Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6670/23.4T8LRS-A.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: PARENTALIDADE
DESPEDIMENTO DE TRABALHADORA LACTANTE
PARECER
CITE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–O n.º 2, do artigo 36.º do CT prevê uma hipótese autónoma de aplicabilidade do regime da protecção da parentalidade, hipótese que funciona independentemente da verificação dos requisitos formais previstos nas diversas alíneas do antecedente n.º 1 e do meio através do qual o empregador ficou ciente do estado da trabalhadora de grávida, puérpera ou lactante.

II–Pretendendo a lei acautelar a existência de um acto negocial extintivo do empregador com uma motivação discriminatória, mais do que a data da prática do comportamento da trabalhadora que o empregador invoca para fundar o despedimento, releva a data em que o empregador adopta as atitudes relacionadas com a respectiva censura disciplinar e, portanto, aptas a levar à exclusão da trabalhadora da sua organização através de um despedimento com invocação de justa causa.

III–Em abstracto, a atitude discriminatória pode ser evidenciada pela circunstância de o empregador invocar, no procedimento disciplinar instaurado a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, comportamentos anteriores à gravidez da trabalhadora que, até à verificação desta situação, não considerou justificarem o respectivo despedimento.

IV–Se à data da nota de culpa com intenção de despedimento o empregador tem conhecimento da especial situação de “lactante” da trabalhadora visada, impõe-se-lhe solicitar à CITE o parecer prévio previsto no artigo 63.º, n.º 1, do CT, depois das diligências probatórias referidas no n.º 1, do artigo 356.º, do mesmo diploma legal.

(Sumário da autoria da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                                                              П

1. Relatório

1.1. AA, intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual contra BB PARQUE- Empresa Municipal de Estacionamento, EM, pedindo que o Tribunal decrete a suspensão do seu despedimento.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que desempenha funções ao serviço da requerida desde 2006; que a requerida procedeu ao seu despedimento sem fundamento que o justifique e sem diligenciar pela prévia obtenção de parecer da CITE, em violação da protecção em caso de despedimento prevista no artigo 63º do Código de Processo do Trabalho, sendo o despedimento ilícito nos termos do artigo 381º alínea d) do Código do Trabalho, pelo que deve ser decretada a suspensão do despedimento de que foi alvo.
Proferido despacho liminar, a requerida deduziu a oposição constante de fls. 212 e ss. na qual alegou, além do mais: que a factualidade que elenca, melhor desenvolvida no procedimento disciplinar movido contra a arguida, demonstra não ser provável a inexistência de justa; que quanto terminaram as diligencias probatórias e foi proferida a decisão final que concluiu pela justa causa de despedimento, a requerente já não se encontrava em nenhuma das situações previstas no artigo 63.º do CT e que em momento algum a requerente comunicou à entidade patronal que amamentava o filho nem apresentou atestado médico para esse efeito, como era seu dever, não podendo socorrer-se das prorrogativas e da proteção que a lei confere a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou que se encontre no gozo de licença parental.
Juntou o procedimento disciplinar.
Procedeu-se à realização da audiência final e a Mma. Juiz a quo, proferiu a fls. 275 e ss. decisão final da providência que culminou com o seguinte dispositivo:
«Tendo em conta as normas legais citadas e considerações tecidas, decide-se julgar procedente o presente procedimento cautelar especificado de suspensão de despedimento e, em consequência, decreta-se a suspensão do despedimento da requerente.
Custas pela requerida, sem prejuízo de a taxa de justiça ser atendida a final, na acção principal (art.os 527º, n.os 1 e 2 e 539º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
[…]»
1.2.A requerida, inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
I.A Douta Sentença Recorrida, enferma de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito aos factos, ao considerar que o despedimento da requerente, tinha que ser precedido de parecer prévio da CITE;
II.Da factualidade dada como provada resulta que a requerente não beneficiava do regime especial previsto no artigo 63º, nº 1 do CT,
III.Nos termos do artigo 35º do CT, a proteção na parentalidade concretiza-se através da atribuição dos seguintes direitos: dispensa para amamentação ou aleitação. Segundo o disposto no artigo 36º, nº 1 alínea c) entende-se por trabalhadora lactante, a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico;
IV.A requerente não comunicou à entidade patronal que amamentava o filho, por escrito, juntando o necessário e obrigatório atestado médico;
V.Contrariamente ao considerado pela douta sentença recorrida o mail remetido pela trabalhadora em 29 de dezembro de 2022 não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 36º, nº 1, alínea c) do CT;
VI.Tratou-se de um pedido de dispensa diária, formulado nos termos previstos no artigo 47º, nº 1 do CT;
VII.Este documento não prova a qualidade de lactante da requerente, porque não foi acompanhado de atestado médico, que comprovasse essa qualidade;
VIII.O documento médico que juntou aos presentes autos foi emitido em 22 de junho de 2023, já depois da requerente ter sido notificada da decisão de despedimento. Documento, cuja emissão foi solicitada pela requerente, para exibir no âmbito da presente providência cautelar.
IX.Pendia sobre a trabalhadora, o dever de informar, por escrito e juntar atestado médico que comprovasse a sua situação de lactante.
X.Documento que não existia quando terminaram as diligências de prova;
XI.Não tendo a requerente informado a entidade patronal conforme o exigido na citada disposição legal, não pode agora socorrer-se das prorrogativas e da proteção que a lei confere a trabalhadora lactante. A este propósito, cite-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nº processo 963/08.8TTPRT.P1,
XII.De acordo com a nota de culpa e com o relatório final do processo disciplinar, os factos imputados à trabalhadora, ocorreram em janeiro de 2022. Nesta data a trabalhadora não se encontrava em nenhuma das situações referidas no artigo 63º -se gravida nº 1 do CT, uma vez que só em maio desse ano comunicou que se encontrava grávida.
XIII.A proteção da maternidade e da paternidade, consagrada no artigo 68º, nº 2 da CRP, e a sua razão de ser, no que respeita às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, permite-nos concluir que o legislador pretendeu evitar o despedimento destas mulheres com fundamento em factos ocorridos durante o período em que as mesmas passaram por essa concreta situação. Neste sentido decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 4188/18.6VFR-C.1;
XIV.Das razões supra exposta[s] resulta não se poder concluir pela séria ilicitude do despedimento promovido pela entidade patronal;
XV.A douta sentença recorrida ao decidir como decidiu violou entre outras disposições legais, o disposto no artigo 39º do CPT, bem como dos artigos, 36º, nº 1, alínea c), 63º, nº 1 e 381º, alínea d) todos do Código do Trabalho;
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, Com o que se fará Justiça.
1.3.Respondeu a requerente pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
1.4.A Mma. Julgadora a quo admitiu o recurso, com efeito devolutivo (despacho de fls. 175).
1.5.Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, em douto Parecer a que as partes não responderam.
Colhidos os vistos, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
                                                                                                               *
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão que se coloca à apreciação deste tribunal prende-se com saber se o despedimento da requerente da providência, operado pela recorrida, devia ser precedido de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
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3. Fundamentação de facto
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela decisão recorrida nos seguintes termos:
«[...]
1.Requerente e requerida outorgaram escrito apelidado de «contrato individual de trabalho sem termo», com início em 03/04/2006, tendo a primeira sido contratada com a categoria de técnica superior, desempenhando, entre outras, as áreas de chefia da área administrativa e técnica e de apoio à administração.
2.Foi acordada uma compensação de 20% da retribuição a título de isenção de horário, com fundamento no exercício de um cargo na direcção da estrutura da empresa.
3.Como resultado da fusão da Direcção Financeira com a Direcção Administrativa e Técnica aprovada pelo Conselho de Administração da requerida, foi alterada a categoria profissional da requerente, que passou a desempenhar o cargo de Directora da nova Direcção Administrativa e Financeira (DAF), tendo também sido deliberado alterar o posicionamento remuneratório da requerente para o 3º escalão.
4.Em Dezembro de 2021, a requerente encontrava-se posicionada no 4º escalão remuneratório, auferindo a remuneração base mensal de € 1.818,00.
5.Como Directora Administrativa e Financeira, competia à requerente, entre outras funções, controlar tudo o que respeitasse aos recursos humanos, nomeadamente, aplicar e actualizar as progressões na carreira dos trabalhadores da requerida, bem como aplicar as actualizações remuneratórias de acordo com a antiguidade e avaliações dos trabalhadores, a legislação, acordos de empresa em vigor e decisões do Conselho de Administração.
6.A requerente entrou em baixa por gravidez de risco clínico em Maio de 2022.
7.Após o nascimento do seu filho em Agosto de 2022, a requerente iniciou a licença parental inicial, só tendo regressado ao seu local de trabalho em 09/01/2023.
8.A requerida retirou à requerente o computador de trabalho e o telemóvel em Julho de 2022, apesar de a requerente lhe ter solicitado que tal não sucedesse.
9.Em Setembro de 2022 a requerida remeteu à requerente a missiva junta como documento 14 com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido, na qual lhe são pedidos esclarecimentos a respeito das variações salariais dos directores da requerida e relacionados com antecedentes disciplinares da trabalhadora CC  e uma petição de vários munícipes.
10.A requerente respondeu por missiva datada de 03/10/2022, junta como documento 15 com o requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido, na qual refere, em síntese, estar sem acesso ao computador de trabalho, que toda a documentação que esclarecia as dúvidas suscitadas se encontrava nos arquivos da requerida, e que, como não se encontrava a trabalhar, não tinha acesso aos mesmos e, logo que regressasse, procuraria esclarecer quaisquer duvidas que ainda pudessem subsistir.
11.Em 29/06/2022, o Conselho de Administração da requerida deliberou instaurar um processo de inquérito para averiguação e apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares.
12.Em 18/11/2022, o Conselho de Administração da requerida deliberou instaurar um processo disciplinar à requerente que culminou com a decisão de despedimento desta, datada de 07/06/2023, proferida com base no relatório junto a fls. 294-341 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido, comunicada pessoalmente no dia 19/06/2023 e por correio registado com aviso de recepção no dia 20/06/2023.
13.Quando regressou ao serviço no dia 09/01/2023 foi dito à requerente que iria receber uma nota de culpa e que depois se poderia defender.
14.A requerida imputou à requerente os factos vertidos na nota de culpa junta a fls. 43-48 do processo disciplinar anexo, cujo teor se dá por reproduzido, em suma por (1) sem poderes para tal, sem autorização do Conselho de Administração da requerida e sem fundamento legal, ter efectuado progressões na carreira e actualizações nos vencimentos no ano de 2022, auto promovendo-se para escalão mais elevado e fazendo progredir outros funcionários da requerida, com isso causando sérios e graves prejuízos a esta; (2) ter recusado dar informações relativamente a um processo disciplinar do ano de 2012, no qual foi instrutora, referente à funcionária CC, e, com tal comportamento, ter prejudicado um novo processo disciplinar que estava em curso contra esta trabalhadora.
15.No dia do seu regresso ao local de trabalho, foram-lhe retiradas as suas funções de chefia, o acesso a certos programas informáticos, como a aplicação Primavera, as funções de controle do processamento de salários, o acesso ao arquivo da empresa e o gabinete.
16.Em meados de Janeiro de 2023 é anunciado aos funcionários da requerida pelo actual Conselho de Administração que todas as progressões e actualizações salariais feitas no ano de 2022 cessarão, justificando aos trabalhadores que as mesmas foram ilegalmente realizadas.
17.A requerente aplicou em Janeiro de 2022 actualizações salariais no valor de 0,9% e também as progressões previstas no Acordo de Empresa, no Regulamento de Avaliação de Desempenho e Progressão na Carreira (RADPC) -, na Adenda ao RADPC, e no Acordo mencionado no ponto seguinte.
18.Com data de 10/08/2021 foi subscrito por José Esteves Ferreira e João Paulo Melo Simões que, à data, exerciam, respectivamente, os cargos de presidente e de vogal do Conselho de Administração da requerida, e por representantes do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins (STAL) um escrito apelidado «Acordo relativo à aplicação do Regulamento de Avaliação de Desempenho e Progressão na Carreira no ano de 2021», cujo teor se dá por integralmente reproduzido, o apelidado acordo dos 3 pontos, no qual, para além do mais, se refere: «(…) acordam as partes por via do presente Acordo que, no presente ano de 2021, não havendo lugar pelos motivos supra expostos à aplicação da componente da avaliação prevista na aplicação do RADPC, serão atribuídos a todos os trabalhadores da BB  Parque, EM, 3 pontos para efeitos de progressão na carreira, adiando para o ano de 2022 a aplicação do RADPC e de todas as disposições nele previstas em matéria de avaliação e progressão na carreira».
19.A requerida obriga-se e obrigava-se em 10/08/2021: a) pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou por quem estatutariamente o substituir; b) pela assinatura de procurador, no âmbito dos poderes nele delegados pelo Conselho de Administração.
20.Era entendimento do então Conselho de Administração que tal acordo não carecia de ser aprovado em Conselho de Administração, pois tinha partido na iniciativa do próprio Conselho de Administração com vista a possibilitar a progressão da carreira dos funcionários da requerida, uma vez que, por motivos de inactividade provocada pela pandemia COVID-19, não fora possível fazer a avaliação dos trabalhadores em dois anos seguidos, pelo que tinha-se chegado a acordo com o STAL (sindicato) que se aplicaria 3 pontos a todos os trabalhadores da requerida, sem excepção e em substituição da avaliação.
21.O actual Conselho de Administração da requerida considerou ser ilegal a aplicação pela requerente das progressões resultantes no Acordo referido no ponto 18 por este nunca ter sido aprovado em reunião do Conselho de Administração, por não ter sido publicado em BTE e por nunca ter tomado conhecimento da existência de tal documento.
22.A requerente incluiu nas tabelas de apoio ao orçamento as alterações de vencimento resultantes da aplicação do Acordo referido em 18.
23.A aplicação de 3 pontos fez com que pelo menos 11 trabalhadores progredissem de escalão em Janeiro de 2022, o mesmo sucedendo com a requerente.
24.Tais progressões e actualizações nas remunerações dos trabalhadores foram apresentados individualmente nas tabelas elaboradas pela requerente, que serviram de base ao cabimento orçamental das despesas com os vencimentos, aprovado no Orçamento para 2022, sem que, então, tivessem sido levantadas dúvidas pelo Conselho de Administração da requerida, pelo contabilista ou pelo ROC.
25.Compete ao Presidente do Conselho de Administração da requerida ordenar os pagamentos dos vencimentos.
26.Não foi a requerente quem ordenou tais pagamentos, os quais foram realizados até Abril de 2022 sem que se suscitassem questões.
27.Quando a requerente entrou em baixa médica foram levantadas dúvidas pela funcionária DD a respeito de mudanças de escalão ocorridas em Janeiro de 2022, dúvidas que colocou por escrito em 18/05/2022.
28.Previamente à decisão de despedimento, a requerida não diligenciou pela obtenção de parecer da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego).
29.Em 29/12/2022 a requerente dirigiu ao actual Presidente do Conselho de Administração da requerida, EE, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor: «Venho por este meio requerer a V. Exa. a dispensa para amamentação do meu filho, nascido em 12/08/2022, consignada no n.º 1 do art.º 47 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, no horário das 09H00 às 10H00 e das 16H30 às 17H30», obtendo a seguinte resposta do Presidente do Conselho de Administração, pela mesma via e em 03/01/2023: «De acordo com o definido legalmente, informo que foi aprovado o seu requerimento infra.».
30.À data de 22/06/2023 a requerente permanecia a amamentar o seu filho.
31.Na sequência da comunicação referida em 27, a requerida determinou a realização de uma auditoria, no sentido de apurar a legalidade de um conjunto de progressões ocorridas nos últimos anos, de que a requerente também beneficiou, cujo resultado consta a fls. 3 e 4 do processo disciplinar que se dão por reproduzidas.
32.Mais tarde, verificou-se que outros funcionários, para além da requerente, também haviam progredido em Janeiro de 2022.
33.Presidente do Conselho de Administração da requerida autorizou os pagamentos de vencimentos, cujos valores constavam dos lotes introduzidos e pré-preenchidos pela requerente.
34.O Acordo referido em 18 não foi localizado nos arquivos da requerida.
35.O Acordo referido em 18 não foi aprovado em reunião do Conselho de Administração da requerida nem formalizado em acta.
36.Não consta que o Acordo referido em 18 tenha sido objecto de depósito no Ministério do Trabalho e/ou publicado no BTE.
37.Em Março de 2022 foi iniciado processo disciplinar contra a funcionária MV.
38.A trabalhadora CC  foi despedida em Agosto de 2022, após as férias.
39.O cadastro dos trabalhadores e os processos disciplinares constavam do arquivo da empresa, num armário cuja chave a requerente tinha entregue na requerida, aquando da sua baixa.»
Estes os factos a atender para a decisão jurídica, uma vez que não foi impugnada a decisão de facto.
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4. Fundamentação de direito
4.1.O presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento foi instaurado pela trabalhadora ora recorrida com vista a ver paralisados os efeitos do despedimento de que foi alvo pela empregadora, ora recorrente, por decisão datada de 7 de Junho de 2023.
A suspensão judicial do despedimento é uma providência cautelar que participa das características próprias deste tipo de medidas: visa proteger a aparência do direito invocado (fumus boni juris); tem como razão determinante evitar, ao menos provisoriamente, os efeitos da mudança operada com o despedimento, fim que a acção principal não é adequada a preservar por ser mais lenta (periculum in mora); é célere, bastando-se por isso com uma averiguação sumária (summaria cognitio) e é instrumental ou dependente da acção principal, neste caso da acção de impugnação de despedimento[1].
Em termos substantivos, preceitua o artigo 386.º do Código do Trabalho de 2009 que o trabalhador “pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho”.
O artigo 39.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho prescreve que “[a] suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade; b) Pela provável inexistência de justa causa; ou c) Nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.”.
Estando em causa o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, o artigo 63.º do Código do Trabalho estabelece um regime próprio, fazendo depender a validade do despedimento de um procedimento específico a implementar junto da entidade administrativa competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego - CITE), ao dispor que “[o] despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador no gozo de licença parental carece de parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres” (n.º 1).
A inobservância deste procedimento acarreta a ilicitude do despedimento, conforme estatui o artigo 381.º, alínea d), do Código do Trabalho.
Além disso, o artigo 63.º do Código do Trabalho consagra um regime próprio também para o procedimento cautelar de suspensão de despedimento ao estabelecer que “[a] suspensão judicial do despedimento só não é decretada se o parecer for favorável ao despedimento e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação da justa causa” (n.º 7).
Conjugando esta norma, com a emergente do n.º 2 do mesmo artigo 63.º - segundo a qual “[o] despedimento por facto imputável a trabalhador que se encontre em qualquer das situações referidas no número anterior presume-se feito sem justa causa” – verificamos que na providência cautelar de suspensão de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, ao invés do que sucede no regime jurídico geral da suspensão de despedimento, não recai sobre a trabalhadora o ónus que emerge do artigo 39.º, n.º 1, do Código do Trabalho de convencer o tribunal da “probabilidade séria” da ilicitude do despedimento[2].
Ou seja, tratando-se de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante com invocação de justa causa subjectiva, o empregador tem o ónus de demonstrar, na providência cautelar de suspensão de despedimento: (i) que tem justa causa para despedir a trabalhadora e (ii) que dispõe de um parecer favorável da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE).
A suspensão judicial do despedimento só não é decretada se o parecer da CITE for favorável ao despedimento e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação da justa causa (n.º 7, do citado artigo 63.º).
Esta especial protecção ao nível da codificação laboral constitui a resposta ao princípio constitucional da protecção da maternidade e da paternidade consagrado no artigo 68.º da CRP, no qual se estabelece que “[a] maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” (n.º 2) que “[a]s mulheres têm direito a especial proteção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias” (n.º 3) e que “[a] lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar”(n.º3),mas também ao princípio constitucional da igualdade e consequente proibição de práticas discriminatórias consagrado no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 da CRP.
Ao nível do direito da União Europeia, cabe atender à Directiva n.º 92/85/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho e estabelece, além do mais, a necessidade de os Estados garantirem a proibição de despedimento durante o período compreendido entre o início da gravidez e o termo da licença de maternidade, salvo casos não relacionados com o estado de gravidez, bem como à Directiva n.º 2006/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional (reformulada), cujo artigo 14.º, n.º 1, estabelece que não haverá qualquer discriminação directa ou indirecta em razão do sexo, nos sectores público e privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito, tal como se afirma na sua alínea c) “[à]s condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento…”[3].
Ambas as Directivas foram transpostas para o nosso ordenamento jurídico pelo artigo 2.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou a revisão do Código do Trabalho actualmente em vigor.
4.2.Tendo presente este quadro normativo legal, constitucional e europeu, a tarefa que se nos impõe, face aos termos da sentença e da apelação consiste, pois, em aferir se, perante os factos indiciariamente apurados nos autos, a decisão da 1.ª instância julgou, ou não, acertadamente ao concluir que a requerente beneficia do regime de protecção de parentalidade, em concreto, do regime especial de protecção em caso de despedimento, consagrado no art.º 63º do Código do Trabalho para a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou trabalhador no gozo de licença parental e ao concluir que, por a recorrente não se ter munido, antes de proceder ao despedimento, de parecer prévio da CITE, tal acarreta a ilicitude do despedimento nos termos do disposto no artigo 381.º, alínea d), do Código do Trabalho e justifica a sua suspensão cautelar.
Invoca a recorrente que a trabalhadora não beneficiava do regime especial previsto no artigo 63.º do Código do Trabalho por não lhe ter comunicado, por escrito, que amamentava o filho, juntando o necessário e obrigatório atestado médico, e que não cumpre tais requisitos o e-mail por ela remetido no dia 29 de Dezembro de 2022 com vista à dispensa diária prevista no art, 47.º, n.º 1 do CT.
Alega, também, que à data dos factos imputados à trabalhadora na nota de culpa (Janeiro de 2022) a recorrida não se encontrava em nenhuma das situações previstas no artigo 63.º, n.º 1, do Código do Trabalho, concluindo que o despedimento da ora recorrida não tinha que ser precedido de parecer prévio da CITE.
Vejamos.
4.2.1.Nos termos do preceituado no artigo 36.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que a recorrente invoca e que estabelece os conceitos no âmbito do regime de protecção da parentalidade, entende-se por:
a) Trabalhadora grávida, a trabalhadora em estado de gestação que informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico;
b) Trabalhadora puérpera, a trabalhadora parturiente e durante um período de 120 dias subsequentes ao parto que informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico ou certidão de nascimento do filho;
c) Trabalhadora lactante, a trabalhadora que amamenta o filho e informe o empregador do seu estado, por escrito, com apresentação de atestado médico.”
E de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito “[o] regime de protecção da parentalidade é ainda aplicável desde que o empregador tenha conhecimento da situação ou do facto relevante”.
A sentença sob recurso, a este propósito, emitiu as seguintes considerações:
“Resulta dos factos provados que a requerente foi mãe em Agosto de 2022, na sequência do que gozou licença parental, só regressando ao serviço em 09/01/2023 (facto provado 7). Em 29/12/2022 remeteu uma comunicação ao Presidente do Conselho de Administração da requerida a pedir que lhe fosse concedida dispensa diária para amamentação em dois períodos do dia, com invocação do disposto no art.º 47º do Código do Trabalho, pretensão que mereceu aprovação por parte do destinatário (facto provado 29). Mais se provou que à data de 22/06/2023 a requerente permanecia a amamentar o seu filho (facto provado 30). Por fim, provou-se que o despedimento promovido pela requerida foi comunicado à trabalhadora em 19/06/2023 (facto provado 12) e que a empregadora não diligenciou pela obtenção de parecer da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) previamente à decisão de despedimento (facto provado 28).
(…)
A requerente, que em 22/06/2023 permanecia a amamentar o filho, pretendendo fazer uso do direito consagrado no art.º 47º, n.ºs 1 e 3, do Código do Trabalho, mais de 10 dias antes da data em que se apresentou ao serviço dirigiu à empregadora comunicação escrita solicitando a atribuição de dispensas diárias para amamentação, dando cumprimento ao disposto no art.º 48º, n.º 1. Tal comunicação, que mereceu aprovação por parte do Presidente do Conselho de Administração da requerida, determinou que esta tomasse conhecimento da situação de lactante da requerente.
Alega a requerida que a comunicação de 29/12/2022 não prova a qualidade de lactante da requerente, porque não se faz sequer acompanhar de atestado médico comprovativo do estado invocado, em conformidade com o exigido no artigo 36º, nº 1, alínea c), do Código do Trabalho, e apenas em data posterior à do despedimento foi emitido o atestado médico junto aos autos com o requerimento inicial.
Tal argumentação não colhe pois, como se viu, de acordo com o n.º 2 do art.º 36º do Código do Trabalho, acima citado, a trabalhadora beneficia do regime especial de protecção da parentalidade desde que o empregador tenha conhecimento da situação ou do facto relevante. Muito embora seja verdade que o único atestado médico junto aos autos é datado de 22/06/2023, data posterior à do despedimento, e se desconheça se a empregadora em algum momento pediu à trabalhadora atestado que comprovasse que se encontrava a amamentar o seu filho – inferindo-se que não o terá feito, face ao teor da aprovação da vertida na mensagem de 03/01/2023 - e se esta o apresentou ou não, certo é que a circunstância de a requerente se encontrar a amamentar o filho passou a ser do conhecimento da empregadora no momento em que a requerente solicitou a dispensa para amamentação.
Como à data do despedimento permanecia nessa situação, sem que tenha sido alegado ou provado que a dispensa para amamentação concedida pela requerida sofrera, entretanto, qualquer alteração que levasse a empregadora a concluir que a trabalhadora já não se encontrava a amamentar o seu filho, importa concluir que a aqui requerente beneficia do regime de protecção de parentalidade, em concreto, do regime especial de protecção em caso de despedimento, consagrado no art.º 63º do Código do Trabalho.”
É patente o acerto deste juízo.
Com efeito, independentemente do objectivo da remessa ao empregador do e-mail de 29 de Dezembro de 2022 – visava a trabalhadora a dispensa do trabalho para amamentação consignada no art, 47.º, n.º 1 do Código do Trabalho (ou seja, dispensa “durante o tempo que durar a amamentação”) e não especificamente que o empregador pedisse um parecer à CITE antes de proceder ao seu despedimento, hipótese que, então, não lhe era exigível que previsse   – é manifesto que o empregador ficou então ciente de que a A. amamentava o filho.
Nada impõe que, para relevar o “conhecimento” do empregador da situação de facto, nos termos do n.º 2, do artigo 36.º, a trabalhadora tenha um qualquer ónus de comprovar o seu estado através de um atestado médico, ou que a informação que dê se dirija ao específico aspecto do regime de protecção da parentalidade que está em causa. Ao invés, a aposição do n.º 2 ao preceito, com a extensão do regime da protecção da parentalidade nele prevista – o regime é “ainda aplicável” – aos casos em que o empregador “tenha conhecimento da situação ou do facto relevante”, denota que o legislador previu uma hipótese autónoma de aplicabilidade do regime da protecção da parentalidade, hipótese que funciona independentemente da verificação dos requisitos formais previstos nas diversas alíneas do antecedente n.º 1 e, também, independentemente do meio através do qual o empregador ficou ciente do estado da trabalhadora[4].
Tendo ficado provado que “[e]m 29/12/2022 a requerente dirigiu ao actual Presidente do Conselho de Administração da requerida, EE, mensagem de correio electrónico com o seguinte teor: «Venho por este meio requerer a V. Exa. a dispensa para amamentação do meu filho, nascido em 12/08/2022, consignada no n.º 1 do art.º 47 da Lei n.º 7/2009 de 12 de Fevereiro, no horário das 09H00 às 10H00 e das 16H30 às 17H30», obtendo a seguinte resposta do Presidente do Conselho de Administração, pela mesma via e em 03/01/2023: «De acordo com o definido legalmente, informo que foi aprovado o seu requerimento infra», fica a nosso ver claro que a R., ora recorrente, não só tomou conhecimento de que a trabalhadora amamenta o filho, como ainda que aceitou a informação prestada como verdadeira e considerou a recorrida como “trabalhadora lactante”, aprovando o requerimento pela mesma formulado cujo deferimento tinha como pressuposto que a trabalhadora se encontrasse numa situação de facto susceptível de se subsumir a tal conceito.
4.2.2.A questão que se coloca consiste em saber se, no âmbito do procedimento disciplinar instaurado com vista ao despedimento da recorrida, se impunha à recorrente, por força dessa situação da trabalhadora, diligenciar pela obtenção do parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
O que pressupõe se afira qual o momento em que deve verificar-se a situação de facto – e o inerente conhecimento pelo empregador – que justifica a aplicação do regime jurídico de protecção da parentalidade.
Recordemos a sequência cronológica dos factos que emergem destes autos:
  • Janeiro de 2022 – comportamento imputado na nota de culpa (fls. 39 e ss.)
  • 5 de Maio de 2022 – baixa por gravidez de risco clínico (facto 6. e fls. 46 verso)
  • 29 de Junho de 2022 – deliberação do Conselho de Administração da R.  no sentido da instauração de um inquérito para apurar eventuais responsabilidades disciplinares (facto 11.)
  • 12 de Agosto de 2022 – nascimento do filho da trabalhadora (facto 7. e fls. 48)
  • 18 de Novembro de 2022 – deliberação do Conselho de Administração da R. no sentido da instauração do procedimento disciplinar (facto 12.)
  • 29 de Dezembro de 2022 – comunicação da trabalhadora de que amamentava o filho, (facto 29.)
  • 3 de Janeiro de 2023 – aceitação pelo Conselho de Administração da R. (facto 29.)
  • 9 de Janeiro de 2023 – regresso ao trabalho após licença parental inicial (facto 7.)
  • 11 de Janeiro de 2023 – data da nota de culpa remetida à trabalhadora (fls. 39 e ss. e facto 14.)
  • 7 de Junho de 2023 – data da decisão de despedimento remetida à trabalhadora (e facto 12.)
  • 19 de Junho de 2023 – data da comunicação à trabalhadora da decisão de despedimento (facto 12.)
  • 22 de Junho de 2023 – a trabalhadora continuava a amamentar o filho (facto 30.)
Cremos não relevar para estes efeitos que os factos imputados à trabalhadora se tenham verificado em Janeiro de 2022, quando a recorrida não se encontrava nas situações previstas no artigo 36.º do Código do Trabalho, pois só em Maio desse ano comunicou que se encontrava grávida.
Na verdade, o que se pretende acautelar com o procedimento específico gizado na lei é a situação de maior vulnerabilidade em que se encontram as trabalhadoras na situação de gravidez, puerpério ou lactância, bem como a eventual possibilidade de o empregador proceder ao seu despedimento, não por força da existência de justa causa para o efeito, mas porque não pretende manter ao seu serviço uma trabalhadora que se encontre nessas situações, assim materializando um despedimento com base discriminatória.
Como refere Pedro Ferreira de Sousa, a especial protecção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes estabelecida na lei, insere-se num regime mais alargado de tutela das referidas trabalhadoras e “assenta na ideia de que as trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes se encontram especialmente sujeitas à arbitrariedade ou discriminação da entidade empregadora, considerando, designadamente, que, durante um certo período de tempo, as mesmas poderão estar afastadas da empresa ou, pelo menos, apresentar menor disponibilidade para o exercício das suas funções[5].
O que está em consonância com os princípios emergentes dos artigos 13.º e 68.º  da Constituição da República Portuguesa e com as regras europeias consagradas nas Directivas n.º 92/85/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro e n.º 2006/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho.
Bem como com o artigo 35.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, aditado pela Lei n.º 90/2019, de 04 de Setembro, segundo o qual “[é] proibida qualquer forma de discriminação em função do exercício pelos trabalhadores dos seus direitos de maternidade e paternidade”.
A sujeição do procedimento disciplinar que antecede o despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes ao procedimento específico previsto no artigo 63.º, n.º 1, do Código do Trabalho visa justamente aquilatar, através de um parecer emanado de uma entidade administrativa, se existe discriminação das trabalhadoras que se encontrem naquelas situações na extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador[6].
Assim, pretendendo a lei acautelar a existência de um acto negocial extintivo do empregador com esta motivação discriminatória, mais do que a data da prática do comportamento da trabalhadora que o empregador invoca para fundar o despedimento, releva a data em que o empregador adopta as atitudes relacionadas com a respectiva censura disciplinar – e, portanto, aptas a levar à exclusão da trabalhadora da sua organização através de um despedimento com invocação de justa causa –, ou seja, e no caso em análise, as datas da instauração do inquérito prévio, da decisão de instauração do procedimento disciplinar, da nota de culpa e sua remessa, e da prossecução do procedimento disciplinar até culminar com o despedimento da trabalhadora.  Cremos aliás que, em abstracto, a atitude discriminatória pode ser evidenciada pela circunstância de o empregador invocar, no procedimento disciplinar instaurado a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, comportamentos anteriores à gravidez da trabalhadora que até então não considerou justificarem o respectivo despedimento. Esta atitude do empregador constitui um índice de que é a nova situação da trabalhadora que verdadeiramente o motiva a, após conhecer o especial estado da trabalhadora, exercer o seu poder disciplinar quanto a factos praticados quando a trabalhadora não se encontrava nesses estados e que, anteriormente, não suscitaram qualquer reacção disciplinar.
4.2.3.Regressando ao caso vertente, constata-se que, à data da instauração do inquérito prévio (Junho de 2022), a recorrente tinha necessariamente conhecimento de que a recorrida estava em estado de gestação, devendo qualificar-se como “grávida”, pois que a mesma havia entrado de baixa por gravidez de risco clínico  desde 5 de Maio de 2022, apenas vindo o seu filho a nascer no dia 12 de Agosto seguinte [cfr. o artigo 36.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CT].
Por outro lado, à data em que a recorrente decidiu instaurar o procedimento disciplinar (18 de Novembro de 2022), a recorrida ainda se encontrava no período de 120 dias subsequentes ao parto em que deve qualificar-se como “puérpera”, em pleno gozo de licença parental inicial, pois apenas regressou ao trabalho em 9 de Janeiro de 2023, após terminada a licença, como se provou, o que necessariamente era do conhecimento da recorrente sua empregadora [cfr. o artigo 36.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CT].  
Por outro lado ainda, à data em que foi lavrada a nota de culpa remetida à trabalhadora (11 de Janeiro de 2023), esta amamentava o seu filho devendo por isso ser considerada “lactante”, o que era também do conhecimento da recorrente pois que a recorrida lho havia comunicado anteriormente (em 29 de Dezembro de 2022) para beneficiar de dispensa para amamentação, aceitando a recorrente como boa essa informação em 3 de Janeiro de 2023 e dela ficando ciente [cfr. o artigo 36.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CT]. Tendo em consideração que, para efeitos de dispensa para amamentação é suficiente a comunicação da trabalhadora de que amamenta, apenas se tornando necessária a apresentação de atestado médico “se a dispensa se prolonga para além do primeiro ano de vida do filho”, nos termos prescritos no artigo 48.º, n.º 1 do Código do Trabalho, como bem observa a recorrida nas suas contra-alegações, é manifesto que antes de decorrido esse período de um ano (ou seja, até 12 de Agosto de 2023) nada mais se impunha à trabalhadora para além daquela comunicação, que foi aceite, para que a empregadora deva considerar a mesma em situação de “lactante[7].
Assim, e finalmente, conclui-se que após 3 de Janeiro de 2023 e durante toda a prossecução do procedimento disciplinar até culminar com a comunicação à trabalhadora da decisão de despedimento (19 de Junho de 2023), a recorrente tinha conhecimento da especial situação de “lactante” da trabalhadora nele visada nos termos prescritos no n.º 2, do artigo 36.º do Código do Trabalho, e, por isso, se lhe impunha a observância do especial procedimento previsto na lei se pretendia proceder ao despedimento por facto imputável à trabalhadora, devendo solicitar à entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres o parecer prévio previsto no artigo 63.º, n.º 1, do Código do Trabalho, depois das diligências probatórias referidas no n.º 1 do artigo 356.º, do mesmo diploma legal.
Nos termos do preceituado no artigo 63.º, n.º 5 do Código do Trabalho, “[c]abe ao empregador provar que solicitou o parecer a que se refere o n.º 1”.
No caso sub judice, a recorrente não demonstrou ter solicitado o parecer da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) no momento previsto na lei para o efeito, tendo-se provado, ao invés, que não diligenciou pela sua obtenção previamente à decisão de despedimento (facto 28.).
Razão por que, nos termos do preceituado no artigo 381.º, alínea d), do Código do Trabalho, cabe reputar nesta sede cautelar como ilícito o despedimento da recorrida. 
Não nos merece censura a decisão da 1.ª instância que decretou a suspensão de despedimento, devendo a mesma ser mantida.
4.3.Porque ficou vencida no recurso que interpôs, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Mostrando-se paga a taxa de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
                                                                                                               *
5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.



Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024



(Maria José Costa Pinto)
(Celina Nóbrega)
(Francisca Mendes)



[1]Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 257.
[2]À luz do artigo 39.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o juízo cautelar sobre a ilicitude do despedimento tem que ser de “probabilidade séria”, pelo que “[n]a dúvida, o tribunal não deve decretar a providência”, como afirmava Albino Mendes Baptista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, reimpressão, Coimbra, 2010, p. 136, e no Código de Processo do Trabalho Anotado, 2.ª edição, revista e actualizada, Lisboa, 2002, p. 106, ainda que à luz da lei anterior. Vide também, referindo-se à especificidade do despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição revista e actualizada, Principia, 2017, pp. 468-469.
[3]O Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2018, processo C-103/16, decidiu que a correta transposição do artigo 10.º da Diretiva 92/85/CEE impõe uma “tutela preventiva” das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, não se bastando com uma tutela reparadora, mesmo que esta última conduza à reintegração da trabalhadora despedida e ao pagamento dos salários não recebidos em virtude do despedimento.
[4]Sobre o assunto vide o Acórdão da Relação de Évora de 2019.09.12, processo n.º 3199/18.6T8PTM.E1, in www.dgsi.pt. Vide ainda Guilherme Dray in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 201. De notar que o Acórdão da Relação do Porto de 2011.09.12, processo n.º 963/08.8TTPRT.P1, in www.dgsi.pt, invocado pela recorrente não constitui agasalho para a sua tese, na medida em que foi proferido à luz do Código do Trabalho de 2003 e em presença do respectivo artigo 34.º, que definia os conceitos de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante e não dispunha de norma similar ao actual n.º 2, do artigo 36.º, do Código do Trabalho de 2009.
[5]In O Procedimento Disciplinar Laboral, 3ª edição, p. 247.
[6]Vide Manuela Bento Fialho, “Despedimento de trabalhadoras grávidas puérperas ou lactantes” - in Prontuário de Direito do Trabalho, 2022-II, pp. 283 e ss.
[7]Deve notar-se que a jurisprudência tem considerado que a obrigação de remeter o processo disciplinar à CITE para parecer prévio, sob pena de ilicitude do despedimento, se mantém mesmo que no decurso do processo disciplinar a trabalhadora deixe de ser trabalhadora/lactante. Assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Maio de 2020, Processo 987/18.7T8AGH.L1-4, in www.dgsi.pt, decidiu ser ilícito o despedimento de trabalhadora que, à data de instauração do procedimento disciplinar e depois dela, está a amamentar, ainda que quando seja proferia nota de culpa já não haja prova de que o esteja. No caso presente não chega a verificar-se esta situação não só porque os efeitos da comunicação de 29 de Dezembro de 2022 perdurariam até 12 de Agosto de 2023, após findo o procedimento, como ainda porque ficou provado que a situação de lactante efectivamente se mantinha após o despedimento (facto 30.). Também no sentido de que a obrigação de remeter o processo disciplinar à CITE se mantém ainda que no decurso do processo disciplinar a trabalhadora deixe de ser trabalhadora lactante, vide a Decisão Sumária da Relação do Porto de 17 de Julho de 2019, Processo 4188/18.6T8VFR-C.P1, no mesmo sítio (permitimo-nos discordar desta decisão tão só no segmento em que a mesma afirma que “o que releva, para efeitos do cumprimento do disposto na al. a) do nº3 do artigo 63º do CT, é o facto de os “factos imputados” à trabalhadora, fundamento do despedimento, terem ocorrido no período em que a trabalhadora era uma trabalhadora lactante”, como resulta do supra exposto).