagamento da quantia exequenda, o executado transferiria 6 veículos para a esfera patrimonial do impugnante/ora recorrente.
2.1.4. - Em 5/2/2007, veio ser declarada a Insolvência de E, no âmbito do proc. n.º ….. 2.1.5. – Em 23/10/2006 o impugnante/ora recorrente foi notificado para vir informar aos autos de insolvência do montante do seu crédito sobre o insolvente.
2.1.6. – Em 14 de Novembro de 2006 veio o impugnante responder não saber nesse momento qual o montante exacto.
2.1.7. – Em 12 de Dezembro de 2006 veio o impugnante dizer já ter recebido do executado a quantia exequenda, pelo que nada tinha a reclamar.
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3. Motivação
3.1. Os recursos são os meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
Por outro lado, e como é sabido, o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido, excepto se forem de conhecimento oficioso. Para além do mais, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente (cfr. art.º 684, n.º 3 e 690, n.º 1, do C.P.C.), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cfr. art.º 660, n.º 2, ex vi art.º 713, n.º 2, do C.P.C.).
Tendo presente estes ensinamentos são duas as questões que cabe apreciar, a saber:
I - Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação de resolução da transacção judicial.
II - Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que não condene a requerente como litigante de má fé.
Tendo presente que são duas as questões a apreciar, por uma questão metodológica iremos ver cada uma de per si.
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3.1.1. - Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação de resolução da transacção judicial.
Refere a recorrente que não pode aceitar que o Tribunal “a quo” se tenha esquecido que a transacção judicial por si levada a cabo com o devedor ( o agora insolvente) foi celebrada em 09/11/2006, ou seja, em data anterior ao entre tempo que decorreu desde 14/11/2006 a 12/12/2006, num período em que, efectivamente, segundo ela, não tinha conhecimento da situação iminente de Insolvência em questão.
Mais refere que o acto aferidor relevante para a existência ou não da sua má fé na celebração da transacção judicial é o da celebração do mesmo, em 09/11/2006, com o devedor, e não o momento do pagamento da quantia acordada, pois é à data do acto da transacção, e não das obrigações legais dele decorrentes como seja o pagamento, que se afere do conhecimento por terceiro da situação iminente de insolvência, sendo que só muito mais tarde, em 05/02/2007, veio a ser declarada a Insolvência do devedor, no âmbito do processo principal a que pertence o presente apenso, processo n.º …… pelo que não lhe era, de todo, possível aferir da situação iminente de insolvência à altura da celebração da transacção comercial, em 09/11/2006, o que afasta a presunção de má fé da Recorrente quanto ao preceituado no artigo 120, n.o 5, alínea a) do CIRE.
Refere ainda a recorrente que também não se verifica a presunção do n.º 4, do art.º 120, do citado diploma, nem qualquer relação especial entre a requerente/aqui recorrente e o devedor/aqui insolvente, nos exactos termos do art.º 49, do citado código.
Vejamos
A acção de impugnação constitui uma reacção à declaração de resolução, e, naturalmente terá de ser proposta por quem haja sido afectado por tal resolução.
Aqui o que está em causa é demonstrar que não existiram os pressupostos que permitiriam a resolução do negócio jurídico, nomeadamente por o mesmo não ser prejudicial à massa insolvente ou por inexistir má fé da entidade que celebrou o negócio com a insolvente.
O autor é aqui a parte que pretende impugnar a resolução e obter, como consequência, a validade do acto jurídico praticado e dos seus efeitos. Está pois em causa a demonstração de que não ocorreram os pressupostos exigíveis para a resolução.
Sendo assim, é à parte que impugna a resolução que cabe alegar e provar todos os factos extintivos do direito de resolução – ver Gravato Morais, “A resolução em benefício da massa insolvente no CIRE”, pág. 167.
Refere a recorrente que no caso em apreço não se verifica qualquer relação especial entre a requerente/aqui recorrente e o devedor/aqui insolvente, nos exactos termos do art.º 49, do citado código.
O preceito refere:
«Pessoas especialmente relacionadas com o devedor
1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa colectiva:
a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código de Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.
3 - Nos casos em que a insolvência respeite apenas a um património autónomo são consideradas pessoas especialmente relacionadas os respectivos titulares e administradores, bem como as que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores, e ainda, tratando-se de herança jacente, as ligadas ao autor da sucessão por alguma das formas previstas no n.º 1, na data da abertura da sucessão ou nos dois anos anteriores.»
Se é verdade que dos autos não se vislumbra qualquer relação especial entre a requerente/aqui recorrente e o devedor/aqui insolvente, nos termos deste artigo, também não é menos verdade que a decisão recorrida em momento algum alude a tal preceito para fundamentar o seu ponto de vista.
Aliás, lendo a decisão recorrida vemos que a mesma alicerça o seu ponto de vista no art.º 120, do CIRE, mormente na alínea a), do n.º 5, quando refere « … Ora, concatenando estes elementos, logo se conclui que, a ter havido pagamento, o mesmo ocorreu entre 14 de Novembro de 2006 e 12 de Dezembro, do mesmo ano… ou seja estamos perante a má fé da ora impugnante – cfr. art.º 120, n.º 5, al. a, do CIRE…».
Rezam os n.ºs 1 e 5, alínea a), do art.º 120, do CIRE ( Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, D.L. 54/2004, de 18 de Março):
« 1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência».
A recorrente para afastar a presunção de má fé contemplada na alínea a), do n.º 5, do citado art.º 120, refere que:
« Não pode, porém, a Recorrente aceitar que o Tribunal a quo se tenha esquecido que a transacção judicial levada a cabo pelo ora Recorrente e devedor foi celebrada em 09/11/2006, ou seja, em data anterior ao entre tempo que decorreu desde 14/11/2006 a 12/12/2006, num período em que, efectivamente, a Recorrente não tinha conhecimento da situação iminente de Insolvência em questão».
Lendo os factos assentes a referidos em 2, mormente os factos aludidos em 2.1.2. a 2.1.7., onde se refere: « Em 9/11/2006 o impugnante e o executado celebraram transacção judicial, findando a execução em 12/12/2006 por inutilidade superveniente da lide, na mesma ficou acordado que, para efeitos de pagamento da quantia exequenda, o executado transferiria 6 veículos para a esfera patrimonial do impugnante/ora recorrente, que em 5/2/2007, veio ser declarada a Insolvência de E, no âmbito do proc. n.º…., que em 23/10/2006 o impugnante/ora recorrente foi notificado para vir informar aos autos de insolvência do montante do seu crédito sobre o insolvente, tendo em 14 de Novembro de 2006 informado não saber nesse momento qual o montante exacto e que em 12 de Dezembro de 2006 veio dizer já ter recebido do executado a quantia exequenda, pelo que nada tinha a reclamar».
Face a estes factos, temos para nós, que em 9/11/2006, data da transacção, a recorrente sabia perfeitamente que estava a decorrer um processo de insolvência contra o seu devedor, E, mais que não fosse pela notificação que lhe foi feita em 23/10/2006, data anterior à transacção, para vir aos autos de insolvência informar o montante do seu crédito sobre o insolvente.
Assim, não vemos como pode a recorrente vir dizer que desconhecia o processo de insolvência, quando foi notificada em data anterior à transacção para vir aos autos de insolvência indicar o montante do seu crédito sobre o seu devedor/aqui insolvente.
Nem se diga, como faz a recorrente que também era credora do ora insolvente.
Na verdade apesar de ser seu credor poderia haver outros credores preferenciais e serem prejudicados com a transacção feita, pela recorrente, numa altura que já conhecia a existência de tal processo, o que a lei pretende evitar.
Face ao exposto e sem mais delongas, tendo presente ao disposto na alínea a), do n.º 5, do art.º 120, do CIRE, não pode proceder esta pretensão da recorrente, pelo que mantemos a decisão recorrida, ainda que por razões um pouco diferentes.
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3.1.2. - Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que não condene a requerente como litigante de má fé.
Refere a recorrente que o Tribunal “a quo” decidiu mal ao condená-la no pagamento de 6 UC a título de litigância de má fé, nomeadamente porque aquando da transacção judicial celebrada com o devedor, em 9/11/2006, desconhecia, por completo, a situação de insolvência do devedor.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artº 456º nº2 C.P.Civ., na actual redacção proveniente da reforma de 1995, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou b) tiver alterado a verdade dos factos relevantes para a decisão da causa.
Na redacção de 1961, o Código sancionava apenas a falta de fundamento que "não era ignorada" pelo seu autor (art.º 456, n.º 2, do C.P.C.).
Da redacção do referido artº 456º C.P.Civ. anterior à revisão de 95 do Código para a actual redacção, a expressão "que não devia ignorar" inculca que se passou de um regime de intenção maliciosa ou gravemente negligente (regime de 61 - má fé em sentido psicológico) para um regime que abrange na respectiva previsão a leviandade ou a imprudência manifestas (má fé em sentido técnico) – ( cfr. AC. da Rel. do Porto de 13/3/2003, C.J. Tomo IV, fls. 179).
Trata-se assim, no fundo de um regresso à concepção de má fé originária, do Código de Processo Civil de 1939, o qual, na ideia de J. Alberto dos Reis, sancionava a pretensão ou oposição cuja falta de fundamento "o agente não pudesse razoavelmente desconhecer" (M. Cordeiro, Litigância de Má Fé e Abuso de Direito de Acção, 2006, fls. 23).
Muito embora a recorrente continue a afirmar que em 9/11/2006, desconhecia, por completo, a situação de insolvência do devedor, os factos não demonstram tal.
Na verdade como já referimos em 3.1.1. - em 9/11/2006, data da transacção, a recorrente sabia perfeitamente que estava a decorrer um processo de insolvência contra o seu devedor, E, mais que não fosse pela notificação que lhe foi feita em 23/10/2006, data anterior à transacção, para vir aos autos de insolvência informar o montante do seu crédito sobre o insolvente.
Assim, face ao exposto também esta pretensão da recorrente terá de improceder.
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4. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto e em consequência manter o despacho recorrido, ainda que por razões algo diferentes.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 9 de Março de 2010

Pires Robalo – Relator
Cristina Coelho – 1.º Adjunto
Roque Nogueira – 2.º Adjunto – dispensei visto