Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
732/03.1TBLNH-I.L1-8
Relator: ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA
Descritores: EXECUÇÃO
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A figura da compensação de créditos não é transponível para o domínio da regulação das responsabilidades parentais, por não se verificarem os seus pressupostos legais, nos termos do artigo 847º do CCivil.
2. A prestação de alimentos do filho menor deve ser efectiva e o obrigado deve pagá-la nos termos estabelecidos a favor daquele. A prestação não é um direito do outro progenitor (não obrigado) e, por isso, não ocorre, no caso, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
A.,
veio deduzir embargos de executado, por apenso à Execução de Decisão Judicial Condenatória (Execução Especial por Alimentos) que lhe vem movida por,
B.
Pedindo, seja reconhecida judicialmente a compensação do crédito do executado, resultando um débito para o executado de apenas €1.460,03.
Alegou para o efeito que a filha do exequente e executado, C., nasceu em 28/05/1999;
Em Janeiro de 2016, a C, com apenas 16 anos, passou a viver em exclusivo com o pai e esteve a estudar até atingir a idade de 19 anos.;
Desde Janeiro de 2016 que o pai/executado passou, em exclusivo, a pagar todas as despesas relacionadas com a então menor;
A mãe, desde Janeiro de 2016, deixou de ter a menor a viver consigo e não pagou qualquer pensão de alimentos nem qualquer despesa com ela relacionada.
Assim, serão devidas pela mãe, pelo menos as pensões de alimentos devidos desde Janeiro de 2016 até Maio de 2018, ou seja, 29 pensões de alimentos à razão de €162,46 por mês, num total de € 4.711,34.
Resultando da operação de compensação um débito do opoente apenas da quantia de €1.460,03 (mil quatrocentos e sessenta euros e três cêntimos).
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Os embargos foram liminarmente recebidos e devidamente notificada veio a embargada apresentar contestação, defendendo a sua improcedência.
Alega não reconhecer qualquer crédito ao embargante não tendo o mesmo apresentado qualquer título executivo limitando-se a alegar uma compensação e concluindo que, basta esta alegação para que sejam devidas quantias pela exequente, que agora seriam utilizadas como contra crédito;
O direito a alimentos devidos a filhos é um direito indisponível, irrenunciável, impenhorável e não pode sequer ser objecto de compensação nem pode ser reduzido se não estiver previsto no acordo de RRP ou na sentença.
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Foi designado dia para realização da audiência prévia no âmbito da qual, e após fixado o objecto do litígio se decidiu que, encontrando-se os autos «em condições de facto e de direito de ser proferida a decisão final, sem necessidade de mais diligências, em virtude de os autos já conterem todos os elementos de facto e de direito para a elaboração da mesma, concedendo o prazo de 10 dias para proferirem alegações por escrito, caso o desejem, pelo que convido os Ilustres mandatários a pronunciarem-se.
Notifique.»
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Foi dispensada a audiência prévia por se entender que os autos já reuniam todos os elementos necessários para se conhecer do mérito da causa e que a audiência prévia se destinaria apenas à prolação de despacho saneador, nos termos previstos no artigo 595.º, n.º 1, b) do CPC.
Nessa sequência foi proferido despacho saneador sentença que, a final, decidiu julgar a oposição improcedente e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução.
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Do despacho saneador-sentença proferido vem então o embargante apresentar o presente recurso alinhando as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem por objecto a Sentença que julgou a oposição improcedente e, consequentemente, determinou o prosseguimento da execução.
II. Tendo em conta o objecto do recurso analisou-se o processo e transcreveram-se, nos pontos 2. a 39., os factos com relevância para a Decisão.
São eles resumidamente os seguintes:
i. A exequente apresentou um requerimento executivo tendo por objeto o pagamento de 5.142,34€ a título de pensões de alimentos devidas e não pagas referentes a março de 2013 até janeiro de 2016.
ii. O embargante, citado para proceder ao pagamento da quantia e das despesas e honorários do Agente de Execução, deduziu, embargos de executado, alegando que a filha do exequente e executado, C, nasceu em 28/05/1999; em Janeiro de 2016, a C, com apenas 16 anos, passou a viver em exclusivo com o pai e esteve a estudar até atingir a idade de 19 anos; a pensão de alimentos foi fixada, para a menor, em 08/06/2016, em €162,46; desde Janeiro de 2016 que o pai passou, em exclusivo, a pagar todas as despesas relacionadas com a filha; a mãe, desde janeiro de 2016, deixou de ter a menor a viver consigo e não pagou qualquer pensão de alimentos nem qualquer despesa com ela relacionada; foi acordado entre a exequente, o executado e a avó materna da menor, que a menor passava a residir com o pai e não havia necessidade de fazer alterações à regulação das responsabilidades parentais; o executado pai confiou e, passados 7 anos, foi surpreendido com a execução; serão devidas pela mãe, pelo menos as pensões de alimentos desde Janeiro de 2016 até maio de 2018, ou seja, 29 pensões de alimentos à razão de €162,46 por mês, num total de €4.711,34; resultando da operação de compensação um débito do embargante apenas da quantia de €1.460,03 (mil quatrocentos e sessenta euros e três cêntimos).
iii. Alegou ainda, quanto ao Pagamento das Despesas e Honorários do Agente de Execução, que beneficiava de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme ofício junto aos autos de execução, assim tais encargos deveriam ficar a cargo da exequente (artigo 16º, n º1, a), da Lei n.º 34/2004, de 29/7), fez menção às disposições legais aplicáveis, designadamente, artigo 532º, do CPC; artigo 19º, n.º 1, 4º, n.º 7, 26º, n.º 3, al. d), 29º, n.º 1, alínea d), do RCP; invocou ainda jurisprudência Ac. TRC, de 17/11/2020, P. n.º 500/09.7TBSRT.1.C1; Ac. TRL, de 07/02/2019, P. n.º 2702/13.2YYLSB-B.L1-8; Ac. da TRG, de 27/05/2021, P. n.º 94/13.9TBVMS-A.G1, o Ac. TRG, de 27/05/2021, P. n.º 10354/14.3TJVNF-C.G1.
iv. Terminou pedindo que, a oposição fosse julgada procedente e reconhecida judicialmente a compensação do crédito do executado, resultando um débito para o executado de € 1.460,03; requereu a imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., à exequente, por o executado beneficiar de apoio judiciário.
v. Por despacho de 07/06/2023, foram os embargos admitidos.
vi. Notificada a exequente apresentou a contestação, mas não contestou os factos alegados pelo embargante, limitou-se a dizer que não reconhece a existência do crédito por inexistir um documento judicial que o comprove e quanto ao pedido de pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., nada disse.
vii. A exequente aceitou todos os factos articulados pelo embargante, que são do seu conhecimento pessoal.
viii. O embargante alegou créditos que são da filha de ambos, não são créditos próprios seus e a sentença assim o reconhece.
III. A embargada tinha o ónus de impugnar especificadamente cada um dos factos, nos termos do artigo 574º, do CPC.
IV. Os factos alegados pelo embargante deveriam ter sido dados como provados, a residência da menor deixou de ser com a mãe e passou a ser junto do pai, desde janeiro de 2016, a pensão de alimentos já estava fixada; a menor, por acordo entre os progenitores ficou a cargo exclusivo do pai, sem qualquer contribuição da mãe; a mãe aceitou o valor fixado para a pensão de alimentos, no período em que a menor residiu com o pai, (não impugnou o valor e não disse que não a podia pagar).
V. Tendo os embargos sido aceites e apresentada contestação, que não impugnou os factos alegados pelo pai, deveria ter operado a compensação de créditos, nos termos do artigo 729º, al. h), do CPC.
VI. Neste sentido o Ac. do TRC, de 28/01/2020, P. n.º 51796/18.1YIPRT-BC1, “A compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, mas só operará se ambos os créditos vierem a ser reconhecidos.”
VII. A sentença é omissa, na parte da fundamentação de facto, quanto especificação dos factos provados e não provados, é ainda completamente omissa quanto ao pedido de imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., à exequente, por o executado beneficiar de apoio judiciário.
VIII. A Sentença é nula, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d).
IX. Violou a Sentença recorrida o disposto nos artigos 729º, al. h), 532º, n.º 1, 1ª parte, ambos do CPC, artigos 19º, n.º 1, 4º, n.º 7, 26º, n.º 3 e 6, todos do RCP, e ainda o disposto no artigo 607º do CPC.
Termos em que, e com o muito que doutamente será suprido, requer seja dado provimento ao recurso e, em consequência, revogada a Sentença recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos, operando-se a compensação de créditos e declarando-se que os encargos e despesas e honorários e despesas do A.E., ficam a cargo da Exequente.».
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A embargada não apresentou contra-alegações.
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Admitido o recurso e cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do Recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº 3 do mesmo Código).
In casu, cumpre decidir se em acção de prestação de alimentos é possível operar a compensação de créditos.
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3. Fundamentação
3.1. Fundamentação de Facto em 1ª instância:
Em 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:
A exequente em 8.11.2022 instaurou a acção executiva, por apenso à qual corre a presente oposição por embargos, dando à execução a sentença proferida no âmbito do apenso F que condenou o executado a pagar a título de alimentos devidos à sua filha a quantia de 5.142,34€.
3.2. Da Nulidade da Sentença
Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação:
Suscitou o apelante a nulidade da sentença porquanto ficou a faltar a pronúncia sobre o pedido formulado em sede de oposição à execução, no sentido de ser imputada a responsabilidade pelo pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., à exequente, por o executado beneficiar de apoio judiciário”.
Defende, assim, a nulidade da sentença ao abrigo do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPCivil.
No despacho que admitiu o recurso, o Mmo Juiz a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, de acordo com o disposto no art.641º, nº1, do CPCivil, defendendo, para além do mais:
«…em sede de embargos de executado, o Tribunal não tinha que apreciar tal pedido porquanto as questões das custas da execução serão apreciadas no âmbito de tais autos. Aliás, nem se compreende tal pedido porquanto a conta de custas dos autos de execução não foi elaborada e, consequentemente, as mesmas não foram imputadas nem ao executado nem à exequente.
Por outro lado, o pedido de imputação das custas da execução à exequente não consubstancia fundamento para deduzir embargos de executado, podendo o executado aquando da notificação da consta de custas nos autos de execução, apresentar reclamação.
Se assim é, não devia nem podia o Tribunal apreciar tal pedido.
Pelo exposto, entendendo que não se verifica a nulidade invocada, mantemos a decisão proferida, fazendo, no entanto Vª Exªs melhor Justiça.»
3. Da nulidade da Sentença nos termos do disposto nas als. c) e d) do nº1 do art.º 615 do CPCivil.
Em sede de alegações recursórias vem invocada a nulidade da sentença por violação do preceituado nas als. b) e d) do nº1, do art.615º do CPCivil.
Estabelece o nº 1 do aludido preceito de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:
«1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
As causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, configurando realidades distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes.
Não deve confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo as respectivas consequências também diversas: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder, ao abrigo da qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
Segundo o disposto neste preceito legal, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste preceito legal está em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
As questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. As razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista não constituem questões no sentido do art.º 608º, n.º 2 do CPCivil.
Feito este enquadramento, cabe desde já referir que a sentença recorrida pronunciou-se devidamente, sobre o mérito da causa tendo-se resolvido as questões nessa sede invocadas que podia e devia conhecer.
Conforme referiu aquando da apreciação da nulidade, tal matéria não consubstanciava qualquer dos fundamentos legalmente admissíveis para dedução de oposição à execução fundada em sentença.
A sentença sob recurso, enquadrou os fundamentos admissíveis da oposição fundada em sentença, elencou os factos provados, aplicou o direito. Nenhuma omissão foi produzida. Nenhuma contradição foi gerada. O Tribunal recorrido não omitiu a sua pronúncia sobre qualquer questão que devesse apreciar.
Conforme assinalou, as custas da execução serão apreciadas no âmbito desses autos.
Assim, improcede desde já a nulidade arguida.
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Alega, ainda, o apelante que o saneador-sentença é omisso quanto ao elenco dos factos provados. Tal alegação embora o apelante não o diga de forma expressa remete para a nulidade da falta de fundamentação prevista 615º, nº1, al. b). A obrigação de especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a que se refere o artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC é reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto pelo n.º 1 do artigo 205.º da CRP, nos termos do qual «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei» e ínsito no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também expressamente previsto no art.º 154.º do CPCivil.
 Antes de mais cumpre dizer, que de tal não se verifica porquanto da sentença consta expressamente:
«III - FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto:
Dos elementos constantes dos autos, com relevância para a decisão do mérito da causa, resulta provada a seguinte factualidade:
a) A exequente em 8.11.2022 instaurou a acção executiva, por apenso à qual corre a presente oposição por embargos, dando à execução a sentença proferida no âmbito do apenso F que condenou o executado a pagar a título de alimentos devidos à sua filha a quantia de 5.142,34€.»
Seguindo-se a expressão da motivação do tribunal que fundou a factualidade provada.
É certo que nada se referiu aos factos considerados como não provados. Porém, quando está em causa a prolacção do despacho saneador, quanto aos factos não provados, não sendo o seu elenco efectuado, a sua determinação resultará, por decorrência, a partir dos factos considerados provados e que serviram à decisão. Veja-se neste sent. Ac.T.Rel.Lisboa, de 06-06-2019[1] em que se escreve: «No saneador-sentença, o juiz deve, quando seja caso disso, declarar quais os factos que julga (plenamente) provados, mas não já os factos que julga não provados…».
No caso, considerando estar na posse de todos os elementos fácticos que lhe permitiam decidir de mérito, o juiz de entre os factos em causa, elencou aquele que interessava à decisão.
Desconsiderou todos os restantes na medida em que entendeu que para efeitos da decisão que proferia os mesmos não eram pertinentes independentemente da sua prova ou falta dela. Afastou-os, pois, por não interessarem à decisão.
O apelante obviamente não concorda com a fundamentação de facto decidida, porém a nulidade por falta de fundamentação improcede.
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3.3. Da Impugnação da Matéria de Facto
Embora não o diga expressamente, a verdade é que o apelante pretende a alteração da matéria de facto porquanto entende que a embargada, sendo os factos por si alegados em sede de requerimento inicial, do seu conhecimento pessoal, tinha o ónus de os impugnar especificadamente e, não o tendo feito, deveriam os mesmo ter sido considerados provados.
Pretende, pois, que da sentença deverão constar, por falta de impugnação os «factos» seguintes:
«i. A exequente apresentou um requerimento executivo tendo por objeto o pagamento de 5.142,34€ a título de pensões de alimentos devidas e não pagas referentes a março de 2013 até janeiro de 2016.
ii. O embargante, citado para proceder ao pagamento da quantia e das despesas e honorários do Agente de Execução, deduziu, embargos de executado, alegando que a filha do exequente e executado, C, nasceu em 28/05/1999; em Janeiro de 2016, a C, com apenas 16 anos, passou a viver em exclusivo com o pai e esteve a estudar até atingir a idade de 19 anos; a pensão de alimentos foi fixada, para a menor, em 08/06/2016, em €162,46; desde Janeiro de 2016 que o pai passou, em exclusivo, a pagar todas as despesas relacionadas com a filha; a mãe, desde janeiro de 2016, deixou de ter a menor a viver consigo e não pagou qualquer pensão de alimentos nem qualquer despesa com ela relacionada; foi acordado entre a exequente, o executado e a avó materna da menor, que a menor passava a residir com o pai e não havia necessidade de fazer alterações à regulação das responsabilidades parentais; o executado pai confiou e, passados 7 anos, foi surpreendido com a execução; serão devidas pela mãe, pelo menos as pensões de alimentos desde Janeiro de 2016 até maio de 2018, ou seja, 29 pensões de alimentos à razão de €162,46 por mês, num total de €4.711,34; resultando da operação de compensação um débito do embargante apenas da quantia de €1.460,03 (mil quatrocentos e sessenta euros e três cêntimos).
iii. Alegou ainda, quanto ao Pagamento das Despesas e Honorários do Agente de Execução, que beneficiava de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme ofício junto aos autos de execução, assim tais encargos deveriam ficar a cargo da exequente (artigo 16º, n º1, a), da Lei n.º 34/2004, de 29/7), fez menção às disposições legais aplicáveis, designadamente, artigo 532º, do CPC; artigo 19º, n.º 1, 4º, n.º 7, 26º, n.º 3, al. d), 29º, n.º 1, alínea d), do RCP; invocou ainda jurisprudência Ac. TRC, de 17/11/2020, P. n.º 500/09.7TBSRT.1.C1; Ac. TRL, de 07/02/2019, P. n.º 2702/13.2YYLSB-B.L1-8; Ac. da TRG, de 27/05/2021, P. n.º 94/13.9TBVMS-A.G1, o Ac. TRG, de 27/05/2021, P. n.º 10354/14.3TJVNF-C.G1.
iv. Terminou pedindo que, a oposição fosse julgada procedente e reconhecida judicialmente a compensação do crédito do executado, resultando um débito para o executado de €1.460,03; requereu a imputação da responsabilidade pelo pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., à exequente, por o executado beneficiar de apoio judiciário.
v. Por despacho de 07/06/2023, foram os embargos admitidos.
vi. Notificada a exequente apresentou a contestação, mas não contestou os factos alegados pelo embargante, limitou-se a dizer que não reconhece a existência do crédito por inexistir um documento judicial que o comprove e quanto ao pedido de pagamento das custas, encargos e despesas e honorários do A.E., nada disse.
vii. A exequente aceitou todos os factos articulados pelo embargante, que são do seu conhecimento pessoal.
viii. O embargante alegou créditos que são da filha de ambos, não são créditos próprios seus e a sentença assim o reconhece.»
Ora, a pretensa factualidade que o apelante pretende ver inserida na fundamentação de facto mais não é do que:
Dos pontos i a v, um mero relato dos articulados integrado no relatório do despacho saneador sentença;
O ponto vi, matéria conclusiva e de direito - «mas não contestou os factos alegados pelo embargante» - sendo a restante matéria aí contida, mais uma vez relato das incidências processuais.
Os pontos vii e viii apenas matéria conclusiva e de direito.
Vista a pretensa factualidade que o apelante pretende ver levada à fundamentação de facto para a seguir lhe ver aplicado o direito, que apenas encerra relatos das incidências processuais e matéria conclusiva e de direito, é obvio o insucesso da sua pretensão.
Improcede, pois, o requerido.
4. Reapreciação do Mérito da Acção
Os autos de embargos à execução destinam-se a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção. Os autos de oposição à execução por embargos introduzem no processo executivo uma fase declarativa independente, com a particularidade do embargante, devedor presumido da dívida exequenda, poder alegar quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos da exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente.
«Devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva»[2].
Nos termos do disposto no art.º 10º, nº 5 do CPCivil, todas as execuções têm por base um título, e é este que define o fim e os limites da acção executiva, determinando o art.º 703º do CPCivil, para o que ao caso sub judice interessa:
“1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;”
Os títulos executivos incorporam-se em documentos, que constituem, certificam ou provam, com base na aparência ou probabilidade, a existência da obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução, por lhe reconhecer um certo grau de certeza e de idoneidade da pretensão.
Ora, «O risco que representa a possibilidade de ao título executivo não corresponder um direito efectivamente existente é coberto pela defesa que a lei permite ao executado exercer em oposição à execução»[3].
Assim, o título executivo certifica, em princípio, a existência de um direito o qual, porém, poderá ser posto em crise pelo executado em oposição que venha a deduzir à acção executiva pelo que, quer se considere a oposição à execução como contestação à petição inicial da acção executiva, quer se considere como uma acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, a verdade é que a oposição à execução consubstancia o meio idóneo à invocação dos factos que constituem matéria de excepção[4].
Na mesma esteira Lopes Cardoso[5], escreve «pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção».
Quando é dada à execução uma sentença, como sucede no caso que ora nos move, estamos em face de um título executivo que está revestido da força de caso julgado que lhe é conferida pela lei adjectiva civil, mostrando-se excluídos da discussão na fase executiva os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte da discussão no processo de declaração onde o título se produziu.
O art.º 729º do CPCivil estabelece de forma taxativa os fundamentos de oposição à execução quando o título executivo é uma sentença:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.
In casu, o embargante, invoca a compensação de créditos.
A compensação constitui uma causa extintiva das obrigações, distinta do cumprimento das mesmas: artigo 847.º do CCivil. Trata-se de «uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, o compensante realiza o seu crédito, por uma espécie de acção directa».[6]
Dispõe o artigo 848.º, n.º 1 do mencionado diploma que «a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra».
Em sede de oposição à execução contra si instaurada, o executado/apelante invocou ser titular de um contra-crédito contra a exequente, reclamando a compensação entre este e a dívida exequenda.
Invoca a compensação de créditos na medida em que a partir de Janeiro de 2016 a sua filha passou a residir consigo sem que a exequente tenha pago qualquer valor a titulo de alimentos para a filha.
É dever dos pais, zelar pela segurança e saúde dos filhos, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, nº 1, do CCivil).
Esta regra constitui uma emanação do comando constitucional contido nº 5 do art.º 36º, segundo o qual «os pais tem o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos». Também no nº 2 do art.º 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança se preceitua: «Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança».
O dever de prestação de alimentos a menores, abarca tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreende, ainda, a instrução e educação do alimentado (art.º 2003º, nºs 1 e 2). A obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável.
A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que independentemente do interesse do menor e para além dele, a lei constitui uma obrigação (de prestação de alimentos) que não se compadece com a situação económica ou familiar de cada um dos progenitores mas, outrossim, atina com um dever irremovível e inderrogável de aqueles que deram vida a alguém terem, enquanto durar a incapacidade de eles angariarem sustento pelos seus próprios meios, proverem ao seu sustento, mediante uma prestação alimentar. [7]
É, por essa razão, que a natureza constitucional da obrigação de prestação de alimentos encontra expressão ordinária, ao nível da tutela penal da violação da obrigação do credor de alimentos menor, e na específica compressão, em sede executiva, do próprio direito à sobrevivência condigna do progenitor vinculado ao dever de prestar alimentos.[8]
Assim, dispõe o art.º 2008º, nº 2, do CCivil que «o crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas».
A razão da excepção está no fim particular visado pela obrigação alimentícia. Por esse fundamento, a impossibilidade legal da compensação mantém-se mesmo que as prestações alimentícias se encontrem vencidas, já que, como afirma Pires de Lima e Antunes Varela[9], «não podem, com efeito, ser ignoradas nem subestimadas as consequências graves que o não cumprimento oportuno das prestações em dívida muito provavelmente terá tido na situação de necessidade do credor e o agravamento dela, que a extinção da dívida por compensação acabaria por provocar».
Falta, desde logo, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação. É que o crédito proveniente da prestação alimentícia não é um crédito próprio de qualquer dos progenitores, um direito que se insira na esfera jurídica de cada um deles, mas um crédito dos filhos de ambos.
O crédito de alimentos pertence aos filhos menores: são eles os credores da prestação alimentícia e é deles, por isso, o direito de exigir alimentos de cada um dos pais, ainda que nisso tenham que ser representados.
Veja-se, claramente a propósito, o que se escreve no acórdão da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2014[10]: «ainda que normalmente gerida pelo progenitor que exerce as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho que com ele reside, é habitualmente o outro progenitor que se constitui devedor da pensão de alimentos (art.º 2005º), devendo prestá-los nos termos fixados ou homologados judicialmente. Se ocorre um pai suceder ao outro na obrigação de prestar alimentos, admitir a possibilidade de compensar tais créditos entre eles prejudicaria o próprio filho (o verdadeiro credor), pois que, sendo beneficiário das prestações alimentícias a que ambos os pais estariam obrigados, ficariam sem a possibilidade de delas usufruir por os progenitores se perdoarem mutuamente as prestações devidas, mesmo prestações já vencidas. Levado ao extremo, o menor poderia ser colocado pelos pais numa situação de não beneficiar de qualquer prestação quando, na realidade, o tribunal fixou a pensão a que tem direito por reconhecida necessidade e dependência. Deixar-se-ia nas mãos dos pais a possibilidade de frustrarem o superior interesse do filho menor, judicialmente reconhecido, prejudicando, em alguma medida, o seu sustento, instrução e educação ou ainda que apenas o nível de bem-estar de que o alimentando fruiria se estivesse integrado no meio familiar do obrigado.»
Daqui se há-de concluir que a figura da compensação de créditos não é transponível para o domínio da regulação das responsabilidades parentais, por não se verificarem os seus pressupostos legais, nos termos do artigo 847º do CCivil.
A prestação de alimentos do filho menor deve ser efectiva e o obrigado deve pagá-la nos termos estabelecidos a favor daquele. A prestação não é um direito do outro progenitor (não obrigado) e, por isso, não ocorre, no caso, o requisito da reciprocidade dos créditos, indispensável à compensação.
Uma última palavra para a argumentação do apelante a propósito da alegada falta de impugnação especificada da embargada.
O direito dos filhos a serem alimentados pelos pais goza de protecção especial através de um regime próprio, com prerrogativas únicas. Beneficia, desde logo, do regime geral do direito a alimentos, constante do art.º 2008 do CCivil: o direito a alimentos é um direito indisponível, insusceptível de renúncia ou de cessão. Apesar de referir a citada disposição legal, que os alimentos possam deixar de ser pedidos no caso de alimentos a maiores, -já que no caso dos menores, há quem defenda que não podem deixar de ser fixados[11] e o credor de prestações vencidas possa a elas renunciar (n.º 1 do art.º 2008º), o obrigado não pode livrar-se de prestações, mesmo vencidas, por meio de compensação (n.º 2 do mesmo artigo). Mais se determina que o crédito de alimentos não é penhorável. Cfr. n.º 2 do art.º 2008.
O direito a alimentos goza, ainda, de garantias especiais, como a hipoteca legal (art.º 705, al. d) do CCivil) e de privilégio mobiliário geral (art.º 737, n.º 1, al. c), do CCivil).
Trata-se de direito pessoalíssimo, que cessa com o óbito do credor ou do devedor (art.º 2013, n.º 1, al. a), do CCivil), e que depende das necessidades do alimentado e das possibilidades do alimentante (art.º 2004 do CCivil), sendo, por isso, susceptível de variação (art.º 2012 do CCivil).
De tudo resulta que se trata de direito indisponível e conforme se disse insusceptível de renúncia ou compensação, sendo, pois, indiferente o cumprimento pela embargada o ónus de impugnação previsto no artigo 574º do CPCivil.
Assim, sem necessidade de mais considerações, confirma-se a decisão recorrida.

5. Decisão
Em face do exposto, decide-se nesta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o presente recurso de apelação improcedente por não provado e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
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Custas pelo apelante, sem prejuízo de não lhe ser o exigível o seu pagamento, considerando que litiga com o benefício do apoio judiciário.
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Registe e Notifique.

Lisboa, 22-02-2024
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
Maria do Céu Silva
Cristina da Conceição Pires Lourenço
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[1]Ac.Rel.Lisboa, Proc. nº 21172/16.7T8LSB.L1-2, Rel. Laurinda Gemas, www.dgsi.pt
[2] Cfr. Amâncio Ferreira, in, Curso de Processo Execução, página 145.
[3] Cfr. neste sent., Anselmo de Castro, in, A Acção Executiva Singular, Comum e especial, 3º edição, 1977, páginas 46 e 47.
[4] Cfr. neste sent. Lebre de Freitas, in, A Acção Executiva, página 162.
[5] in, Manual da Acção Executiva, 3ª edição, reimpressão, 1992, página 250
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 117.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 22.5.2013, disponível em www.dgsi.pt
[8] Cfr. Ac. do STJ de 12.06.2011, disponível em www.dgsi.pt
[9] Cfr. Código Civil Anotado, volume V, pág. 590
[10] Cfr. Ac. Rel. Guimarães, de 10.7.2014, Proc. 1778/05.0TBEPS-T.G1, Rel. Filipe Caroço
[11]Cfr. Maria Amélia Pereira dos Santos,  «O dever (judicial) de fixação de alimentos a menores»,Julgar on line, 2014, págs. 21 e ss.