Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
231/24.8YRLSB-2
Relator: RUTE SOBRAL
Descritores: REGULAMENTAÇÃO
REGULAMENTO
COMPETÊNCIA
RECONHECIMENTO
EXECUÇÃO
DECISÕES EM MATÉRIA MATRIMONIAL
DIVÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ART.º 652.º, N.º 3, CPC
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Por força do Regulamento (CE) n.º 1347/2000 do Conselho, de 29-05-2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 30-06-2000, (cuja orientação foi mantida nos regulamentos (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003 e (EU) 1111/2019, de 25 de junho) deixou de ser necessário proceder à revisão e confirmação, nos Estados membros da União Europeia, das decisões que decretem o divórcio, proferidas noutro Estado membro da União Europeia (cfr. artigos 1º, 13º e 14º do referido Regulamento), exceto na Dinamarca (cfr. considerando n.º 25 do preâmbulo do Regulamento 1347/2000).
II – Porém, dado que o Regulamento (CE) n.º 1347/2000 do Conselho, de 29-05-2000 entrou em vigor no dia 01-03-2001, como resulta dos seus artigos 42.º e 46.º, as decisões que decretem o divórcio, proferidas noutro Estado Membro em data anterior à sua vigência, deverão ser revistas para que possam produzir efeitos no ordenamento jurídico português.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

M., residente na Travessa (…) Funchal, intentou o presente processo especial de revisão de sentença estrangeira, alegando ter casado com J.J. em 24 de outubro de 1977, do mesmo se tendo divorciado por decisão de 15-11-1994, proferida pelo Tribunal da Grande Instância de Versalhes, França, solicitando a revisão e confirmação de tal sentença.
Mais alegou que o seu ex-marido faleceu em 17-05-2023, e que o óbito foi participado nos serviços consulares portugueses em França, local onde foi transmitido aos seus familiares que, para efeitos de participação do óbito, o estado civil de divorciado deveria estar revisto e confirmado em Portugal.
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Foi proferida decisão sumária que indeferiu liminarmente o pedido de revisão de sentença, tendo-se considerado ser automático o reconhecimento da sentença que dissolveu o casamento da requerente, proferida por um tribunal francês, sem necessidade de qualquer tipo de procedimento para esse efeito.
Reagindo ao indeferimento liminar do pedido de revisão da sentença, a requerente M. veio solicitar a intervenção da conferência e a prolação de acórdão sobre a questão suscitada, nos termos do disposto no artigo 652º, nº 3, CPC.
Foi determinada a citação de C. e J., sucessores do falecido J.J., que juntaram aos autos as procurações que antecedem e declararam expressamente concordar que seja levada à conferência a decisão singular proferida – cfr. 652º, nº 3, CPC.
Remetidos os autos aos vistos e à conferência, cumpre apreciar e decidir, por a tal nada obstar.
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A ação de revisão de sentença estrangeira possui uma natureza de simples apreciação, visando determinar se a sentença estrangeira reúne os requisitos necessários para produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa, enquanto ato jurisdicional - Luís de Lima Pinheiro, Regime Interno de Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Revista da Ordem dos Advogados, 2001, Volume II, pág. 595.
Por outro lado, no ordenamento jurídico português foi acolhido um sistema de revisão formal das sentenças estrangeiras, inexistindo a possibilidade de proceder a qualquer revisão de mérito, cumprindo apenas aferir da verificação dos requisitos previstos no artigo 980.º do CPC. Ou seja, “o tribunal nada mais faz de que verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal” - Alberto dos Reis, Processos Especiais, volume II, 1981, p. 204.
Tal regime não se aplica às sentenças que, por força de tratado, convenção, regulamento da União Europeia ou lei especial, não necessitem de qualquer revisão para produzir os seus efeitos na ordem jurídica nacional, como decorre do artigo 978º do CPC.
Porém, na decisão singular, por lapso da relatora, não se atentou que a sentença do tribunal francês cuja revisão foi requerida havia sido proferida em 15-11-1994.
Ora, o Regulamento (CE) n.º 1347/2000 do Conselho, de 29-05-2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal, publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 30-06-2000, entrou em vigor no dia 01-03-2001 (cfr. artigos 42.º e 46.º do citado Regulamento). É certo que por força de tal regulamento (cuja orientação foi mantida nos regulamentos (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003 e (EU) 1111/2019, de 25 de junho), deixou de ser necessário proceder à revisão e confirmação, nos Estados membros da União Europeia, das decisões que decretem o divórcio, proferidas noutro Estado membro da União Europeia (cfr. artigos 1º, 13º e 14º do referido Regulamento), exceto na Dinamarca (cfr. considerando n.º 25 do preâmbulo do Regulamento).
Porém, tal regime aplica-se apenas a decisões posteriores à sua entrada em vigor, mantendo-se a necessidade de revisão das proferidas anteriormente para que possam produzir efeitos no ordenamento jurídico português – cfr. artigo 42º do Regulamento (CE) 1347/2000.
Consequentemente, estando em causa uma sentença proferida por um tribunal francês em 15-11-1994, não é automático o seu reconhecimento, devendo os presentes autos prosseguir, por forma a que, verificados os respetivos pressupostos legais, seja concedida a revisão pretendida.
Impõe-se, pois, a revogação da decisão singular proferida que indeferiu liminarmente o pedido de revisão, e a sua substituição por outra que determine a prossecução dos autos com a citação da parte contrária (agora notificação, dado que os sucessores do falecido J.J. já intervieram no processo) para, querendo e no prazo legal, deduzir oposição – cfr. artigo 981º, do Código Civil.
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Pelo exposto, em conferência, acorda este coletivo:
- Revogar a decisão singular de indeferimento liminar proferida nos presentes autos;
- Determinar o prosseguimento dos presentes autos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, ordenando a notificação da parte contrária, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 981º, CPC.
Sem custas.
Registe e notifique.
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Lisboa, 07-03-2024
Rute Sobral
Susana Gonçalves
Orlando Nascimento