Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
977/15.1T8BRR.L3-4
Relator: PAULA PENHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE TRABALHO
CASO JULGADO FORMAL
CONTRATO EMPREGO INSERÇÃO +
ACÇÃO CÍVEL
TRANSACÇÃO
DIREITOS IRRENUNCIÁVEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I – A decisão proferida sobre a competência material do Tribunal do Trabalho para conhecer acção emergente de alegado acidente de trabalho (configurado pela autora/trabalhadora no âmbito de um alegado “contrato emprego-inserção +”) só faz caso julgado formal relativamente àquela questão de direito adjectivo apreciada (apenas) sob aquele ponto de vista genérico e para aquele efeito genérico. Nada impedindo que, na mesma acção emergente de alegado acidente de trabalho, venha a ser proferida decisão sobre a incompetência material do Tribunal do Trabalho, absolvendo da instância uma das rés, em face da natureza do contrato de seguro de acidentes pessoais (e não seguro de acidentes de trabalho).
II – Um acidente ocorrido aquando da execução do (atípico) “contrato de emprego-inserção +” está abrangido pela Lei dos Acidentes de Trabalho e merece reparação, desde que, esse acidente preencha os seguintes requisitos cumulativos (na parte com interesse para o caso): - no local e no tempo de trabalho; - haja um acontecimento ou evento em sentido naturalístico, súbito, imprevisto, exterior ao sinistrado e não intencionalmente provocado pelo mesmo; - causador de uma lesão corporal e/ou perturbação funcional; - e consequente redução da sua capacidade de trabalho ou de ganho só temporária ou, também, permanente.
III – Se no âmbito de acção cível intentada pela mesma autora contra a seguradora, relativamente ao mesmo sinistro, ao respectivo seguro de acidentes pessoais (que lhe fizera a entidade promotora) e peticionando algumas das prestações infortunística laborais e outras mais, caso seja efectuada uma transacção (homologada com trânsito em julgado) que contenha apenas um valor pecuniário único, sem qualquer outra menção ou discriminação e que contenha uma remissão abdicativa por parte da autora, será inatendível/irrelevante/ineficaz na presente lide infortunística laboral. Pois, por um lado, não é possível imputar tal valor a um dano concreto ressarcido nessa lide e que esteja em vias de ser ressarcido na presente lide e, por outro lado, não é possível renunciar a créditos que provenham do direito à reparação estabelecido na LAT.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
Nestes autos, sob a forma de processo especial emergente de alegado acidente de trabalho, com o nº 977/15.1T8BRR do J2 do Juízo do Trabalho do Barreiro, em que figuram como sinistrada/autora AA e como entidades responsáveis/rés Centro Social Paroquial BB e Generali Seguros, S.A. , a autora havia peticionado (transcrição):
 «  - O reconhecimento da relação jurídica entre a Autora e a 1.ª Ré como um contrato de trabalho subordinado e o acidente dos autos como sendo de trabalho ou, se assim não se entender, a Autora abrangida pelo regime jurídico consagrado na Lei n.º 98/2009, de 04.09, reconhecendo-se o acidente dos autos como de trabalho e, em consequência, serem as Rés condenadas a pagar à Autora:
- O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 72,4 em função do grau de incapacidade, data da alta e retribuição total anual;
- € 88,03 a título de indemnização por ITA e ITP nos períodos compreendidos, respetivamente, entre 27.03.2014 a 01.04.2014 e de 02.04.2014 a 15.04.2014;
- Juros de mora à taxa legal sobre as peticionadas quantias;
- As despesas suportadas por esta no valor global de € 153,5 por causa do acidente de trabalho em razão dos tratamentos dentários já efetuados;
- As Rés condenadas a pagarem em espécie a assistência médica, hospitalar e de enfermagem especializadas em estomatologia/médico dentista necessárias à extração e colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais danificados, devendo previamente proceder à realização de uma regeneração óssea através de excerto ósseo com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral e de um TAC ao maxilar superior.    »
A 1.ª ré contestara, negando a existência de qualquer contrato de trabalho com a autora.
A 2.ª ré contestara, invocando a incompetência material do Juízo do Trabalho e a inexistência de contrato de trabalho entre a autora e a 1ª ré, bem como a inexistência de contrato de seguro de acidentes de trabalho relativamente à autora.
Fora proferida sentença, declarando improcedente essa excepção de incompetência material (no tocante à apreciação das questões da existência de contrato de trabalho e caracterização do acidente como de trabalho) e com trânsito em julgado nesta parte. E, quanto à restante parte que julgara a inexistência de contrato de trabalho e de acidente de trabalho, absolvendo as rés, houve recurso julgado procedente com revogação desta parte, considerando carecerem os autos de matéria de facto assente para conhecimento dessa matéria.
Após aperfeiçoamento da petição inicial nessa parte (factual), a 1.ª ré contestara com os mesmos fundamentos da contestação inicialmente apresentada.
A 2ª ré contestara, pugnando pela inexistência de seguro de acidentes de trabalho, com a consequente incompetência material do juízo do trabalho para tramitação e julgamento dos autos quanto a si e invocando que no Juízo Local Cível da Moita corre ação judicial sob o n.º 20062/17.0T8LSB proposta pela Autora contra a ora Ré, tendo o mesmo o pedido e a causa de pedir.
Tendo sido proferida sentença, julgando procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta material do Juízo do Trabalho relativamente ao pedido formulado contra a 2.ª ré.
Os autos foram saneados, tendo sido identificado o objeto do litígio, selecionada a factualidade assente e feito o respectivo enquadramento jurídico que considerou não ter sido celebrado contrato de trabalho entre a Autora e a 1.ª Ré e não ter a Autora direito à reparação de quaisquer eventuais danos nos termos da Lei de Acidentes de Trabalho e terminou com a seguinte decisão (transcrição):
« Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a ação improcedente porque não provada e, em consequência, decide absolver a 1.ª Ré dos pedidos formulados.
Custas a cargo da Autora (art. 527.º do Código de Processo Civil).
Valor da ação: € 313,93 (art. 120.º do Código de Processo do Trabalho).
Registe e Notifique.»
*
Inconformada, a autora (sob o patrocínio do Ministério Público) veio interpor recurso desta decisão, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões e o respectivo pedido (transcrição):
«-1.ª- No acórdão proferido nos autos pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em 09/02/2022, determinou-se a revogação da decisão recorrida e ordenou-se o normal prosseguimento dos autos.
2.ª- Mais, condenou-se as RR. em custas, na proporção de 1/2 para cada uma, exceto quanto à taxa de justiça que determinou que ficava a cargo da R. Empregadora, respondendo a seguradora apenas por custas de parte.
3.ª- Assim, afigura-se que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entendeu, com o que a A. concorda, que o facto da decisão de 03/04/2017 ter transitado em julgado no que respeita à improcedência da exceção da incompetência em razão da matéria, prejudicou a posterior apreciação daquela exceção, no caso relativamente à 2.ª R., a “Seguradora Unidas, S.A.”, em 25.02.2018.
4.ª- Logo, dúvidas não se suscitam que que a ação corria os seus termos quanto às duas RR. e não apenas quanto à 1.ª R., como considerado pela Mm.ª Juíza “a quo” bem como que com a decisão recorrida violou o caso julgado, quanto à primeira decisão proferida sobre essa matéria.
5.ª-Donde que, por violação do disposto nos art.°s 619.°, n.° 1, 620°, n.° 1, e 621.°, todos do CPC, deve a douta decisão recorrida ser revogada e, em sua substituição, ser proferida decisão em que se reconheça que a 2.ª R., Seguradora Unidas, S.A., ainda é parte na ação, e apreciado, ou determinada que seja apreciado, o também peticionado quanto à mesma.
6.ª-Pese embora o contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, Contrato Emprego-Inserção +, do disposto nos artigos 3.° e 8.° da L.A.T., e ainda do art.° 4.° da Lei n.° 7/2009, resulta que o acidente de que a recorrente foi vítima deve ser considerado como um acidente de trabalho.
7.ª- Com efeito, da matéria de facto dada como provada dúvidas não se suscitam que a A./Recorrente trabalhava no âmbito da organização da R. e sob a sua autoridade, a qual emitia ordens e instruções, dirigia e fiscalizava a sua atividade, exercida de forma regular e com exclusividade para a R.
8.ª- Dúvidas também não se suscitam que por essa atividade, que a A./Recorrente exerceu de forma ininterrupta para a R. de 1 de março de 2014 a 8 de maio de 2014, nas instalações da mesma, das 08H00 às 18H00, foi paga uma retribuição, independentemente de se lhe chamar bolsa ou salário.
9.ª- Mais, também inexiste qualquer dúvida que naquele período, quando prestava serviço para a R., a A./Recorrente sofreu um acidente, mais precisamente um idoso bateu-lhe com a mão na boca quando o amparou, evitando que caísse, do que resultou as lesões e incapacidades constantes dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, nomeadamente, uma incapacidade permanente parcial de 1,4985%.
10.ª- Por outro lado, e no que respeita ao regime do Contrato emprego-Inserção +, estatuído pela portaria n.° 128/2009, de 20 de janeiro, sempre se dirá que enquanto ato regulamentar do Governo não poderá derrogar, ainda que de forma indireta, qualquer norma da Lei dos Acidentes de Trabalho, de cariz imperativo e grau hierárquico superior (art.° 112°, n.°s 1 a 7, da Constituição da República Portuguesa) – a este propósito vide Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra proc. 1486/08.0PBVI S.1, de 08.05.2013, in www.dgsi.pt.
11.ª- Na verdade, entende a Recorrente que se o Governo/Legislador tivesse tido tal intenção, seguramente tinha adotado o processo legislativo adequado para o efeito.
12.ª- Assim sendo, e por incorreta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, desde logo dos artigos art.° 3.° e 8.°, da Lei dos Acidentes de Trabalho, e art.° 4.°, n.° 1, da Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro, deve a douta sentença recorrida ser revogada, proferindo-se douto acórdão em que se condenem as RR. ou, assim não se entendo no que respeita à 2.ª R. (a R. seguradora), a 1.ª R., a R. empregadora, a reconhecer o acidente dos autos como de trabalho, bem como no demais peticionado, ou eventualmente determinando-se o reenvio dos autos para prolação de nova sentença.
13.ª-Por todo o exposto, deverá o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, substituir-se a decisão recorrida por outra em que se condenem as RR ou, assim não se entendendo quanto à 2.ª R. (a seguradora), a 1 R., empregador Centro Social Paroquial BB, a reconhecer o acidente dos autos como de trabalho e no demais peticionado, quer quanto às incapacidades temporárias, quer quanto à incapacidade permanente e quer quanto aos tratamentos de que a A. carece.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, entende-se que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, alterar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra em que se reconheça o acidente dos autos como de trabalho e no demais peticionado, quer quanto às incapacidades temporárias, quer quanto à incapacidade permanente e quer quanto aos tratamentos de que a A./Recorrente carece.
Assim decidindo, Vossas Excelências farão, JUSTIÇA  »
A 1ª ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«A) O Tribunal “a quo” cumpriu e ordenou o normal prosseguimento dos autos.
B) Entretanto, teve conhecimento em 23 de junho de 2023 da certidão extraída da acção de processo comum n.°20062/17.0T8LSB do Juízo Local Cível da Moita, Juiz 2.
C) Trata-se de processo judicial instaurado pela Sinistrada contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., actual Generali Seguros, S.A em 14 de Setembro de 2017, ou seja, em data anterior a ter sido proferido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 9/2/2022 e após as decisões proferidas sobre a questão da competência material do Tribunal.
D) Nessa medida apreciou e valorou a prova documental fazendo sobre ela a apreciação critica necessária e indispensável.
E) Assim sendo, o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção neste asservo documental pelo que deve ser mantida a decisão proferida, não ocorrendo qualquer violação do caso julgado.
F) A jurisprudência seguida quanto a esta matéria é bem elucidativa e expressiva no concernente à caracterização do que é um contrato de contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+.
G)  O contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+ integram-se no conjunto de medidas, que, ao permitirem aos desempregados o exercício de actividades socialmente úteis, promovem a melhoria das suas competências socioprofissionais e o contacto com o mercado de trabalho”. Trata-se de “apoios públicos ao desenvolvimento de trabalho socialmente necessário por parte de desempregados, enquanto estes aguardam por uma alternativa de emprego ou de formação profissional.” [...]
G) A Lei n.° 13/2003, de 21/05, de modo semelhante, refere na al. c) do n.° 6 do art. 11.º, relativamente ao contrato de inserção, a “participação em programas de ocupação ou outros de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais, comunitárias ou ambientais e que normalmente não seriam desenvolvidos no âmbito do trabalho organizado”.
H) De todo o exposto resulta que o “trabalho socialmente necessário” tem um enquadramento jurídico próprio, no âmbito da protecção social no desemprego, que nada tem a ver com o estabelecido no Código do Trabalho para o contrato de trabalho ou equiparado, cujas noções resultam dos arts. 10.° e 11.
I ) Um contrato Emprego-Inserção, celebrado ao abrigo da Portaria 128/2009 de 30/01 (republicada pela Portaria n.° 20-B/2014, de 30 de Janeiro), não constitui um contrato de trabalho nem pode ser considerado equiparado a este.
j)  Mais, a competência material dos tribunais deve aferir-se em função da relação material controvertida tal como configurada pelo autor na petição inicial.
K) Em conformidade, é de entender que a relação material controvertida que sustenta a pretensão da Sinistrada e tal como configurada na petição inicial e na acção de processo comum n.°20062/17.0T8LSB do Juízo Local Cível da Moita, Juiz 2 (documento autêntico junto aos autos), não pode ser considerada como tendo natureza laboral ou equiparada, como decorre das suas características, nos termos da Portaria n.° 128/2009, de 30 de Janeiro, republicada pela Portaria n.º 20-B/2014, de 30 de Janeiro, regulamentada pelo Despacho n.º 1573-A/2014, de 30 de Janeiro.
L)  A própria Autora/sinistrada acedeu e aceitou quer quando requereu a alteração da finalidade do apoio judiciário de “instaurar acção – acidente de trabalho (f. conciliatória)” para “propositura de acção cível indemnizatória contra seguradora, nos termos de seguros de acidentes pessoais”, quer quando aceitou a transacção em 2020, na acção de processo comum n.º20062/17.0T8LSB do Juízo Local Cível da Moita, Juiz 2 em que com o recebimento da quantia transaccionada declarou nada mais lhe ser devido em consequência do sinistro ocorrido no dia 26 de março de 2014, seja a que título for.  (realce e sublinhados nossos)
M)  Ora também aqui andou bem o Tribunal a quo. »
A 2ª ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões (transcrição):
 «1- O tribunal a quo com a sentença proferida nos autos e da qual recorre a Apelante, está devidamente fundamentada e é cumpridora da lei.
2-  Dito isto, a pretensão da Apelante, está desprovida de qualquer fundamento legal.
Vejamos,
3- O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ao qual faz referência a Apelante nas suas alegações, sinceramente, não se aceita o seu teor quanto ao alegado entendimento de prosseguimento contra a Ré, até porque é contrário à decisão singular proferida, no âmbito destes autos pelo Tribunal da Relação datada de 12.07.2017, na parte em que refere o seguinte que se transcreve: De uma forma ou de outra, a presença da R. Seguradora nos autos causa-nos estranheza. Porém, essa questão não está em apreciação
4- No entanto, para não incorrer em qualquer injustiça, podemos equacionar que quando foi proferido desconhecia a transacção celebrada entre a Autora e a Ré no processo n.º20062/17.0T8LSB, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível da Moita, Juiz 2.cuja certidão do processo está junta aos autos,
5- Ao contrário do que pretende fazer crer a Apelante a decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi sustentada em factos insuscetíveis de serem colocados em causa, porquanto baseou-se na certidão do processo n.º20062/17.0T8LSB junta aos autos.
6- Conforme decorre da sentença de homologação proferida no processo n.º20062/17.0T8LSB com o pagamento da quantia em apreço naquele processo, a Autora deu total quitação a esta seguradora pelo evento dos autos (26.03.2014).
7- A Autora naqueles autos estava patrocinada por Ilustre Patrona Nomeada, pelo que, tudo lhe foi explicado e as suas consequências.
8- Apelante auferindo um subsídio de inserção, não pode ter um contrato de trabalho, até porque, é incompatível, com um contrato de trabalho, auferindo o subsídio de inserção social.
9- Porém, ainda que se pudesse numa hipótese meramente académica, equacionar que este tribunal a quo seria competente em razão da matéria para apreciar esta questão a Ré nunca poderia ser condenada em qualquer montante, porquanto celebrou uma transacção com a Autora, aqui Apelante, sobre o mesmo facto/evento gerador do sinistro.
10- Nesta conformidade, a Sentença não viola os artigos referenciados pela Recorrente nas suas alegações e conclusões.
11- Deste modo, e atento todo o supra explanado nenhuma censura pode merecer a Douta Sentença que deverá ser mantida na íntegra, atento o acerto da mesma.
12- A Sentença do Tribunal a quo é substancial e materialmente inatacável não padecendo de qualquer vício que a comprometa ou erro na apreciação da matéria de facto dada como provada ou valoração da prova, pelo que deverá ser mantida integralmente.
13- Razão pela qual deverá o Recurso apresentado pela Apelante ser julgado totalmente improcedente, com os fundamentos amplamente supra expostos. »
O recurso foi admitido, tendo a forma, o modo de subida e os efeitos adequados.
Chegados os autos a esta Relação e, após os vistos legais, importa decidir em conferência.          
Questões a decidir
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente [conforme preveem os artigos 635.º, n.º 4, 637º, nº 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante com a abreviatura CPC), aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (doravante com a abreviatura CPT)] por remissão do art. 131º, nº 3, deste diploma [por estarmos perante uma acção com processo especial] – sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras [conforme prevê o art. 608º, n.º 2, parte final, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, parte final, do CPC aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do CPT ] – as questões a decidir são as seguintes:
1ª – Há violação do caso julgado quanto à atribuição de competência material do Tribunal recorrido para apreciar a acção relativamente à 2ª ré (seguradora) ? 
2ª – Há errada aplicação do direito ao considerar o sinistro como não abrangido pela LAT (Lei dos acidentes de trabalho) ?
Fundamentação
Com relevo para a decisão das questões recursivas importa atentar ao teor dos autos nas partes a seguir melhor discriminadas
- A propósito da incompetência material suscitada pela 2ª ré (Generali Seguros, S.A.) aquando da sua contestação (sob a refª. 13943175) à primitiva petição inicial (sob a refª. 13552327, foi proferida a seguinte decisão (datada de 3/4/2017, sob a refª. 364761434 e que se transcreve):
« Terminada, que está, a fase dos articulados e frustrada a conciliação de fls. 54 56, impõe-se o prosseguimento do processo para a fase seguinte (artigo 131º do Código de Processo do Trabalho).
***
- Incompetência material do Tribunal do Trabalho
A 2.ª Ré Seguradoras Unidas, S.A. pugna pela incompetência material do tribunal do Trabalho.
Em sede de resposta, a Autora pugnou pelo seu indeferimento.
A competência visa repartir o “poder jurisdicional entre os diversos tribunais, dizendo, pois, respeito à delimitação interna da actividade deles, quando confrontados entre si” (MONTALVÃO MACHADO/PAULO PIMENTA, O novo processo civil, 2.ª Edição, Coimbra, 2000, p. 79).
In casu, estamos perante a determinação da competência em razão da matéria, uma vez que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada – art.º 65.º do Código de Processo Civil.
Por sua vez, temos que a infracção das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que constitui uma excepção dilatória, podendo ser arguida por qualquer das partes e devendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, até ser proferido despacho saneador ou ao início da audiência de discussão e julgamento (arts. 96.º, 97.º, n.os 1 e 2 e 576.º, n.os 1 e 2, 577.º, al. a) e 578.º do Código de Processo Civil, sempre aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).
A verificação da incompetência absoluta, por seu lado, implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, podendo, se for decretada depois de findos os articulados, aproveitar-se estes, desde que as partes estejam de acordo sobre o seu aproveitamento e o autor o requeira (art. 99.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Posto isto, temos que a competência é também, como resulta do já exposto, um pressuposto processual, ou seja, é condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou improcedência, sendo que, por isso, a sua apreciação deve sempre preceder qualquer decisão de mérito.
Por sua vez, como se referiu supra, são as diversas leis orgânicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunal a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.
Neste sentido, a competência dos tribunais em geral é, assim, “a medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais; o modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado, em bloco, pertence ao conjunto dos Tribunais” (MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 88-89).
A competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, ou seja, no mesmo plano, sem relação de sobreposição ou de subordinação entre eles – MANUEL DE ANDRADE, ob. cit., p. 94, baseando-se no “princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certo sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram” – ANTUNES VARELA/SAMPAIO E NORA/MIGUEL BEZERRA, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra, 1985, p. 207.
No caso sub judice, temos que o art.º 126.º, al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 62/2013, de 26/08, prescreve que os tribunais de trabalho são competentes, prima facie, para conhecer, em matéria cível, “Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”. 
No caso sub judice, está em causa um alegado acidente de trabalho sofrido pela Autora no dia 26 de Março de 2014, na vigência, pois, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante designada por LAT).
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1.º da referida Lei, esta regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais. E no artigo 2.º da mesma lei, estatui-se, à semelhança do artigo 283.º do Código do Trabalho, que o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais, precisando-se no artigo 3.º, n.º 1, que o regime abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer actividade.
De acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, o trabalhador que exerça a actividade por conta própria é obrigado a efectuar um seguro que garanta o pagamento das prestações previstas nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho e respectiva legislação complementar; ou seja, no diploma que aprovou o Código do Trabalho torna-se extensivo aos trabalhadores por conta própria o regime de protecção de acidentes de trabalho regulados no Código, o que nos remete, por força do disposto no artigo 284.º do Código do Trabalho, para a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, em conjugação com o disposto no Decreto-Lei n.º 159/99, de 11/05, que regulamenta o regime do seguro obrigatório de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes.
A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, atendendo-se ao direito de que a Autora se arroga e que pretende ver judicialmente protegido, o que significa que a questão da competência deve ser decidida em conformidade com o pedido formulado e a causa de pedir invocada pela Autora na petição inicial.
In casu, peticionando a Autora a condenação das Rés pela reparação do acidente de trabalho e alegando, para tanto e no essencial, que manteve com a 1.ª Ré Centro Social e Paroquial BB um contrato de trabalho e que na sua vigência sofreu um acidente de trabalho, com danos, entende-se, face ao disposto na alínea c) do artigo 126.º da Lei n.º 62/2013, de 26/08, que o tribunal do trabalho é competente para a acção.
Naturalmente, caso não se verifique a causa de pedir invocada a consequência será, forçosamente, ter de soçobrar a pretensão da Autora em relação às Rés.
Face ao exposto, improcede a excepção de incompetência, em razão da matéria do tribunal invocada.   »
Esta decisão foi registada (no dia 6/2/2017), notificada (no dia 6/2/2017) a todas as partes, ao mandatários e ao Ministério Público e não foi alvo de qualquer recurso ou reclamação.
- A propósito da incompetência material suscitada pela 2ª ré (Generali Seguros, S.A.) aquando da sua contestação (sob a refª. 17657157)  à aperfeiçoada petição inicial (sob a refª. 17549957), foi proferida a seguinte decisão (datada de 25/2/2018, sob a refª. 373760859 e que se transcreve) :
«- Incompetência material do Tribunal do Trabalho relativamente à 2.ª Ré Seguradoras Unidas, S.A.
A 1.ª Ré Seguradoras Unidas, S.A. pugna pela incompetência material do Tribunal do Trabalho, porquanto inexiste qualquer contrato de seguros de acidente de trabalho entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré, mas sim um contrato de acidentes pessoais.
Notificada a Autora, a mesma nada veio responder.
Cumpre apreciar e decidir.
A competência visa repartir o “poder jurisdicional entre os diversos tribunais, dizendo, pois, respeito à delimitação interna da actividade deles, quando confrontados entre si” (Montalvão Machado/Paulo Pimenta, O novo processo civil, 2.ª Edição, Coimbra, 2000, p. 79).
In casu, estamos perante a determinação da competência em razão da matéria, uma vez que “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada – art.º 65.º do Código de Processo Civil.
Por sua vez, temos que a infracção das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que constitui uma excepção dilatória, podendo ser arguida por qualquer das partes e devendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo, até ser proferido despacho saneador ou ao início da audiência de discussão e julgamento (artigos 96.º, 97.º, n.os 1 e 2 e 576.º, n.os 1 e 2, 577.º, al. a) e 578.º do Código de Processo Civil, sempre aplicável subsidiariamente por força do disposto no art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).
A verificação da incompetência absoluta, por seu lado, implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, podendo, se for decretada depois de findos os articulados, aproveitar-se estes, desde que as partes estejam de acordo sobre o seu aproveitamento e o autor o requeira (art.º 99.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
Posto isto, temos que a competência é também, como resulta do já exposto, um pressuposto processual, ou seja, é condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou improcedência, sendo que, por isso, a sua apreciação deve sempre preceder qualquer decisão de mérito.
Por sua vez, como se referiu supra, são as diversas leis orgânicas que distribuem por cada categoria ou espécies de tribunal a sua medida de jurisdição, ou seja, determinam a categoria de pleitos que a cada um deles é destinada.
Neste sentido, a competência dos tribunais em geral é, assim, “a medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais; o modo como entre si fraccionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado, em bloco, pertence ao conjunto dos Tribunais” (Manuel de Andrade, Noções elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 88-89).
A competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, ou seja, no mesmo plano, sem relação de sobreposição ou de subordinação entre eles – Manuel de Andrade, ob. cit., p. 94, baseando-se no “princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certo sectores do Direito, pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram” – Antunes Varela/Sampaio e Nora/Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra, 1985, p. 207.
*
No caso sub judice, temos que o art.º 126.º, al. c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 62/2013, de 26/08, prescreve que os tribunais de trabalho são competentes, prima facie, para conhecer, em matéria cível, “Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais”.
Por sua vez, só é acidente de trabalho aquele que é qualificado enquanto tal na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (já aplicável a este processo, atenta a data em que ocorreu o evento que poderia consubstanciar um acidente de trabalho), que abrange, prima facie, “os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos” (Art. 2º, n.º 1), o que não sucede, efectivamente, nestes autos, dado que o seguro celebrado entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré Seguradoras Unidas trata-se de um seguro de acidentes pessoais, e não um seguro de acidentes de trabalho.
A competência dos Tribunais do Trabalho nas acções especiais emergentes de acidente de trabalho restringe-se ao reconhecimento dos pressupostos dos direitos estabelecidos na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho que o autor invoca na petição inicial e à determinação e subsequente condenação da entidade responsável pela reparação, nos termos em que aquela lei especial perspectiva a obrigação reparadora.
O objecto da acção especial emergente de acidente de trabalho consiste em averiguar quem são as entidades responsáveis pelas obrigações prescritas na lei especial reparadora dos acidentes de trabalho, obrigações estas cujos sujeitos são os identificados nesta lei - a entidade patronal (ou a seguradora para quem aquela tenha transferido a sua responsabilidade, o que não sucede in casu, porquanto foi celebrado um seguro de acidentes pessoais e não de acidentes de trabalho) - e que tem características específicas.
Acrescido de que, tratando de um seguro de acidentes pessoais celebrado entre a 1.ª e 2.ª Ré, o Tribunal de Trabalho não é materialmente competente, no que respeita à 2.ª Ré, Seguradoras Unidas, S.A., uma vez que a causa de pedir da Autora não diz respeito quanto à seguradora de um acidente de trabalho propriamente dito, mas antes de um mero acidente pessoal.
Pelo que este Tribunal é incompetente em razão da matéria para a apreciação desta acção, nada mais restando do que retirar as consequências legais de tal conclusão, absolvendo-se a 2.ª Ré Seguradoras Unidas, S.A. da instância.
***
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, considerando verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais do trabalho, absolvo a (alegada) entidade responsável/2.ª Ré “Seguradoras Unidas, S.A.” da presente instância.
*
Custas a cargo da Autora/sinistrada, sem prejuízo da inseção de custas e/ou apoio judiciário de que beneficie – cfr. art.º 446.º, n.sº 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Notifique e registe.
***
Após o trânsito em julgado da presente decisão, determino que os autos me sejam conclusos para os fins tidos por convenientes.    »
Esta decisão foi registada (no dia 27/2/2018), notificada a todas as partes e mandatários (no dia 27/2/2018) e ao Ministério Público (no dia 28/2/2018) e não foi alvo de qualquer recurso ou reclamação.
Tendo os autos prosseguido, apenas, entre a autora e a 1ª ré (Centro Social Paroquial BB).
- Em 18/10/2023, foi proferida a sentença recorrida, contendo a seguinte parte inicial:
«Compulsados os autos constata-se estarem estes coligidos com todos os elementos para que se profira a seguinte
SENTENÇA
I. Relatório:
AA instaurou a presente ação contra Centro Social e Paroquial BB e Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., peticionando:
- O reconhecimento da relação jurídica entre a Autora e a 1.ª Ré como um contrato de trabalho subordinado e o acidente dos autos como sendo de trabalho ou, se assim não se entender, a Autora abrangida pelo regime jurídico consagrado na Lei n.º 98/2009, de 04.09, reconhecendo-se o acidente dos autos como de trabalho e, em consequência, serem as Rés condenadas a pagar à Autora:
- O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 72,4 em função do grau de incapacidade, data da alta e retribuição total anual;
- € 88,03 a título de indemnização por ITA e ITP nos períodos compreendidos, respetivamente, entre 27.03.2014 a 01.04.2014 e de 02.04.2014 a 15.04.2014;
- Juros de mora à taxa legal sobre as peticionadas quantias;
- As despesas suportadas por esta no valor global de € 153,5 por causa do acidente de trabalho em razão dos tratamentos dentários já efetuados;
- As Rés condenadas a pagarem em espécie a assistência médica, hospitalar e de enfermagem especializadas em estomatologia/médico dentista necessárias à extração e colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais danificados, devendo previamente proceder à realização de uma regeneração óssea através de excerto ósseo com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral e de um TAC ao maxilar superior.
Alega, em síntese:
 - Ter sido celebrado entre a Autora e a 1.ª Ré um contrato emprego inserção + para execução de trabalho socialmente necessário;
- A Autora exerceu as funções contratadas sob ordens, direção e fiscalização da 1.ª Ré;
- No exercício das suas funções a Autora amparava um idoso, doente da 1.ª Ré, impedindo-o de cair sendo que este, ao bracejar, lhe bateu com a mão na boca, causando-lhe danos;
- Entre a 1.ª Ré e a 2.ª Ré foi celebrado um contrato através do qual aquela transferiu parcialmente para esta a responsabilidade emergente de acidentes pessoais.
A 1.ª Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, não ter sido celebrado entre a 1.ª Ré e a Autora qualquer contrato de trabalho.
A 2.ª Ré apresentou contestação:
- Invocando a exceção dilatória de incompetência material do Juízo do Trabalho;
- Invocando as seguintes exceções perentórias: inexistência de contrato de trabalho entre a 1.ª Ré e a Autora e inexistência de contrato de seguro de acidentes de trabalho.
A Autora exerceu o contraditório relativamente às invocadas exceções.
Foi proferida sentença, declarando:
- Improcedente a exceção dilatória de incompetência material invocada;
- Procedente a exceção perentória de inexistência de contrato de trabalho e, consequentemente, de um acidente de trabalho, absolvendo-se as Rés do pedido.
A Autora interpôs recurso da decisão proferida no que tange à procedência da exceção perentória de inexistência de contrato de trabalho.
O recurso foi julgado procedente, considerando-se carecerem os autos de matéria de facto assente para conhecimento da referida matéria, tendo sido revogada a sentença recorrida.
Nesta senda, a Autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial, convite que acatou, tendo as Rés apresentado contestação, tendo alegado, em síntese:
- A 2.ª Ré, pugnando pela inexistência de seguro de acidentes de trabalho, com a consequente incompetência material o juízo do trabalho para tramitação e julgamento dos presentes autos;
- Ser a Ré parte ilegítima;
 - Impugnando a factualidade alegada.
- Corre termos no Juízo Local Cível da Moita ação judicial proposta pela Autora contra a ora Ré, sendo o mesmo o pedido e a causa de pedir, que corre termos sob o n.º 20062/17.0T8LSB.
A 1.ª Ré contestou a ação, com os mesmos fundamentos que fez constar na contestação inicialmente apresentada.
Foi proferida sentença, julgando procedente a exceção dilatória de incompetência material do Juízo do Trabalho relativamente ao pedido formulado contra a 2.ª Ré.
Posteriormente, em novo saneador prolatado, foi decidido julgar este Tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria, entendendo que se tratava de um litígio a dirimir nos tribunais administrativos e fiscais, absolvendo a Ré da instância.
Suscitado o conflito negativo com este juízo, foi, pelo Supremo Tribunal Administrativo – Tribunal dos Conflitos, decidido, por acórdão transitado em julgado, que os presentes autos deveriam ser distribuídos e processados pelos Tribunais Judiciais, não se tendo pronunciado quanto ser a competência deferida aos juízos do Trabalho ou quaisquer outros juízos.
Os autos foram saneados, tendo sido identificado o objeto do litigio, selecionada a factualidade assente e proferida sentença, julgando o Juízo do Trabalho do Barreiro materialmente incompetente para decidir da relação estabelecida entre a Autora e o 1.º Réu, absolvendo este da instância.
A Autora recorreu da decisão proferida alegando, em síntese, ter sido violado o caso julgado.
Foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, julgando procedente a exceção dilatória de violação do caso julgado quanto à incompetência material do Juízo do Trabalho para apreciação das demais questões suscitadas (existência de contrato de trabalho e caracterização do acidente como de trabalho).
Determinou-se a junção aos autos de elementos constantes do processo n.º 20062/17.0T8LSB, a correr termos no Juízo Local Cível da Moita.
*
Consigna-se, antes de mais, ter transitado em julgado a sentença que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais do trabalho relativamente à 2.ª Ré.
***
A instância mantém-se válida e regular, inexistindo quaisquer questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa. (…) ».
*
Nos presentes autos estão assentes, sem qualquer controvérsia, os seguintes factos constantes da decisão recorrida (transcrição):
« (…)        II.            Fundamentação de Facto:
Com relevância para a decisão da causa, resultam assentes os seguintes factos:
A.           
Entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de emprego-inserção+.
B.     
A 26 de Março de 2014, a Autora executava tarefas para a Ré no âmbito do contrato de emprego-inserção+.
C.     
A Autora executava tais tarefas mediante o pagamento de uma quantia no âmbito da organização da Ré e sob a sua autoridade, o qual emitia ordens e instruções, dirigia e fiscalizava a atividade da Autora exercida de forma regular e com exclusividade para a Ré.
D.     
Tais tarefas consistiam, no exercício das suas funções e em disponibilidade diária, dar apoio a idosos, nomeadamente, transporte de doentes, higiene pessoal, apoio na refeição, acompanhamento em atividades, cuidados de conforto e, ainda, de limpeza das instalações.
E.          
Tarefas que exerceu nas instalações da sede da Ré, de forma ininterrupta, entre 1 de março de 2014 e 8 de maio de 2014.
F.            
A Autora cumpria um horário diário das 08h00m às 18h00m.
G.          
Utilizava materiais fornecidos pela Ré, nomeadamente, produtos de limpeza e batas.
H.           
A Autora auferia uma bolsa no valor 419,22€ x 14 meses e subsídio de alimentação mensal no valor de 93,94€ x 11 meses por ano.
I.
A tais parcelas corresponde um pagamento anual de 6.902,42€ anuais.
J.
A Autora foi vítima de um acidente ocorrido no dia 26/03/2014, no Barreiro.
K.
O acidente ocorreu quando exercia atividade ocupacional (apoio a idosos) conforme contrato de emprego-inserção+.
L.
E consistiu em, quando a sinistrada amparou um idoso, impedindo-o de cair, este bateu lhe com a mão na boca.
M.
Tal causou à Autora traumatismo da boca com edema do lábio superior e luxação dos dentes incisivos centrais superiores.
N.
Em consequência do acidente, a Autora ficou afetada pelas seguintes ITs:
a.   ITA de 27/03/2014 a 01/04/2014; e
b.   ITP de 5% de 02/04/2014 a 15/04/2014.
O.
A tais períodos de ITs corresponde uma indemnização de €88,02.
P.
Em virtude do acidente, a sinistrada esteve apenas 3 ou 4 dias sem trabalhar, mas recebeu sempre por parte do Centro Social e Paroquial todas as quantias a que tinha direito.
Q.
Por causa do acidente, a Autora gastou 153,50€ em tratamentos médico-dentários.
R.
A Autora, como consequência do acidente, ficou afetada com uma IPP de 1,4985%.
S.
Necessita de realizar acompanhamento regular por especialista de estomatologia/médico dentista, devendo realizar tratamentos que sejam necessários, para a manutenção das peças dentárias danificadas e, quando for necessário, deverá fazer a sua substituição por implantes dentários e coroas.
T. 
Necessita de continuar a receber tratamento médico dentário consistente na extração com colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais, danificados em consequência do acidente, devido à falta óssea acentuada no bloco anterior (1º e 2º Quadrante), é necessária a realização de uma regeneração óssea através de enxerto ósseo, com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral além de uma TAC ao maxilar superior.
U.
A 1.ª Ré celebrou com a 2.ª Ré um contrato de seguro de acidentes pessoais relativamente à Autora e no âmbito do contrato referido em A.
V.  
Correu termos no Juízo Local Cível da Moita ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, proposta pela Autora contra a 2.ª Ré, sendo peticionada a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 18.448,44, acrescida de juros moratórios desde a data da ocorrência do sinistro até integral pagamento, no montante de € 4.518.
W. 
Nos termos da ação judicial referida em V., a Autora alega, para o efeito pretendido em V:
“Como consequência direta do sinistro ocorrido, ocorreram na esfera patrimonial e não patrimonial da ora Autora os seguintes danos:
- despesas médicas e medicamentosas, no valor de cerca de € 1158 (...)
- Despesas com tratamento médico inerente a “extração dos 4 dentes incisivos superiores e um excerto ósseo com membrana, cujo custo será aproximadamente de € 2500” e com indicação de que “no seguimento do tratamento, todas as peças dentárias que se encontrem com mobilidade deverão ser extraídas e todos os dentes substituídos por prótese removível ou implantes dentários com coroas unitárias aparafusadas em cerâmica, cujo custo é de € 4800, no valor global de € 7300 (...);
- Entre o dia do sinistro verificado a 26.03.2014 e o dia 15.04.2014, data da consolidação médico-legal, é devida pela Ré o pagamento de uma indemnização à Autora, pela incapacidade temporária, no valor global de € 88,02, bem como um valor em função do grau de invalidez atribuída, no valor de cerca de € 6902,42, correspondente ao montante da retribuição anual devida à Autora.
A estas quantias acrescem os juros de mora à taxa legal em vigor de 7%.
Danos não patrimoniais inerentes a danos morais, designadamente no que concerne aos impactos que o sinistro e as consequências advenientes do mesmo, ao nível psicológico com a redução dos níveis de auto-estima, tristeza profunda e sofrimento diário de que a Autora padece e que não têm preço, estimando-se os referidos danos em € 3000 (...).”
X.
No âmbito dos mesmo autos ambas as partes chegaram a acordo nos seguintes termos:
“1. A Autora reduz o pedido para a quantia de € 2000;
2. A Ré procederá ao pagamento da referida quantia, no prazo de 30 dias, através de transferência bancária;
(...);
5. Com o recebimento da referida quantia, a Autora declara nada mais ser devido pela Ré em consequência do sinistro ocorrido no dia 26 de março de 2014, seja a que título for. (...)”.  »
Apreciação
1ª questão  – Há violação do caso julgado quanto à atribuição de competência material do Tribunal recorrido para apreciar a acção relativamente à 2ª ré (seguradora) ? 
A recorrente suscita esta questão, em suma, alegando que em 3/4/2017 havia sido proferida uma primeira decisão, transitada em julgado, que julgara competente em razão da matéria o Tribunal de 1ª instância, com inerente força obrigatória dentro deste mesmo processo, prejudicando posterior apreciação dessa mesma excepção. E que, por isso, a decisão recorrida violara esse caso julgado ao ter em conta uma segunda decisão do Tribunal de 1ª instância, proferida em 25/2/2018, a declarar a incompetência em razão da matéria, do Tribunal de 1ª instância, relativamente à 2ª ré, absolvendo-a. Termina, pedindo que seja revogada essa parte da sentença (por alegada violação do disposto nos arts. 619º, nº 1, 620º, nº 1 e 621º do CPC) e que, em sua substituição, seja reconhecida a 2ª ré como ainda sendo parte na presente acção com as inerentes consequências quanto ao pedido da autora.
As recorridas refutam tal.
Cumpre apreciar e decidir.
Como sabemos, a figura jurídica do caso julgado destina-se a garantir a coerência das decisões judiciais, a estabilidade e certeza das relações jurídicas e o prestígio das instituições judiciárias – conforme os ensinamentos de Manuel de Andrade (em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 305-306), de Vaz Serra (na RLJ Ano 110º, pág. 232) e de Miguel Teixeira de Sousa (em “O objecto da sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325º, págs. 49 e segs.). 
Pois, uma vez proferida uma decisão judicial sobre determinada matéria e depois de decorrido o respectivo prazo de recurso ordinário ou de reclamação, sem que a mesma tenha sido impugnada, considera-se transitada em julgado (cfr. o art. 628º do CPC) – sem prejuízo da sua revogação ou modificação por meio de recursos extraordinários de revisão (cfr. o art. 696º do CPC) ou nos casos em que o caso julgado se forme em circunstâncias patológicas ou anormais.
A partir de então (seguindo os ensinamentos de Miguel Teixeira de Sousa, pág. 569 da obra citada e de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora em “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora 1985, págs. 703-704), há formação de caso julgado da decisão:
se a decisão disser respeito a questões de carácter processual/formal, forma-se o caso julgado formal ou interno (previsto no art. 620º, nº 1, do CPC), impedindo o juiz de, na mesma acção, alterar a decisão proferida sobre tal questão;
se a decisão disser respeito ao mérito da causa, isto é, à concreta relação material controvertida sob litígio, forma-se o caso julgado material ou externo (previsto no art. 619º, nº 1, do CPC), impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, dentro do processo e fora do processo, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada.
Mas, atentos os efeitos severos do caso julgado material, este está sujeito a contornos rígidos e rigorosos (previstos no art. 619º, nº 1, do CPC), os quais se reconduzem à “tripla identidade”: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Só ocorrendo a excepção de caso julgado material quando exista entre a acção em que se formou o caso julgado material, que cubra a decisão de mérito nela proferida, e a acção ulterior, aquela tripla coincidência.
Se não se verificar essa tríplice coincidência já não actua a excepção do caso julgado (material), mas, ainda assim pode actuar a excepção dilatória (inominada) da autoridade do caso julgado, se ocorrer um fenómeno de identidade entre relações jurídicas  (segundo os ensinamentos de Alberto dos Reis em “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Coimbra 1984, págs. 64-65). 
Isto é, se não houver uma relação de identidade jurídica, mas sim uma relação de prejudicialidade entre os objectos processuais, de modo que julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão de mérito que recaiu sobre o objecto dessa primeira acção, impõe-se, necessariamente, em todas as acções posteriores que venham a correr entre as mesmas partes, incidindo sobre objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado (perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção).
 Sendo que, no tocante ao autor, tal preclusão é definida, exclusivamente, pelo caso julgado, isto é, só ficam precludidos os factos que se referem ao objecto já apreciado e decidido na sentença já transitada.
Feitas estas breves considerações, voltemos à questão solvenda.
Antecipando-nos, pode adiantar-se que não assiste razão à recorrente.
Aliás, do teor do relatório da sentença recorrida (já supra transcrita nessa parte) já é possível constatar-se tal em face da resenha do sucedido na presente acção até à prolação daquela.
Pois – salvo o devido respeito –, a decisão da 1ª instância (em 3/4/2017 e já supra transcrita) pronunciou-se sobre a competência material do Tribunal do Trabalho para conhecer acção emergente de alegado acidente de trabalho configurado pela autora na acção, mais concretamente na primitiva petição inicial. Mas, sem atentar nem se debruçar sobre a natureza cível do alegado contrato de seguro e respectiva relação processual no tocante à ré seguradora  – aspecto este em relação ao qual nem sequer houve decisão.
Por isso – convocando os sobreditos ensinamentos –, só se formou, então, caso julgado formal relativamente àquela questão de direito adjectivo apreciada (apenas) sob aquele ponto de vista genérico e para aquele efeito genérico.  
Nada impedindo que, na mesma acção, o juiz viesse a apreciar e tomar posição sobre aquele outro aspecto em concreto, conforme veio a suceder:
não configurando alteração de decisão já proferida;
não havendo incoerência entre as duas decisões judiciais;
não gerando instabilidade e incerteza das relações jurídicas e nem desprestígio das instituições judiciárias.
Pois, entretanto, na sequência de decisão sumária neste Tribunal da Relação (em 12/7/2017, sob a refª. 11936564  aqui dada por reproduzida – na qual foi salientada a estranheza da presença da ré seguradora na lide face à natureza do seguro de acidentes pessoais e na qual foi considerada incompleta a petição inicial no tocante ao acervo factual relativo à caracterização do sinistro), o Tribunal de 1ª instância proferiu despacho (em 14/12/2017, sob a refª. 371124682 aqui dada por reproduzida), notificando todas as partes para se pronunciarem quanto à ilegitimidade passiva da 2ª ré ou incompetência material do Tribunal no tocante à 2ª ré por não haver contrato de seguro de acidentes de trabalho e notificando a autora para tal aperfeiçoamento.
Tendo sido apresentada nova petição inicial (em 15/1/2018 e sob a refª. 17549957 aqui por reproduzida) e tendo havido novas contestações (em 23/1/2018 e 6/2/2018 nos termos constantes das refªs.  17657157 e 17840195 aqui dadas por reproduzidas).
Foi neste contexto que o Tribunal de 1ª instância (em 25/2/2018) proferiu decisão a absolver a ré seguradora (2ª ré) da instância, fundada em declarada incompetência material por parte desse mesmo Tribunal do Trabalho por se tratar de um contrato de seguro de acidentes pessoais (e não de um contrato de seguros de acidentes de trabalho) – conforme consta da decisão sob a refª. 373760859 e supra-transcrita.
Decisão essa que foi notificada a todas as partes, aos respectivos mandatários e ao Ministério Público enquanto patrocinante da autora, respectivamente nos dias 27/2/2018 e 28/2/2018, sem que tivesse sido alvo de qualquer recurso.
Desde então, a instância em apreço ficou cingida à autora (AA) e a 1ª ré (Centro Social Paroquial BB).
O demais desenrolar da lide até à decisão recorrida (inclusive), nada tem a ver com aquela ex-2ª ré (seguradora) que deixara de ser parte nesta acção, ou melhor dito, cuja instância já se havia extinto relativamente a esta.
A mera alusão contida no início da 4ª página da decisão recorrida (sob a refª. 429285407 já supra transcrita) –, segundo a qual:  « Consigna-se, antes de mais, ter transitado em julgado a sentença que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria dos tribunais do trabalho relativamente à 2ª Ré. » –, não é (nem podia deixar de ser) mais do que isso.
Não sendo matéria susceptível de recurso só pelo mero facto de a decisão recorrida conter tal alusão.
Aliás, se porventura a decisão recorrida contivesse qualquer alusão em sentido contrário seria inatendível e/ou se porventura houvesse uma eventual decisão final desta lide que a contrariasse é que configuraria uma violação de caso julgado (formal).
Sendo de salientar (mais uma vez) que tal (inimpugnável) decisão a julgar a incompetência material do tribunal recorrido relativamente à ex-2ª ré (apenas) se deveu ao facto (incontroverso) de esta ter celebrado com a ex-1ª ré/agora única ré um contrato de seguro de acidentes pessoais.
Pelo que, o sinistro que vitimou a autora, não estando coberto por uma qualquer apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho e, muito menos, emitida por essa seguradora-ex 2ª ré, nunca lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade de reparação infortunística (laboral) no âmbito dos presentes autos.
Conforme sabemos, o regime jurídico dos acidentes de trabalho prevê, expressamente que:  a responsabilidade (originária) pela reparação e demais encargos decorrentes de um acidente de trabalho recai sobre a pessoa (singular ou coletiva) ao serviço da qual esteja o trabalhador sinistrado;   tendo essa a obrigação de transferir essa responsabilidade para entidades seguradoras, através de uma apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho e cujos direitos e garantias nela estabelecidos não podem ser contrariados por cláusulas adicionais, sob pena de nulidade destas – cfr. os arts. 7º, 79º, nº 1, e 81º da versão originária da Lei nº 98/2009, de 4-9 (que, desde 1/1/2010), regulamentou o regime de reparação de acidentes de trabalho – doravante com a abreviatura LAT.
Mas, independentemente, de haver ou não haver a celebração de um tal tipo de contrato de seguro, tal nunca interfere com a caracterização do respectivo sinistro. Quer isto dizer que a caracterização de um sinistro como sendo de trabalho, nunca está dependente da existência de um seguro de acidentes de trabalho, aquando da ocorrência do respectivo sinistro – salvo tratando-se de sinistro sofrido por trabalhador independente/por conta própria [nos termos previstos pelo art. 4º, nº 2, da Lei nº 7/2009, de 12-2, em conjugação com o art. 184º da LAT e o art. 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 159/99, de11-5]. Mas, sem relevo para o caso em apreço (em que a autora, indiscutivelmente, não estava a trabalhar por conta própria).
Na presente lide,  cingida à autora AA e à ré Centro Social e Paroquial BB, a única matéria controvertida [caracterização do incontestado sinistro e suas inerentes consequências] foi e continua a ser alvo de discussão entre as mesmas, conforme se depreende da seguinte ( 2ª) questão recursiva.
A incontroversa matéria relativa ao contrato de seguro só foi conhecida aquando da decisão proferida em 25/2/2018 (fundamentando o julgamento da incompetência material do Tribunal da 1ª instância) e já transitada em julgado.
Por isso, inexistindo decisão anterior do mesmo Tribunal sobre tal matéria, não pode haver a contradição (agora) alegada pela autora. E, por isso mesmo, não podendo haver violação de caso julgado (formal) anterior.
Nesta conformidade, improcede a questão recursiva em apreço.
2ª questão – Há errada aplicação do direito ao considerar o sinistro como não abrangido pela LAT (Lei dos acidentes de trabalho) ?
A recorrente suscita esta questão, em suma, alegando que o sinistro a que se reportam os autos está abrangido pela LAT por ter ocorrido aquando da execução de um autêntico contrato de trabalho ou, pelo menos, equiparado/integrado no âmbito da formação profissional ou, pelo menos, de uma prestação de serviços com dependência económica. Também, alegando que a decisão recorrida viola a Convenção 155 da OIT ao por em causa interesses, fundamentalmente, de ordem pública, para além de violar o disposto no art. 3º, nºs 2 e 3, da LAT e no art. 4º da Lei 7/2009. Mais, alegando que o contrato em apreço “contrato emprego-inserção +” e sujeito ao regime previsto pela Portaria nº 128/2009, não pode derrogar, ainda que indirectamente, o regime imperativo e de grau hierárquico superior contido na LAT, independentemente, do tipo de contrato de seguro celebrado perante a falta de indicação expressa daquele regime.
As recorridas refutam tal.
Cumpre apreciar e decidir.
Antecipando, podemos adiantar uma resposta afirmativa a esta questão.
Conforme já vimos (nos termos supra transcritos), é incontroverso que:
Entre a Autora (AA) e a Ré (Centro Social e Paroquial BB) foi celebrado um contrato de emprego-inserção+ que vigorou entre 1/3/2014 a 8/5/2014;
No âmbito do qual, desde 1/3/2014 em diante, a Autora exerceu, nas instalações da sede da Ré, tarefas que consistiam em dar apoio a idosos (nomeadamente, transporte de doentes, higiene pessoal, apoio na refeição, acompanhamento em atividades, cuidados de conforto e, ainda, de limpeza das instalações), sujeita às ordens, instruções e fiscalização da Ré, cumprindo um horário diário das 08h00m às 18h00m e utilizando materiais fornecidos por esta (nomeadamente, produtos de limpeza e batas). Auferindo uma bolsa no valor 419,22€ x 14 meses e subsídio de alimentação mensal no valor de 93,94€ x 11 meses por ano (correspondendo ao valor anual de 6.902,42€);
No dia 26/3/2014, quando a Autora executava tais tarefas para a Ré, mais concretamente, ao amparar um idoso (impedindo-o de cair), este bateu com a mão na boca da Autora, causando-lhe traumatismo da boca com edema do lábio superior e luxação dos dentes incisivos centrais superiores. Lesões estas causadoras de incapacidade temporária para o trabalho até ao dia 15/4/2014 e, a partir de então, a Autora teve alta/cura clínica, com sequelas às quais corresponde uma incapacidade permanente parcial para o trabalho.
Ora, em face deste quadro factual, afigura-se-nos que a autora sofreu um acidente que está abrangido pela LAT [mais concretamente, pela já aludida 1ª versão da Lei nº 98/2009, de 4-9, aplicável aos acidentes ocorridos entre 1/1/2010 e 31/12/2021], por isso, sendo um acidente de trabalho e relativamente ao qual a autora/sinistrada carece de reparação infortunística laboral.
Vejamos porquê.
Este sinistro ocorreu aquando da execução de um denominado “Contrato Emprego-Inserção +” (celebrado entre a autora e a ré) e, atento o período da sua vigência (entre Março e Maio de 2014), regido pela Portaria nº 128/2009, de 30-1 [com a alterações dadas pelas Portarias: n.º 294/2010, de 31-5; n.º 164/2011, de 18-4; n.º 378-H/2013, de 31-12; e nº 20-B/2014, de 30-1 , tendo esta última republicado a versão consolidada e relevante para o caso em apreço] – não sendo aplicável a sua última alteração, dada pela Portaria nº 136/2022 de 4-4, pois (contrariamente ao aludido na decisão recorrida) esta última só veio a produzir efeitos desde o dia 1/4/2022 (conforme consigna o seu art. 3º) enquanto que os factos em apreço ocorreram em 26/3/2014.
Conforme prevê o preâmbulo daquelas Portarias bem como os artigos 1º a 4º daquela versão republicada, aquele regime de contratação: Pretende abranger os desempregados inscritos no IEFP, visando preservar e melhorar as suas competências sócio-profissionais, fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e actividades no mercado de trabalho, desmotivando a marginalização e o isolamento daqueles; E, por outro lado, visando a satisfação de necessidades sociais e/ou colectivas temporárias, ao nível local e regional; Podendo ser promotoras desses contratos vários tipos de entidades colectivas públicas ou privadas sem fins lucrativos – nomeadamente entidades de solidariedade social como é o caso da ré nos autos em apreço.
E para a sua execução, que nunca pode ultrapassar os 12 meses com ou sem renovação, a respectiva entidade promotora deve efetuar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no respectivo projeto de trabalho socialmente necessário. Durante a sua execução, o respectivo beneficiário aufere uma bolsa mensal (de montante correspondente ao valor do indexante dos apoios sociais ou de 20% destes), paga pela entidade promotora, mas comparticipada pelo IEFP, I.P. Ou seja, o trabalhador beneficiário deste contrato não adquire a condição de empregado, o mesmo é dizer que não estabelece qualquer relação jurídica de emprego com a entidade promotora/beneficiária da atividade desenvolvida. Daí que o trabalhador beneficiário mantenha o direito às prestações por desemprego a que acresce a bolsa pelo exercício da atividade (cfr. os arts. 8º, 9º, 13º e 14º da mesma versão republicada).
Sendo indiscutível que tal regime de contratação [sujeito ao sobredito quadro normativo específico aplicável ao “contrato emprego-inserção +”  –  ao abrigo do qual se estabeleceu a concreta e assente vinculação temporária entre autora e ré –], não configura uma relação jurídico laboral ou equiparada e, por isso mesmo, não lhe sendo aplicável o Código do Trabalho – neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ de 14/11/2001 do Exmº relator Mário Torres e de 16/12/2020 do Exmº relator António Leones Dantas (em dgsi.pt).
Mas – contrariamente ao entendimento da sentença recorrida –,  tal não é, por si só, impeditivo da aplicação da LAT a um acidente ocorrido aquando/por causa da execução de um “contrato de emprego-inserção +”.
- Pois, como sabemos, o regime jurídico dos acidentes de trabalho não tem aplicação exclusiva/restringida aos contratos individuais de trabalhos: trabalhadores subordinados jurídica e economicamente, quer em virtude de contrato individual de trabalho (nos termos do art. 11º do Código do Trabalho, doravante com a abreviatura CT) quer em virtude de contrato de trabalho com regime especial (como é o caso, nomeadamente, do trabalho doméstico nos termos do D.L. nº 235/92, de 24-10, e do praticante desportivo profissional nos termos da Lei nº 27/2011, de 16-6). Também incluindo respectivo aprendiz, estagiário e demais situações de formação profissional (nos termos dos art. 3º, nº 3, da LAT e art. 4º, nº 1, al. a), da Lei nº 7/2009, de 12-2).
Também são abrangidos pela LAT:
- Os trabalhadores subordinados só economicamente (por mero contrato de prestação de serviço nos termos do art. 1154º do Código Civil). Até se presumindo legalmente (nos termos do art. 3º, nº 2, da LAT) que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual preste serviços (conforme prevê o art. 4º, nº 1, al.c), da Lei nº 7/2009, de 12-2, que remete para o art. 10º do CT);
- O administrador, director, gerente ou equiparado, sem contrato de trabalho, desde que remunerado por essa actividade (conforme prevê o art. 4º, nº 1, al. b), da Lei nº 7/2009, de 12-2);
- O trabalhador por conta própria, desde que tenha seguro de acidentes de trabalho para o trabalho como trabalhador independente (conforme prevê o art. 4º, nº 2, da Lei nº 7/2009, de 12-2 em conjugação com o art. 184º da LAT e o D.L. nº 159/99, de 11-5).
Sendo de salientar, também, que a actividade de qualquer um desses trabalhadores, por conta de outrem, pode tratar-se de uma actividade explorada com fins lucrativos ou sem fins lucrativos (conforme prevê o art. 3º, nº 1, da LAT).
A razão de ser desta tão ampla protecção subjectiva conferida pelo nosso legislador no tocante aos destinatários da reparação infortunística laboral, deve-se ao facto de que tais trabalhadores, de uma forma ou de outra, são pessoas humanas  economicamente dependentes da sua respectiva prestação de trabalho e que, por isso, carecerão de protecção quando tal prestação esteja impossibilitada devido a um acidente de trabalho.
Assim se cumprindo o princípio constitucional consagrado no art. 59º, nº 1, al. f), da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual: “ Todos os trabalhadores têm direito à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.”
Assim se concretizando o art. 1º desta que consagra como direito fundamental do nosso Estado: “..a dignidade da pessoa humana..”.
Assim se mantendo “viva” a doutrina do Estado Social de Direito que não nos deixa olvidar as nefastas consequências, na maior parte dos casos, pessoais e sociais que a ocorrência deste tipo de acidente traz para a pessoa do sinistrado, face à perda de capacidade de trabalho ou de ganho, gerando desequilíbrio para este e até para toda a colectividade (cfr. Jorge Sinde Monteiro em “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, Coimbra Editora 1983, págs. 19-22 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão em “A Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho” nos Estudos do Instituto de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. I, págs. 537-538).
Sendo de salientar que (contrariamente ao regime da responsabilidade civil) os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na LAT são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (conforme prevê o seu art. 78º), precisamente, para salvaguardar os correspectivos interesses dos cidadãos trabalhadores.
E (contrariamente ao regime da responsabilidade civil) a forma de cálculo das respectivas prestações em dinheiro previstas na LAT é imperativa – independentemente da vontade das partes (susceptíveis de manipulações pelos mais variados motivos) e independentemente da formalização ou não desse pagamento e da nomenclatura que seja dada aquando desse pagamento.
Aliás, subsumindo a tudo isto, o sobredito regime do (atípico) “contrato de emprego-inserção +”, tem sido entendido (de forma pacífica) pela actual jurisprudência que lhe é aplicável a LAT – destacando-se no STJ os acórdãos de 19-5-2021 e 23-11-2021 da Exmª. relatora Paula Sá Fernandes, no TRP o acórdão de 27-11-2023 do Exmº. relator Nelson Fernandes, no TRL o acórdão de 9/3/2022 da Exmª. relatora Paula Santos, no TRG o acórdão de 16/12/2021 do Exmº. relator Antero Veiga e no TRE o acórdão de 12/10/2023 da Exmª. relatora Emília Ramos Costa, todos em dgsi.pt.
Assim sendo e subsumindo a tudo isto, a sobredita factualidade do caso em apreço, constatamos que (não obstante, a atípica contratação da autora pela ré não configure um contrato individual de trabalho), aquando e por causa daquela remunerada actividade ocupacional, prestada pela autora (beneficiária desse regime ocupacional/prestadora de trabalho no âmbito do mesmo), em proveito da ré (entidade promotora, sem fins lucrativos e comparticipante no pagamento daquela), a autora sofreu um acidente que preenche os requisitos cumulativos (necessários) para a sua configuração como um acidente de trabalho.
Como sabemos, o art. 8º, nºs 1 e 2, da LAT contém o seguinte conceito de acidente de trabalho:
 “1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.” 
Ora, conjugando esta definição [que não nos diz o que é um acidente] com a tarefa levada a cabo pela doutrina e pela jurisprudência [nomeadamente, Vítor Ribeiro em “Acidentes de trabalho – Reflexões e Notas práticas”, Edição 1984 Reis dos Livros, págs. 208-210  (cuja actualidade ainda perdura, a este propósito, apesar das sucessivas alterações legislativas até à LAT em apreço),  Júlio Manuel Vieira Gomes em “O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização”, Coimbra Editora 2013, págs. 19-27, e o acórdão do STJ de 30/6/2011 do relator Pereira Rodrigues, em dgsi.pt ], burilando este conceito normativo complexo de acidente, são elementos essenciais e cumulativos da existência de um acidente de trabalho (na parte com interesse para o caso concreto):
- No local e no tempo de trabalho, enquanto lugar em que o trabalhador se encontre em virtude do seu trabalho e aquando do tempo da prestação do trabalho a que está obrigado = no caso concreto, no dia 26 de Março de 2014, a autora cumpria o seu horário de trabalho entre as 8h e as 18h, nas instalações da sede da ré e em proveito desta, prestando apoio a idosos;  
- A ocorrência de um acontecimento ou evento em sentido naturalístico, súbito e imprevisto, exterior ao sinistrado e não intencionalmente provocado pelo mesmo = no caso concreto, quando a autora amparava um idoso para que não caísse, este bateu-lhe com a mão na boca;
- O cariz lesivo por daí advir uma lesão corporal, perturbação funcional = no caso concreto, dessa pancada adveio um traumatismo na boca da autora com edema do lábio superior e luxação dos dentes incisivos centrais superiores;
- A consequente redução da capacidade de trabalho ou de ganho = no caso concreto, tais lesões corporais causaram à autora quer uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho (desde 27/3/2014 até 1/4/2014), quer uma incapacidade temporária parcial de 5% para o trabalho (desde 2/4/2014 a 15/4/2014). Tendo tido alta neste último dia, mas apesar dessa cura clínica (nos termos do art. 35º, nº 3, da LAT), a autora ficou a padecer de sequelas (às quais corresponde uma incapacidade permanente parcial de 1,4985%).
Também em consequência de tudo isso:  a autora gastou € 153,50 em tratamentos médico-dentários; a autora necessita de realizar acompanhamento regular por especialista de estomatologia/médico dentista, devendo realizar tratamentos que sejam necessários, para a manutenção das peças dentárias danificadas e, quando for necessário, deverá fazer a sua substituição por implantes dentários e coroas; também necessita de continuar a receber tratamento médico dentário consistente na extração com colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais, danificados em consequência do acidente, devido à falta óssea acentuada no bloco anterior (1º e 2º Quadrante), é necessária a realização de uma regeneração óssea através de enxerto ósseo, com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral além de uma TAC ao maxilar superior.
Assim sendo, impõe-se considerar que a autora sofreu um acidente de trabalho reparável pela LAT, procedendo a questão recursiva em apreço.
E, consequentemente, revogamos a sentença da 1ª instância que lhe negara tal e da qual a autora veio recorrer.
Aqui chegados e porque os autos dispõem de elementos suficientes (ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 1, do CPC), também condenaremos a ré pela reparação da autora nos termos a seguir explicitados.
Pois, conforme já referimos, tal responsabilidade de reparação recai (originariamente) sobre esta, enquanto pessoa em proveito/ao serviço da qual a autora se lesionou (conforme prevê o art. 7º da LAT – consagrando a teoria do risco profissional, económico ou de autoridade).
E, conforme já referimos, esta responsabilidade infortunística laboral está sujeita as regras específicas com de cariz imperativo.
Para este efeito reparatório e tendo em conta o objecto desta lide, afigura-se-nos como imprescindível assentar a data de nascimento da autora/sinistrada, pois com base na qual se aferirá a respectiva reserva matemática prevista a Tabela para pensionistas de ambos os sexos anexa à Portaria nº 11/2000, de 13-1 .
Sendo que, ao longo de todo o processo, são feitas inúmeras referências à data de nascimento/idade da sinistrada, sem que tal matéria factual tivesse sido consignada como facto assente.
Uma vez que existe no apenso A (relativo ao pedido de apoio judiciário com o respectivo cartão de cidadão) documento comprovativo dessa data de nascimento, oficiosamente ( nos termos previstos pelos arts. 607º, nº 4, 2ª parte, também aplicável à presente decisão “ex vi” do nº 2 do art. 663º ambos do CPC e aplicáveis ao foro laboral por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT e aplicável aos acidentes de trabalho por remissão do art. 131º, nº 3, do CPT),  determinamos que seja aditado aos factos assentes, na fundamentação da sentença da 1ª instância, o seguinte item com o seguinte teor:
« Y.  A autora  nasceu em 16/3/1955. »
Posto isto, importa atentar ao pedido formulado pela autora (constante da petição inicial a que se reportam os autos), bem como a toda a sobredita factualidade assente, incluindo o apurado valor auferido aquando do sinistro [bolsa no valor mensal de € 419,22 por 14 meses e subsídio de alimentação mensal no valor de € 93,94 por 11 que perfaz o montante anual global de € 6.902,42], em conjugação com o regime contido nos arts.19º, 23º, 25º, 35º, nº 3, 41º, nºs 1 e 2, 47º, nº 1, als. a) e c), 48º, nºs 1, 2 e 3, als. c), d) e e), 50º, 71º, nºs 1 a 3, 72º, nº 3, 75º, nº 1, 76º e 77º, als. a) e b), da LAT, em conjugação com a Tabela para pensionistas de ambos os sexos anexa à Portaria nº 11/2000, de 13-1, do qual resulta que a autora tem direito à seguinte reparação a cargo da ré:
=» a indemnização (pelas incapacidades temporárias) no valor de € 88,02;
=» o capital de remição da pensão anual vitalícia de € 72,40, com início a 16/4/2014, no valor total de 833,90;
=» a quantia de € 153,50 referente aos tratamentos médico-dentários;
=» tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento;
=» e todas as prestações em espécie que sejam necessárias para fazer face às suas sequelas. Isto é, acompanhamento regular por especialista de estomatologia/médico dentista, devendo realizar tratamentos que sejam necessários, para a manutenção das peças dentárias danificadas e, quando for necessário, deverá fazer a sua substituição por implantes dentários e coroas. E, também, tratamento médico dentário, consistente na extração com colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais, danificados em consequência do acidente, devido à falta óssea acentuada no bloco anterior (1º e 2º Quadrante), sendo necessária a realização de uma regeneração óssea através de enxerto ósseo, com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral além de uma TAC ao maxilar superior.
Tudo isto, sem prejuízo de quaisquer outras prestações em espécie que se venham a mostrar necessárias para fazer face a tais sequelas. Tais como, assistência médica, cirúrgica, incluindo elementos de diagnóstico e de tratamento, assistência farmacêutica, cuidados de enfermagem, dispositivos de compensação das suas limitações funcionais, bem como a respectiva renovação e reparação. E, preferencialmente, que correspondam ao estado mais avançado da ciência e da técnica, por forma a proporcionar à sinistrada as melhores condições, independentemente do seu custo.
Resta-nos fazer uma referência final a propósito da sobredita reparação infortunística laboral a cargo da ré.
O art. 7º da LAT prevê (expressamente sob o título “Responsabilidade” e na parte com interesse para o caso) que: «É responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho….a pessoa singular ou coletiva… relativamente ao trabalhador ao seu serviço
E para obviar a, eventuais, dificuldades do respectivo responsável, no momento da reparação do trabalhador sinistrado (que comprometeriam as sobreditas razão de ser e natureza desta reparação infortunística laboral), os arts. 79º, nº 1, e 81º da LAT impõem a obrigação de a respectiva entidade responsável transferir essa responsabilidade para entidades seguradoras e mediante uma apólice uniforme de acidentes de trabalho (cujas Condições Gerais e Especiais Uniformes estão aprovadas pela Portaria nº 256/2011, de 5-7, a vigorar desde 5/9/2011).
Porém, no caso em apreço, conforme ficou apurado, a ré havia celebrado com a seguradora Generali Seguros, S.A. e relativamente à autora e à sua sobredita actividade ocupacional remunerada em proveito da ré (não um contrato de seguro de acidentes de trabalho, mas sim) um contrato de seguros de acidentes pessoais.
 Isto porque, o sobredito regime aplicável ao “contrato emprego-inserção +” , mais concretamente o art. 14º, nº 3, da sobredita Portaria na versão republicada, apenas, impõe que: « A entidade promotora deve efectuar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário
Isto é, no âmbito desse tipo de contratação (atípica), apenas, é exigido à entidade promotora a feitura de um contrato de seguro relativamente ao trabalhador/beneficiário, sem especificar qual o tipo de seguro.
Ora, conforme já vimos (aquando da 1ª questão recursiva), dada a natureza do seguro celebrado pela ré, relativamente à autora, ser de acidente pessoais, a respectiva seguradora fora absolvida desta instância infortunística laboral.
Sendo pacífico [nos termos apurados sob a alínea W da presente lide], que em virtude da natureza desse contrato de seguro e no âmbito de uma correspondente acção cível que a autora intentara contra essa seguradora e que correu termos  no J2 do Juízo Local Cível da Moita (sob o nº 20062/17.0T8LSB), relativamente ao mesmo sinistro a que se reportam os autos, a autora havia peticionado a condenação dessa seguradora a pagar-lhe a quantia total de € 18.448,44 [sendo: € 1.158 a título de despesas médicas e medicamentosas; € 7.300 a título de tratamentos dentários e peças dentárias; € 88,02 a título de incapacidades temporárias; € 6.902,42 a título de retribuição anual; e € 3.000 a título de danos não patrimoniais] acrescida de juros de mora, desde a data do sinistro até integral pagamento, e que até à propositura dessa acção perfaziam o montante de € 4.518 [conforme também consta da certidão sob a refª. 36342297, atestando o teor dessa mesma petição inicial].
Também sendo pacífico [nos termos apurados sob a alínea X da presente lide] que essa acção cível findara por homologação judicial de transação entre as partes, segundo a qual: a autora reduziu o pedido à quantia de € 2.000; a ser paga pela ré no prazo de 30 dias, através de transferência bancária; e com o recebimento dessa quantia, a autora declara nada mais lhe ser devido pela ré, em consequência do sinistro, seja a que título for.
Sendo que nos presentes autos, também consta a respectiva certidão sob a refª.  34726411, atestando que houve sentença homologatória dessa transacção e com trânsito em julgado a 17/2/2020.
Porém, nos presentes autos não foi alegado que tal pagamento tenha ocorrido, nem consta qualquer comprovativo de que tal pagamento tivesse sido efectuado.
E, ainda que tal tivesse sido efectuado, apenas nos permitiria concluir que, relativamente ao mesmo sinistro, a autora teria sido ressarcida, no foro cível e em conformidade com o aí acordado com a seguradora – conforme lhe é permitido, nesse âmbito, ao abrigo da liberdade contratual que está inerente a esse contrato em especial que é a transacção (nos termos previstos pelo art. 1248º do Código Civil).
Mas, como nessa transacção nada ficou discriminado a que título foi alcançado tal montante pecuniário, desconhecem-se quais as vontades que lhe estiveram subjacentes e/ou que presidiram à formalização dessa transação judicial. Isto é, desconhece-se qual o concreto dano ou danos que tal montante acordado visou ressarcir. 
Não sendo de olvidar que, no âmbito dessa acção cível, a autora não havia peticionado, apenas, as prestações que peticionara nesta acção, também, havia peticionado outros montantes e a outros títulos, incluindo danos não patrimoniais (que nem sequer têm cabimento nos presentes autos).
Por tudo isto, não se pode afirmar que a condenação a que se reportam presentes os autos implique, sem mais, uma qualquer duplicação indemnizatória em proveito da autora. E que, por si só, fosse susceptível de lhe provocar um enriquecimento patrimonial, injustificado juridicamente e à custa de outrem a quem vantagem patrimoniais se destinasse (nos termos previstos pelo art. 473º, nº 1, do Código Civil, a propósito da figura jurídica do enriquecimento sem causa, que exige a verificação destes três requisitos cumulativos, conforme os ensinamentos doutrinais de Pires de Lima e Antunes Varela  em “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, págs. 454-458).
Por último, importa salientar que, no tocante à formalizada remissão abdicativa [constante do número 5 da aludida transacção nos apurados sob a alínea X da presente lide], independentemente de ser válida nessa lide cível (caso tenha havido tal pagamento, na sequência de homologação judicial com trânsito em julgado dessa transacção –  tal apenas relevará para aquele efeito de mais nenhuma responsabilização poder ser assacada à seguradora no âmbito dessa acção cível e no tocante a este sinistro, ao abrigo do disposto nos arts. 863º e segs. do Código Civil –], essa cláusula sempre seria inatendível/irrelevante/ineficaz na presente lide infortunística laboral.
Pois, – contrariamente à pretensão das recorridas – nas acções emergentes de acidente de trabalho (conforme já referimos e agora repetimos), os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na LAT são irrenunciáveis (cfr. o art. 78º da LAT).
Daí a ressalva contida, expressamente, no art. 1249º do Código Civil que consigna (sob o título “Matérias insusceptíveis de transação”): «As partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor …”».
Sendo que, através da aludida cláusula da aludida transacção levada a cabo no foro cível (válida e eficaz nesse foro, na sequência da respectiva homologação judicial transitada em julgado), houve a renúncia por parte da autora/titular do respectivos direitos, fazendo extinguir a correspectiva obrigação da seguradora que não chega a ser cumprida na íntegra, em virtude da mera renúncia por parte daquela (conforme explicitam os ensinamentos doutrinais de Pires de Lima e Antunes Varela em “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3ª edição revista e actualizada, págs. 855-856).
Enquanto que no âmbito da responsabilidade infortunística laboral, face aos já aludidos interesses subjacentes [de justa reparação laboral dos cidadãos/ trabalhadores sinistrados quando vítimas de uma acidente de trabalho] com tutela até constitucional, está restringida essa liberdade contratual da sinistrada, não tendo esta legitimidade para dispor dos correspectivos direitos, estando excluída qualquer possibilidade de renúncia aos direitos de créditos conferidos pela LAT.  
 Desta feita, não sendo atendível tal remissão abdicativa, na presente acção emergente de acidente de trabalho, impõe-se reparar a autora/sinistrada nos termos por esta peticionados relativamente à entidade promotora/ré.

Decisão
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação em apreço e, consequentemente:
I – Declarar a inexistência de violação de caso julgado formal;
II – Declarar que o sinistro em apreço configura um acidente de trabalho abrangido pela LAT;
III – Oficiosamente, aditar aos factos assentes o item Y, contendo a data de nascimento da autora
IV – Condenar a ré (Centro Social e Paroquial BB) a pagar à autora (AA):
- a indemnização (pelas incapacidades temporárias) no valor de € 88,02;
- o capital de remição da pensão anual vitalícia de € 72,40, com início a 16/4/2014, no valor total de 833,90;
- a quantia de € 153,50 referente aos tratamentos médico-dentários;
-  tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento;
V – Também condenar a ré a prestar à autora:
- Todas as prestações em espécie que sejam necessárias para fazer face às suas sequelas. Isto é, acompanhamento regular por especialista de estomatologia/médico dentista, devendo realizar tratamentos que sejam necessários, para a manutenção das peças dentárias danificadas e, quando for necessário, deverá fazer a sua substituição por implantes dentários e coroas. E, também, tratamento médico dentário, consistente na extração com colocação imediata de implantes e coroas provisórias dos dentes centrais, danificados em consequência do acidente, devido à falta óssea acentuada no bloco anterior (1º e 2º Quadrante), sendo necessária a realização de uma regeneração óssea através de enxerto ósseo, com a colocação de membrana para posterior reabilitação oral além de uma TAC ao maxilar superior.
- Tudo isto, sem prejuízo de quaisquer outras prestações em espécie que se venham a mostrar necessárias para fazer face a tais sequelas. Tais como, assistência médica, cirúrgica, incluindo elementos de diagnóstico e de tratamento, assistência farmacêutica, cuidados de enfermagem, dispositivos de compensação das suas limitações funcionais, bem como a respectiva renovação e reparação. E, preferencialmente, que correspondam ao estado mais avançado da ciência e da técnica, por forma a proporcionar à sinistrada as melhores condições, independentemente do seu custo.
*
Fixa-se o valor da acção em € 1.075,42 – cfr. o art. 120º do CPT.
Custas da acção a cargo da ré – cfr. art. 527º, nº 2, do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT.
Custas do recurso a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sendo de 20% para a autora e de 80% para a ré, sem prejuízo da isenção daquela – cfr. art. 527º, nº 2, do CPC “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT.
Notifique.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024
Paula de Sousa Novais Penha
Sérgio Almeida 
Celina Nóbrega