Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2878/20.2T8CSC.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: PACTO DE PERMANÊNCIA
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. O factor distintivo entre os art.os 147.º do CT/2003 e 137.º do CT/2009 está naquele prever que a compensação ter em vista as "despesas extraordinárias comprovadamente feitas" pelo empregador, enquanto que a actual se contenta com as "despesas avultadas feitas" pelo mesmo.
II. O empregador não tem que provar as despesas efectivamente feitas com a formação do trabalhador, bastando demonstrar que ultrapassam a formação corrente a que está obrigado.
(sumário da autoria do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório.
Babcock Mission Critical Services Portugal, Unipessoal, Ld.ª intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra AA, pedindo que a acção fosse julgada procedente e, em consequência, este ser condenado a pagar-lhe uma indemnização por violação do pacto de permanência celebrado em 02-08-2018, por referência ao valor estipulado a título de cláusula penal ajustado pelo critério de proporcionalidade fixado pelas partes, que importa na quantia de € 36.570,64, correspondente a capital e juros de mora, bem como a juros vincendos até integral e efectivo pagamento sobre o capital de € 35.629,63.
Para o efeito alegou, em síntese, que na sequência de contrato de trabalho celebrado com o réu, proporcionou-lhe a formação e obtenção da qualificação tipo do helicóptero Agusta AW139, e, como contrapartida de o réu não ter que suportar qualquer quantia referente à formação e obtenção da qualificação tipo, celebraram um pacto de permanência, por um período de 3 anos, em que o ré se comprometeu a permanecer ao serviço da autora, mas que o réu decidiu denunciar o contrato de trabalho antes do termo do prazo previsto no pacto de permanência
Citado o réu, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.
Para tal notificado, o réu contestou, pedindo a sua absolvição dos pedidos formulados pela autora, e reconveio, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe:
i) € 16.653,26 a título de férias pagas, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado entre Abril e Dezembro de 2017;
ii) 27.329,02 euros a título de férias pagas, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos aos anos de 2018 e 2019;
iii) 6000 euros relativos a subsídio de voo por instrumentos;
iv) 8724 euros relativos à retribuição parcial nos dias de formação;
v) 2.450,60 euros relativos a trabalho prestado em dias feriados;
vi) 22.911,24 euros a título de trabalho nocturno não pago;
vii) 13.274,34 euros relativos a subsídio de férias e férias pagas vencidos em 1 de Janeiro de 2020 e proporcionais destes subsídios e do de Natal no ano da cessação do contrato de trabalho.
Alegou, em síntese, que trabalha efectivamente para Autora desde Abril de 2017 apesar de terem assinado contrato de prestação de serviços e emitir recibos verdes, que interpretou a frequência de formação da qualificação de AW139 como uma ordem e que não lhe foi dada oportunidade de analisar o conteúdo do pacto de permanência e que foi informado que teria de assinar para continuar na empresa, mais questionando os valores do pacto de permanência e a qualidade da formação e concluindo pela sua nulidade.
Mais alegou que nunca lhe foram integralmente pagas férias, subsídio de férias e de Natal, e que nas mesmas só foi tido em consideração a retribuição fixa e já não a variável da retribuição diária per diem e que não lhe foi pago o subsídio de voo por instrumentos, a retribuição diária per diem nos dias de formação, a remuneração com o acréscimo relativamente ao trabalho que prestou em dias feriados e em período nocturno nem os créditos laborais devidos pela cessação do contrato de trabalho.
A autora respondeu à contestação-reconvenção alegando, em síntese, que o contrato de prestação de serviços foi desejado pelo réu que recusou celebrar contrato de trabalho por ela proposto, que os valores que lhe foram pagos no âmbito do contrato de prestação de serviços são exactamente os mesmos que lhe caberiam pela tabela salarial aplicada aos pilotos com contrato de trabalho, o per diem corresponde a ajuda de custo e não retribuição variável, a ter-lhe sido pago o subsidio de voo por instrumentos, não ser devido per diem nos dias de formação e não ser devido o pagamento de trabalho nocturno e em dias feriados por se aplicar ao tempo de trabalho o Decreto-Lei n.º 139/2004 e não o Código do Trabalho.
Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, dispensada a fixação do objecto do processo e dos temas de prova, atribuído valor ao processo, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.
Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza proferiu a sentença, na qual julgou:
i. a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora a quantia de € 34.547,94, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde 23 de Fevereiro de 2020 e até integral pagamento e absolveu-a do demais peticionado;
ii. a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo a existência de um contrato de trabalho entre as partes desde 16 de Maio de 2017 e, em consequência:
a) condenou a ré-reconvinda a pagar ao autor-reconvinte:
• as quantias a liquidar correspondentes às diferenças na retribuição de férias e subsídio de férias pagas entre 16 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020, relativamente aos anos em que aquele tenha recebido durante onze meses remuneração a título per diem, pela inclusão em tal retribuição e subsídios da média dos valores pagos em cada um desses anos a este título;
• a quantia de € 2.982,47 a título de subsídio de Natal entre 17 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020;
b) absolveu-a do demais por ele peticionado.
Inconformado, o autor-reconvinte interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que venha a julgar a acção procedente e a ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde 15-05-2015 e bem assim a indemnização por antiguidade, por que optou em detrimento da reintegração, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"A. O presente recurso circunscreve-se a matéria de direito.
B. Na fundamentação da sentença não foi considerado provado o valor suportado pela Autora por quaisquer custos com formação ou qualificação profissional do Réu, nem sequer que a Autora os tenha efectivamente pago.
C. Atendendo à liberdade de trabalho consagrada no artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, só deverão ser admitidas restrições a tal liberdade nos termos legalmente permitidos.
D. Uma das restrições à livre denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador vem prevista no artigo 137.º do Código do trabalho.
E. O sentido que se extrai desta norma é que por contrapartida de despesas avultadas realizadas pelo empregador o trabalhador renuncia temporariamente a declarar a denúncia do contrato – é o chamado pacto de permanência.
F. Ficou provado que a Autora estabeleceu o valor do pacto de permanência a partir de um 'preço' e não de 'despesas avultadas' que tenha suportado.
G. Admitindo a Autora no seu articulado que parte da formação foi assegurada com recursos internos.
H. Não apresentando a Autora qualquer pagamento efectuado a terceiros por recursos necessários à formação, referenciado ao Réu ou à data em que este recebeu formação.
I. Doutro modo, também a Autora não apresenta qualquer preço de formação que praticasse a terceiros pelo tipo de formação conferida ao Réu.
J. Com tal conteúdo, o pacto de permanência deverá ser considerado nulo por força dos artigos 81.º, n.º 1 e 294.º do Código Civil.
K. Invoca-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que admite o pagamento pelo trabalhador denunciante do contrato do valor das despesas suportadas pelo empregador, recusando a possibilidade de uma cláusula penal aleatória, que fixe uma sanção pecuniária desfasada do real dispêndio do empregador com a formação profissional ministrada (Ac. de 28 de Abril de 2010 - Processo 812/2007).
L. Em sentido convergente invocam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24 de Março de 2010 (Proc. 455/08) e do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 2010 (Proc. 556/07) que afirmando a licitude do pacto de permanência sustentam que o seu montante constitui um limite máximo que não dispensa o empregador de comprovar o valor que foi efectivamente gasto, devendo aferir-se ainda da razoabilidade de tal cláusula para uma redução de acordo com a equidade, por se revelar manifestamente excessiva.
M. A sentença recorrida ao enunciar que ao contrário do pretendido pelo Réu não tem a Autora que fazer prova das despesas que tenha feito bastando que se demonstre que foram despesas significativas em formação que ultrapasse a formação corrente a que está obrigada', contraria esta jurisprudência e, com o devido respeito, a letra e espírito da lei.
N. Perante os factos assentes e o direito aplicável dúvidas não subsistem que a sentença recorrida violou os artigos 127.º, n.º 1, al. d), 131.º e 133.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 81.º e 294.º do Código Civil, sendo excessiva a condenação no valor de 34.547,94€ porquanto subentende a condenação na totalidade do valor pedido pela Autora descontando o tempo em que o Réu permaneceu na empresa.
O. Na condenação do pagamento de subsídio de Natal em falta a sentença recorrida violou o artigo 258.º, n.º 1, do código do trabalho.
P. No caso sub judice, o período normal de trabalho do Réu era remunerado com uma retribuição fixa e outra variável.
Q. Bastava o Réu ser 'escalado', ou seja, colocado numa escala de tempos de trabalho, com o dever de comparecer numa base operacional, para ter direito às componentes fixa e variável da sua retribuição (a dita 'per diem', 'diária', 'ajuda de custo' ou 'suplemento remuneratório').
R. Daí que a retribuição a que alude no n.º 1 do artigo 263.º do Código do Trabalho tenha de incluir ambas as componentes da retribuição – a certa e a variável.
S. Ao adoptar entendimento diferente – limitando o subsídio de Natal à retribuição fixa – a sentença proferida pelo Tribunal a Quo violou as normas legais citadas.
T. Especialmente depois de ter dado como provado (e julgado) que a retribuição do Réu é constituída por uma parte fixa e outra variável (cf. artigos 2.º, 6.º, 7.º, 8.º, 29.º, 43.º, 46.º dos factos considerados provados).
U. E, com base neste entendimento, deveria ter julgado procedente o pagamento pela Autora das diferenças pagas por subsídio de Natal, subsídio de férias e férias pagas e os valores que deveriam ter sido pagos pela integração da componente variável (complemento, per diem) nessas prestações retributivas.
V. Impondo-se a condenação da Autora no pagamento ao Réu de subsídio de Natal que integre o complemento 'per diem' no conceito de retribuição mensal, valor que deve ser liquidado em execução de sentença, nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do Código Civil, à semelhança dos termos da condenação no pagamento das retribuições de férias e nos subsídios de férias vencidos entre 16 de Maio e 2017 e 22 de Fevereiro de 2020 (cf. página 55, 3.º parágrafo).
W. O Réu obrigou-se a prestar a actividade inerente à sua categoria profissional de piloto de helicópteros, segundo os 'imperativos dos normativos aeronáuticos aplicáveis e com lealdade, zelo, diligência, assiduidade e pontualidade', conteúdos que as Partes clausularam no contrato de trabalho assinado.
X. Dentro do conteúdo das actividades a prestar enquadravam-se as acções de formação, reuniões de coordenação e treino.
Y. Na elaboração das escalas de serviço dos pilotos a Autora distribuía o tempo de trabalho em quadros que preenchia com várias abreviaturas e códigos: a sigla ATFS correspondia a dias de formação; a sigla CGM correspondia a reuniões operacionais na sede da empresa.
Z. Nos períodos abrangidos por estas siglas o Réu estava vinculado a deslocar-se para os locais onde decorriam actividades profissionais determinadas pela Autora.
AA. E aí permanecer ao dispor da Autora pelos períodos por ela definidos.
BB. No período de trabalho para a Autora o Réu tinha direito a uma diária por cada período de actividade.
CC. A afectação do Réu às actividades de formação, treino e coordenação da Autora era definida nos períodos do turno entre as 8h e as 20h, coincidentes com o turno diurno.
DD. O Réu no período normal de trabalho cumpriu actividades de treino, reuniões e formações, conforme lhe foi ordenado pela Autora.
EE. A formação profissional visava assegurar a formação contínua dos trabalhadores da empresa, promover o desenvolvimento e a adequação da qualificação do trabalhador, tendo em vista melhorar a sua empregabilidade e aumentar a produtividade e a competitividade da empresa (artigos 130.º e 131.º do Código do Trabalho), podendo constituir-se em crédito de horas caso não seja cumprida pelo empregador (artigo 132.º do Código do Trabalho).
FF. O tempo de formação, ou outras actividades impostas pelo empregador é considerado tempo de trabalho porquanto os elementos característicos do conceito de «tempo de trabalho» assentam na factualidade do trabalhador ser obrigado a estar fisicamente presente no local determinado pela entidade patronal e de aí se manter à disposição desta última para poder prestar imediatamente os seus serviços em caso de necessidade (cf. Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de Outubro de 2021 (C. Lycourgos), Proc. C-909/19).
GG. A partir do início de execução do contrato e em todos os meses de vigência do mesmo a Autora pagou ao Réu uma prestação variável contabilizada a partir da actividade diária do Réu.
HH. Estas quantias acresceram à retribuição fixa mensal que a Autora pagou ao Réu.
II. Com base nesta prova, não poderia a Autora abster-se de pagar ao Réu os valores correspondentes à componente variável da sua remuneração nos dias em que esteve ao serviço da Autora, em actividades de reuniões, formações e treinos.
JJ. O tempo de formação, ou outras actividades impostas pelo empregador é considerado tempo de trabalho porquanto os elementos característicos do conceito de «tempo de trabalho» assentam na factualidade do trabalhador ser obrigado a estar fisicamente presente no local determinado pela entidade patronal e de aí se manter à disposição desta última para poder prestar imediatamente os seus serviços em caso de necessidade (cf. Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de Outubro de 2021 (C. Lycourgos), Proc. C-909/19).
KK. Apurando-se que o Réu, entre 2017 e 2019, esteve 59 dias neste tipo de actividades, sem que a Autora lhe tenha pago a componente variável da sua retribuição, apura-se o valor em dívida de 8.724,92€, acrescido de juros de mora.
LL. O tempo de formação, ou outras actividades impostas pelo empregador é considerado tempo de trabalho porquanto os elementos característicos do conceito de «tempo de trabalho» assentam na factualidade do trabalhador ser obrigado a estar fisicamente presente no local determinado pela entidade patronal e de aí se manter à disposição desta última para poder prestar imediatamente os seus serviços em caso de necessidade (cf. Tribunal de Justiça da União Europeia de 28 de Outubro de 2021 (C. Lycourgos), Proc. C-909/19).
MM. Valor que a Ré deve ser condenada a pagar sob pena de violação das alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 127.º e n.º 1 do artigo 131.º do Código do Trabalho.
NN. Foi considerado provado na fundamentação da sentença que o Réu trabalhou em dias feriados e períodos nocturnos sem que a Autora tivesse pago quaisquer acréscimos remuneratórios, que a lei prevê.
OO. Confrontando o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho e o Código do Trabalho identifica-se, concretamente, uma relação de especialidade normativa identificada pelas próprias partes no contrato que assinaram.
PP. Não existe qualquer norma, ou sentido, para que se qualifique o D.L. 139/2004, de 5 de Junho, como um regime excepcional relativamente à lei do trabalho.
QQ. Este diploma, a par de outros regimes especiais, que regulam especificidades de certos sectores ou carreiras, desenvolve e complementa, não excepciona, não confronta o regime geral.
RR. Daí que a situação profissional dos tripulantes de aeronaves de transporte aéreo derive de uma permanente articulação entre as normas especiais que regem a sua actividade e as normas da lei geral que regulam os aspectos por aquela não regulados.
SS. Ora, como decorre da mera leitura da lei especial em referência e do seu próprio preâmbulo – 'A limitação do tempo de voo e do período de serviço de voo estabelecida no presente diploma visa, assim, assegurar aos tripulantes, no início e durante cada período de serviço de voo, o domínio e a utilização de todas as suas capacidades físicas e psíquicas' – o legislador não visou, nem poderia fazê-lo face ao Princípio da Irredutibilidade do Salário, suprimir os efeitos patrimoniais da prestação do trabalho em excesso ao tempo contratado e em período nocturno e dias feriados.
TT. A único efeito possível da disciplina do Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho relativamente ao contrato de trabalho do Réu é habilitar a sua empregadora a organizar o tempo da sua prestação sem lhe retirar remuneração, que continua a ser regida pelo Código do Trabalho.
UU. Assim, importa atender ao artigo 266.º do Código do Trabalho: nos termos do n.º 1 deste artigo, o trabalho nocturno é pago com acréscimo de 25% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.
VV. E o trabalho em dia feriado é pago com um acréscimo de 50% da remuneração correspondente (artigo 269.º, n.º 2 do Código do Trabalho).
WW.    Normas que foram violadas com a prolação da sentença recorrida.
XX. Impondo-se o pagamento da Autora dos montantes correspondentes, face à matéria de facto provada, a liquidar em execução de sentença.
YY. A sentença não condenou a Autora a pagar juros à taxa legal de 4% sobre os valores em dívida ao Réu.
ZZ. Ora, o Réu juntou aos autos os recibos de vencimento que demonstram as quantias pagas (e implicitamente as quantias não pagas), bem como as datas de vencimento de cada uma dessas prestações.
AAA. Sendo a periodicidade dos pagamentos mensal, é possível apurar-se a respectiva data de vencimento e proceder ao cálculo dos juros de mora, nem que fosse através de liquidação em execução de sentença.
BBB.   Deve ter-se em conta que os juros de mora de créditos laborais são irrenunciáveis na vigência do contrato de trabalho (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto - Processo 1151/10.9TTVNG.P1 - de 04 Julho 2011 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Novembro de 2004 - Processo 04S2846).
CCC. Tratando-se do Princípio da Irrenunciabilidade do crédito laboral uma construção jurisprudencial assente (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 355/05.OTTLRA.C1, de 11-01-2007), não pode, pois, a sentença recorrida violar esta premissa e perdoar à Autora uma significativa dívida relativa a créditos laborais.
DDD. Deste modo deve a sentença recorrida ser revista para que fique explícito que a Autora deve pagar ao Autor as quantias relativas a juros de mora desde o final do mês em que se venceram as dívidas de créditos laborais.
EEE. O que pode ser determinado para liquidação em execução de sentença.
FFF. Sob pena de incorrer em violação do n.º 2 do artigo 323.º do Código do Trabalho".
Contra-alegou a ré-reconvinda, pedindo a improcedência do recurso.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, tendo a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que deve ser provido, ainda que apenas quanto à inclusão da remuneração denominada per diem no cálculo do valor dos subsídios de Natal e ainda quanto ao pagamento do acréscimo da remuneração devido a título de trabalho prestado em dias feriados e por trabalho nocturno.
Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar o mérito do recurso, delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente e pelas questões de que se conhece ex officio. Assim, importa determinar:
i. se o pacto de permanência celebrado pelas partes é nulo, por violação dos art.os  81.º e 294.º do Código Civil e n.º 1 do art.º 47.º da Constituição da República;
ii. se o subsídio de Natal devido ao apelante integrava a parte variável (complemento per diem), ex vi do art.º 263.º, n.º 1 do Código do Trabalho;
iii. se ao apelante é devida essa parte variável (complemento per diem) nos 59 dias em que em que esteve em reuniões, formações e treinos, por força dos art.os 127.º, n.º 1, alíneas b) a d) e 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho;
iv. se ao apelante é devido acréscimo por trabalho prestado em dias feriados e em períodos nocturnos tendo em conta o estatuído nos art.os 266.º e 269.º, n.º 2 do Código do Trabalho, respectivamente;
v. se lhe são devidos juros de mora sobre as quantias daí resultantes, à taxa de 4% ao ano, desde o final do mês em que as mesmas se venceram.
***
II - Fundamentos.
1. Factos julgados provados:
"1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste em 'exploração e comercialização de trabalhos e meios aéreos, representação, aluguer de equipamentos aeronáuticos, agência de colocação de tripulantes e técnicos aeronáuticos, importação e exportação de material aeronáutico, trabalho e transporte aéreo com aeronaves, manutenção de aeronaves, equipamentos, bem como venda de combustíveis de aviação. Tratamento de florestas, combate a incêndios, fotografia e filmagens aéreas, offshore, carga suspensa, operações de emergência médica com aeronaves, podendo incluir as respectivas equipas médicas e de enfermagem. Formação de pessoal aeronáutico e de tripulantes de emergência médica. Arrendamento ou subarrendamento de infra-estruturas aeronáuticas. (artigo 1.º da petição inicial)
2. Com a data de 17 de Abril de 2017 Autora e Réu celebraram por escrito o acordo que qualificaram de 'Contrato de Prestação de Serviços' que consta a fls. 321 a 325 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras com os seguintes considerandos e cláusulas:
II - Preâmbulo
A. A Primeira Contratante é uma sociedade comercial cuja actividade consiste na prestação de diversos serviços de transporte aéreo em helicópteros, designadamente na operação de emergência médica.
B. A contratação dos serviços a prestar pelo Segundo Contratante insere-se, pois, no âmbito da execução do contrato de fornecimento de serviços adjudicados à Primeira Contratante pela EMA - Empresa de Meios Aéreos, SA no concurso público n°0^EMA-20i2.
C. A celebração do presente contrato decorre (...) da execução desse contrato público de prestação de serviços de transporte aéreo em helicópteros, para serviços de emergência médica durante o Verão de 2017, designadamente pilotos com a qualificação no tipo de helicóptero AW109.
(...)
Cláusula Primeira (Serviços a prestar/ funções)
1. Pelo presente contrato a Primeira Contratante contrata os serviços do Segundo Contratante com a qualificação profissional de Piloto de piloto de helicópteros, com Type Rating válido em AW109, com a função de piloto comandante. (...) Cláusula Segunda (Duração)
1. O presente contrato é celebrado pelo período com início em 1 de Junho de 2017 e término a 30 de Setembro de 2017. (...)
2. Não obstante o disposto no número anterior, na eventualidade de prorrogação da duração das operações determinadas no âmbito do contrato público que a Primeira Contratante mantém com o INEM poderá o presente contrato ser renovado, unicamente pelo período a que corresponder essa mesma prorrogação.
Cláusula Terceira (Honorários)
1. Desde a entrada em vigor do presente contrato o Segundo Contratante auferirá e como contrapartida do resultado e a título de honorários, uma quantia ilíquida mensal de € 2.356,60 (dois mil trezentos e cinquenta e seis euros e sessenta cêntimos) por disponibilidade para prestar os serviços de piloto com observância do mesmo período normal de trabalho dos pilotos pertencentes aos quadros da Primeira Contratante.
Esta retribuição engloba os valores salariais fixos, ou seja, o salário base e os complementos IFR, ATPLH, Transporte e Experiência Aeronáutica.
2. O Segundo Contratante tem igualmente direito a ver acrescido a tais honorários um suplemento diários ('per diem') de honorários por cada turno de 12h efectivamente assegurado a favor da Primeira Contratante, complemento de honorários esse no montante de 147,88€ até 15 turnos/mês ou de 170,93€ se fizer serviço de voo acima de 15 turnos/mês. Adicionalmente serão pagos os quilómetros e portagens relativas às deslocações para as bases e regresso, conforme circular interna RH 4/2013-Rev.3.
3. Ao Segundo Contratante será garantido alojamento em qualquer base em que esteja deslocado para prestar os seus serviços.
4. Em caso de falta de prestação de serviço, por qualquer motivo não imputável à Primeira Contratante, aos honorários mensais devidos serão deduzidos 'pro rata'.
Cláusula Quarta (Período)
1. O Segundo Contratante obriga-se a prestar a sua actividade e serviços no estabelecimento da Primeira Contratante, sito no Heliporto de Salemas, 2670769 Lousa.
2. A Primeira Contratante pode determinar a deslocação do segundo para outro local de operação ou base, para o que este desde já dá o seu expresso consentimento.
3. Os horários de prestação dos serviços de pilotagem observarão os parâmetros e disciplina normal para a actividade, nos termos da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e demais legislação geral e especial aplicável ao sector.
Cláusula Quinta (Exclusividade)
Durante a vigência do presente contrato o Segundo Contratante não poderá prestar serviços desta ou de qualquer outra actividade profissional (...)
Cláusula Sexta
(Propriedade dos meios colocados à disposição)
1. Mantém-se na exclusiva propriedade da Primeira Contratante todos os bens, equipamentos, dados ou documentação (...)'
Ao Réu foi facultado um Manual de Operações de voo da Autora.  (artigo 14° da contestação)
4. Em 31 de Outubro de 2017 foi enviada pela Autora ao Réu um acordo qualificado de 'Adicional ao contrato de prestação de serviços' que consta a fls. 326 a 327 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que previa a renovação do contrato entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 2017.
Após, em Janeiro de 2018, a Autora enviou ao Réu para que o assinasse um acordo que qualificou de 'contrato de trabalho a termo certo' com os termos constantes de fls. 328 a 332, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que o Réu recusou assinar, tendo após, em Fevereiro de 2018, a Autora enviado ao Réu para que o assinasse um acordo que qualificou de 'contrato de prestação de serviços' com os termos constantes de fls. 87 a 91/335 a 340, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que também não foi assinado pelo Réu. (artigo 2.º da petição inicial, 9.º da contestação e 31.º da resposta à contestação)
5. Com a data aposta de 30 de Julho de 2018 Autora e Réu celebraram por escrito o acordo que qualificaram de 'Adicional a contrato de trabalho a termo' que consta a fls. 24 a 27 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras com as seguintes cláusulas e considerandos:
'II- Preâmbulo
A. A Primeira Contratante é uma sociedade comercial cuja actividade consiste na prestação de serviços de transporte e trabalho aéreo não regular helicópteros.
B. O Segundo Contratante é piloto de helicópteros, com Type Rate no Tipo Agusta 109E Power.
C. O Segundo Contratante foi inicialmente admitido ao serviço da Primeira Contratante, ao abrigo de contrato de trabalho de Prestação de Serviços com início a 1/01/2018 e em vigor, como tal, até à data do presente adicional.
(...)
III - Objecto
Tendo em atenção o antecedente preâmbulo acordam as partes agora na conversão do contrato que vinha vigorando, em contrato de Trabalho SEM TERMO com efeitos a partir do dia 01 de Agosto de 2018 (...)
Cláusula Primeira
(Categoria profissional, funções)
1. Pelo presente contrato a Primeira Contratante mantém o Segundo Contratante ao seu serviço para continuar a prestar a actividade profissional referente à categoria profissional de piloto de helicópteros. (...)
Cláusula Segunda (Vigência)
1. Pelo presente aditamento, o contrato passa a vigorar como contrato de trabalho sem termo. (...)
Cláusula Terceira (Retribuição e Alojamento)
1. Como contrapartida do trabalho prestado, o Segundo Contratante, desde a entrada em vigor do presente adicional irá auferir da Primeira Contratante a retribuição ilíquida mensal de € 2060.35 (dois mil e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos).
Esta retribuição engloba os valores salariais fixos, ou seja, o salário base e os complementos IFR, ATPLH, Transporte e Experiência Aeronáutica.
2. O Segundo Contratante tem ainda direito, segundo a tabela em vigor, a uma diária 'per diem' (ajudas de custo) por cada dia de trabalho efectivo prestado a favor da Primeira Contratante, incluído em 'escala' de disponibilidade na condição de deslocado.
3. Ao Segundo Contratante é assegurado alojamento pela Primeira Contratante em qualquer base para a qual seja deslocado.
Cláusula Quarta
(Local e horário de trabalho)
1. O Segundo Contratante obriga-se a prestar a sua actividade no estabelecimento da Primeira Contratante, sito no Heliporto de Salemas.
2. A Primeira Contratante pode, sempre e quando o interesse da empresa o exija, deslocar o trabalhador para outro local de trabalho ou base, para o que este desde já dá o seu consentimento, auferindo então os correspondentes 'per diem' (ajudas de custo diárias).
3. O Segundo Contratante desempenhará as suas funções dentro do horário em vigor no estabelecimento da Primeira Contratante observando os parâmetros e disciplina normal para a actividade, nos termos da Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro e demais legislação geral e especial aplicável a este sector aeronáutico e à actividade de voo. (...)' (artigos 3.º e 4.º da petição inicial e 5.º, 6.º e 13.º da contestação)
6. No ano de 2017 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
Valores salariais fixos 
Salário base     1514,30
Suplemento IFR 203,85
Suplemento ATPLH 86,99
Suplemento de Transporte 105,00
Total valores fixos 1910,14
Suplemento experiencia Aeronáutica C
De 2001 a 3000 horas 109,80
Complemento 
Pagamento dia de actividade H12 até aos 15 dias/mês 147,88
Pagamento dia de actividade H12 a partir 16.º dia/mês 170,93
Pagamento dia H12 de actividade internacional 93,63
Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria 0,25
No ano de 2018 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 215V cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
Valores salariais fixos 
Salário base 1544,59
Suplemento IFR 27,93
Suplemento ATPLH 88,73
Suplemento de Transporte 107,10
Total valores fixos 1948,35
Suplemento experiencia Aeronáutica C
De 2001 a 3000 horas 112,00
Complemento 
Pagamento dia de actividade H12 até aos 15 dias/mês 147,88
Pagamento dia de actividade H12 a partir 16.º dia/mês 170,93
Pagamento dia H12 de actividade internacional 93,63
Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria 0,25 (artigo 43.º da resposta à contestação)
8. No ano de 2019 vigorava na Autora e foi aplicada ao Réu a Tabela Salarial junta a fls. 216 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente:
Valores salariais fixos 
Salário base     1560,04
Suplemento IFR 210,01
Suplemento ATPLH 89.2
Suplemento de Transporte 108,17
Total valores fixos 1967,84
Suplemento experiencia Aeronáutica C
De 2001 a 3000 horas 113,12
Complemento 
Pagamento dia de actividade H12 até aos 15 dias/mês 147,88
Pagamento dia de actividade H12 a partir 16° dia/mês 170,93
Pagamento dia H12 de actividade internacional 93,63
Valor de Kms pago pela Empresa em Viatura Própria 0,25 (artigo 104.º da resposta à contestação)
O transporte de doentes ao serviço do INEM era, e ainda é efectuado por helicópteros Agusta AW 109 e, no mais recente contrato, celebrado já depois da admissão do Réu, que operava aquelas aeronaves, foram substituídos dois dos quatro AW109 por dois Agusta AW139. (artigo 6.º da petição inicial)
10. Para que o Réu pudesse voar também as novas aeronaves, era necessário que se encontrasse habilitado com a qualificação tipo do helicóptero Agusta AW139. (artigo 7° da petição inicial)
11. Para se poder pilotar um helicóptero, os pilotos devem possuir uma licença 'geral' de pilotagem de helicópteros, denominada Licença de Tripulante Técnico (Flight Crew Licence), mas também uma qualificação específica para cada tipo de aeronave, esta sendo designada por 'qualificação tipo' ou type rate. (artigo 8.º da petição inicial)
12. O Réu não dispunha dessa qualificação tipo para a aeronave Agusta AW139, seja, para o segundo tipo de helicópteros que passou, no contrato celebrado entretanto com aquela entidade, a integrar também o dispositivo ao serviço do INEM, em paralelo com o Agusta AW109, que ainda se mantém. (artigo 9.º da petição inicial)
13. Em alternativa à obtenção, por parte do Réu, dessa qualificação através dos seus próprios meios, com efectivo desembolso do respectivo preço, num centro de formação que o mesmo escolhesse livremente, a Autora facultou-lhe a possibilidade de ser ela própria a proporcionar a referida qualificação, o que este aceitou por ser de seu interesse curricular, pilotar e acumular horas não só nos AW 109 mas também a partir de então nos AW 139 bimotores bem de muito maior capacidade e potência. (artigo 10.º da petição inicial)
14. Assim, em Julho de 2018 o Réu e outros colegas foram seleccionados pela Autora e foi-lhes proposto frequentar a formação para qualificação da aeronave AW139, nas condições descritas nos emails de 31 de Julho e 1 de Agosto de 208 fls. 315 a 316, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde constava a minuta de um acordo complementar de contrato de trabalho que os que aceitassem deveriam manifestar tal intenção, preencher com os seus dados, assinar e devolver para posterior formalização presencial, o que o Réu fez, nos termos constantes do email de 1 de Agosto de 2018, junto a fls. 312 a 314, e fls. 317 a 320, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, (artigo 27.º da contestação)
15. A obtenção de uma qualificação tipo é um investimento relevante para um piloto, não só porque se trata de uma habilitação dispendiosa, mas também porque constitui uma mais valia real para a sua actividade, mas especialmente para as suas oportunidades de trabalho e nível de rendimentos, presentes e futuras. (artigo 11o da petição inicial)
16. Tratando-se de uma qualificação que representa um investimento financeiro e pessoal significativo, as partes subscreveram, com a data aposta de 2 de Agosto de 2018 um acordo que qualificaram de 'Acordo Complementar de Contrato de Trabalho' que consta a fls. 27v a 28 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pelo qual regularam os termos e condições do fornecimento dos meios necessários à obtenção, pelo Réu, da qualificação em questão nos seguintes termos:
'Considerando
1. Que o Segundo Contratante não dispõe de qualificação tipo (type-rating) para o helicóptero Agusta AW139 que a Babcock vai operar, a Primeira Contratante fornece a Segundo e este aceita, a formação teórica e prática adequadas, com subsequente averbamento dessa qualificação tipo supra identificada na respectiva licença de piloto, nos termos e com as obrigações previstas nos números subsequentes.
2. O preço da obtenção da qualificação teórica e prática referida em 1.antecedente e da correlata certificação cifra-se em € 65.000 (sessenta e cinco mil euros), preço interno do Primeiro Contratante que o Segundo Contratante expressamente aceita e aprova.
3. Atendendo a que a qualificação tipo supra identificada é necessária para o cumprimento do contrato público que a Primeira Contratante celebrou com o INEM, esta fornecerá ao Segundo Contratante a respectiva formação sem que este, dentro de certos condicionalismos tenha de suportar o seu preço, salvo nos casos e sob o regime previsto nos subsequente números.
4. Para tal o Segundo Contratante compromete-se a permanecer ao serviço da Primeira Contratante por um período mínimo de três anos.
5. Caso porém, o Segundo Contratante decida por termo ao contrato de trabalho antes de decorridos três anos contados da conclusão desta formação, usando da faculdade de pré-aviso legal que a Lei lhe confere ou o mesmo ocorra em razão de justa causa invocada e provada, se impugnada pela entidade patronal, ficará obrigado a reembolsar à Primeira Contratante o preço de tal qualificação, no todo ou em parte, conforme formula seguinte: 1/36 avos do valor considerado em 1, por cada mês contado desde a data da efectiva cessação pretendida ou ocorrida, até à data em que se perfizerem três anos de serviço contabilizados da conclusão e obtenção da referida qualificação.
6. Os valores assim devidos serão então facturados, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor e, por expresso acordo das partes, serão compensáveis directamente nos créditos que, à data da cessação, seja o Segundo Contratante titular, perante a Primeira Contratante, a qualquer título.' (artigos 12.º a 14.º da petição inicial)
17. Em momento algum o Réu manifestou qualquer reserva ou, sequer, qualquer desconforto com os termos e condições acordados nesse pacto de permanência. (artigo 15.º da petição inicial)
18. A Autora ministrou essa formação ao Réu e proporcionou-lhe a possibilidade de obter a referida qualificação, o que veio efectivamente a acontecer, nos termos documentados a fls. 28v a 42 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 16.º da petição inicial)
19. A formação ministrada ao Réu é certificada e foi validada pela ANAC, tendo o type-rating de AW139 sido averbado na licença do Réu.
(artigo 17.º da resposta à contestação)
20. A Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de AW139, com duração de 3 a 4 semanas, sendo cerca de 2 semanas de formação teórica dada por instrutor da Autora na base da Autora, em Salemas, seguida de cerca de 1 semana de formação em simuladores ocorrida em Helsínquia, Finlândia, e após 2, 3 dias para exame de voo em Bilbau, Espanha, pagamento dos custos de aluguer dos simuladores, viagens de avião, despesas de transporte, despesas de alimentação e alojamento respectivas e pagamento do salário do Réu neste período.
(artigo 21.º da resposta à contestação)
21.Em 23 de Janeiro de 2020, o Réu comunicou à Autora, nos termos constantes da comunicação escrita de fls. 42v cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a sua decisão de fazer cessar o seu contrato de trabalho, por sua iniciativa e sem invocação de justa causa, declaração essa que produziu efeitos em 22 de Fevereiro de 2020. (artigo 17.º da petição inicial e 57.º da contestação)
22. Em face daquela declaração do Réu, a Autora considerou faltarem 1 ano, 7 meses e 22 dias para o termo do prazo previsto no pacto de permanência e entregou ao Réu a factura, junta a fls. 43 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, datada de 3 de Março de 2020 no valor de € 35.629,63. (artigos 18.º e 19.º da petição inicial)
23. O Réu não pagou essa factura à Autora, nem aquando da recepção da mesma, nem posteriormente, tendo ainda ignorado diversas interpelações que lhe foram dirigidas pela Autora, declarando a intenção de não pagar o valor por o considerar indevido.
(artigo 20.º da petição inicial e 62.º da contestaçã0)
24. Na carta em que formalizou a denúncia do contrato de trabalho fls. 42v cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o Réu solicitou o pagamento das quantias devidas a título de vencimento, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, o que a Autora não pagou, nem quaisquer outros. (artigos 89.º a 91.º da contestação)
25. Entre a sua admissão em Abril de 2017 e até 22 de Fevereiro de 2020, em que desempenhou as funções de piloto de helicópteros na Autora:
- as condições de trabalho do Réu foram similares em todo este período;
- recebia ordens e informações sobre as missões e modo de execução do trabalho de piloto por parte do Comandante BB, que era director de operações de voo da Autora e de quem recebia a planificação da data e local onde devia prestar o serviço;
- e posteriormente do Comandante CC, que era o chefe de pilotos da Autora e que o informava da planificação do serviço;
- e recebia informações de serviço dos recursos humanos da Autora, enviados pela Dra. DD (artigos 92.º a 98.º da contestação)
26. Inicialmente, entre Abril e Maio de 2017, esteve no aeródromo de Salemas, onde a Autora tem a sua sede e centro operacional, e nesse período o Réu recebeu formação e certificação de voo para a aeronave AW109. (artigos 99.º e 100.º  da contestação)
27. Desde o início de funções, ao Réu eram facultadas fichas de actividade mensais em uso na Autora, com o logótipo da empresa, que continham as datas de início e fim do período de referência, os reembolsos devidos por deslocações e refeições, nas quais consta 'employee', independentemente do tipo de contrato. (artigo 101.º da contestação)
28. Nos meses de Maio de 2017 a Janeiro de 2018 o Réu preencheu e entregou à Autora as fichas que constam de fls. 147 a 157, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigo 102.º da contestação)
29. O Réu foi destacado pela Autora para prestar actividade nos termos constantes das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigos 103.º a 111.º da contestação)
O tempo de trabalho do Réu era organizado pela Autora, à semelhança do que esta fazia para os outros pilotos contratados ao abrigo de um contrato de trabalho. (artigo 112.º da contestação)
31. Cumpria escalas de serviço definidas pela Autora nos aeródromos em que esta operava (Loulé, Évora, Santa Comba Dão, Macedo de Cavaleiros) em condições iguais às dos outros pilotos trabalhadores da Autora, de acordo com os termos e condições impostos pela organização da Autora. (artigo 113.º da contestação)
32. E, especificamente, cumpria o mesmo período normal de trabalho dos pilotos vinculados por contratos de trabalho e pertencentes aos quadros da Autora, nomeadamente nos horários 8h às 2oh e 2oh às 8h do dia seguinte, em turnos alternados. (artigo 114.º da contestação)
33. Pilotava aeronaves com a tipologia AW109 geridas pela Autora e colocadas ao serviço de missões de contraentes públicos adjudicantes de propostas apresentadas pela Autora. (artigo 115.º da contestação)
34. O Réu, particularmente, estava adstrito ao cumprimento de contratos públicos de emergência médica para o INEM. (artigo 116.º da contestação)
35. Mas também executava ocasionalmente missões para a empresa, tais como ferry flights ou outras missões solicitadas (artigo 117.º da contestação)
36. Após formalização de contrato de trabalho o Réu trabalhou em exclusividade para a Autora, condição de trabalho imposta por esta. (artigo 118.º da contestação)
37. Trabalhava com equipamentos e meios disponibilizados pela Autora. (artigo 119.º da contestação)
38. E estava sujeito aos 'deveres de ética geral e laboral' da Autora. (artigo 120.º da contestação)
39. Trabalhava integrado numa equipa com um co-piloto, técnico de manutenção, médico e enfermeiro do INEM. (artigo 121.º da contestação)
40. As condições de operação da aeronave eram integralmente definidas pela Autora. (artigo 122.º da contestação)
41. O Réu cumpria os manuais e regulamentos aeronáuticos definidos pela Autora e demais autoridades. (artigo 123.º da contestação)
42. Pela actividade prestada o Réu auferia uma quantia mensal. (artigo 124.º da contestação)
43. Para poder receber as remunerações mensais, o Réu emitiu as factura-recibo de fls. 158 a 165 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em que consta como adquirente dos serviços a Autora e descrição 'Serviços de Piloto' nas seguintes datas e quantias, que incluía honorários, ajudas de custo per diem e reembolso de despesas Km:
18/07/2017 - € 6.o58,80 28/07/2017 - € 5.835,48 30/08/2017 - € 5.118,23 29/09/2017 - € 5.910,17 8/11/2017 - € 5. 506,86 7/12/2017 - € 5.971,98 27/12/2017 - € 5.266,16 6/02/2018 - € 4.714,09 2/03/2018 -€ 5.061,80 3/05/2018 - € 4855,80 3/05/2018 - € 5.488,56 15/06/2018 - € 5.161,90 10/07/2018 - € 5.985,65 4/09/2018 - € 6.045,69 (artigo 125.º e 126.º da contestação)
44. Até Julho de 2018 a Autora não efectuou descontos para a Segurança Social relativos às remunerações pagas aos Réu, o que só passou a fazer com a assinatura do contrato qualificado de 'Adicional a contrato de trabalho a termo'. (artigos 128.º e 130.º da contestação)
45. A partir de Agosto de 2018 as remunerações do Réu passaram a ser pagas sem que este tivesse de entregar recibos electrónicos de trabalhador independente. (artigo 131.º da contestação)
A Autora pagou ao Réu a partir de Agosto de 2018 as quantias que constam dos recibos de vencimento de fls. 230 a 240 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (artigos 135.º e 136.º da contestação)
47. A Autora pagava aos pilotos/comandantes por si contratados o denominado subsídio de voo por instrumentos, sendo que IFR corresponde à abreviatura de Instrument Flight Rules, modo de voo traduzido no glossário da Autoridade Nacional de Avaliação Civil como sendo 'regras de voo por instrumentos'. (artigo 173.º e 178.º da contestação)
48. Este subsídio era identificado pela Autora nos recibos de vencimento como 'suplemento IFR' nuns casos e noutros aparecia integrado no valor salarial fixo. (artigo 174.º da contestação)
49. E no adicional ao contrato outorgado com o Réu a Autora qualificou-o como valor salarial fixo. (artigo 175.º da contestação)
50. No caso da Autora, o suplemento IFR era pago aquando da prestação de serviço do Réu com 200 euros mensais. (artigo 182.º da contestação)
51. Mas nunca foi discriminado no recibo de vencimento pela Autora. (artigo 183.º da contestação)
52. Na elaboração das escalas de serviço dos pilotos a Autora distribuía o tempo de trabalho em
quadros que preenchia com várias abreviaturas e códigos, sendo que sigla ATFS correspondia a dias de formação, a sigla CGM correspondia a reuniões operacionais na sede da empresa e a sigla POS significava posicionamento dos pilotos e nos períodos abrangidos por estas siglas os pilotos da Autora estavam vinculados a deslocar-se para os locais onde decorriam actividades profissionais determinadas pela Autora e aí permanecer ao dispor da Autora pelos períodos por ela definidos. (artigos 186.º a 191.º da contestação)
53. O Réu por determinação da Autora frequentou actividades de formação profissional nos períodos constantes das escalas juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, concretamente:
- Em 2017 - 11 dias em Abril, 9 dias em Maio e 4 dias em Dezembro;
- Em 2018 - 4 dias em Abril, 11 dias em Agosto e 8 dias em Setembro;
- Em 2019 - 4 dias em Fevereiro, 1 dia em Abril, 4 dias em Maio, 1 dia em Setembro e 2 dias em Novembro. (artigo 192.º da contestação)
54. Nos dias de formação profissional a Autora apenas remunerou o Réu com a denominada remuneração base, acrescida de despesas de deslocação, alimentação e alojamento reembolsadas mediante apresentação de factura ou pagas directamente pela Autora. (artigo 194.º da contestação e 111.º da resposta à contestação)
55. Nos anos de 2017 a 2020 o Réu trabalhou dias feriados nos termos que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (artigos 203.º a 205.º da contestação)
56. A Autora não o remunerou com um acréscimo de 50% da remuneração correspondente, nem lhe facultou descanso compensatório. (artigo 207.º da contestação)
57. A Autora prestava serviços aos seus clientes sem interrupções e funcionava em regime de 24 horas, em laboração contínua. (artigos 212.º e 213.º da contestação)
58. A Autora organizava o horário de trabalho do Réu e de outros pilotos em períodos de trabalho diário de 12 horas, com início às 08h e fim às 20h do mesmo dia e com início às 20h de um dia e fim às 08h do dia seguinte. (artigos 214.º a 216.º da contestação)
59. Ao longo do período em que trabalhou para a Autora o Réu cumpriu o horário com início às 20h e fim às 8 horas do dia seguinte em oito períodos por cada mês de trabalho, nos dias que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, em que o rectângulo superior corresponde ao período diurno e o inferior ao período nocturno (artigo 218.º e 219.º da contestação)
60. A Autora nunca pagou ao Réu qualquer valor a título de trabalho nocturno. (artigo 223.º da contestação)
61. A Autora não pagou ao Réu os créditos laborais devidos pela cessação do contrato ocorrida em 22 de Fevereiro de 2o2o, no que se refere a férias vencidas e não gozadas e proporcionais do ano da cessação e proporcional do subsídio de Natal, por pretender fazer um acerto de contas que o Réu recusou fazer, não se tendo deslocado às instalações da Autora como solicitado. (artigos 226.º a 229.º da contestação e 146.º e 149.º da resposta à contestação)
A Autora dispõe de uma única base de helicópteros sita no local onde está a sua sede, no Heliporto de Salemas, Salemas, Lousa, Loures. (artigo 65.º da resposta á contestação)
63. O Réu desempenhou a sua actividade ao serviço da Autora destacado essencialmente para voos do INEM e teve de prestar serviço em bases desta entidade localizadas em Macedo de Cavaleiros, Santa Comba Dão, Viseu, Beja, Évora e Loulé. (artigos 68.º e 71.º da resposta à contestação)".
2. O direito.
2.1 Vejamos então as questões atrás enunciadas, sendo que a primeira consistia em saber se o pacto de permanência celebrado pelas partes é nulo, alocando os fundamentos para essa pretensão nos seguintes fundamentos:
"F. Ficou provado que a Autora estabeleceu o valor do pacto de permanência a partir de um 'preço' e não de 'despesas avultadas' que tenha suportado.
G. Admitindo a Autora no seu articulado que parte da formação foi assegurada com recursos internos.
H. Não apresentando a Autora qualquer pagamento efectuado a terceiros por recursos necessários à formação, referenciado ao Réu ou à data em que este recebeu formação.
I. Doutro modo, também a Autora não apresenta qualquer preço de formação que praticasse a terceiros pelo tipo de formação conferida ao Réu.
J. Com tal conteúdo, o pacto de permanência deverá ser considerado nulo por força dos artigos 81.º, n.º 1 e 294.º do Código Civil".
Da fundamentação da sentença sobressai o seguinte trecho:
"Como ponto inicial importa frisar que o Código do Trabalho actual aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro refere tão só 'despesas avultadas feitas' com a formação, podendo o trabalhador desobrigar-se 'do cumprimento do acordo (...) mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas' ou seja mediante o pagamento do valor referido no pacto de permanência que tiver acordado, ao contrário do que acontecia com o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto onde se referia no respectivo art.º 147,º, n.º 1 'despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação' podendo o trabalhador desobrigar-se do pacto de permanência 'restituindo a soma das importâncias despendidas'.
Vale isto por dizer que se na vigência do Código do Trabalho de 2003, a validade jurídica de um pacto de permanência dependia da verificação da realização de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação, sendo que o trabalhador apenas tinha de restituir a soma das importâncias despendidas, tal deixou de ser exigível com a entrada em vigor do actual Código do Trabalho de 2009 onde se exige apenas que o empregador tenha suportado avultadas despesas, no sentido de muito significativas e para além das despesas com formação abrangidas pela alínea d) do art.º 127.º e 131.º ambos do Código do Trabalho".
Vejamos o valor argumentativo desse fundamento da sentença.
O art.º 147,º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 estatuía que "é lícita a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição de retribuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas".
Por sua vez, o art.º 137.º do actual Código do Trabalho estabelece que "as partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional".
É comummente aceite que a constrição resultante desta cláusula típica do contrato de trabalho para a liberdade de trabalho "justifica-se pelo interesse do empregador no retorno que, legitimamente, espera obter do investimento económico que fez com a formação do trabalhador, e que se traduz para este numa mais-valia do seu currículo e consequente maior facilidade de integração no mundo do trabalho";[1] "A garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação. (…) O pacto de permanência é (…) consolidado por uma obrigação de restituição do 'montante correspondente às despesas nele referidas' pelo empregador na formação do trabalhador (art.º 137.º/2)";[2] "Trata-se, no fundo, de um expediente contratual através do qual a lei procura conciliar as exigências da liberdade de trabalho com as legítimas expectativas patronais de colher os frutos do forte investimento formativo realizado naquele trabalhador − algo que, como se sabe, requer tempo";[3] e é assim hoje, como também era no pretérito, o que alavanca a ideia de que "tal admissibilidade não contraria o disposto no art.º 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que é razoável a protecção do empregador nas situações em que realizou aquelas despesas e da formação resultou a valorização profissional do trabalhador";[4] acrescendo a isso "porque (e na medida em que) permite a imediata e quase incondicionada retoma pelo trabalhador do seu direito de denunciar o contrato, corolário da sua liberdade de trabalho constitucionalmente consagrada, esta solução garante a conformidade constitucional do pacto de permanência. (…) A prevalência que neste contexto assume a retoma pelo trabalhador do seu direito de denúncia, corolário da liberdade de trabalho constitucionalmente consagrada (…), marca a conformação legal desta obrigação, exprimindo um desígnio de evitar que, através desta, resulte aquela excessivamente coarctada: não é outro o sentido da limitação ex lege do elenco dos danos indemnizáveis ás despesas realizadas com a formação profissional do trabalhador e, bem assim, da opção de não erigir o pagamento de tal quantia em condição de eficácia da revogação por este do pacto de permanência".[5] Não por acaso também é assinalado que os pactos de permanência "têm relevância em situações como a dos pilotos de aviões comerciais, cuja formação é complexa e dispendiosa".[6]
Em todo o caso, o factor distintivo das normas resulta, de resto bem vincado na sentença recorrida, reside na circunstância da anterior prever que a compensação tivesse em vista as "despesas extraordinárias comprovadamente feitas" pelo empregador, enquanto que a actual se contenta com as "despesas avultadas feitas" pelo mesmo; pelo que, como adequadamente concluiu a sentença recorrida, "ao contrário do pretendido pelo Réu não tem a Autora que fazer prova das despesas que tenha feito bastando que se demonstre que foram despesas significativas em formação que ultrapasse a formação corrente a que está obrigada" (isto porque estas a obrigação relativamente a essas emergia já directamente do contrato para o empregador ex vi do art.os art.º 127.º, alínea d) e 131.º do Código do Trabalho). Passou-se, pois, de um plano puramente jurídico ("despesas extraordinárias comprovadamente feitas") para um outro, agora também de matiz social ("despesas avultadas feitas"), pelo que o novel conceito deverá ser integrado atendendo ao contexto em que as despesas formativas ocorrem e às especificidades do caso concreto, como sejam, por um lado o seu valor atomístico balizado pela dimensão e capacidade económico-financeira da empresa e o consequente impacto do esforço que para ela representa, contrabalançado pela expectativa de ganho acrescido que perspectivado e, por outro, o próprio benefício que as capacidades profissionais assim proporcionadas ao trabalhador representam para as suas próprias perspectivas profissionais, económicas e até sociais futuras (em linha com isto, vd. o acórdão desta Relação de Lisboa, de 26-06-2019, no processo n.º 2051/18.0T8VFX.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, de resto citado na decisão recorrida).
Considerações deste tipo levaram até Joana de Vasconcelos a sustentar que "ao exigir que sejam apenas 'avultadas' − e, não já, como no direito anterior a 2009, 'extraordinárias' − tais despesas, o presente preceito basta-se com o seu elevado quantitativo, sem atender ao seu carácter não normal ou não corrente face ao comum programa contratual, em particular, ao genérico dever do empregador de 'contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador, nomeadamente proporcionando-lhe formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação' (artigos 127.º, n.º 1, alínea d) e 130.º e Segurança Social)";[7] e esta Relação de Lisboa, em acórdão de 20-11-2013, no processo n.º 593/09.7TTLSB.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt, a decidir que "embora alegados, não resultando provados os concretos custos com a formação do Réu, deve ser proferida condenação ilíquida, condenando-se no que vier a ser liquidado em momento posterior à sentença".
Por outro lado, provou-se que "o preço da obtenção da qualificação teórica e prática referida em 1. antecedente e da correlata certificação cifra-se em € 65.000"[8] e que a apelada "fornecerá ao Segundo Contratante a respectiva formação sem que este, dentro de certos condicionalismos tenha de suportar o seu preço".[9]
Assim sendo e ao contrário do pretextado pelo apelante, é apodíctico dizer que efectivamente o valor do pacto de permanência foi estabelecido pelas partes[10] a partir de um preço de custo da formação, mas este é bem ilustrativo de que se tratava de uma despesa deveras avultada! Isto seguramente se for tido em conta a realidade económica do país e que se não tratava de habilitar o apelante a pilotar helicópteros para desse modo poder exercer a sua profissão de piloto, mas, outrossim, apenas fazê-lo relativamente a um tipo dessas aeronaves.[11]
Acresce que também falha redondamente o apelante ao pretender que a apelada não apresenta "qualquer pagamento efectuado a terceiros por recursos necessários à formação" e que "também a Autora não apresenta qualquer preço de formação que praticasse a terceiros pelo tipo de formação conferida ao Réu", pois a verdade é que se provou que "a Autora suportou os encargos inerentes à formação na qualificação de AW139";[12] e, portanto, se suportou todos os encargos, naturalmente isso inclui os resultantes de serviços próprios como os de terceiros prestadores dos serviços.
Por fim, a previsão no pacto de permanência de que o seu incumprimento pelo apelante o obrigaria a reembolsar à apelada "o preço de tal qualificação, no todo ou em parte, conforme formula seguinte: 1/36 avos do valor considerado em 1, por cada mês contado desde a data da efectiva cessação pretendida ou ocorrida, até à data em que se perfizerem três anos de serviço contabilizados da conclusão e obtenção da referida qualificação",[13] vai de encontro às exigências assinaladas por (pelo menos alguma) doutrina[14] e jurisprudência.[15]
Não colhe, portanto, a tese do apelante segundo a qual obsta à validade do pacto a circunstância de se não ter provado o concreto valor suportado pela apelada com a sua formação profissional tendo em vista libertá-lo da reintegração resultante da violação do pactuado acerca da permanência na empresa pelo período de três anos; bem como a sua desconformidade com o estabelecido pelo n.º 1 do art.º 81.º do Código Civil, de acordo com o qual "toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública") e pelo n.º 1 do art.º 47.º da Constituição da República, ao referir que "todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade"; o pacto é válido, sem qualquer margem para dúvidas.
2.2 O apelante pretende ainda que a sentença violou o estabelecido no art.º 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho ao condenar a apelada a pagar-lhe apenas a parte certa da sua retribuição referente ao subsídio de Natal porquanto lhe bastava estar escalado e comparecer numa base operacional para ter direito a perceber essa parte e a variável, o complemento per diem, pelo que aquelas prestações têm que o incluir.
Relativamente a essas prestações (certa e variável) a sentença considerou, com base em abundante e certeira exposição nela referidos e com a qual inteiramente se concorda, que "estas remunerações se subsumem ao conceito de prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, para efeitos de integrarem o cálculo da retribuição de férias e subsídios de férias".
Porém, a sentença negou a pretensão em crise louvando-se, inter alia, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-09-2017, no processo n.º 393/16.8T8VIS.C1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, na parte em que considerou que "com o advento do Código do Trabalho que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003, bem como com o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que lhe sucedeu, não havendo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, no cálculo do subsídio de Natal apenas se atenderá à retribuição-base e às diuturnidades", e a verdade é que isso naturalmente se retira do contraponto entre os conceitos de "retribuição" e "retribuição-base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho" alojadas, respectivamente, nos art.os 263.º, n.º 1 e 264.º, n.º 1 tendo por referência o 262.º, n.º 1, todos do Código do Trabalho; de resto, também a doutrina tende a acompanhar este modo de ver as coisas, como no caso de Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Comentado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, páginas 684 e seguinte e de Joana de Vasconcelos, in Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, página 655 (onde de resto cita abundante jurisprudência concordante).
Assim sendo também nesta parte se não concede a apelação do autor.
2.3 Pretende igualmente o apelante que lhe era devida a dita parte variável (complemento per diem) nos 59 dias em que em que esteve em reuniões, formações e treinos, por força dos art.os 127.º, n.º 1, alíneas b) a d) e 131.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
A sentença recorrida negou essa pretensão com base na seguinte ordem de razões:
"Relativamente ao pedido de pagamento da retribuição per diem em dias de formação.
Da simples leitura da cláusula contratual que estabelece o per diem decorre que o mesmo só é devido, como supra se referiu e para onde se remete, quando é prestado trabalho efectivo em turnos de 12 horas em escala em base fora da sede.
Como se disse existe da própria redacção das cláusulas contratuais que estabelecem o complemento per diem decorre uma evidente ligação das remunerações ou prestações em causa com o trabalho prestado pelo Réu já que estas constituem contrapartida do trabalho por cada turno de 12 horas efectivamente realizado quando incluído em escala numa das bases em que a Autora opera fora da sede.
Ora nas horas de formação, como é evidente, o Réu não prestou trabalho efectivo de turnos de 12 horas em base deslocado pelo que nunca lhe seria devido tal complemento nesses dias de formação já que o per diem é indissociável da realização de trabalho em turnos de 12 horas em base externa.
Ademais tem-se entendido que as horas de formação não se podem considerar como tempo de trabalho estrito nos termos definidos no art.º 197.º do código do Trabalho, isso mesmo foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/02/2019, processo nº 2372/17.9T8LRA.C1, publicado em www.dgsi.pt".
É verdade que o Tribunal de Justiça da União Europeia tem delimitado os tempos de trabalho e os tempos de descanso a partir de três critérios: (i) a obrigação de o trabalhador estar fisicamente no local determinado pelo empregador (incluindo quando esse local não é o lugar onde exerce habitualmente a sua actividade profissional); (ii) a disponibilidade constante para exercício de funções; e (iii) a necessidade de o trabalhador estar no exercício das suas funções; e que a partir daí, no acórdão de 28-10-2021 (C. Lycourgos), no processo n.º C-909/19,[16] considerou preenchidos todos esses requisitos num caso em que a empregadora promovera a formação profissional do trabalhador numa empresa externa uma vez que o trabalhador estaria sujeito às instruções daquela durante a formação profissional.
Todavia, no caso sub iudice provou-se que "o Segundo Contratante tem igualmente direito a ver acrescido a tais honorários um suplemento diário (per diem) de honorários por cada turno de 12h efectivamente assegurado a favor da Primeira Contratante, complemento de honorários esse no montante de 147,88 € até 15 turnos/mês ou de 170,93 € se fizer serviço de voo acima de 15 turnos/mês" (facto 16, n.º 2), mas não se provou que o apelante tivesse estado em formação por períodos / turnos de 12 horas, o que, natural e independentemente da qualificação ou relevância dessas actividades como tempo de trabalho obsta per se à procedência da sua pretensão.
2.4 Pretende igualmente o apelante que lhe é devido pela apelada acréscimo por trabalho prestado em dias feriados e em períodos nocturnos tendo em conta o estatuído nos art.os 266.º (trabalho prestado em período nocturno) e 269.º, n.º 2 (trabalho prestado em dia feriado) do Código do Trabalho; isto porque considera que o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho não pode ser considerado excepcional relativamente à lei laboral comum.
Já a sentença considerou o seguinte:
"Pelo menos desde 1971, com a entrada em vigor do Regulamento sobre tempos de voo e repouso do pessoal navegante dos transportes aéreos comercial - Decreto 407/71, de 24 de Setembro existe legislação especial aplicável a todos os membros da tripulação de aeronaves na execução de todas as operações relativas aos transportes aéreos comerciais, qualquer que seja a sua modalidade, quanto ao tempo de trabalho.
Assim, e reconhecendo a especificidade da actividade, o legislador desde cedo sentiu a necessidade de regular o tempo de trabalho e de descanso dos trabalhadores para salvaguardar quer a segurança do voo quer a protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores.
Nessa medida sucederam-se ao referido Decreto 407/71, de 24 de Setembro, o Decreto 31/74, de 1 de Fevereiro, a Portaria 408/87, de 14 de Maio, a Portaria 238-A/98, de 15 de Abril, o Decreto-Lei 139/2004, de 5 de Junho, que vigorou a partir de 5 de Julho de 2004 e durante toda a relação laboral que aqui importa e actualmente o Decreto-Lei 25/2022, de 15 de Março, em vigor a partir de 14 de Abril de 2022.
Em todos estes diplomas é patente que se estabelecem regras especiais e que não há lugar à aplicação do Código do Trabalho, excepto em tudo o que não é especificamente regulado ou quando o próprio diploma remete para o Código do Trabalho.
Efectivamente a lei especial prevalece sobre a lei geral, tal como estabelece o art.º 7.º, n.º 3, do Código Civil, correspondendo ao princípio da especialidade lex specialis derogat legi generali.
E, no caso concreto, o próprio diploma legal estabelece os casos em que relativamente a tempo de trabalho é aplicável o Código do Trabalho, veja -se, por exemplo, relativamente a férias, o Decreto-Lei 139/2004, de 5 de Junho, em vigor à data da relação laboral, estabelecia mesmo no art.º 20.º, n.º 3, que 'Em tudo o que não for contrário ao presente diploma, é aplicável o regime jurídico das férias previsto para o contrato individual de trabalho' ou no regime actual do Decreto-Lei 25/2022, de 15 de Março no art.º 26.º 'Aplica-se aos tripulantes HEMS o regime jurídico relativo a férias previsto no Código do Trabalho'.
Assim, e aliás como expresso no respectivo art.º 1.º o Decreto-Lei 139/2004, de 5 de Junho define e regula o tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, e actualmente art.os 1.º e 2.º do Decreto-Lei 25/2022, de 15 de Março, aplicando-se concretamente 'Às operações de transporte aéreo comercial no contexto de serviços de emergência médica realizadas com helicópteros por operadores de aeronaves cujo estabelecimento principal se situe em Portugal'.
Não é alegado pelo Réu que a Autora tenha incumprido a legislação supra referida quanto a tempos de trabalho e tempos de descanso, nem que não lhe tenha sido pago o trabalho prestado nos termos constantes do contrato que celebrou e da legislação referida.
Como se começou por dizer o Réu pretende tão só que lhe seja pago o trabalho que prestou em dias feriados e em período nocturnos com os acréscimos previstos no Código do Trabalho e assim ver reconhecida aplicação das normas sobre duração e organização do tempo de trabalho e seu pagamento constantes dos artigos 197.º a 234.º do Código do Trabalho mas tal pretensão é improcedente nos termos supra expostos.
Assim julgo improcedente o pedido do Réu relativamente a pagamento de trabalho nocturno e em dias feriados".
Vejamos então como decidir estas questões.
O art.º 1.º do Decreto-Lei 139/2004 (diploma entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 25/2022, de 15 de Março), de 5 de Junho enunciava no n.º 1 que "o presente diploma transpõe a Directiva n.º 2000/79/CE, do Conselho, de 27 de Novembro, e define e regula o tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, designadamente no que respeita aos limites dos tempos de serviço de voo e de repouso", no n.º 2 que  "as disposições contidas no presente diploma são aplicáveis a todos os tripulantes de aeronaves na execução de quaisquer operações de transporte aéreo de passageiros, carga ou correio por operadores nacionais" e no n.º 3 que "a limitação do tempo de voo e do serviço de voo visa garantir a segurança de voo, assegurando aos tripulantes, no início e durante cada período de serviço de voo, o domínio e a utilização de todas as suas capacidades físicas e psíquicas e as adequadas condições de trabalho".
Embora dedicando um capítulo ao tempo de trabalho (Capítulo II), todo o diploma está construído, como de resto se enuncia no preâmbulo, na perspectiva de "transpor para a ordem jurídica interna a referida directiva, que visa o estabelecimento de normas mínimas de protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores, com vista a garantir a própria segurança de voo. A limitação do tempo de voo e do período de serviço de voo estabelecida no presente diploma visa, assim, assegurar aos tripulantes, no início e durante cada período de serviço de voo, o domínio e a utilização de todas as suas capacidades físicas e psíquicas". Significativamente, após um Capítulo I enunciando as "Disposições genéricas", segue-se-lhe o Capítulo II epigrafado de "Tempo de trabalho" cuja Secção I é epigrafada de "Períodos de serviço de voo" e a primeira norma (o art.º 9.º) de "Período de serviço de voo do pessoal móvel da aviação civil" , mas o n.º 1 dessa norma logo estatui precisamente que "os limites máximos de período de serviço de voo aplicáveis à tripulação técnica são os constantes dos quadros n.os 1 e 2, publicados em anexo ao presente diploma e que dele fazem parte integrante"; e as coisas seguem pelo mesmo caminho no normativo seguinte (art.º 10.º, cuja epígrafe refere "Período de serviço de voo com tripulação reforçada" e o seu n.º 1 que "em caso de tripulação reforçada, os limites máximos de serviço de voo previstos no artigo anterior são os constantes do quadro n.º 3, publicado em anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante" e também nos que se lhe seguem.
Daqui resulta, portanto, que ao assim regular o tempo de trabalho dos pilotos de aeronaves de transporte, de pessoas e coisas, a lei não teve em vista preocupações de índole trabalhista, mas, outrossim, de segurança desse meio de transporte; que uma coisa não pode andar dissociada da outra é algo que resulta com meridiana clareza, mas não significa isso que a mens legis haja sido daquele tipo. Repare-se que mesmo quando se refere às "Condições de descanso", o n.º 1 do art.º 17.º fá-lo para estabelecer que "se o período de serviço de voo para tripulação técnica reforçada exceder dezasseis horas, deve existir a bordo, para cada tripulante técnico de reforço, um beliche separado e isolado da cabina de pilotagem e dos passageiros" e o n.º 1 do art.º 18.º para deixar claro que "o período de repouso é contínuo e deve ser antecipadamente calculado"; e o diploma termina com o Capítulo III, dedicado às "Disposições contra-ordenacionais".
Ou seja e em resumo se concede ao apelante que o dito diploma legal preocupou-se com tudo menos com a retribuição dos pilotos das aeronaves; e assim sendo, naturalmente que sobre as temáticas em análise vale o disposto na lei laboral comum, pelo que é tendo isto em vista que se passará agora à apreciação da pretensão por ele deduzida.
No que respeita ao trabalho nocturno, concorda-se com a sentença recorrida, isto atendendo ao facto provado 63 e ao que a tal propósito decidiu o acórdão da Relação de Évora, de 23-11-2023, no processo n.º 1071/21.1T8TMR.E1, publicado em http://www.dgsi.pt, assim sumariado:
"I - A retribuição mensal a considerar para efeitos do cálculo do valor/hora do trabalho suplementar e do trabalho prestado em dia feriado, é a retribuição base, acrescida de diuturnidades (caso existam), não havendo que atender, para o efeito, às prestações acessórias ou variáveis.
II - Não há lugar ao pagamento da remuneração especial pela prestação de trabalho nocturno, quando um piloto de helicópteros é contratado para prestar funções em voos de emergência médica solicitados pelo INEM, dado que está em causa uma actividade que deve funcionar à disposição do público também durante o período nocturno".
E isto tendo também em conta os fundamentos ali invocados, a saber:
"Quanto a esta matéria, escreveu-se na sentença recorrida:
'O pedido do Autor indicado em e), consiste em apreciar se deve a Ré ser condenada a pagar-lhe a quantia de 13.855,15€ a título de trabalho prestado em período nocturno ou, em alternativa, a pagar-lhe o valor de 27.037,26 € se for considerada a retribuição variável como parte da remuneração do Autor.
De acordo com o artigo 2.º, al. s) do DL 139/2004, de 05/06, constitui período de serviço nocturno, o período de serviço compreendido entre as 23 e as 06h e 29 minutos locais.
O diploma não estabelece qualquer norma que verse sobre o pagamento do serviço prestado nesse período, nem o DL 25/2022, de 15/03 o faz, visto que o seu artigo 20.º apenas estabelece que o serviço prestado nesse período é contabilizado com um acréscimo de 25% para efeitos dos limites máximos do PSV.
Assim, importa atender ao artigo 266.º do CT. Nos termos do n.º 1 deste artigo, o trabalho nocturno é pago com acréscimo de 25% relativamente ao pagamento de trabalho equivalente prestado durante o dia.
No entanto, este n.º 1 não se aplica em actividade que, pela sua natureza ou por força da lei, deva funcionar à disposição do público durante o período nocturno (n.º 3, al. b) do artigo 266.º do CT). A actividade da Ré, no que se refere aos voos de emergência médica, tem de funcionar, ininterruptamente, pelo que se entende, que a específica prestação de trabalho exercida pelo Autor à Ré, no período nocturno, quer este seja definido nos termos do artigo 223.º do CT, quer nos termos do artigo 2.º, al. s) do DL 139/2004, de 05/06, não dá lugar ao pagamento do trabalho prestado, nos termos do artigo 266.º, n.º 1 do CT.
Pelo exposto, julga-se improcedente a pretensão do Autor indicada em e), em ambas as hipóteses formuladas'.
Desde já adiantamos que a decisão recorrida não merece censura.
(…)".
Nesta parte, portanto, não poderá conceder-se a apelação ao autor.
Já no que concerne ao trabalho prestado em dias feriados as coisas são diferentes, importando levar novamente em conta a argumentação do citado aresto:
"Do conteúdo do diploma não se retira qualquer norma que disponha sobre o trabalho dos tripulantes em dias feriados.
Igual afirmação se declara em relação ao teor da Directiva transposta.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 25/2022, de 15 de Março, que veio revogar o Decreto-Lei n.º 139/2004, mantém-se omisso sobre a matéria.
Sendo assim, inexistindo qualquer particularidade sobre o regime de trabalho prestado em dias feriados no regime especial aplicável ao contrato de trabalho que nos ocupa, há que aplicar as regras gerais do Código do Trabalho, de acordo com o prescrito no artigo 9.º deste compêndio legal.
E o artigo 269.º do regime geral, devidamente aplicado pela 1.ª instância, estipula que são devidas prestações pelo trabalho prestado em dias feriados.
Por conseguinte, é manifesto que o desfecho do recurso interposto pela Ré, quanto à questão que se aprecia, só pode ser a improcedência.
Resta-nos, então, apreciar o recurso do Autor que incidiu nesta matéria.
Na sentença recorrida, o cálculo do valor devido pelos dias feriados trabalhados baseou-se, e bem, na fórmula prevista pela conjugação dos artigos 262.º e 271.º do Código do Trabalho.
Também se teve em consideração as duas redacções diferentes que o n.º 2 do artigo 269.º do Código do Trabalho assumiu no período temporal entre 2012 e 2021.
Em face do exposto, nenhum reparo nos merece o valor da remuneração horária que foi integrado em cada um dos valores hora que são referidos no mencionado quadro".
Deste modo se conclui, pois, que assiste direito ao apelante a ser retribuído pela prestação de trabalho em dias feriados nos termos previstos no art.º 269.º, n.os 1 e 2 e 271.º do Código do Trabalho; vale dizer e relembrando que a apelada não estava obrigada a suspender o seu funcionamento, tem direito à retribuição correspondente ao feriado com acréscimo de 50% a partir da fórmula (rm x 12) : (52 x n) ex vi dos art.os 269.º e 271.º do Código do Trabalho. Embora, convocando de novo o esclarecimento do citado acórdão da Relação de Évora, "a retribuição mensal a considerar para efeitos do cálculo do valor/hora do trabalho suplementar e do trabalho prestado em dia feriado, é a retribuição base, acrescida de diuturnidades (caso existam), não havendo que atender, para o efeito, às prestações acessórias ou variáveis".
Ora, provou-se que "nos anos de 2017 a 2020 o Réu trabalhou dias feriados nos termos que constam das escalas de serviço juntas a fls. 175 a 191 e fls. 244 a 272 cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais",[17] assim tendo o apelante cumprido a parte que lhe competia do ónus da prova (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil); também se provou, embora lhe não competisse o respectivo ónus, mas à apelada atendendo ao estatuído no n.º 2 desse normativo, que esta "não o remunerou com um acréscimo de 50% da remuneração correspondente, nem lhe facultou descanso compensatório".[18]
Assim sendo, nesta parte deve a apelação do autor proceder e a apelada ser condenada a pagar-lhe o trabalho prestado nesse período, nos termos acima referidos (retribuição base acrescida de 50%, sendo o valor daquela segundo o disposto no art.º 271.º do Código do Trabalho, já que o apelante não tinha qualquer diuturnidade).
2.5 Por fim, o apelante pretende que são devidos juros de mora sobre as quantias em que foi reconhecido ser credor contra a apelada, à taxa de 4% ao ano, desde o final do mês em que as mesmas se venceram, mas nesta parte volta o apelante a não ter razão.
Cumpre antes de mais dizer que o apelante não formulou tal pedido na conclusão da reconvenção, mas, sim, na narração da mesma (e ainda assim não relativamente a todas as quantias peticionadas).
Todavia, apesar de na parte relevante o art.º 552.º (aplicável à reconvenção ex vi do art.º 583.º) do Código de Processo Civil estatuir que "1. Na petição, com que propõe a acção, deve o autor: (…) d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção; e) Formular o pedido", certo é que a jurisprudência tem considerado, como no caso do acórdão desta Relação de Lisboa, de 10-09-2013, no processo n.º 6/07.9TBPNH.C1, publicado em http://www.dgsi.pt (cuja ratio decidendi é integralmente válida para o Código de Processo Civil revisto), que "o pedido formulado pelo autor na petição inicial (art. 467.º, n.º 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos".
Acontece, no entanto, que o apelante não formulou pedido de condenação da apelada / reconvinda na conclusão da reconvenção, mas na narração da mesma, mas ainda assim apenas quanto às seguintes quantias:
• no item 2.1. titulado "créditos do período abrangido pelo falso contrato de prestação de serviços", entre os art.os 92.º e 146.º, no 145.º e neste último pediu juros relativamente ao subsídio de Natal de 2017, ao subsídio de férias e férias pagas de 2017;
• no item 2.7. titulado "crédito de proporcionais no ano da cessação do contrato", entre os art.os  226.º e 231.º, no 230.º e neste último pediu os respectivos juros.
Ora, o apelante apenas obteve o seguinte ganho de causa:
"a) as quantias a liquidar correspondentes às diferenças na retribuição de férias e subsídio de férias pagas entre 16 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020, relativamente aos anos em que o Réu tenha recebido durante onze meses remuneração a título per diem, pela inclusão em tal retribuição e subsídios da média dos valores pagos em cada um desses anos a este título;
b) a quantia de € 2.982,47 (dois mil novecentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos) a título de subsídio de Natal entre 17 de Maio de 2017 e 22 de Fevereiro de 2020".
Assim sendo, quanto ao primeiro conjunto de créditos, naquele ano de 2017 não tem direito a juros de mora sobre as ditas quantias pois que não trabalhou durante onze meses; e o mesmo quanto ao segundo conjunto de créditos, pois que no ano de 2020, o contrato cessou no mês de Fevereiro. Vale dizer, portanto, em qualquer dos casos não tem o direito invocado porque não trabalhou onze meses em nenhum desses anos (o que de resto seria fisicamente impossível); e quanto aos demais, porque não pediu juros de mora e por isso lhe não podem ser concedidos, sob pena de nulidade (art.os 609.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, alínea d) e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil; tendo cessado o contrato, em todo o caso seria inaplicável o art.º 74.º do Código de Processo do Trabalho).
***
III - Decisão.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento à apelação e, em consequência:
a) revogar a sentença na parte em que absolveu a apelada do pedido reconvencional relativamente à condenação desta a pagar ao apelante a retribuição do trabalho por ele prestado naqueles dias feriados calculada nos sobreditos termos e condená-la agora nesse pedido;
b) no mais, manter a sentença recorrida.
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Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).

Lisboa, 06-03-2024.
Alves Duarte
Paula Pott
Leopoldo Soares
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[1] Acórdão da Relação de Lisboa, de 20-11-2013, no processo n.º 593/09.7TTLSB.L1-4; no mesmo sentido pode ver-se o acórdão da Relação do Porto, de 08-05-2023, no processo n.º 3444/20.9T8VFR.P1, como aquele publicado em http://www.dgsi.pt.
[2] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, página 293.
[3] João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, página 443.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-06-2011, no processo n.º 2779/07.0TTLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[5] Joana de Vasconcelos, in Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, página 355.
[6] Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, volume II, Almedina, Coimbra, 2019, página 1034.
[7] Ob. cit. página 354.
[8] Facto provado 16 (n.º 2).
[9] Facto provado 16 (n.º 3).
[10] Não pela apelada, como inadequadamente o apelante concluiu.
[11] Factos provados 11 a 13.
[12] Facto provado 20.
[13] Facto provado 16 (n.º 5).
[14] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª edição, Almedina, 2017, páginas 293 e seguinte; contra e no sentido da obrigação ser da totalidade do investimento feito pelo empregador, Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Comentado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, páginas 366 e seguinte. Parece decisivo o argumento invocado pelo primeiro A. de que esta hipótese "poderia configurar enriquecimento sem causa" do empregador.
[15] Citado acórdão da Relação do Porto, de 08-05-2023, no processo n.º 3444/20.9T8VFR.P1; no mesmo sentido, o acórdão da mesma Relação do Porto, de 22-03-2021, no processo n.º 10065/19.6T8PRT.P1, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[16] Em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=248284&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=28583572.
[17] Facto provado 55.
[18] Facto provado 56.