Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
763/21.0T8LRS.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: ESTAÇÃO DE SERVÇO
LAVAGEM DE VIATURAS
QUEDA DE CLIENTE
DANOS FÍSICOS
RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE EXPLORADORA
DANOS INDEMNIZÁVEIS
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A indemnização de €25.000,00 mostra-se adequada a compensar os danos de natureza não patrimonial sofridos pela vítima de uma queda ocorrida num centro de lavagem de veículos duma estação de serviço, por culpa exclusiva da sociedade exploradora, e que se materializaram num quadro de dor decorrente das lesões sofridas e da necessidade de sujeição a duas intervenções cirúrgicas, tratamentos e reabilitação, com limitações físicas que se repercutiram na sua vida pessoal, social e profissional e que perduraram durante cerca de dois anos.
2. A indemnização de €22.500,00 mostra-se justa e adequada à compensação do dano biológico, ponderados os seguintes elementos: a idade da vítima (57 anos); o tempo previsível de vida (que vai além da vida ativa profissional); a circunstância de a indemnização ser satisfeita duma só vez; o Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais – fixado em 11 pontos percentuais; as sequelas, que não a afetando em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico permanente, e em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços acrescidos; o Dano Estético Permanente, de grau 2, numa escala de 7 de gravidade crescente; e em que a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 3, numa escala de 7 de gravidade crescente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
A, residente na Rua …, n.º …, Urbanização Casal …, Torres Vedras, intentou contra B [SEGURADORA], com sede na Rua …, nº. ……, em Lisboa, ação declarativa de condenação, que segue a forma de processo comum, alegando, para tanto, e em síntese, que sofreu uma queda enquanto procedia à lavagem do seu carro numa estação de serviço explorada pela sociedade “PP, Ldª”, em virtude de o piso estar escorregadio e o local não ter uma vedação suscetível de impedir a queda para a via pública, considerando o desnível do terreno existente no local.
Em consequência da queda sofreu lesões e prejuízos de que pretende ser ressarcido, assim concluindo, pedindo seja a ação julgada procedente e a ré – para quem aquela sociedade havia transferido a sua responsabilidade civil decorrente de acidentes sofridos por terceiros – condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de €79.570,00, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, e, bem assim, indemnização por força dos factos alegados nos artigos 104.º a 106.º da petição inicial, como todas as despesas que se vierem a revelar necessárias e fixadas em ampliação do pedido ou vierem a ser liquidadas posteriormente em incidente adequado.
Na sequência de articulados supervenientes sucessivamente apresentados e admitidos, o autor ampliou o pedido, cujo valor final fixou-se no montante de €97.706,59.
*
A ré contestou. Reconheceu o dever de indemnizar, mas concluiu que a indemnização total reclamada é exagerada e sem correspondência jurisprudencial, e que os pedidos reclamados nos arts. 109º e 113º da petição inicial carecem de fundamento legal.
Termina, pedindo que a ação seja julgada em conformidade com a prova que se produzir, conclusão que reiterou aquando da apresentação pelo autor de cada um dos articulados supervenientes.
*
Foi citada a Segurança Social nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/89, de 22/02.
*
O Instituto da Segurança Social, I.P., com sede na Avenida …, em Lisboa, veio deduzir contra a ré pedido de reembolso das prestações de segurança social pagas ao seu beneficiário, ora autor, pedindo seja a ré condenada a pagar-lhe, a tal título, o montante global de €26.361,48, acrescido dos juros de mora legais, contados desde a data da notificação da presente reclamação até integral pagamento.
*
A ré respondeu e pediu que a dita pretensão fosse julgada conforme a prova que se viesse a produzir.
*
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
*
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, pelo exposto e de harmonia com as normas legais citadas, julga-se a acção que A intentou parcialmente procedente e, em consequência:
=> condena-se a B, no pagamento, ao autor da quantia global de 54.712,90€(cinquenta e quatro mil, setecentos e doze euros e noventa cêntimos) - correspondente à soma das parcelas de 16.712,90€, 20.000,00€e 18.000,00€, a título, respectivamente, de indemnização por danos patrimoniais, por danos não patrimoniais, e pelo dano biológico -, acrescida de juros de mora, desde a citação (28.01.2021) até integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano, com referência à Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril, ou outra que lhe sobrevenha, do mais peticionado pelo autor se absolvendo a ré;
=> mais, se condena a ré a reembolsar o Instituto de Segurança Social, IP, da quantia global de 26.361,48 €(vinte e seis mil, trezentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal enunciada, desde a data da notificação do pedido (15.06.2021).
Custas, na acção, por autor e ré, na proporção de 44% e de 56%, respectivamente (art.º 527º, nºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil), e no pedido de reembolso integralmente pela ré.)”.
*
O autor não se conformou com a decisão na parte atinente às indemnizações que lhe foram atribuídas para compensação dos danos não patrimoniais e dano biológico, e dela veio recorrer, tendo formulado a final as seguintes conclusões:
 “1.ª -O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, porquanto se discorda da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais e a título de IPP – Dano Biológico;
2.ª - No que respeita à fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial: atendendo à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, temos por inteiramente justo a indemnização peticionada, no nosso entender, por escassa a indemnização fixada pelo Tribunal recorrido, dada a dimensão dos danos.
3.ª - Entendemos, com o devido respeito, que a Mmº Juiz acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspetiva, ao lesado, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais.
4.ª - A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um grau de “compensação”, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido por cada lesado, as suas dores e o seu sofrimento psicológico” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.2008, proferido no âmbito do FP Proc. 08P3380, pesquisado em www.dgsi.pt.
5.ª - O Autor sofreu graves danos.
Tais danos vêm devidamente plasmados nos factos dados como provados nos Autos.
E merecem, indubitavelmente, a tutela do direito.
6.ª - E não oferece hoje também dúvidas que a compensação por danos não patrimoniais – como se diz no Ac. STJ de 16.12.93 in CJ. STJ, III, 182 – deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo tempo de acabar com miserabilismos indemnizatórios.
7.ª - O que é dizer que a verba arbitrada a este título pelo Tribunal recorrido é manifestamente escassa.
8.ª - Atento o quadro retratado nos Autos, o montante indemnizatório a atribuir ao Autor a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de €25.000,00, tal como foi peticionado.
9.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos art.ºs 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
10.ª - Quanto à fixação da indemnização pela IPP que o Autor Passou a padecer: O valor indemnizatório nesta espécie de danos não é diretamente determinável e quantificável, sendo necessário recorrer à equidade na determinação do quantum indemnizatório, ainda que se possa recorrer a tabelas financeiras ou matemáticas, mas apenas e só como meros auxiliares, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano.
11.ª - Quanto a este dano biológico há a considerar:
- em consequência da queda dos autos, o autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais - de 11 pontos percentuais, tendo em conta que as sequelas, não afetando o autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico (77. dos factos provados);
- as sequelas sofridas pelo autor, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, FP são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares (77. dos factos provados);
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência da mesma queda, em termos de Dano Estético Permanente, é de grau 2, numa escala de 7 de gravidade crescente e a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 3, numa escala de 7 de gravidade crescente (77. dos factos provados);
- atualmente, ainda sente dor no pé direito e na zona da coluna sempre que faz força ou esforço e nas mudanças climatéricas, dores essas que o afectam na marcha e impedem de correr e de levantar objectos pesados (51. e 52. dos factos provados).
- À data da queda, o autor auferia a remuneração base de 2.499,00€, sobre a qual incidia imposto sobre o rendimento de 17,60% (439,00) e a prestação de 11% à segurança social – doc. 12 junto com a p.i..
- - O juro do capital produtor do rendimento é, a maior parte das vezes, como agora, negativo, pois a inflação mais do que o consome,
- A esperança média de vida ativa da vítima – que se pode fixar nos 67 anos, mas sem esquecer a sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 80 anos, e tem tendência para aumentar);
12.ª Assim, considerando os fatores acima indicados, consideramos justo, adequado e proporcional, a fixação da quantia de €28.000,00 a título de dano biológico.
13.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 483.º, 562.º e 564.º do Código Civil.
Nestes termos, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta Sentença recorrida de acordo com as Conclusões aduzidas.”
*
A ré não respondeu ao recurso.
 *
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
 *
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso em apreço, cabe decidir sobre os valores indemnizatórios destinados a compensar os danos não patrimoniais e o dano biológico sofridos pelo autor.
Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os descritos no relatório deste acórdão, e bem assim os que resultaram apurados em 1ª instância, que não foram objeto de impugnação, e que aqui se passam a reproduzir:
Factos Provados:
1. No dia 15.02.2020, pelas 14h15, o autor dirigiu-se para a estação de serviço sita na Rua…, em Torres Vedras.
2. Na referida estação de serviço, existe, aberto ao público, um centro de lavagem e limpeza de automóveis, em regime de self service, explorado pela sociedade «PP, Lda.».
3. No dia e hora referidos, o autor dirigiu-se àquele centro para efectuar a lavagem,limpeza e aspiração do seu veículo automóvel, de matrícula ..-ZL-.. e de marca BMW, série
4. Para tal, o autor introduziu moedas na máquina ali existente, correspondentes ao preço do serviço pretendido.
5. Após ter procedido à lavagem da sua viatura, o autor dirigiu-se à zona de limpeza e aspiração – box mais à esquerda e que confronta com a via pública, ladeada por um murete com cerca de 40cm de altura em relação à via exterior.
6. No local, inexistia qualquer vedação.
7. Ali chegado, o autor abriu as portas da sua viatura, para proceder à limpeza do interior da mesma.
8. Quando se encontrava a sair da viatura, pela porta da frente do lado esquerdo, ao recuar, colocou o pé numa superfície que se encontrava com gordura e, por isso, escorregadio.
9. O autor escorregou e, acto contínuo, tropeçou no murete ali existente e caiu desamparado na via que se situa na parte de baixo.
10. A gordura do piso não era de imediato perceptível e não se encontrava identificada ou sinalizada, inexistindo sinalética indicativa de piso escorregadio.
11. O piso não tinha qualquer substância antiderrapante.
12. A sociedade «PP, Lda.» tinha a sua responsabilidade civil para com terceiros, por acidentes, transferida, por contrato de seguro, para a ré, através da Apólice Responsabilidade Civil 007632099 – doc. 2, junto com a contestação.
13. Após a participação do sinistro, o autor foi informado da existência do contrato de seguro, tendo participado o sinistro à ré, que assumiu a responsabilidade pela ocorrência do mesmo, suportou despesas médicas e medicamentosas e controlou todo o processo clínico do autor, procurando a sua resolução extrajudicial.
14. O autor, quando caiu, tombou sobre o seu lado direito.
15. Na altura, não obstante as dores que sentia e que incidiam sobretudo no pé e braço direitos, ainda conseguiu entrar na viatura e dirigir-se à sua residência.
16. Como sentia muitas dores que o impediam de dormir e de se locomover, o autor, no dia 17.02.2020, recorreu ao Hospital da CUF, em Torres Vedras.
17. O autor apresentava, à observação dor no cotovelo direito (não faz extensão) e dor no pé direito sem aparente empastamento zona aquiles – doc.1 junto com a p.i..
18. No dia 20.02.2020, o autor deslocou-se ao Hospital da CUF, em Torres Vedras, e fez uma RM à região tibiotársica direita, sendo observado descontinuidade total do tendão de Aquiles ao nível da sua região média/inferior num eixo longitudinal de 16 mm com alguma retracção da porção tendinosa suprajacente (…) acentuada edema de todos os tecidos peritendinosos (…) Ligeiro edema sub-articular tarso-metatársica do eixo do segundo dedo (…(Espessamento global da fáscia plantar com ligeiro edema dos tecidos adjacentes plantares. Edema do tecido celular subcutâneo envolvendo as regiões perimaleolares – doc. 2 junto com a p.i..
19. Por indicação clínica, o autor, no dia 05.03.2020, deslocou-se ao Hospital de Torres Vedras onde foi operado ao tendão de Aquiles do pé direito, após ruptura do tendão
de Aquiles direito, tendo sido submetido a reinserção do tendão de Aquiles com âncoras – docs. 3 e 4 junto com a p.i..
20. No pós-operatório, tinha indicação para elevação do membro, analgesia em sos, não faz carga, mantendo o gesso, profilaxie tromboembolica 30 dias pos operatório, orientado para consulta externa de ortopedia – doc. 3 junto com a p.i..
21. O autor manteve-se internado naquela unidade hospitalar até ao dia 08.03.2020 – docs. 3 e 4 junto com a p.i..
22. Durante esse período, o autor manteve-se no leito, deitado de costas e sem se poder virar.
23. Foi no leito que tomou as suas refeições diárias, que lhe eram servidas por terceira pessoa.
24. O autor foi medicado com analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos.
25. Foi-lhe ministrado soro, por via endovenosa.
26. Foram-lhe ministradas várias injeções e efetuados vários curativos.
27. Durante o período de internamento, o autor sentiu dores, essencialmente localizadas no pé e braço direitos, mau estar e ausência de força para se movimentar.
28. Aquando da alta hospitalar, o autor regressou à sua residência.
29. O autor saiu do Hospital com gesso desde o joelho ao pé direitos.
30. O autor efetuou tratamentos de enfermagem e penso no Hospital de Torres Vedras, para onde se deslocou nos dias 09, 16, 23 e 30 de Março de 2020 – doc. 7 junto com a p.i..
31. O autor quer com o gesso, quer com a bota walker, deambulava com duas canadianas.
32. Durante cerca de três meses após a queda, o autor precisou de acompanhamento por terceira pessoa para quase todos os actos da vida diária, tais como levantar-se, vestir-se, tomar banho, entrar no carro, fazer as suas necessidades fisiológicas.
33. Em consulta externa, no Hospital de Torres Vedras, do dia 15.04.2020, foi verificado que o autor apresentava, ainda em consequência da queda, fractura do colo do
rádio, sendo decidido tratar conservadoramente - doc. 5 junto com a p.i..
34. Por indicação dos serviços clínicos da ré, foi marcada consulta com o Dr. António Rodrigues, no Hospital da CUF, que teve lugar a 07.05.2020, sendo observado Rotura tendão aquiles direito, Exame Objetivo # TACICULA RADIAL DIRT + ROTURA DO T. AQUILES DIRT OPERADO A 5/3 – doc. 6 junto com a p.i..
35. O autor iniciou os tratamentos de fisioterapia em 11.05.2020, na clínica Physioclem por fratura da tacícula do rádio e pós cirurgia do tendão de aquiles à direita -
doc. 8 junto com a p.i..
36. No dia 26.05.2020, o autor teve consulta com o Dr. António Rodriguez, com exame objectivo A EVOLUIR LENTO. PASSA A 1 CANADIANA CONTINUA FISIO - doc. 6 junto com a p.i..
37. No dia 08.06.2020, o autor deslocou-se a uma consulta no Hospital de Torres
Vedras, sendo observado limitação da mob: Cotovelo pronosup mantida .20 flexao extensão -5; tornozelo dorsiflexao-20 Flexao plantar -20; Dor lateral calcâneo, com indicação Mantem fst para ganhos de rom - doc. 5 junto com a p.i..
38. No dia 12.06.2020, o autor teve consulta com o Dr. António Rodriguez, com exame objectivo EVOLUÇÃO LENTA. SEM FORÇA E AINDA COM EDEMA MECÂNICO CONTINUA FISIO - doc. 6 junto com a p.i..
39. No dia 01.07.2020, o autor teve consulta com o Dr. António Rodriguez, com exame objectivo mesma situação de queixas EDEMA MECÂNICO DO PÉ. RIGIDEZ DO COTOVELO CONTINUA FISIO - doc. 6 junto com a p.i..
40. No dia 22.07.2020, o autor teve consulta com o Dr. António Rodriguez, com
exame objectivo 5 MESES DE LESÃO RIGIDEZ NO COTOVELO TALALGIA CONTINUA FISIO - doc. 6 junto com a p.i..
41. No dia 12.08.2020, o autor teve consulta com o Dr. António Rodriguez, com
exame objectivo MANTÉM QUEIXAS NO AQUILES MANTÉM ALGUMA RIGIDEZ DO COTOVELO CONTINUA FISIO - doc. 6 junto com a p.i..
42. No dia 28.08.2020, o autor teve consulta com o Dr. ZS, com exame objectivo MESMA SITUAÇÃO: RIGIDEZ DO COTOVELO E CLAUDICAÇÃO CONTINUAÇÃO DE TRATAMENTOS - doc. 6 junto com a p.i..
43. No dia 24.09.2020, o autor teve consulta com o Dr. ZS, com exame objectivo MANTÉM EVOLUÇÃO LENTA MAS POSITIVA - doc. 6 junto com a p.i.. 44. No dia 14.10.2020, o autor teve consulta com o Dr. ZS, com exame objectivo ALTA PARA IPP, tendo sido marcada consulta para avaliação de dano corporal - doc. 6 junto com a p.i..
45. O autor, por fratura da tacícula do rádio e pós cirurgia do tendão de aquiles à direita, realizou, na clínica Physioclem, tratamentos de fisioterapia nos dias 11.05.2020,
12.05.2020, 13.05.2020, 15.05.2020, 18.05.2020, 19.05.2020, 20.05.2020, 21.05.2020, 22.05.2020, 25.05.2020, 26.05.2020, 27.05.2020, 28.05.2020, 29.05.2020, 01.06.2020, 03.06.2020, 04.06.2020, 05.06.2020, 08.06.2020, 09.06.2020, 16.06.2020, 17.06.2020, 18.06.2020, 19.06.2020, 22.06.2020, 23.06.2020, 24.06.2020, 25.06.2020, 29.06.2020, 30.06.2020, 03.07.2020, 06.07.2020, 07.07.2020, 09.07.2020, 10.07.2020, 13.07.2020, 15.07.2020, 17.07.2020, 20.07.2020, 21.07.2020, 27.07.2020, 28.07.2020, 29.07.2020, 31.07.2020, 05.08.2020, 06.08.2020, 07.08.2020, 10.08.2020, 11.08.2020, 12.08.2020, 14.08.2020, 17.08.2020, 18.08.2020, 19.08.2020, 20.08.2020, 21.08.2020, 24.08.2020, 25.08.2020, 26.08.2020, 27.08.2020, 31.08.2020, 02.09.2020, 04.09.2020, 07.09.2020, 09.09.2020, 11.09.2020, 14.09.2020, 15.09.2020, 18.09.2020, 21.09.2020, 22.09.2020, 23.09.2020, 25.09.2020, 28.09.2020, 29.09.2020, 01.10.2020, 02.10.2020, 06.10.2020, 07.10.2020, 08.10.2020, 12.10.2020 e 13.10.2020, num total de 82 sessões - doc. 8 junto com a p.i..
46. No dia 23.10.2020, o autor deslocou-se a uma consulta para avaliação de dano nos serviços clínicos da ré, sendo emitido Boletim de Avaliação de Incapacidade em  Direito Civil da mesma data, com indicação de Sequelas: Limitação da extensão do cotovelo direito; dor do tornozelo pós rotura do Aquiles com deficit de dorsiflexão da TT de 10º, dano biológico de 6., quantum doloris de 4, dano estético de 1, sem rebate profissional e coeficiente global de incapacidade de 6 – doc. 9 junto com a p.i..
47. O autor foi a consulta de ortopedia, em 26.11.2020, com o Dr. ER, que elaborou relatório final de avaliação de dano corporal, com cálculo da incapacidade de 13 pontos em 100, quantum doloris de 4 pontos em 7, dano futuro de 4 pontos em 100, dano estético de 1 ponto em 7, com rebate profissional – doc. 10 junto com a p.i..
48. O autor comunicou este relatório à ré que, após apreciação dos elementos remetidos pela área clínica, admitiu um deficit de flexão do cotovelo e, bem assim, a necessidade de ajuda de terceira pessoa no período inicial de tratamento de 90 dias e a alteração dos pontos do dano biológico para 8 pontos, mantendo-se o quantum doloris em 4 pontos e o dano estético em 1 ponto.
49. No momento da queda, o autor sofreu um susto.
50. Sofreu dores nas zonas do corpo atingidas.
51. Atualmente, ainda sente dor no pé direito e na zona da coluna sempre que faz força ou esforço e nas mudanças climatéricas.
52. Dores essas que o afetam na marcha e impedem de correr e de levantar objetos pesados.
53. Antes da queda, o autor era uma pessoa alegre e bem-disposta e deixou de o ser.
54. O autor nasceu em 15.04.1962 - doc. 11 junto com a p.i..
55. À data da queda, o autor auferia a remuneração base de 2.499,00€, sobre a qual incidia imposto sobre o rendimento de 17,60% (439,00) e a prestação de 11% à segurança social – doc. 12 junto com a p.i..
56. Desde 17.02.2020 e até à data de entrada da petição inicial – 24.01.2021 – o autor recebeu a importância de 14.936,34 €da segurança social; e desde 25.01.2021 até 18.02.2022, recebeu a importância de 20.154,80€.
57. O autor efetuou todas as deslocações para consultas, exames, tratamentos, baixas e juntas médicas e fisioterapia em viatura própria, perfazendo um total de 1001km + 1826km.
58. Com a consulta e elaboração do relatório médico de avaliação de dano referidos em 47., o autor suportou a quantia de 270,00€- doc. 14 junto com a p.i..
59. No dia 17.03.2021, o autor deslocou-se ao Hospital CUF – Torres Vedras, para consulta de ortopedia com o Dr. PE que prescreveu uma RM à coluna lombosagrada e elaborou informação clínica informando que o autor apresenta lombociatalgia esquerda no metâmero L5 resistente ao tratamento medicamentoso cujo aparecimento relaciona com queda ocorrida em Fev 2020 - doc. 2 junto com a ampliação de pedido de 13.04.2021.
60. No dia 26.03.2021, o autor deslocou-se ao Hospital CUF – Torres Vedras, para consulta de ortopedia com o Dr. PE que elaborou informação clínica informando que o mesmo tem ciatalgia esquerda por hérnia discal L4-5 esquerda pré-foraminal. Tem indicação para descompressão cirúrgica uma vez que as queixas têm um ano de duração e são resistentes ao tratamento conservador - doc. 3 junto com a ampliação de pedido de 13.04.2021.
61. O autor realizou RM à coluna lombosagrada, em 24.03.2021, observando-se em L4-L5 aspetos de discartrose com redução de espessura e do sinal T2 do disco intersomático, o qual apresenta uma hérnia posterolateral esquerda de base larga,   comprimindo significativamente o saco dural com muito provável sofrimento da emergência radicular L5 e preenchendo o andar inferior do canal de conjugação, onde é tangente à bainha radicular L4 - doc. 4 junto com a ampliação de pedido de 13.04.2021.
62. No dia 29.03.2021, o autor teve consulta com o Dr. ER, em Torres Vedras, que elaborou a seguinte informação clínica: «A, 58 anos, diretor de empresa, sofreu em 15.02.2020 queda, em local de lavagem de veículos automóveis, de altura ± 80cm, de que resultou fratura do cotovelo direito e rotura do tendão de Aquiles do mesmo lado e traumatismo da coluna vertebral. Foi operado ao tendão de Aquiles em 5.3.2020. Após remover o gesso iniciou quadro de dores a nível do membro inferior esquerdo irradiando à zona gemelar e ao pé esquerdo, com aparecimento de parestesias a nível do pé esquerdo.
Por se manterem as queixas dolorosas e por não existir essa patologia prévia à queda, realizou em 24.03.2021 RM à coluna lombar que revela hérnia discal L4 L5 à esquerda com indicação cirúrgica, pelo que se deve reabrir o processo encerrado em 23.10.2020 para tratamento das lesões subsequentes.» - doc. 1 junto com a ampliação de pedido de 13.04.2021.
63. Com as consultas referidas em 59. e 60. e a RM realizada, o autor suportou, respetivamente, as quantias de 40,00€, 40,00€ e 152,99€ - doc. 5 junto com a ampliação de pedido de 13.04.2021;
64. Em 13.07.2021, o autor é visto em consulta pelo Dr. ER, em Torres Vedras, que elaborou a seguinte informação clínica: «A, 58 anos, sofreu queda em 15.02.2020, provocada por murete, tendo sofrido traumatismo do membro inferior direito com rotura do tendão de Aquiles e fratura do cotovelo direito e contusão da coluna vertebral, essencialmente na zona lombar. Foi tratada a rotura do tendão de Aquiles e usou imobilização gessada do membro superior direito. Quando iniciou a fase de recuperação e de deslocação com apoio externo, mantiveram-se as dores na coluna vertebral, necessitando efetuar tratamentos de fisioterapia e teve crises de ciatalgia à esquerda. O exame de RM, que efetuou revelou discopatia L4 L5 com compromisso feraminal esquerdo, que se agravou pela queda dada, pelo que tem necessidade de ser operado à coluna lombar, pelo que se solicita a intervenção pelos serviços clínicos da Seguradora.» - doc. 3 junto com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
65. No dia 17.08.2021, o autor foi sujeito a intervenção cirúrgica, no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa – Hospital de S. José, por «Espondilolistese L4/L5 para artrodese com parafusos transpediculares e TLIF» - doc. 4 junto com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
66. O autor esteve internado nesta unidade hospitalar até ao dia 20.08.2021 - doc. 5 junto com a ampliação de pedido de 25.1.2021.
67. Mantendo-se deitado e em posição de decúbito dorsal e com dores.
68. À alta hospitalar teve a seguinte «Proposta de monitorização e Tratamento:
- Deverá agendar consulta de neurocirurgia com o Dr. FL dentro de 4 semanas
- Realiza o penso no centro de saúde em dias alternados – retira os agrafes no mesmo local no dia 27/08
- Retoma a medicação habitual
- Prescrevo analgesia para domicílio» - doc. 4 junto com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
69. Nos primeiros oito dias após a alta hospitalar, o autor permaneceu essencialmente deitado e com dores.
70. Após esse período, levantava-se e locomovia-se com a ajuda de canadianas, mantendo-se com dor.
71. No dia 30.09.2021, o autor teve consulta de neurocirurgia com o Dr. FL, no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa – Hospital de S. José, reportando o diário clínico «pos operatório de TLIF L4-L5 esquerda; franca melhoria do quadro de ciatalgia (marcha autonoma sem apoio de canadianas); cicatriz operatória bem; MFR para reabilitação motora e relaxamento da musculatura paravertebral por cerca de 3 meses, período esse que deve manter evicção da actividade laboral – para recuperação de convalescença pos-operatoria» - doc. 6 junto com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
72. Por indicação clínica, o autor reiniciou os tratamentos de fisioterapia e reabilitação que interrompera para se submeter à cirurgia, tendo realizado tratamentos, no Espaço Saúde Física – Associação de Educação Física e Desportiva de Torres Vedras, em Torres Vedras, nos dias 24, 25, 26, 27, 28 e 31 de Maio/21; 2, 4, 7, 8, 9, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 24, 25, 28, 29 e 30 de Junho/21; 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 12 e 13 de Julho/21; 7, 8, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 29 de Outubro/21; 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 22, 23 e 24 de Novembro/21 - docs. 7, 8, 9, 10 e 11 juntos com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
73. O autor, neste período, suportou, em despesas médicas com consultas, exames e medicamentos a quantia de 457,94€- doc. 12 junto com a ampliação de pedido de 25.11.2021.
74. Em consequência da queda sofrida no dia 15.02.2020, o autor sofreu rotura do tendão de Aquiles, fractura da tacícula radial direita e um agravamento de patologia degenerativa pré existente, nomeadamente retrolistese de L4L5 com compressão radicular e hérnia discal L4L5, apresentando ao exame objectivo:«Ráquis: cicatriz cirúrgica acastanhada com áreas nacaradas na linha média da região lombar, indolor à palpação; Schober negativo; consegue caminhar nos calcanhares e em bicos dos pés: Membro superior direito: ombro: sem alterações aparentes; cotovelo: arco de movimento entre 10º e 160º, sem amiotrofias aparentes; Membro inferior direito: cicatriz cirúrgica nacarada longitudinal na face posterior do tornozelo, com cerca de 7cm de comprimento; limitação na flexão dorsal e flexão plantar; sem outras alterações.» - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 05.05.2022.
75. E o autor viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, correspondendo os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto a 61 dias (Défice Funcional Temporário Total) e o período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações, a 674 dias (Défice Funcional Temporário Parcial) - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 19.01.2023.
76. E a sua autonomia na realização dos atos inerentes à sua atividade profissional habitual, entre 15.02.2020 e 18.02.2022, num período total de 735 dias (Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total) - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano
Corporal em Direito Cível, de 19.01.2023.
77. Mais:
- a data da consolidação médico-legal das lesões do autor é fixável em 18.02.2022;
- entre a data da queda e o dia 18.02.2022 o quantum doloris sofrido pelo autor foi de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- em consequência da queda dos autos, o autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas atividades da vida
diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais - de 11 pontos percentuais, tendo em conta que as sequelas, não afetando o autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico;
- as sequelas sofridas pelo autor, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência da mesma
queda, em termos de Dano Estético Permanente, é de grau 2, numa escala de 7 de gravidade crescente; e
- a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 3, numa escala de 7 de gravidade crescente - Relatório de Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, de 19.01.2023;
78. O Instituto da Segurança Social, IP, em consequência do sinistro dos autos, pagou ao autor, seu beneficiário nº …084, no período compreendido entre 17.02.2020 e 17.06.2021, o montante de 25.237,24€, referente a prestações de subsídio por doença, bem como a prestação compensatória de subsídio de Natal de 2020, no valor de 1.124,24€.
*
Factos não provados
a) Nas deslocações referidas em 59., 60., 61. e 62., o autor suportou um montante não inferior a 100,00€em combustível.  
Fundamentação de Direito
Dos danos de natureza não patrimonial
O Código Civil consagra a ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial, restringindo-a, porém, aos casos em que a gravidade dos danos merece a tutela do direito, como decorre do nº 1, do art.º 496º: na “… fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, consagrando o nº 3, do mesmo preceito legal, por seu turno, que : o “… montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º (…)”, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como sublinha Galvão Telles[1], o montante da fixação do montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso”.
A indemnização por danos não patrimoniais tem um carácter misto: por um lado visa a compensação dos danos sofridos e, por outro, a sanção pela conduta do agente.
 A gravidade do dano tem de medir-se por um critério objectivo e não à luz de factores subjectivos e “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[2].
Neste sentido, decidiu-se em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Sr. Conselheiro Jorge Arcanjo (Acórdão de 9/05/2023, proferido no processo nº 7509/19.0T8PRT.P1.S1): “A indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante (natureza mista).
A doutrina e a jurisprudência têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, distinguindo-se, como mais significativos, o chamado “ quantum doloris”, ou seja, as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “ dano estético”, o “ prejuízo de afirmação pessoal”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes, o prejuízo da “ saúde geral e longevidade, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar, o “ pretium juventutis”.
Porém, como já em 2005 escreveu o aqui Relator em “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação”, Revista do CEJ 2º Semestre 2005, Número 3, pág.58 e segs, a propósito das várias vertentes do dano não patrimonial: “Embora sem rigor sistemático, é patente uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento.
Na doutrina e jurisprudência italianas começou a emergir na década de setenta a noção de “dano pessoal”, incorporando todos os danos que lesam a estrutura psicossomática do ser humano, e mais recentemente com a definição conceitual de “dano existencial”, visando abarcar os danos que não sendo estritamente morais originam consequências não patrimoniais (…).
Pretende-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afecta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projecto de vida”, com consequências extrapatrimoniais.
Na verdade, esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.
Partindo desta concepção e como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial ( arts.496 nº 3 e 494 do CC ), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, sendo certo que o seguro de responsabilidade civil é também um elemento a ter em conta, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.”
Os factos relevantes para a fixação da indemnização são os enunciados na 1ª instância aquando da apreciação dos danos em causa e fixação da indemnização respetiva, com base nos quais se considerou que:
“Tudo isto redundou, pois, num prejuízo não patrimonial que não pode deixar merecer a tutela do direito, porquanto não se reconduz, nos moldes enunciados, a simples incómodos ou meras contrariedades (estes sim insusceptíveis de justificar indemnização), devendo por ele o autor ser compensado.
Computou o autor esse dano no montante de 25.000,00€.
Aqui chegados, deve atentar-se à natureza dos danos, à sua gravidade e consequências, sem poder desconsiderar-se o longo período de convalescença e sofrimento físico, com a sujeição a exames, tratamentos, medicação, deslocações, consultas, internamentos, numa idade em que o corpo humano já não se regenera, nem recupera com o viço da juventude, sendo certo que o autor foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas no espaço de dois anos, com dois períodos de internamento, que, não sendo longos, ainda assim sempre acarretam apreensão e acrescido risco.
Ponderando o descrito e vivenciado pelo autor e os supra enunciados critérios, afigura-se equitativo fixar o montante dos danos não patrimoniais em 20.000,00€, a que acrescem os juros de mora, em atenção ao pedido, desde a citação até integral pagamento, nos termos do artigo 805º do Código Civil, os quais, na ausência de qualquer convenção comprovada, terão vencimento à taxa legal de 4% ao ano, com referência à Portaria 291/2003, de 08.04 (DR, I-B, de 08.04.2003).”
A tudo isto, não podemos deixar de acrescentar, em consonância com o anteriormente expendido, que neste tocante também temos de ponderar a culpa do lesante, que reputamos como elevada, considerando as características da atividade e das condições físicas em que a exercia, bem evidenciadas, aliás, no que a propósito foi decidido: “A exploradora do espaço e fornecedora do serviço que o autor utilizou, não proveu à satisfação destas regras que se lhe impunham e como lhe era devido - não diligenciou pela colocação de um pavimento apropriado e com condições de segurança e, deixando acumular produtos gordurosos no local, não proveu à sua remoção, nem tão pouco avisou/sinalizou a sua existência, bem como não erigiu uma vedação de modo a evitar a queda do murete para a via que se situava abaixo do mesmo -, de modo a salvaguardar o direito à saúde e à protecção física dos seus consumidores – no caso, do autor –, violando deveres mínimos de cuidado, numa actuação voluntária e ilícita, em resultado do que o autor sofreu uma queda, que lhe provocou, directa e necessariamente, lesões corporais, (…)”. 
Acresce a condição económica do lesado, de grau mediano, considerando os rendimentos mensais obtidos com o exercício da sua atividade profissional (auferia a remuneração base de 2.499,00€, sobre a qual incidia imposto sobre o rendimento de 17,60% (439,00) e a prestação de 11% à segurança social – facto nº 55); e a condição da responsável pela reparação dos prejuízos, cabendo ponderar a este propósito – e na ausência de elementos factuais concretamente apurados – que estamos na presença de uma seguradora, com situação económica seguramente desafogada, o que afirmamos com base nas regras da experiência, considerando não só os valores dos prémios de seguros que são consabidamente elevados, como o leque alargado da atividade comercial a que hodiernamente se dedicam e as correspondentes vantagens económicas que daí lhes advêm.
Deste modo, conjugando estes elementos com a gravidade dos danos ponderados na sentença recorrida, destacando-se as cirurgias a que o autor foi sujeito – mormente à coluna – e a longa reabilitação a que foi sujeito com o esforço, resiliência e resistência física que a mesma seguramente exigiu, temos que a indemnização peticionada de €25.000,00 afigura-se-nos justa e adequada a garantir uma compensação mínima pela reparação dos danos sofridos.
Procede, neste tocante, a apelação.
O autor pediu a condenação da ré no pagamento da importância de 35.000,00€ pela incapacidade parcial permanente de que ficou afetado.
Enquadrando este dano no denominado dano biológico, a Mmª juíza do tribunal a quo fixou o quantum indemnizatório em €18.000,00, justificando, do seguinte modo, a sua decisão:
“(…)
- em consequência da queda dos autos, o autor apresenta um Défice Funcional Permanente da sua Integridade Físico-Psíquica - com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais - de 11 pontos percentuais, tendo em conta que as sequelas, não afetando o autor em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico (77. dos factos provados);
- as sequelas sofridas pelo autor, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares (77. dos factos provados);
- a repercussão permanente sofrida pelo autor, sempre em consequência da mesma queda, em termos de Dano Estético Permanente, é de grau 2, numa escala de 7 de gravidade crescente e a Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 3, numa escala de 7 de gravidade crescente (77. dos factos provados);
- actualmente, ainda sente dor no pé direito e na zona da coluna sempre que faz força ou esforço e nas mudanças climatéricas, dores essas que o afectam na marcha e impedem de correr e de levantar objectos pesados (51. e 52. dos factos provados).
Com 57 anos de idade, à data da queda, volvidos mais de três anos, mantém um quadro doloroso, que, ditam as regras da vida, só tenderá, com o envelhecimento, a agravar-se, importando cada vez maior esforço no desenvolvimento das mais simples tarefas do quotidiano. Afectado de um Défice Funcional Permanente de 11 pontos percentuais, a penosidade natural e decorrente do correr dos anos, é nessa medida agravada.
Esse condicionalismo físico, reflete-se no humor. A dor, o esforço acrescido, o não poder desfrutar de actividades físicas que importavam prazer, naturalmente resgatam o seu custo.
Ainda, as sequelas sofridas pelo autor, embora compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares, impondo o referido défice funcional permanente o correspondente esforço acrescido. Tendo a capacidade para desenvolver a mesma actividade profissional e os actos a ela inerentes, não deixa de o fazer com maior esforço e penosidade, com o custo da dor em zonas do corpo tão fulcrais como a coluna e um dos membros inferiores, debilitante da mera mobilidade e capacidade de locomoção.
No anunciado desiderato de determinação do quantum indemnizatório, traz-se à colação e acompanha-se, uma vez mais, o acima citado acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 15.09.2022, e com reporte «como mero ponto de partida, dos critérios objetivos considerados na Tabela do anexo IV da referida Portaria[3] (idade do lesado e n.º de pontos)», a qual prevê, para uma desvalorização entre 11 a 15 pontos e um lesado com idade entre os 56 a 60 anos, os valores de 620,73€ a 748,98€ por ponto; multiplicando tais valores por 11 pontos, obtém-se, uma indemnização daquele dano na ordem dos 6.828,03€ a 8.238,78€.
«Tendo presente que os valores da Portaria foram fixados com referência à remuneração mínima mensal garantida (RMMG) em 2007, referindo-se mesmo que “(A) indemnização pelo dano biológico é calculada segundo a idade e o grau de desvalorização, apurado este pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e com referência inicial ao valor da RMMG (retribuição mínima mensal garantida”) que, na altura, era de 403,00€ (cf. nota 1 ao anexo IV), impõe-se, por mais justo e equilibrado, atender à remuneração base média nacional na data mais recente que pode ser considerada - cf. artigos 566.º, n.º 2, do CC e 611.º, n.º 1, do CPC», que, face aos dados atualmente disponíveis, é de 1.082,80€(informação disponível em https://www.pordata.pt), «o que, observando uma regra matemática de três simples, dá um valor compensatório» entre 18.345,91€ e 22.136,40 €. Face ao número de pontos (11 – correspondente ao valor mínimo da tabela) e à idade do autor (57 anos - valor próximo do mínimo atendido na Tabela), seria de ponderar um valor entre os 18.500,00€ e os 21.000,00€.
Temperando com a jurisprudência dos tribunais superiores - com ponderação do enunciado no seguido Acórdão e demais arestos, a este propósito, no mesmo citados, e, ainda, por maior proximidade à situação destes autos, do decidido nos acórdãos do STJ, de 07.12.2016 (Revista n.º 8514/12.3TBVNG.P2.S1 - 7.ª Secção1) e de 20.01.2019 (Revista n.º 1382/16.8T8VRL.G1.S1 - 1.ª Secção2), ambos disponíveis em www.dgsi.pt –, sendo certo que o recurso aos valores da Portaria se tomam por (mais) um mero vector orientador (e, no raciocínio exposto, com actualização exponencial do valor de referência: de 403€ para 1.082,80€), assume-se equitativamente adequado fixar a indemnização pelo dano biológico nos 18.000,00€, a que acrescem juros de mora, desde a citação, nos mesmos moldes expressos supra para o montante indemnizatório pelo dano não patrimonial.” 
O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 5 de dezembro de 2017 (Processo nº 505/15.9T8AVR – decisão acessível em www.dgsi.pt), decidiu que por “… dano biológico deve entender-se qualquer lesão da integridade psicofísica que possa prejudicar quaisquer atividades, situações e relações da vida pessoal do sujeito, não sendo necessário que se refira apenas à sua esfera produtiva, abrangendo igualmente a espiritual, cultural, afetiva, social, desportiva e todas as demais nas quais o indivíduo procura desenvolver a sua personalidade, «[C]om efeito, o dano biológico é constituído pela lesão à integridade físico-psíquica, à saúde da pessoa em si e por si considerada, independentemente das consequências de ordem patrimonial. Abrange as tarefas quotidianas que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano. (…); se, para além desse dano, se verifica um concreto dano à capacidade laboral da vítima, este já é um "dano sucessivo ou ulterior e eventual; não um dano evento, mas um dano consequência", representando "um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal". Assim, mais do que a afectação da capacidade de ganho, susceptível de se repercutir numa perda de rendimento (…), importa considerar o dano corporal em si, o sofrimento psico-somático que afecta a disponibilidade do autor para o desempenho de quaisquer actividades do seu dia-a-dia. Trata-se, pois, de indemnizar o dano corporal sofrido a se, quantificado por referência a um índice 100 (integridade físico-psíquica total), e não qualquer perda efectiva de rendimento ou da concreta privação da capacidade de angariação de réditos. (…).
Daí a afirmação de que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano à pessoa, mas constitui sua própria essência; a inovação está na sua reparabilidade em qualquer caso e independentemente das consequências morais e patrimoniais que, da redução da capacidade laborativa, dele possam derivar.
Em suma, se não existir o dano biológico no caso concreto, não há dano ressarcível; se existe um dano biológico, então deve ser ressarcido e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial em razão de redução da capacidade laborativa, no caso de ficar demonstrada a sua existência e sua relação causal com aquele biológico e sendo a saúde um direito fundamental do cidadão, previsto expressamente no artigo 25º da Constituição, o qual é tutelado pelo direito, contra qualquer tipo de agressão”.
No caso, a factualidade apurada em audiência e ponderada na sentença recorrida não deixa dúvidas quanto à existência do dano biológico que urge reparar, para o que cabe ponderar a gravidade das lesões e sequelas que sobrevieram para o autor, o impacto que as mesmas têm no desenvolvimento das atividades da sua vida diária, de lazer – com tendência a agravarem-se com o envelhecimento progressivo - e também a nível profissional, designadamente no acréscimo de esforço que as sequelas necessariamente acarretam no exercício da sua atividade profissional.
Cumpre, ainda, atentar na idade do autor e no tempo previsível de vida (e não apenas a vida ativa, pois que a indemnização vai além do impacto das lesões na esfera profissional), tendo por referência a esperança média de vida para os homens no triénio 2020-2022 (78,053 anos); bem como a circunstância de o pagamento da indemnização traduzir-se numa prestação única e proporcionar um rendimento global imediato.
Destarte, não descurando os critérios objetivos seguidos na decisão recorrida - que sufragamos -, mas fazendo apelo à equidade, conjugando-os com os elementos ora referenciados e tendo em mente a indemnização global que se reputa como proporcional e adequada à gravidade do caso concreto, reputamos como justa a indemnização no montante de €22.500,00 para compensação do dano biológico.
Decisão
Atento o exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, fixando a indemnização devida a título de danos não patrimoniais na quantia peticionada de €25.000,00, e para ressarcimento do dano biológico, no valor de €22.500,00, donde resulta a condenação da ré no pagamento da indemnização global de €59.212,90, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Notifique.
Custas pelo apelante, na proporção do decaimento (art.º 527º, nºs 1, e 2, do CPC).

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Cristina da Conceição Pires Lourenço (Relatora)
Marília dos Reis Leal Fontes (1ª Adjunta)
Carla Cristina Figueira Matos (2ª Adjunta)
_______________________________________________________
[1] In, “Direito das Obrigações”, 6ª edição, pág.385.
[2] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado”, 4ª Edição, Volume I, pág. 501.
[3] Portaria n.º 377/2008 de 26/05.