Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
501/20.4TELSB.L1-5
Relator: ANA CLÁUDIA NOGUEIRA
Descritores: NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
DEBATE INSTRUTÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. Atento o disposto no art.º 113º/10, 1.ª parte do Código de Processo Penal, em matéria de notificações ao arguido encontra-se estabelecida a regra geral de que podem ser feitas apenas na pessoa do seu defensor, sendo facultativa a dupla notificação, ao arguido e ao seu defensor em todos os casos não ressalvados na segunda parte do preceito.
II. Essa ressalva respeita às notificações de decisões e atos que, pelo impacto e relevância nos direitos processuais do arguido, na garantia de acesso a um processo justo e equitativo, seja no exercício do contraditório, seja na impugnação ou recurso das decisões que pessoalmente o afetam, deverão ser dados a conhecer ao próprio, pressupondo em qualquer caso a notificação do advogado que o representa.
III. O despacho que designa o debate instrutório, não se encontrando contemplado nessa ressalva, nem contendendo diretamente com esses direitos e garantias processuais, pode ser notificado apenas na pessoa do seu defensor.
IV. Desta interpretação do nº 10 do art.º 113º do Código de Processo Penal não resulta posto em causa o acesso ao Direito por parte do arguido nem o direito a um processo equitativo, consagrados no art.º 20º/1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, posto que, por um lado, a notificação é efetuada na pessoa do Advogado que o representa em Juízo, a quem incumbe transmitir-lhe o seu conteúdo; por outro lado, atenta a concreta finalidade do debate fixada no art.º 298º do Código de Processo Penal, de discussão da verificação dos indícios reunidos no inquérito e na instrução, e do Direito, podendo sempre o arguido, em julgamento, contraditar plenamente toda a prova, não podem aqui divisar-se com a mesma intensidade os interesses subjacentes à exigência de notificação pessoal da data designada para o julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Vem o presente recurso interposto pelo arguido AA do despacho proferido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal inserido na decisão instrutória de pronúncia, pelo qual considerou inexistir nulidade por falta de notificação do mesmo para comparência no debate instrutório, nos termos do art.º 120º/2, b) do Código de Processo Penal.
A instrução decorreu a requerimento do arguido recorrente que foi então pronunciado exatamente nos mesmos termos em que vinha acusado, para julgamento por Tribunal Coletivo pela prática, em coautoria material e em concurso efetivo de 9 (nove) crimes de burla informática e nas comunicações qualificada previsto e punido pelo art.º 221º/1, 5, a), do Código Penal; 1 (um) crime de burla informática e nas comunicações qualificada previsto e punido pelo art.º 221º/1, 5,b), do Código Penal; 43 (quarenta e três) crimes de burla informática e nas comunicações, previstos e punidos pelo art.º 221º/1, do Código Penal; 53 (cinquenta e três) crimes de falsidade informática, previsto e punido pelo art.º 3º/1, 2 e 3, da L. 109/2009, de 15/09; 1 (um) crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo art.º 368-A/1, c), 2 e 3 do Código Penal; 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punido nos termos do art.º 299º/1, 3 e 5, do Código Penal.
2. O arguido recorrente alega que arguiu atempadamente a nulidade junto do Tribunal recorrido e que ao não ser atendido foi violado o seu direito de acesso à justiça, constitucionalmente protegido nos termos do art.º 20º/1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente arguiu. Peticiona a revogação do despacho recorrido, que indeferiu o adiamento do debate instrutório, e que se declarem nulos o debate e a decisão instrutória, designando-se nova data para a realização do debate instrutório, desta feita devidamente notificada aos arguidos, mormente ao aqui recorrente; formula, para tanto, as seguintes conclusões [transcrição]:
«(…)
I- OBJETO DO RECURSO: Despacho proferido no dia de 14 de junho de 2023, com a Ref. nº 8433639 que pronunciou o arguido, na parte em que indeferiu a nulidade arguida pelo Recorrente quanto à obrigatoriedade legal de notificação do arguido, requerente da instrução, para o debate instrutório e decisão instrutória - o que não se verificou no caso em concreto.
II- O ora recorrente requereu a abertura de Instrução no dia 6 de dezembro de 2022, por não se conformar com a acusação pública deduzida contra o recorrente.
III- Acontece que o arguido, ora recorrente, não foi notificado para estar presente no debate instrutório, não tendo prescindido do seu direito em estar presente.
IV- O arguido veio antecipadamente informar os autos de que não tinha sido notificado, que não prescinde do seu direito em estar presente e que até era sua intenção prestar declarações em sede de instrução.
V- Nenhum despacho foi proferido em data anterior, tendo sido proferido o despacho recorrido apenas no próprio dia do debate instrutório em acta.
VI- Entende o recorrente que tal omissão - não notificação do arguido requerente da instrução para o debate instrutório - constitui uma nulidade nos termos do artigo 120º, nº 2, b), do CPP - nulidade que foi arguida atempadamente nos presentes autos perante o Tribunal recorrido.
VII- Nos termos do artigo 61º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, os arguidos gozam do direito de estarem presentes em todos os atos processuais que directamente lhe digam respeito, sendo o Debate Instrutório um desses atos processuais.
VIII- Nos termos do artigo 289º conclui-se que só o debate instrutório ou o interrogatório do arguido sempre que este o solicitar (nº2. parte final do artº292º do CPP) são obrigatórios na fase de instrução, constituindo a sua omissão a nulidade a que se refere a al. d) do nº 1 do artº120º do CPP, sendo que só a omissão de diligências impostas por lei integram nulidade.
IX- Esta situação, coloca o Recorrente num contexto de impossibilidade de aceder à Justiça e ao Direito, nos termos do artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição, sobretudo ao frustrar-se a oportunidade deste participar no referido debate instrutório, no qual era sua intenção prestar declarações, como foi dado conhecimento atempado ao Tribunal - Inconstitucionalidade que aqui se argui para todos os efeitos legais.
X- Segundo o que dispõe o nº 9 do artigo 113º do mesmo diploma legal, «as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado», regra que, quanto a determinados actos, entre os quais se não inclui o debate instrutório, é ressalvada pela segunda parte dessa disposição, Cfr. TRL, no Proc. nº 4113/2003-3.
XI- Pelo exposto, não se pode ter por notificado o recorrente da data do Debate Instrutório na pessoa da sua mandatária.
XII- Assim, a ausência do recorrente no debate instrutório, por falta de notificação, constitui a nulidade prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal, a qual foi, tempestivamente arguida.
XIII- Por isso, não se pode deixar de revogar o despacho que indeferiu o adiamento do Debate Instrutório e declarando nulos o debate e a decisão instrutória, designando-se nova data - desta vez devidamente notificada aos arguidos, mormente ao requerente da instrução o ora recorrente, para a realização do debate instrutório, o que desde já se requer.
NORMAS VIOLADAS:
- art.º 61º, nº 1, al. a) do C.P.P.
- art.º 297º, nº 3 do C.P.P.
- art.º 20º, nºs 1 e 4, da C.R.P.;
- art.º 120º, nº 2, b), do C.P.P.
- art.º 113º, nº 9 do C.P.P.
(…)».
3. O recurso não foi admitido inicialmente admitido, mas veio a sê-lo na sequência do deferimento de reclamação apresentada junto da Senhora Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa; foi então proferido despacho que determinou a sua subida nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo, ressalvando-se que o recurso vai interposto da decisão instrutória que pronunciou os arguidos nos exatos termos da acusação e que não foi interposto recurso do despacho de abertura de instrução, no qual foi decidido o modo e fundamento para a notificação dos arguidos.
4. Notificado o Ministério Público do mesmo, veio em resposta pugnar pela confirmação da decisão recorrida, argumentando nos seguintes termos [transcrição parcial]:
«(…)
Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho de abertura de instrução, já transitado em julgado, foi designada data para a realização do debate instrutório e determinada a notificação dos arguidos e assistentes na pessoa dos seus Advogados, em conformidade com o disposto no art.º 113º nº10 do C.P.Penal.
Estabelece tal preceito legal que: «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução de pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar».
Assim, extrai-se de tal dispositivo legal, e segundo a melhor interpretação, que as notificações, em regra geral, são feitas na pessoa do defensor ou advogado do arguido, sendo porém obrigatória tal notificação, também, ao defensor ou advogado nos casos previstos na segunda parte do citado normativo, por estarem em causa situações que contendem mais directamente e com acuidade com direitos fundamentais do arguido (vd. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 28-10-2021, Proc. 69/19.4PBMAI-A.P1).
As notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença devem ser feitas ao próprio arguido, além de o serem também ao seu defensor constituído ou nomeado, por forma a assegurar-lhe o pleno direito de defesa e ao contraditório, nos termos dos art.º 113º nº10 do C.P.Penal e 32º nºs 1 e 5 da C.R.P. (vd. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-5-2023, Proc. 7/18.1GAOBR-A.P1).
Conclui-se, assim, tal como o entendeu o Tribunal «a quo» que a notificação para a realização do debate instrutório deve ser notificada ao arguido na pessoa do seu defensor nomeado ou constituído, pois que tal acto não se encontra abrangido na segunda parte do citado nº 10 do art.º 113º do C.P.Penal.
A este propósito, cumpre citar o Ac. do S.T.J. de 30-3-2023, no Proc. 42/21.2YGLSB.S1:
«A regra geral do art.º 113ºnº10 é a de que as notificações do assistente, do arguido e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado e só a notificação dos actos processuais ali previstos - designadamente a decisão instrutória -, deve ser feita, cumulativamente, àqueles sujeitos processuais e ao seu advogado ou defensor (no caso do arguido)».
Verifica-se, assim, que a notificação da data para a realização do debate instrutório não é obrigatoriamente notificada ao arguido, desde logo, porque o objecto de tal diligência tem natureza essencialmente técnica, não apontando para a necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte do arguido, que sempre se encontra representado pelo seu defensor (art.º 298º do C.P.Penal).
Por outro lado, sempre se dirá que, nada indicando que se verifique qualquer afrouxamento ou impedimento na ligação entre o arguido e o seu advogado, que pudesse levar a quebra normal e previsível das vias de comunicação entre ambos, é de supor que a notificação realizada ao advogado, será por este comunicada ao arguido, permitindo-lhe, querendo, comparecer ao debate instrutório e, requerer, o seu interrogatório, em fase de instrução, em momento anterior ao início do debate instrutório ( art.º 297º nº 1 do C.P.Penal).
Assim, não assiste razão ao arguido, ora recorrente, ao alegar que foi impedido de comparecer na data designada para o debate instrutório e de ser interrogado, porquanto, tendo sido o seu advogado notificado da data do debate instrutório, sempre poderia ter comparecido à diligência em causa e ter assistido à mesma, e inclusivamente, ter sido interrogado, antes de se dar início ao debate instrutório.
Assim, forçoso é concluir não se ter verificado qualquer nulidade processual, por a presença do arguido não ser obrigatória em sede de debate instrutório, nem ser obrigatória a sua notificação pessoal para tal diligência, tendo este sido notificado na pessoa do seu advogado, conforme preceituado no art.º 113º nº10 do C.P.Penal.
Nesta conformidade, e uma vez que o Tribunal fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos nº10 do art.º 113º e nº 3 do art.º 297º, ambos do C.P.Penal, que em nada viola os direitos de defesa do arguido, consagrados constitucionalmente, porquanto este nunca requereu o seu interrogatório até à data em que se encontrava designado o debate instrutório, nem foi impedido de comparecer ao mesmo e, em tal data, ser interrogado, conforme requereu, caso estivesse presente, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo mesmo e confirmada a douta decisão instrutória, na parte em que indeferiu a nulidade por si invocada.
(…)».
5. Subidos os autos a esta Relação, pelo Senhor Procurador Geral Adjunto do Ministério Público foi emitido Parecer mediante o qual subscreveu no essencial a resposta ao recurso apresentada na primeira instância.
6. Cumprido o disposto no art.º 417º/2 do Código de Processo Penal em relação aos arguidos, foi apresentada resposta apenas pelo assistente BB, que acompanhou a posição do Ministério Público, alegando ainda tratar-se o recurso de um expediente dilatório.
7. Realizado o exame preliminar, foi o processo remetido aos vistos e para julgamento em conferência, nos termos do preceituado no art.º 419º/3, c) do Código de Processo Penal.

II- FUNDAMENTAÇÃO
1. QUESTÕES A DECIDIR
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – como sejam a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art.º 410º/2 do Código de Processo Penal, e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do art.º 379º/2 e 410º/3, do mesmo código – é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites de cognição do tribunal superior.
Assim, há uma única questão a decidir:
O arguido recorrente tinha que ter sido pessoalmente notificado da data designada para realização do debate instrutório ou essa notificação podia ter sido, como foi feita apenas na pessoa da sua mandatária?
2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
1. A decisão decorrida
Contrariamente ao suposto pela primeira instância quando do indeferimento inicial do recurso, vem o mesmo interposto, não da decisão instrutória de pronúncia proferida em 14/06/2023, mas do despacho que, inserido nessa decisão, procede ao saneamento relativo a nulidades e questões prévias à apreciação do mérito, indeferindo a nulidade invocada pelo arguido requerente da instrução no próprio dia do debate instrutório; é esse despacho, agora recorrido, do seguinte teor [transcrição]:
«(…)
O arguido AA apresentou um requerimento no sentido de se verificar a nulidade insanável prevista no art.º 119.º, c), do Código de Processo Penal, por não ter sido o mesmo pessoalmente notificado da realização do debate instrutório.
O Ministério Público e os assistentes CC e DD pronunciaram-se no sentido do indeferimento de tal pretensão.
Quanto ao vício invocado mostra-se claro o despacho de abertura da instrução, no sentido de que as notificações de tal despacho, que inclui a designação do debate instrutório, devem ser efectuados aos arguidos e assistentes na pessoa dos seus advogados, nos termos do disposto no art.º 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal (referindo mesmo um aresto especificamente nesse sentido).
Tal disposição legal é clara ao estabelecer a previsão dos despachos que devem ser cumulativamente notificados aos arguidos e assistentes; e ali não se inclui o despacho em causa.
Os arguidos e assistentes têm todos o direito de assistir ao debate instrutório (e às restantes diligências instrutórios, inexistindo qualquer bloqueio nesse sentido).
Bem como nada obstou a que o arguido AA prestasse declarações, apesar de só ter referido essa eventualidade no requerimento apresentado no dia do debate instrutório.
Não tendo arguidos e assistentes outra participação e não estando em causa o julgamento dos mesmos, não se verifica a nulidade invocada ou qualquer outro vício, pelo que indefiro a invocada nulidade.
(…)».
2. Contexto processual
Em 26/05/2023 foi proferido despacho a declarar aberta a instrução a requerimento do arguido aqui recorrente com o seguinte teor:
« (…)
I.
Abertura de instrução.
Por ser admissível, ter sido requerida tempestivamente e por quem para tal tem legitimidade, nos termos do disposto no art.º 286, nº 1, 287, nº 1, al. a), do CPP, declaro aberta a instrução requerida pelo arguido AA.
A instrução irá circunscrever-se à responsabilidade criminal atribuída ao arguido requerente da instrução, considerando que se encontra questionada apenas a sua indiciação, atento o disposto nos art.ºs 286.º, n.º 1, a) e 307.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1/02/2011, proferido no processo n.º 373/08.7GAABF.E1, integral em www.dgsi.pt), sendo a intervenção nesta fase restrita ao mesmo.---
II.
Diligências.
A presente fase processual destina-se à fiscalização da decisão de acusar (art.º 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não constituindo nem um julgamento, nem a continuação da investigação (como seria próprio da intervenção hierárquica prevista no art.º 278.º do Código de Processo Penal).
No inquérito foi desenvolvida toda a actividade de investigação pelo que, em vista da apreciação meramente indiciária a realizar, e tendo em atenção o teor do RAI apresentado (que questiona a suficiências dos indícios quanto ao arguido requerente), entendo não ser necessária a realização de qualquer diligência instrutória, nomeadamente as requeridas (art.º 291.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
III.
Debate Instrutório
Para a realização do Debate Instrutório designo o dia 14 de Junho de 2023, pelas 13H30.---
Notifique, sendo os arguidos e assistentes na pessoa dos seus Advogados, nos termos do disposto no art.º 113.º, n.º 10, do Código de Processo Penal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referente aos autos 42/21.2YGLSB.S1 integral em
(…)».
*
Este despacho foi notificado à Senhora Advogada mandatária do arguido ora recorrente no dia 2 de junho de 2023 (ofício de 30/05/2023, Referência: 8414857).
Veio a mesma nessa sequência em 07/06/2023 requerer o adiamento tendo em conta a sua indisponibilidade por via de impedimento próprio noutra diligência previamente agendada no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, o que foi indeferido por despacho desse mesmo dia.
No dia 14/06/2023 a Senhora mandatária do arguido recorrente deu entrada de requerimento mediante o qual arguiu nulidade insanável nos termos do disposto no art.º 119º/c) do Código de Processo Penal, por não ter sido notificado àquele arguido o despacho que designou a data para a realização do debate instrutório, requerendo o adiamento do debate para datas que indicou (14, 27 e 28 de Setembro de 2023).
O arguido recorrente não compareceu no debate instrutório que se realizou nesse dia 14/06/2023 de tarde, nem a sua mandatária, tendo sido nomeada defensora oficiosa para aí o representar.
3. O Direito aplicável
Nos termos do preceituado no art.º 112º/3, b) do Código de Processo Penal, a convocação para interrogatório ou para declarações ou para participar em debate instrutório ou em audiência reveste a forma de notificação, nela se indicando a finalidade da convocação ou comunicação, por transcrição, cópia ou resumo do despacho ou mandado que a tiver ordenado.
Preceitua o art.º 297º/3 do Código de Processo Penal que «a designação de data para o debate instrutório é notificada ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter lugar.» (negrito nosso).
Segundo o estatuído no art.º 113º/10 do Código de Processo Penal:
«As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.» (negrito nosso).
Aquele primeiro segmento da norma, que fixa a regra de que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor, provém já da redação originária do Código de Processo Penal, aprovada pelo D.L. 78/87, de 17/02, inserindo-se então no nº 5 do art.º 113º; a ressalva que se lhe segue também já existia, embora de âmbito menor, pois que se lhe acrescentaram atos inicialmente não ressalvados, como as notificações respeitantes à notificação para apresentação de contestação e à dedução do pedido de indemnização civil. [1]
Ou seja: em matéria de notificações ao arguido encontra-se estabelecida a regra geral de que podem ser feitas na pessoa do seu defensor; excecionam-se as notificações respeitantes a certas decisões e atos que, pelo impacto e relevância nos direitos processuais do arguido, na garantia de acesso a um processo justo e equitativo, seja no exercício do contraditório, seja na impugnação ou recurso das decisões que pessoalmente o afetam, deverão ser dados a conhecer ao próprio, pressupondo em qualquer caso a notificação do advogado que o representa.[2]
Não é manifestamente o caso da designação do debate instrutório, cujo despacho não se encontrando contemplado nas decisões e atos a notificar na pessoa do arguido, pode ser notificado apenas na pessoa do seu defensor.
Na verdade, importa perceber que, muito embora seja um direito do arguido estar presente no debate instrutório e nele participar, podendo aí contraditar a prova produzida, como decorre do preceituado nos art.ºs 61º/1, a), b), 289º/1 e 301º/2, do mesmo Código, a ausência do arguido no debate não inviabiliza a sua realização.
Assim é que, nos termos do disposto no art.º 300º do Código de Processo Penal, o debate apenas pode ser adiado por uma vez por grave e legítimo impedimento de estar presente – nº 1; pode mesmo o arguido renunciar antecipadamente a esse direito – nº 3 -, sendo o debate realizado em qualquer caso na segunda data que for designada, sendo sempre representado pelo defensor constituído ou nomeado – nº 4.
Insere-se este regime num quadro normativo em que é patente a intenção do legislador de imprimir celeridade à fase de instrução, conforme resulta dos prazos muito curtos estabelecidos, desde logo para a designação do debate – «quando ainda não o tenha feito (…) é fixado para a data a data mais próxima possível», art.º 297º/1 -, no reagendamento do debate adiado – que «não pode exceder em 10 dias a anteriormente fixada», art.º 300º/2 –, nos prazos de duração máxima – 2 ou 4 meses, consoante haja ou não arguidos presos, art.º 306º/1 – e na prolação da decisão instrutória – de imediato, para a ata ou no prazo máximo de 10 dias «quando a complexidade da causa em instrução o aconselhar», art.º 307º/1 e 3, todos do Código de Processo Penal.
Acresce que, muito embora possa haver ainda produção de prova no decurso do debate instrutório, nos termos do art.º 302º/2 e 3, tal como decorre do momento definido no art.º 297º/1 para se designar o debate – 5 dias após a prática do último ato de instrução -, a regra será a de que as diligências de instrução tenham lugar em momento anterior, ficando reservada para o debate a discussão sobre se no decurso do inquérito e da instrução se reuniram indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento, em linha com as finalidades do debate expressamente previstas no art.º 298º, todos do Código de Processo Penal.
Por último, a fase de instrução, sendo facultativa, nela não se repetindo (por regra) a prova já produzida, por escrito, em sede de inquérito - art.ºs 275º e 291º/3, do Código de Processo Penal -, não pode para este efeito equiparar-se à fase de julgamento, em que impera a imediação e a oralidade, e o contraditório tem de ser exercido em toda a sua plenitude por imposição legal e constitucional inscrita, nomeadamente, nos art.ºs 327º/2 do Código de Processo Penal e 32º/5 da Constituição da República Portuguesa.
Daí que a impossibilidade de notificação da acusação ou do despacho de pronúncia não obstem ao prosseguimento do processo para julgamento – art.ºs 285º/5 e 307º/5, do Código de Processo Penal -, mas chegado o mesmo à fase de julgamento, não possa prosseguir sem que o arguido seja notificado, ele próprio, do despacho para apresentação da contestação e do que designa a data para a audiência, e, não sendo tal notificação possível, se despolete o procedimento tendente à declaração de contumácia, com suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido - art.º 335º/1 a 3, do Código de Processo Penal.
Estas, pois, as premissas legais a considerar.
4. O caso em mãos
No caso vertente o arguido foi notificado do despacho que designou a data para realização do debate instrutório na pessoa da sua Defensora, nos termos legalmente previstos no citado art.º 113º/10 do Código de Processo Penal.
É claro que essa notificação poderia ter sido feita também ao próprio arguido, como permitido pela redação do nº 10 do art.º 113º do Código de Processo Penal, parte inicial e o uso aí da expressão verbal «podem», tornando facultativa a dupla notificação, ao arguido e ao seu defensor em todos os casos não ressalvados na segunda parte do preceito. [3]
Todavia, não foi.
De resto, o Tribunal recorrido exarou expressamente no despacho de abertura de instrução e pelo qual designou também a data do debate instrutório, que as notificações dos arguidos e assistentes seriam feitas na pessoa dos seus Advogados, nos termos do disposto no art.º 113º/10, do Código de Processo Penal, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo 42/21.2YGLSB.S1. [4]
Pelo que, sendo essa notificação ao arguido facultativa nos termos da lei e não tendo sido feita, nenhuma consequência se pode extrair dessa omissão, inexistindo, pois, qualquer nulidade, muito menos nulidade insanável, nos termos do art.º 119º/c) do Código de Processo Penal, que o recorrente começou por invocar, tão pouco a nulidade prevista no art.º 120º/2, b) do Código de Processo Penal, que contempla a «ausência por falta de notificação, do assistente e das partes civis, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência», não se reportando, portanto, à ausência por falta de notificação do arguido (negrito nosso).
A conformidade constitucional deste art.º 113º/10 do Código de Processo Penal (e não nº 9, como certamente por lapso se indica no recurso, porventura não considerando a alteração introduzia pela L. 94/2021, de 21/12), embora não por referência ao despacho que designa data para o debate instrutório, foi já testada ao longo destes mais de 36 anos de vigência. [5]
Da sua aplicação não resulta, pois, posto em causa o acesso ao Direito por parte do arguido nem o direito a um processo equitativo, consagrados no art.º 20º/1 e 4, da Constituição da República Portuguesa.
Por um lado, porque supõe que o arguido se encontre representado por Defensor, sendo este Advogado, portanto, conhecedor da lei e com deveres estatutariamente impostos na relação com o seu representado, nomeadamente de defender os seus interesses legítimos, devendo a relação entre ambos fundar-se na confiança recíproca – art.º 97º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela L. 145/2015, de 09/09.
Sendo a notificação da data designada para o debate feita na pessoa desse Advogado, nenhum dos seus direitos processuais fundamentais resulta comprometido pela sua não notificação pessoal dessa data, posto que caberá àquele transmitir-lhe essa informação.
De resto, e como já referido, atentas as finalidades do debate, essencialmente de discussão da verificação dos indícios reunidos no inquérito e na instrução, e do Direito, na perspetiva da possibilidade que o arguido sempre terá de, em julgamento, contraditar plenamente toda a prova, não podem aqui divisar-se com a mesma intensidade os interesses subjacentes à exigência de notificação pessoal da data designada para o julgamento.
Até porque, contrariamente ao que o recorrente pretende fazer crer no recurso, não foi desta forma postergado o seu direito de prestar declarações.
A verdade é que o Tribunal a quo não o determinou oficiosamente e o arguido não o requereu, como podia, logo com o seu requerimento de abertura de instrução, nos termos previstos no art.º 292º/2 do Código de Processo Penal, nem o fez quando notificado, na pessoa da sua Defensora, do despacho de abertura de instrução e de designação da data para o debate.
Foi, assim, apenas através de requerimento apresentado pela sua Defensora, no próprio dia designado para o debate instrutório que, ao mesmo tempo que requeria o seu adiamento por não ter sido notificado do despacho que designou o debate instrutório (e, diga-se, depois de negado à Senhora advogada o adiamento por impedimento profissional em diligência previamente agendada no Tribunal de Leiria), o arguido manifestou intenção de prestar declarações no debate instrutório.
Sucede que, como decorre também da formulação desse requerimento, nessa altura, estava já regularmente notificado da data designada para o debate há mais de 10 dias, não podendo deixar de saber que esse debate se realizaria nesse mesmo dia 14 de junho, não constituindo, portanto, motivo legítimo e justificado para a sua não comparência a invocada falta de notificação, tão pouco para o pretendido adiamento do debate, pois que não estava invocado grave e legítimo impedimento de estar presente, como exigido pelo art.º 300º/1 do Código de Processo Penal.
E assim sendo, restava ao recorrente comparecer no debate instrutório designado, aí requerendo a sua audição.
Não o tendo feito, sib imputet, ou seja, apenas de si próprio se poderá queixar.
*
Pelo exposto, não tendo sido violada pelo despacho recorrido qualquer das normas indicadas no recurso, nem sendo a interpretação aí adotada do disposto no art.º 113º/10 do Código de Processo Penal, contrária à Constituição da República Portuguesa, mormente ao disposto no art.º 20º, não merece a mesma censura.
Nestes termos, há-de recusar-se provimento ao recurso, julgando-se o mesmo totalmente improcedente.
*
III- DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam as Juízas do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, consequentemente, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a 3 (três) unidades de conta – art.ºs 513º/1 do Código de Processo Penal, 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma.
*
Notifique.
*
Lisboa, 20 de fevereiro de 2024

Ana Cláudia Nogueira
Alda Tomé Casimiro
Mafalda Sequinho dos Santos
_______________________________________________________
1.  Entretanto, fruto do labor jurisprudencial e doutrinário, veio a uniformizar-se por via do acórdão do STJ 6/2010, publicado no Diário da República 99, 1ª Série de 21/05/2010, a jurisprudência segundo o qual «Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.».
2. Neste sentido, para além da fixação de jurisprudência pelo STJ no acórdão 6/2010, de 21/05, citado no texto, diversa jurisprudência, com realce para os acórdãos da Relação de Évora de 08/04/2014, relatado por João Gomes de Sousa no processo 650/12.2PBFAR-A.E, da Relação de Guimarães de 05/06/2017, relatado por Fátima Furtado no processo 512/15.1PBVCT.G1.
3.  Assim entendendo, mas considerando que uma vez feita a notificação também na pessoa do sujeito processual deverá o defensor/advogado poder beneficiar do prazo decorrente da notificação realizada em último lugar, o acórdão da Relação do Porto de 28/10/2021, relatado por Paulo Costa no processo 69/19.4PBMAI-A.P1.
4.  Trata-se do acórdão do STJ de 30/03/2023, relatado por António Latas no processo 42/21.2YGLSB.S1, estando em causa a notificação do despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução.
5. A título de exemplo, o acórdão do tribunal constitucional 94/2011, in DR IIª série, de 28/03/2011, mas também acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc, a propósito da notificação do despacho de aperfeiçoamento das conclusões do recurso.