Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
Descritores: | NULIDADE DE CITAÇÃO PROCESSO DE DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA CITAÇÃO EDITAL DISPENSA DA CITAÇÃO DO DEVEDOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – No caso de processos sujeitos a tramitação eletrónica, a junção de procuração forense outorgada pela pessoa a citar não preclude a possibilidade de arguição de vicio de nulidade por falta de citação, na medida em que a intervenção relevante da parte na causa, nos termos do artigo 189.º do CPC, pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante. 2 – Nos termos do nº1 do art.º 17º do CIRE, não sendo aplicável, em processo declarativo de insolvência, a modalidade de citação edital, mas antes a dispensa de citação, nos termos do art.º 12º do CIRE, a regra da alínea c) do nº1 do art.º 188º do CPC, que estatui que há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital, tem que ser aplicada com as adaptações necessárias, considerando-se, em fase declarativa de processo de insolvência, que há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a dispensa de citação prevista no art.º 12º do CIRE. 3 – Considera-se desconhecido o paradeiro do devedor seja nas situações de desconhecimento total da morada, seja quando, existindo indicação de morada, ele não seja nela encontrado, após a realização de diligências e tentativas adequadas. 4 – A realização de duas tentativas de citação postal, consulta às bases de dados e tentativa frustrada de citação pessoal, diligências no decurso das quais, durante cerca de seis meses, não se consegue confirmar qual a residência do devedor, permitem seja dispensada a citação daquele nos termos do art.º 12º do CIRE. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório PMC, requereu, em 07/07/2022, a declaração de insolvência de FMG, alegando ter um crédito, relativo a empréstimo concedido, no valor de € 333.888,17, incumprido desde 2014, sendo o seu património insuficiente para o pagamento desta e das suas demais obrigações vencidas. Foi tentada a citação da requerida, por correio registado e por contacto de agente de execução, a qual não se mostrou possível, bem como consultadas as bases de dados. Foi dispensada a citação da requerida, nos termos do disposto no art.º 12º do CIRE. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, na qual foi proferido despacho saneador e foram indicados o objeto do litígio e os temas da prova e foi proferida sentença, em 24/01/2023, declarando a insolvência da requerida. Por requerimento de 10/02/2023, a requerida juntou aos autos procuração forense a favor do seu Ilustre Mandatário. Em 13/02/2023, deduziu embargos à insolvência, arguindo, entre outros fundamentos a falta de citação importando nulidade de todo o processado (nºs 5 a 30 e 42 a 45 da petição de embargos, autuados como apenso B). Em 16/02/2023, foi proferido, no apenso de embargos, o seguinte despacho: “FMG impugnou a sentença que declarou a sua insolvência, mediante dedução de oposição de embargos. Alega, para além do mais, que se encontra em situação de revelia absoluta por não ter sido citada para a ação, o que constitui nulidade que aqui expressamente invoca com as devidas e legais consequências. Vejamos: Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que no processo principal foi tentada a citação na sua morada pessoal (cujo endereço a mesma confirma) e carta devolvida com a menção “objecto não reclamado”, pelo que tudo leva a crer que a não ocorrência da citação procede de culpa sua. O facto de se encontrar em situação de revelia absoluta é condição absolutamente necessária para afirmar a sua legitimidade para a dedução desta oposição. Não se compreende tal alegação uma vez que o regime específico contido nos art.ºs 40º a 42º, do CIRE permite que a opoente faça uso dos meios de defesa necessários para reverter a declaração de insolvência (decretada sem a sua audição, nos termos previstos pelo art.º 12º, do CIRE). Sem prejuízo, a alegação de quaisquer vícios referentes aos procedimentos de secretaria e do AE tendentes à citação, teriam de ser objeto da competente reclamação no processo principal. Nestes termos, por ser manifestamente inoportuno nesta sede, indefere-se a requerida “nulidade da falta de citação”. Em 22/02/2023 a requerida apresentou nos autos principais requerimento de interposição de recurso da sentença que declarou a sua insolvência, juntando alegações e conclusões nas quais alegou nulidade por falta de citação da requerida (nºs 30 e ss., 65 e 71 a 74 da motivação e conclusões 31 a 53), e pedindo a final “revogando-se o despacho que dispensou a citação e a audição da Requerida, declarando-se a nulidade da sentença proferida, a qual, em todo o caso, sempre devia ser revogada por falta de prova da situação de insolvência.” Em 28/02/2023 a ali requerida apresentou nos autos principais o seguinte requerimento: “FMG, insolvente nos autos de processo identificados em epígrafe, tendo sido notificada em 8.02.2023 da sentença proferida nos mesmos, que julgou procedente a ação interposta por PMC, e declarou a sua insolência, vem expor e requerer a V.Ex.ª o seguinte: I- DA NULIDADE DA FALTA DE CITAÇÃO 1. Tendo sido notificada em 8.02.2023 da sentença proferida nos presentes autos de insolvência instaurados por PMC que julgou procedente a ação e declarou a sua insolvência, a ora Requerida por não concordar nem se poder conformar com a mesma e porque se encontra em situação de revelia absoluta por não ter sido citada para a ação, nos termos do disposto no artigo 40º do CIRE, deduziu oposição de embargos à insolvência, com os fundamentos que constam da sua petição de embargos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos e reiterados para todos os legais efeitos e consequências. 2. E nos termos do artigo 42º, nºs 1 e 2 do CIRE, por entender que, face aos elementos apurados, a sentença não devia ter sido proferida, cumulativamente à oposição de embargos, interpôs recurso da sentença de declaração de insolvência para o Superior Tribunal da Relação de Lisboa (Doc.1). 3. Quer na oposição por embargos como no Recurso, a Requerida invocou a “nulidade da falta de citação” para a ação de insolvência. 4. Sucede, porém, que na oposição por embargos, em 16.02.2023, o Mmº Juiz proferiu o douto despacho judicial de fls. … com a Referência 142636931, que indeferiu a requerida “nulidade da falta de citação”, por considerar a sua invocação em sede de oposição por embargos manifestamente inoportuna, dado que a alegação de quaisquer vícios referentes aos procedimentos da Secretaria e da AE, como sucedeu in casu, teriam de ser objeto da competente reclamação no processo principal. 5. Apesar da Requerida ter invocado a nulidade da falta de citação na oposição por embargos e não obstante o seu indeferimento pelo Mmº Juiz poder vir ainda a ser objeto de recurso, entende a Requerida que a nulidade da falta de citação invocada na sua oposição por embargos, pode ser arguida em qualquer altura do processo de insolvência e deve ser conhecida pelo Tribunal, logo que dela se aperceba (cfr. artigos 196º; 198º, nº2 e 210º, nº 1 do CPC). 6. Por tal razão vem a Requerida, agora no processo principal, invocar a “nulidade da falta de citação”, por considerar nunca ter sido citada para a ação, tendo esta corrido à sua total revelia, pelas razões e fundamentos invocados nos embargos e no recurso, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos e reiterados, para todos os legais efeitos e consequências. Vejamos: 7. Considera a Requerida que se encontra em situação de revelia absoluta por não ter sido citada para a ação, o que constitui nulidade que aqui expressamente se invoca com as devidas e legais consequências. 8. Com efeito, a Requerente da insolvência indicou na sua petição inicial como morada da Requerida, a Rua …, nº … – 4º A, …, 2725-530 …. 9. E na verdade a Requerida reside desde há mais de vinte anos, na Rua …, nº … – 4º A, …, 2725-530 …, conforme facilmente se prova com os documentos que constam dos autos e com os que seguidamente se anexam a este requerimento. 10. Sendo esta e não qualquer outra a residência fiscal da Requerida que consta da AT (Doc.2), da Segurança Social (Doc.3), dos Bancos (Doc.4) com quem a Requerida estabeleceu relações bancárias e dos diversos processos judiciais em que a Requerida é interveniente processual sendo esta igualmente a residência conhecida do Tribunal. 11. Sucede que, as duas citações feitas pelo Tribunal à Requerida, nos termos do disposto no artigo 29º, nº 1 do CIRE, a 1ª foi enviada em 8.07.2022 para a Rua …, … – 4º A, Algueirão, 2725-533 …, a qual não foi, naturalmente, recebida pela Requerida, na medida em que a carta-citação foi enviada para uma morada com o código postal 2725 -533 … que não corresponde ao da Requerida, pois aquele que correspondente à sua morada é o 2725-530 …, conforme se pode ver pelo confronto da carta-citação com a certidão de residência fiscal da Requerida emitida pela AT (Docs.2 e 5). 12. E a 2ª carta citação foi enviada pelo Tribunal em 3.08.2022 (Doc.6) para a morada da Requerida, com o código postal corretamente mencionado, mas não foi recebida pela Requerida, dado esta se encontrar a trabalhar quando o carteiro passou na sua residência, tendo a carta sido devolvida ao Tribunal com a indicação de “não atendeu”, não tendo o carteiro deixado na Caixa postal da Requerida qualquer aviso para levantamento da carta-citação, nem tal está provado nos autos. 13. Tal situação já se verificou, aliás, em diversas outras ocasiões com outras cartas enviadas por outras entidades à Requerida e que esta nunca recebeu nem delas teve conhecimento, tendo a Requerida reclamado no posto dos CTT da área da sua residência essa situação irregular da responsabilidade do carteiro, bem como a necessidade de que tais situações não voltassem a ocorrer (Docs.7 e 8). 14. Deste modo, a Requerida não recebeu nenhuma das duas citações enviadas pelo Tribunal, nem delas teve conhecimento, por culpa do Tribunal e dos CTT, conforme supra referido, não tendo sido citada pelo Tribunal para a presente ação de insolvência que corre termos à sua total revelia, o que constitui nulidade de falta de citação que, repete-se, aqui expressamente se invoca e pretende fazer valer para todas os efeitos e legais consequências. 15. Por outro lado, a Requerida é funcionária da empresa RH, S.A., desde 29.05.2020, com quem mantém uma relação contratual e laboral estável, e de quem recebe mensalmente o seu vencimento, que declara regularmente à AT e à Segurança Social (Docs.9 e 10). 16. Consequentemente, a Requerida FMG não se encontra a residir no estrangeiro nem o seu paradeiro é desconhecido. 17. Não obstante, após consultar os autos, constatou a Requerida que tentada a sua citação pessoal pela secretaria judicial, por cartas registadas (2) com A/R enviadas para a sua residência, a 1ª carta, para uma morada errada, em 8.07.2022, e a 2ª em 3.08.2022, para a sua residência correta, e posteriormente pela AE nomeada para proceder à citação da Requerida, em face da frustração das tentativas de citação realizadas pelo Tribunal e pela AE nomeada, nos termos que constam dos autos, foi proferido o despacho judicial de fls. …, nos termos do artigo 12º, nº 1 do CIRE, datado de 10.01.2023 que dispensou a referida citação pessoal da Requerida, nos termos do aludido normativo legal e designou o dia 24.01.2023, pelas 14:00 horas para a realização da audiência de discussão e julgamento, com dispensa da audição da Requerida, tendo-se realizado o julgamento em 24.01.2023, pelas 14:00 horas, sem a presença da Requerida que não foi ouvida e a final proferida sentença que declarou a insolvência da Requerida. 18. Ora, constitui regra a citação pessoal do devedor para deduzir oposição ao pedido de insolvência (artigo 29º do CIRE) e exceção a possibilidade de dispensa da sua citação prévia (artigo 12º do CIRE). 19. O que releva no artigo 12º do CIRE não é o facto, de per se, de o devedor residir no estrangeiro ou ser desconhecido o seu paradeiro, mas sim o facto de tais circunstâncias poderem implicar uma demora excessiva no processo de insolvência. 20. Sucede que havia informação nos autos desde o início do processo em 8.07.2022, quer da exata residência da Requerida quer ainda da identidade da sua entidade patronal e do seu local de trabalho, onde a Requerida podia ser citada pessoalmente, pelo que a realização de tal citação não implicava qualquer demora excessiva para os autos. 21. Porém, quer a secretaria judicial como posteriormente a Sra. Agente de Execução nomeada, a quem cabia efetuar diligências a fim de obter a informação do local de trabalho da Requerida, bastando para tanto recorrerem à consulta dos registos da AT e da Segurança Social e logo teriam obtido tal informação, negligenciaram totalmente tais diligências, por forma a citarem a Requerida no seu local de trabalho, uma vez frustrada a citação da Requerida na sua residência, sendo que a Requerida vive sozinha. 22. Com efeito, nem a secretaria judicial nem a AE nomeada efetuaram qualquer diligência para proceder à citação pessoal da Requerida no seu local de trabalho. 23. Na verdade, desde 8.07.2022 que não era necessário a realização de qualquer iniciativa investigatória, demorada ou complexa, sobre o paradeiro/residência e/ou local de trabalho da Requerida que perturbasse o normal andamento do processo, nem a Requerida estava desaparecida. 24. Não obstante, tendo-se frustrado a citação da Requerida na sua residência, quer a secretaria judicial quer a Sra. AE nomeada, nunca tentaram a citação da Requerida no seu local de trabalho, o que não se compreende nem se aceita e apenas sucedeu por negligência da secretaria judicial e da AE em realizar as adequadas diligências tendentes a esse efeito. 25. Assim, não se esgotaram, nem pouco mais ou menos, todas as possibilidades e diligências que se impunham para alcançar a citação pessoal da Requerida, quando era manifesta a solução da questão: a citação da Requerida na sua residência e/ou no seu local de trabalho. 26. Tão pouco a natureza urgente do processo teve qualquer significativo reflexo no seu desenrolar, quer a citação pessoal pela secretaria quer a citação pessoal pela AE apenas não se realizaram por opção de ambas em não diligenciar pela citação da Requerida para o seu local de trabalho, uma vez frustradas as tentativas de a citar para a sua residência. 27. É manifesto que a dispensa de citação determinou prejuízo para a defesa da Requerida, tendo sido decretada a sua insolvência sem a sua audição, o que não sucederia se a Requerida tivesse sido citada, pois nesse caso, tinha tido a oportunidade de se defender e apresentar um acervo de fundamentos e prova muito mais amplos (artigo 30º, nº 3 do CIRE) que a permitida nos embargos (artigo 40º, nº 2 do CIRE). 28. Se o Tribunal a quo tivesse consultado o sistema de gestão e registo dos contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social, verificaria na situação cadastral da Requerida que, à data da entrada em Juízo da petição inicial (8.07.2022), a Requerida tinha residência na Rua …, nº … – 4º A, 2725 – 530 …, e que o seu local de trabalho era no Edifício …, Av. …, nº 1-C, …, … Lisboa. 29. Dispõe o nº 1 do art.º 29º do CIRE que se a petição não tiver sido apresentada pelo devedor, como é o caso dos presentes autos, o juiz manda citar pessoalmente o devedor no prazo referido no artigo 28º do CIRE. 30. Após consultar os autos, constatou a Requerida, repete-se, que foram feitas duas tentativas de citação pelo Tribunal, nos termos do art.º 29º do CIRE, a 1ª em 8.07.2022, enviada para uma morada com o código postal errado, e a 2ª enviada para a Rua …., nº .. – 4ºA, …, 2735-530 …, tendo ambas as cartas para citação sido devolvidas com a indicação de “não atendeu”, conforme consta de ambos os envelopes. 31. Tais cartas de citação não foram recebidas pela Requerida, que das mesmas também não teve conhecimento, dado que a 1ª foi enviada para uma morada errada e a 2ª não foi recebida porque quando o carteiro distribuiu a correspondência no seu prédio, a Requerida não estava na sua residência mas no seu local de trabalho, sendo que, em ambas as situações o carteiro não deixou nenhum aviso no recetáculo postal da Requerida, para levantamento das cartas-citação, tendo a Requerida já reclamado nos CTT as reiteradas práticas omissivas e descuidadas dos carteiros, na distribuição e entrega da correspondência postal. 32. Por outro lado, a Sra. Agente de Execução HG, nomeada para proceder à citação pessoal da Requerida, deslocou-se à sua morada sita na Rua …, nº ..- 4º A, …, 2725-530 …, às 15:45 horas, não tendo encontrado a Requerida na residência, o que não é de estranhar, porquanto na referida hora a Requerida encontrava-se a trabalhar para a sua entidade patronal, no seu local de trabalho. 33. Sucede que a Sra. AE, apesar de não ter encontrado a Requerida na sua residência, e não obstante não ter conseguido citar a Requerida na referida morada, limitou-se a efetuar um mero contacto com uma vizinha do 4º D, que supostamente e de forma errónea, terá informado a AE que a fração em causa já não era habitada desde a pandemia, o que não é verdade, porquanto, a Requerida sempre residiu na referida morada, conforme vem provado nos inúmeros documentos e factos que constam dos autos e nos demais documentos que se juntam a este recurso, e ainda que desconhecia o nome de quem lá vivia. 34. A Sra. AE não realizou a citação pessoal da Requerida mas também nada mais fez do que elaborar uma certidão negativa que remeteu ao Tribunal, não tendo efetuado qualquer outra diligência no sentido de realizar a citação pessoal da Requerida, designadamente, investigando a morada do local de trabalho da Requerida e deslocando-se ao mesmo, onde teria encontrado a Requerida e logrado realizar a sua citação, ou realizando a citação nos termos do art.º 232º do CPC (citação com hora certa) ou ainda deixando Nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixando o respetivo aviso no local mais indicado do prédio da residência da Requerida, designadamente nos termos previstos no nº 4 do artigo 232º do CPC. 35. Manifestamente a Sra. AE não fez as diligências pertinentes e adequadas que lhe competia fazer para lograr a concretização da citação da Requerida, não tendo sequer deixado na residência da Requerida qualquer aviso para que esta a contactasse a fim de proceder à sua citação, pelo que atuou a AE com inusitada negligência e em violação dos artigos 231º e 232º, nºs 1 e 4 do CPC, o que constitui nulidade por omissão da prática dos atos e diligências previstos nas referidas disposições legais a cargo da Sra. AE, nulidade que ora se invoca para os devidos efeitos e legais consequências. 36. Certo é que a Requerida, nas datas de todas as tentativas de citação, não residia no estrangeiro nem esteva ausente em parte incerta, antes, porém, sempre residiu e reside na Rua …, nº ...- 4º A, …, 2725-530 …, e fora da residência sempre se manteve no seu local de trabalho, ou seja, caso não fosse possível ao Tribunal ou à Sra. AE encontra-la na residência, sempre facilmente seria citada no seu local de trabalho, informação que o Tribunal e/ou a AE facilmente teriam obtido, caso efetuassem as diligências adequadas no sentido de apurar tal informação que sempre esteve disponível e acessível à Secretaria e à Sra. AE. 37. Acresce que, tendo a Requerente instaurado ação executiva contra a Requerida, conforme consta, aliás, dos autos, no âmbito da qual foram penhorados bens da Requerida, e tendo sido penhorado o salário da Requerida em processo judicial, sempre seria fácil à Requerente informar nos autos, caso o Tribunal antes não tivesse logrado obter essa informação, a identidade da entidade patronal da Requerida, in casu “RH, S.A.”, quer o seu local de trabalho, e a citação da Requerida logo teria sido concretizada sem dificuldade. 38. Assim, foram várias as questões de substância que, pelo facto de não ter sido citada, a Requerida não pôde atempadamente trazer aos autos e que implicaram, seguramente, o prosseguimento dos autos nos moldes em que este se verificou. 39. O douto despacho judicial que dispensou a citação da devedora, violou o disposto no artigo 12º do CIRE, sendo que, atento o disposto nos artigos 188º, nº 1, alínea e); 191º, nº 1 e 195º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi, artigo 17º do CIRE, não estavam verificados os pressupostos dessa dispensa, o que gera a nulidade de todo o processado após a prolação deste despacho. 40. Porquanto, o tribunal e a própria Sra. AE já conheciam ou deviam conhecer do paradeiro e da identificação da residência e do local de trabalho da Requerida para efeitos da sua citação e nada fizeram no sentido de citar a Requerida na morada do seu local de trabalho. 41. E por outro lado, verifica-se que também não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 228º, nºs 5 e 9 do CPC, já que a carta para citação da Requerida foi endereçada para a morada da sua residência, e não sendo possível ao carteiro entregar a carta à citanda, este, repete-se, não deixou aviso à Requerida destinatária da carta para a citação, com as menções previstas na referida disposição legal e também a Secretaria, em face da devolução da 1ª carta-citação, não repetiu a citação enviando nova carta registada com aviso de receção, agora para o local de trabalho da Requerida, cuja morada facilmente obtinha nos presentes autos, desde logo através da consulta da base de dados da AT e da Segurança Social ou através do recibo de vencimento da Requerida apreendido pelo Sr. Administrador de Insolvência. 42. Também a Sra. AE nomeada, não tendo conseguido citar a Requerida na sua morada, por a mesma se encontrar ausente, e a fim de lograr a citação da Requerida, não deu cumprimento às diligências previstas nos artigos 231º, nº 1 e 232º, nºs 1 e 4 do CPC, como já foi anteriormente referido. 43. Face ao supra exposto, não podia o Mmº Juiz considerar a Requerida citada, nos termos do nº 1 do artigo 12º do CIRE, pelo que, ao fazê-lo violou a aludida disposição legal, o que constitui nulidade que se invoca e se pretende fazer valer para todos os efeitos e legais consequências. 44. Em face do supra exposto, é manifesto que a Requerida FMG, nunca foi citada para a presente ação de insolvência que corre os seus termos à sua total revelia. 45. Tendo assim ocorrido falta de citação nos termos do disposto no artigo 188º, nº 1, al. e) do CPC, de que decorre, nos termos do disposto na al. a) do artigo 187º do CPC, que “é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvaguardando-se apenas esta, quando o réu não tiver sido citado”. 46. Pelo que invoca a Requerida nos presentes autos expressamente a nulidade de todo o processado após a petição inicial, face à total falta de citação da mesma, nulidade que pode ser arguida em qualquer altura do processo e deve ser conhecida pelo Tribunal, logo que dela se aperceba (artigos 196º; 198º, nº 2 e 200, nº 1 do CPC). 47. Nulidade de todo o processado que, para além do mais, afeta necessariamente o despacho que dispensou a citação e a audição da Requerida bem como a sentença de insolvência proferida, a qual deve de imediato ser declarada nula, nos termos e com as legais consequências, mormente o imediato cancelamento do registo da sentença, na Conservatória do Registo Civil. 48. Nulidade que foi arguida junto do Tribunal a quo na oposição por embargos que a indeferiu liminarmente, por considerar manifestamente inoportuna a sua alegação em sede de embargos à insolvência, pelo que ora igualmente se invoca, pois que, como antecedentemente referido, pode ser arguida em qualquer estado do processo e deve ser conhecida pelo Tribunal logo que dela se aperceba (artigos 196º; 198º, nº 2 e 200º, nº 1 do CPC). 49. Nulidade de todo o processado que, para além do mais, conforme acima referido, afeta necessariamente o despacho judicial que dispensou a citação da Requerida, que por tal razão deve ser revogado, bem como a sentença de insolvência, a qual deve de imediato ser declarada nula nos termos e com as consequências legais.” Em 03/03/2023 foi proferido o seguinte despacho: “* Nestes autos, em 24.01.2023 foi proferida sentença que decretou a insolvência de FMG, com dispensa de audiência da devedora, nos termos permitidos pelo art.º 12º, do CIRE. Em 10.02.2023 a insolvente juntou procuração aos autos. Em 13.02.2023, por apenso, a insolvente deduziu oposição de embargos, que foram recebidos. Em 22.02.2023 a insolvente requereu a interposição de recurso da sentença proferida, arguindo a nulidade por falta de citação. Em 28.02.2023 voltou a apresentar requerimento insistindo na tese da nulidade da falta de citação, por alegadamente não terem sido observadas as diligências devidas para a citação pessoal da requerida, com a consequente inexistência de motivos para a dispensa de audiência da devedora. Vejamos: No seio daquilo que nos parece ser uma confusão patente, é importante referir já, por razões de eficiência processual, que qualquer vicio relativo à citação da requerida encontra-se sanado, porquanto a mesma não foi expressamente invocada aquando da primeira intervenção nos autos (junção da procuração) – art.º 189º, do CPC. Isto, sem prejuízo da dedução de embargos constituir a prática de ato processual incompatível com a arguição de uma falta de citação pessoal, ela própria condição de admissibilidade dos embargos. Torna-se, portanto, desnecessário, por inútil, proceder à análise detalhada dos atos praticados e tendentes à citação, tanto mais que acabou por dispensar-se a audiência da devedora e a mesma manteve a possibilidade do exercício dos seus direitos de defesa, através da interposição de recurso ou dedução de oposição por embargos (sem olvidar que, de resto, numa análise perfunctória, foi tentada a citação na sua morada pessoal - cujo endereço a mesma confirma - e a carta devolvida com a menção “objecto não reclamado”, pelo que tudo levaria a crer que a falta de tomada de conhecimento do teor da mesma sempre procederia de culpa sua). Em suma, improcede manifestamente a nulidade invocada. Notifique.” No mesmo despacho foi admitido o recurso interposto da sentença que declarou a insolvência. Inconformada apelou a requerida, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que declare a nulidade de todo o processado depois da petição inicial, por falta de citação da Requerida. e apresentando as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho que, entre o mais, julgou improcedente a nulidade invocada pela insolvente de falta de citação. 2- Fundamentou o Tribunal a quo esta sua decisão na circunstância de considerar sanado qualquer vício relativo à citação da requerida porquanto a mesma não foi expressamente invocada aquando da primeira intervenção nos autos (junção da procuração) – artigo 189º, do CPC. 3 – E ainda, na circunstância de considerar que a dedução de embargos constitui a prática de ato processual incompatível com a arguição de uma falta de citação pessoal, ela própria condição de admissibilidade dos embargos. Concluindo, tornar-se desnecessário proceder à análise detalhada dos atos praticados e tendentes à citação, tanto mais que acabou por dispensar-se a audiência da devedora e a mesma manteve a possibilidade do exercício dos seus direitos de defesa, através da interposição de recurso ou dedução de oposição por embargos. 4 - Despacho este, neste concreto segmento, com o qual a Recorrente não concorda nem se pode conformar, já que considera que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 12º e 29º do CIRE e artigos 3.º 187.º, 188.º, 189.º, 196.º, 198.º, 219.º, 228.º e 232.º do C.P.C.. 5 – Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo o simples ato de junção de procuração aos autos não constitui uma intervenção relevante nos autos nos termos e para os efeitos previstos no art.º 189.º do C.P.C.. 6 – É neste momento entendimento maioritário seguido na mais recente Jurisprudência (cfr. entre outros o Acórdão da Relação de Évora de 3.11.2016, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 29.6.2017 e 23.01.2020 e os Acórdãos da Relação de Lisboa de 6.7.2017, e de 05.11.2019, todos disponíveis em www.dgsi.pt.), que a intervenção relevante da parte na causa, designadamente para os efeitos previstos no artigo 189º do C.P.C., pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante. 7 - Só depois de juntar a procuração é que o mandatário fica com acesso ao processo eletrónico e só depois de analisar convenientemente todo o processo eletronicamente e confrontar a cliente com os elementos constantes dos autos relativos a alegados atos de citação, pode concluir pela falta de citação, e então depois arguir a mesma. 8 - Da simples leitura da sentença de que foi notificada não tinha a aqui Recorrente, nem o seu mandatário, como conhecer o conteúdo dos atos praticados anteriormente à junção da procuração forense aos autos e, consequentemente, não tinham como invocar a nulidade da citação simultaneamente com a junção da procuração. 9 - Até porque conforme resulta das sua alegação da referida nulidade, em causa está o facto de a primeira citação endereçada à Requerida pela secretaria do Tribunal ter sido feita para morada incorreta já que foi indicado como código postal 2725-533 e não 2725-530; em causa está o facto de em relação à segunda citação, não ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do art.º 228.º do C.P.C. pois não foi deixado qualquer aviso, nos termos e para os efeitos ali previstos; e em causa está o facto de na diligência de citação concretizada pela AE se ter violado o disposto no art.º 232.º do C.P.C. uma vez que, não conseguindo proceder à citação da Requerida na morada indicada, devia aquela AE ter ali deixado nota com indicação de dia e hora certa para a diligência, o que não fez. 10 - Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, supra identificado: “Tendo presente a realidade social, económica e a própria evolução tecnológica, inclusivamente na dimensão do acesso ao direito através do recurso a ferramentas informáticas, de acordo com os cânones de uma boa interpretação, estando a hermenêutica atualista legitimada pelo Código Civil e pela Teoria do Direito, o julgador tem de tomar em consideração as circunstância de tempo e de modo em que a lei deve ser aplicada e, como corolário lógico, no domínio da Tramitação Eletrónica dos Processos Judiciais preconizada pela Portaria nº 280/2013, de 26/08, não é legítima a conclusão que a simples apresentação de uma procuração, que é condição de acesso ao sistema eletrónico e constitui pressuposto de qualquer atuação processual futura, implica a sanação de eventual falta de citação de uma das partes e preclude a hipótese de suscitar a competente nulidade”. 11 - Com a junção aos autos de procuração por requerimento datado de 10/02/2023 não se pode, de modo algum, considerar sanada a falta de citação da requerida. 12 - Só depois dessa junção foi possível à mesma, e ao seu mandatário, consultar os autos, e consequentemente concluir pela verificação da mencionada falta de citação. 13 - Nulidade que foi prontamente arguida 3 dias depois (13/02/2023) concretamente aquando da dedução de embargos – este sim, o primeiro ato processual praticado depois de ter sido constatada a sua situação de revelia. 14 - E nulidade que, aliás, voltou a ser arguida nos atos processuais que de seguida foram praticados, a saber, aquando da apresentação de recurso da sentença de insolvência (22/02/2023), e em requerimento autónomo que se seguiu a este (28/02/2023). 15 - Fundamentou ainda o Tribunal a quo o indeferimento da arguida nulidade de falta de citação, por considerar que a dedução de embargos constitui a prática de ato processual incompatível com a arguição de uma falta de citação pessoal, ela própria condição de admissibilidade dos embargos. Concluindo, tornar-se desnecessário proceder à análise detalhada dos atos praticados e tendentes à citação, tanto mais que acabou por dispensar-se a audiência da devedora e a mesma manteve a possibilidade do exercício dos seus direitos de defesa, através da interposição de recurso ou dedução de oposição por embargos. 16 - Dando escrupuloso cumprimento aos prazos judiciais de que dispunha para tomar posição nos autos depois de ter sido notificada da sentença que declarou a sua insolvência, não tinha a aqui Recorrente como deixar de apresentar embargos à referida sentença e de recorrer da mesma. 17 - E, naturalmente, que sendo os embargos um ato processual e uma intervenção relevante da sua parte para efeitos do disposto no art.º 189.º do C.P.C., sendo o primeiro ato praticado depois de se aperceber da sua falta de citação, não poderia deixar de nesse preciso momento arguir expressamente a respetiva nulidade. 18 - Em causa estava não só a falta de citação que constitui nulidade que a mesma expressamente invocou, mas também a ilegalidade da verificada dispensa da sua audiência. 19 - A aplicação do disposto no art.º 12.º do CIRE constitui uma exceção à regra da prévia audição do devedor e exercício efetivo do seu direito de defesa. Pelo que a sua aplicação está legalmente dependente da verificação de dois requisitos cumulativos: o devedor ser uma pessoa singular e residir no estrangeiro ou ser desconhecido o seu paradeiro, e a sua citação acarrete demora excessiva do processo. 20 - No caso em concreto, não estamos perante uma pessoa singular que resida no estrangeiro, ou cujo paradeiro seja desconhecido, pelo que fica, necessariamente, prejudicada a verificação do segundo requisito, que para todos os efeitos, e em qualquer caso, nunca se poderia considerar verificado. 21 - E porque a aplicação do disposto no art.º 12.º do CIRE foi ilegal, estamos perante uma efetiva falta de citação, com a consequente nulidade de todo o processado após a petição inicial, conforme o disposto nos artigos 187.º, al. a) e 188.º, n.º 1 al. a) do C.P.C.. 22 - E esta foi a nulidade invocada pela Recorrente naquele preciso momento, e depois de novo, invocada nos atos processuais que se seguiram, conforme já explicitado. 23 - Não estamos perante nenhuma nulidade de julgamento, e invocável através dos meios de defesa contidos nos artigos 40º a 42º, do CIRE, com vista à reversão da declaração de insolvência. 24 - Estamos, no caso em concreto, perante nulidade de processo, ou seja, perante um desvio ao formalismo processual prescrito na lei, pela prática de um ato proibido – dispensa ilegal de audição da devedora e consequente falta de citação da mesma, a qual, aliás, é do conhecimento oficioso. 25 - Daí que, deveria a invocada nulidade ter sido apreciada e julgada procedente no despacho proferido após a sua invocação nos embargos, estando pendente o recurso interposto de tal indeferimento. 26 - Mas mesmo não o tendo sido, devia agora ter sido julgada totalmente procedente com as necessárias e legais consequências, carecendo a decisão ora proferida de qualquer fundamento. 27 - A invocada nulidade de falta de citação não pode considerar-se sanada pela simples junção aos autos eletrónicos de procuração forense. 28 - O facto de a aqui Recorrente ter deduzido embargos e ter recorrido da sentença que declarou a sua insolvência não prejudica a invocação de uma tal nulidade, nem a sua apreciação. 29 - Não está em causa única e simplesmente o exercício dos direitos de defesa, está em causa, antes disso, a prática de ato ilegal e de nulidade processual que é do conhecimento oficioso, e que tem efeitos bem distintos dos eventuais efeitos de uma revogação da sentença de insolvência proferida. 30 - A falta de citação, no caso em concreto, impedia por si só a dispensa da sua audiência por aplicação do disposto no art.º 12.º do CIRE precisamente por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que esta aplicação depende. 31 - A análise detalhada dos atos praticados e tendentes à citação devia obrigatoriamente ter ocorrido antes da decisão de dispensa da audição da requerida – o que não se verificou! 32 - A análise detalhada dos atos praticados e tendentes à citação devia obrigatoriamente ter ocorrido agora com vista à apreciação da invocada nulidade – o que também não aconteceu! 33 - Análise detalhada essa que não deixaria margem para dúvidas, face aos documentos juntos ao processo, de que não foram realizadas as diligências que a lei prevê com vista à citação da Requerida, e a lei não permite, sem mais, a dispensa de qualquer diligência com vista à sua citação. 34 – A falta de citação da requerida ocorreu e a nulidade respetiva, que é uma nulidade processual principal, foi oportunamente invocada. 35 - Deve, pois, o despacho proferido, ser revogado e substituído por outro que julgue totalmente procedente a invocada nulidade com as necessárias e legais consequências. Contra-alegou a recorrida, pedindo a manutenção da decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões: “I – O objecto do presente recurso – alegada nulidade da falta de citação da Apelante e do despacho que dispensou a citação daquela – é semelhante ao do recurso intentado nos autos principais – vide alegações de 22/02/2023 (ref. citius 22820678) - e no apenso B – cfr. alegações de 7/03/2023 (ref. citius 22912986). II – Em ambos os recursos ocorrem uma identidade das partes, do pedido e da causa de pedir. III – Tal facto consubstancia uma efectiva situação de litispendência, o que obsta a que o presente recurso seja apreciado. Mais se diga que, IV - Dispõe o artigo 639.º, n.º 1 do CPC que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual se conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” V – Ónus que, in casu, não se encontra verificado: as conclusões elencadas pela Recorrente (con)fundem-se com o texto alegatório, constituindo aquelas uma reprodução (quase) integral deste. VI – Pelo que, por violação do referido ónus, o recurso apresentado pela Recorrente deverá ser julgado totalmente improcedente. Caso assim não se considere, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se diga VII – Andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a (alegada) falta de citação da Apelante e, consequentemente, a nulidade do despacho que ordenou a dispensa da sua citação. VIII – A Apelante não arguiu qualquer nulidade aquando da primeira intervenção no processo – junção da procuração forense, por via do seu mandatário -, pelo que a (alegada) nulidade considera-se sanada uma vez que o conhecimento, por parte da Recorrente, da sua declaração de insolvência é anterior à junção daquela procuração. IX – De igual modo, a dedução de embargos à insolvência está limitada às circunstâncias melhor descritas no número 2 do artigo 40.º do CIRE, pelo que aquele expediente não é o meio adequado para a Apelante colocar em causa a sua (alegada) falta de citação. X – Não obstante o exposto, a verdade é que foram cumpridas todas as diligências com vista à citação da Recorrente: foram enviadas duas cartas para a sua morada e foi tentada a citação por via de Agente de Execução. XI – A primeira carta enviada veio devolvida com a indicação de «recusada». XII – A segunda veio devolvida com a expressa menção de «não reclamada». XIII – E esteve disponível, nos correios, para levantamento por parte da Sra. FMG – o que nunca aconteceu. XIV – O que não aconteceu, uma vez mais, por mera negligência da Recorrente que nunca se dignou a deslocar-se ao posto dos correios para o levantamento da referida carta. XV – Todas as (tentativas) de citação realizadas no presente processo foram efectuadas para aquela que era (e é) a morada conhecida da Recorrente; morada por esta confirmada. XVI – Atenta a demora excessiva na citação da Recorrente, o tribunal dispensou a sua audiência, nos termos do disposto no artigo 12.º do CIRE; despacho que é plenamente válido. XVII – Devendo, consequentemente, manter-se inalterada o douto despacho recorrido que indeferiu a requerida «nulidade da falta de citação». O recurso foi admitido por despacho de 23/05/2023 (ref.ª 144502886). Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes, por ordem de conhecimento, as questões a decidir: - a apreciação da tempestividade e oportunidade da arguição de nulidade de todo o processado por falta de citação; - caso não seja prejudicada pela solução dada ao ponto anterior, a existência de irregularidades da dispensa de citação ordenada pelo tribunal nos termos do art.º 12º do CIRE e suas consequências. * 3. Fundamentos de facto Com relevância para a decisão do recurso, além dos factos constantes do relatório, resultam dos autos os seguintes factos (processuais): 1 – A insolvência de FMG foi requerida com a indicação de ser residente na Rua …, n.º …, 4. A, …, 2725-530 … (cfr. requerimento inicial apresentado em 07/07/2022). 2 – A citação da requerida foi expedida para FMG, R. Professor Agostinho da Silva, …, 4º -A, …, 2725-533 … (cfr. citação de 08/07/2022). 3 – A citação foi devolvida com a indicação “recusa em 2022-07-28” (cfr. postal carta devolvida em 29/07/2022). 4 – Foram colhidas informações sobre o domicílio da requerida na base de dados do registo civil, da Autoridade Tributária e Segurança Social, tendo sido indicada a Rua …, n.º …, 4. A, …, 2725-530 … (cfr. consultas de 03/08/2022, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 5 – Foi expedida nova carta de citação por correio registado para FMG, Rua …, …- 4º-A, …, 2725-530 … (cfr. citação de 03/08/2022). 6 – A citação foi devolvida com a menção “Não reclamado em 2022-08-25”. 7 – Em 29/09/2022 foi solicitada a citação por contacto pessoal de solicitador de execução. 8 – Em 07/11/2022 a agente de execução juntou citação negativa com o seguinte teor: “Carcavelos, 07-11-2022 HG, Agente de Execução com a cédula n.º 4371, com domicílio profissional na Avenida … Carcavelos, vem na sequência da frustração da citação por contacto pessoal de FMG, informar V. Exa. das diligências realizadas: No passado dia 20-10-2022 pelas 15:45 deslocou-se à morada sita na Rua …, … 4º A … 2725-530 …, no entanto, não foi possível realizar a diligência porque na referida morada ninguém atendeu. A signatária indagou a vizinha do 4º D que informou que a fração em causa já não é habitada desde da pandemia, desconhece o nome de quem lá residia.” (documento junto em 07/11/2022). 9 – Notificada a requerente veio pedir a dispensa de citação da requerida, nos termos do art.º 12º do CIRE por ser desconhecido o seu paradeiro (requerimento de 09/01/2023). 10 – Em 11/01/2023 foi proferido o seguinte despacho: “Apesar de todas as diligências efetuadas com vista à citação do requerido, as mesmas resultaram frustradas por desconhecimento do respetivo paradeiro. Não se afigura possível, perante a falta de elementos identificativos, ouvir qualquer das pessoas mencionadas no art.º 12º, n.º 2. Assim sendo, e por forma a evitar uma demora excessiva, dispenso a referida citação – art.º 12º, n.º 1, do CIRE.” 11 – Em 12/01/2023 foi expedida notificação da requerida da data de realização de audiência de julgamento, a qual foi devolvida em 26/01/2023, com a menção “Objeto não reclamado” (cfr. notificação de 12/01/2023 e devolução de 01/02/2023). 12 – Em 26/01/2023 foi expedida notificação registada com aviso de receção da sentença proferida, a qual foi entregue em 08/02/2023 (cfr. notificação de 26/01/2023 e aviso de receção de 27/02/2023). 13 – Em 10/02/2023 a requerida juntou aos autos procuração forense a favor do seu Mandatário (cfr. requerimento da mesma data). 14 – A requerida apresentou junto dos CTT, em impresso próprio, uma reclamação em 13/02/2023, com o seguinte teor: “venho por este meio reclamar que após receber uma carta de tribunal, com AR e o aviso ter sido levantado em Fevereiro de 2023, descubro que já tinham sido enviadas outras cartas , quer de Tribunal, quer de outras entidades e até do IMT – Instituto de Mobilidade e Transportes, após tratar da renovação da carta de condução e essas cartas indicavam “com AR” e os avisos não estavam na minha caixa de correio o que me causou vários problemas e nem sei se existem mais. Venho requerer que não volte a acontecer ou terei que recorrer a outros meios ao meu dispor.” (cfr. doc. 7 junto com o requerimento de 28/02/2023). 15 – Os CTT responderam a esta reclamação por mensagem de correio eletrónico de 22/02/2023, da qual consta “Na sequência da sua comunicação enviada aos nossos serviços efetuada no Livre de Reclamações sobre o assunto supra referenciado, lapsos de distribuição, informo: A situação mencionada foi enviada aos serviços competentes para verificação e diligências tidas por convenientes. Procuramos resolver o problema tão breve quanto possível. Desde já apresentamos o nosso pedido de desculpas pelo incómodo causado, manifestando a compreensão pelo transtorno que a presente situação tenha ou esteja a provocar. Continuaremos a contar consigo na expetativa de que o sucedido não tenha colocado em causa a confiança nos nossos serviços.” (cfr. doc. 7 junto com o requerimento de 28/02/2023). * 4. Fundamentos do recurso O primeiro exercício necessário é o da determinação da regras aplicáveis e respetivo âmbito. «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.» – art.º 1º nº 1 do CIRE[1]. É um processo especial que, quanto à sua natureza, pode ser considerado misto, com uma fase marcadamente declarativa (até à declaração de insolvência) e outra claramente executiva (após a declaração de insolvência com liquidação de todo o património do devedor que integra a massa insolvente para satisfação dos credores ou através da aprovação de um plano de insolvência)[2]. Nos termos do nº1 do art.º 17º do CIRE, o processo de insolvência é regido pelas regras deste código e, subsidiariamente pelo Código de Processo Civil, «em tudo o que não contrarie as disposições do presente código.». Sem prejuízo, ao longo do CIRE, o legislador remeteu especificamente para algumas regras do CPC, em especial para as normas que regulam o processo executivo na parte relativa à tramitação de feição “executiva”, ou seja, a apreensão e liquidação, mas não só[3]. A regra geral do art.º 17º, no entanto vale também para as remissões expressas, ou seja, a aplicação dos preceitos do CPC dá-se sempre enquanto os mesmos não contrariem disposições do CIRE. O CIRE não contém qualquer disciplina geral relativa à arguição de nulidades processuais pelo que, sem prejuízo de normas que afastem a aplicação do regime geral[4], é a disciplina prevista nos art.ºs 186º e ss. do CPC a aplicável em processo de insolvência, com as necessárias adaptações. A primeira questão a decidir nos presentes autos prende-se com a tempestividade da arguição de nulidade de todo o processado por falta de citação, que o tribunal a quo considerou intempestiva por não ter sido arguida no primeiro ato praticado nos autos, a junção de procuração forense e a recorrente assumiu ter sido arguida, nos exatos moldes aqui submetidos em duas ocasiões anteriores: nos embargos opostos à sentença que declarou a insolvência e no recurso interposto da mesma sentença. Nos termos do disposto no art.º 189º do CPC «Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.» Como nos dão conta Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa[5] a questão relevante prende-se com a noção de intervenção no processo, mais exatamente, do que se pode considerar primeira intervenção no processo, existindo duas orientações jurisprudenciais perfeitamente delineadas: uma defendendo “que a junção de procuração a advogado constitui uma intervenção relevante que faz pressupor o conhecimento do processo, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação (RC 16-3-21, 163/20, RE 20-12-18, 4901/16, RL 20-04-15, 564/14 e RE 16-4-15, 401/10). Opõe-se uma outra corrente, segundo a qual a forma de compatibilizar o direito constitucional de acesso ao direito, no caso das ações tramitadas eletronicamente, é fazer uma interpretação atualista quanto aos efeitos relacionados com a apresentação de uma procuração forense, de modo a evitar que a simples junção de mandato forense não implique, direta e necessariamente, a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação (RE 22-10-20, 926/19, RP 9-1-20, 2087/17, RC 24-4-18, 608/10, RL 6-7-1/, 21296/12, RE 3-11-16, 1573/10;em RG 4-3-21 estava em causa a simples consulta do processo pelo advogado posteriormente constituído.)” Perfilhamos a orientação propugnada em interpretação atualista, por nos parecer ser a única que concilia o acesso ao direito e aos tribunais e as exigências da tramitação eletrónica a que, também os autos de insolvência, estão sujeitos, essencialmente pelas razões melhor enunciadas no Ac. TRG de 23/02/2023 (Paulo Reis)[6]: “Neste enquadramento, a jurisprudência mais recente, que entendemos representativa, tem vindo a considerar que, mesmo nos casos em que quem deveria ter sido citado apresenta procuração no processo, estando o processo sujeito a tramitação eletrónica de acordo com a Portaria n.º 280/2013, de 26-08 (diploma que regula vários aspetos da tramitação eletrónica dos processos judiciais), tal ato não deve consubstanciar por si só intervenção relevante para efeitos de preclusão da possibilidade de arguição de vicio de nulidade por falta de citação, na medida em que a intervenção relevante da parte na causa, para os efeitos previstos no artigo 189.º do CPC, pressupõe um acesso ao processo eletrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante. Com efeito, tal como prescreve o artigo 27.º, n.º 2 da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, o acesso ao sistema informático de suporte à atividade dos tribunais para efeitos de consulta de processos requer o prévio registo dos advogados e solicitadores, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º, segundo o qual, o registo e a gestão de acessos ao sistema informático referido no número anterior por advogados, advogados estagiários e solicitadores são efetuados pela entidade responsável pela gestão de acessos ao sistema informático, com base na informação transmitida, respetivamente, pela Ordem dos Advogados e pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, respeitante à validade e às vicissitudes da inscrição junto dessas associações públicas profissionais.” Neste sentido, além dos arestos supra citados por Abrantes Geraldes et al, podemos ainda enumerar, no que nos parece ser atualmente um entendimento maioritário, os Acs. TRG de 15-12-2022 (Anizabel Sousa Pereira), TRL de 29-09-2020 (Cristina Silva Maximiano), TRG de 23-01-2020 (Fernanda Proença Fernandes), e TRL de 05-11-2019 (Conceição Saavedra). Assim, e transpondo para o caso em apreço, não podemos considerar como primeira intervenção processual, que permitisse concluir pela superação da revelia absoluta, a junção de procuração forense de 10/02/2023 (facto nº 13). A primeira intervenção processual posterior deu-se em 13/02/2023, com a dedução de embargos, na qual foi arguida a nulidade de todo o processado por falta de citação, nos exatos termos em que foi formulado o requerimento cuja decisão ora se aprecia. A arguida nulidade foi ali, quase de imediato, conhecida, mas da perspetiva da sua adequação à finalidade dos embargos (cfr. despacho de 16/02/2023), transcrito no relatório. Seguidamente a nulidade, nos mesmos termos, foi arguida em 22/02/2023, no recurso da sentença de declaração de insolvência, ou seja, diretamente perante o tribunal superior e vem a ser arguida, pela primeira vez no processo principal, perante o juiz do processo, em 28/02/2023, vindo a ser por este conhecida de mérito e decidida nos termos ora sob apreciação. Resolvida a primeira questão relativa à tempestividade teremos que, face a este processado, nos preocupar com a oportunidade da arguição. Globalmente, a nulidade foi agora arguida pela 3ª vez e apenas vem a ser conhecida de mérito nesta última arguição. Tal assinalou, aliás, a recorrida, mediante a invocação de litispendência entre recursos. Face à posição que assumimos quanto à interpretação a dar ao art.º 189º do CPC, já concluímos que a nulidade por falta de citação foi, de facto, arguida na primeira intervenção processual da ora recorrente. Tal implica que a nulidade, a existir, não se pode considerar sanada. A concreta nulidade arguida é a prevista na al. a) do art.º 187º do CPC[7], e o preceito que prevê as situações de falta de citação é o art.º 188º do CPC que enumera as situações consideradas como falta de citação: quando o ato tenha sido completamente omitido; quando tenha havido erro de identidade do citado; quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. Aplicando a regra do nº1 do art.º 17º do CIRE, teremos que adaptar a previsão da alínea c) do nº2 do art.º 188º do CPC, dado que, em processo principal declarativo de insolvência, a fase que decorre até à sentença que conhece do pedido de insolvência, não ser aplicável a modalidade de citação edital, estando antes prevista a dispensa de citação, nos termos do art.º 12º do CIRE. Nos termos do art.º 12º nº1 do CIRE «A audiência do devedor prevista em qualquer das normas deste Código, incluindo a citação, pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro.», o que significa que a incerteza do lugar em que o citando se encontra é regulada, para efeitos de citação, no próprio CIRE, afastando assim o regime do art.º 240º do CPC, verificado o condicionalismo ali previsto[8]. O que implica que a regra da alínea c) do nº1 do art.º 188º do CPC, que estatui que há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a citação edital, tem que ser aplicada com as adaptações necessárias, considerando-se, em fase declarativa de processo de insolvência, que há falta de citação quando se tenha empregado indevidamente a dispensa de citação prevista no art.º 12º do CIRE[9]. Tratamos, assim, de uma nulidade de conhecimento oficioso – cfr. art.º 196º do CPC – e que pode ser conhecida em qualquer estado do processo enquanto não deva considerar-se sanada – art.º 200º nº1 do CPC. Voltando ao nosso caso concreto, retoma-se a afirmação antes produzida, agora justificada: a nulidade, a existir, não está sanada, porquanto a ora recorrente a arguiu, na primeira vez que teve intervenção processual relevante e em todas as vezes subsequentes a essa. Qual a consequência de esta ser a terceira vez que a nulidade está a ser arguida? Podemos com segurança afirmar que não ocorre a litispendência alegada pela recorrida, dado que, nos termos dos art.ºs 580º e 581º do CPC, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, expressão que, nos preceitos referidos está utilizado em sentido de ação, autónoma e diversa, como resulta do nº1 do art.º 581º («Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.»). A questão resolve-se antes pelo disposto no art.º 620º do CPC – a nulidade pode ser arguida tantas vezes quanto o requerente o entenda, enquanto não sanada ou conhecida[10], mas decidida que seja, passa a ter força obrigatória dentro do processo. Assim, e tratando-se de uma questão processual, logo que conhecida “de mérito”, ou seja, logo que apreciado se ocorreu, essa decisão ficará a valer para todo o processo – incluindo todos os apensos onde esta exata questão tenha efeitos ou implicações. E, na verdade, foi no despacho recorrido, proferido em 03/03/2023, que o tribunal recorrido se pronunciou, pela primeira vez, quanto ao mérito da nulidade arguida, já que no apenso de embargos se limitou a indicar que “a alegação de quaisquer vícios referentes aos procedimentos de secretaria e do AE tendentes à citação, teriam de ser objeto da competente reclamação no processo principal.”, ali se decidindo pelo indeferimento do conhecimento da nulidade em sede de embargos[11]. Definidas, deste modo a tempestividade e oportunidade da alegação, passemos ao seu conhecimento. Argumenta a recorrente, em síntese: - sendo os embargos um ato processual e uma intervenção relevante da sua parte para efeitos do disposto no art.º 189.º do C.P.C., não poderia deixar de nesse preciso momento arguir expressamente a nulidade de falta de citação; - a aplicação da dispensa prevista no art.º 12º do CIRE está sujeita a dois requisitos cumulativos: o devedor ser uma pessoa singular e residir no estrangeiro ou ser desconhecido o seu paradeiro, e a sua citação acarrete demora excessiva do processo. A recorrente não reside no estrangeiro e não é desconhecido o seu paradeiro, ficando prejudicada a verificação do segundo requisito, que igualmente não se verificava; - os atos praticados tendentes à citação deveriam ter sido detalhadamente analisados antes da decisão de dispensa ou, pelo menos, na decisão recorrida, o que não sucedeu; - a primeira citação endereçada à Requerida pela secretaria do Tribunal, o foi para morada incorreta já que foi indicado como código postal 2725-533 e não 2725-530; - em relação à segunda citação, não foi dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do art.º 228.º do C.P.C. pois não foi deixado qualquer aviso nos termos e para os efeitos ali previstos; - em relação à diligência de citação concretizada pela AE, verifica-se que a mesma se limitou a fazer uma única deslocação à morada sita na Rua …, nº ...- 4º A, …, 2725-530 …, às 15:45 horas do dia 20/10/2022. Pelo que, violou a mesma o disposto no art.º 232.º do C.P.C. uma vez que não conseguindo proceder à citação da Requerida na morada indicada, devia ter ali deixado nota com indicação de dia e hora certa para a diligência. - consta do processo a identificação da entidade empregadora da Requerida, pelo que através de simples pesquisas junto de entidades oficiais era possível determinar a morada de trabalho da Requerida, a qual de resto era do conhecimento da própria Requerente, onde naturalmente também podia ter sido citada, em qualquer uma das formas – por via postal, ou por contacto pessoal de AE. Conclui, assim, que o despacho proferido, na parte em que decidiu julgar improcedente a invocada nulidade por falta de citação, violou o disposto nos artigos 12º e 29º do CIRE e artigos 3.º 187.º, 188.º, 189.º, 196.º, 198.º, 219.º, 228.º e 232.º do C.P.C. A recorrida, por seu lado, quanto à falta de citação, propriamente dita[12], argumentou: - a recorrente não podia deduzir embargos apenas com fundamento na sua alegada situação de revelia absoluta, atento o disposto no art.º 40º nº2 do CIRE; - indicou no requerimento inicial a morada correta, para a qual foram remetidas duas cartas, uma recusada e a outra não reclamada, não sendo, o motivo de devolução da primeira carta a menção de um código postal diferente; - foi ainda tentada a citação pessoal por agente de execução, sem êxito, pelo que, face à demora das diligências de citação foi dispensada a mesma, devidamente fundamentada. Apreciando: A decisão recorrida indicou a dedução de embargos como a prática de ato processual incompatível com a arguição de uma falta de citação pessoal, ela própria condição de admissibilidade dos embargos. Não é exatamente assim. O facto de a recorrente arguir a sua falta de citação e nulidade de todo o processado não faz desaparecer o efetivo processado ocorrido, em que foi dispensada a citação e a sentença foi proferida estando a requerida/recorrente em situação de revelia absoluta. Aliás, o tribunal não teve dúvidas quanto à legitimidade desta para deduzir embargos, mantendo presente o disposto no art.º 40º, nº1, al. a) do CIRE[13]. São diferentes formas de defesa, que não são incompatíveis entre si. Quanto muito a procedência da nulidade levaria à inutilidade dos embargos, dado acarretar a nulidade da sentença embargada. O que a recorrida aponta, nas suas contra-alegações, é a impossibilidade, face ao regime legal dos embargos, de arguir a nulidade da citação como seu fundamento, face ao disposto no nº2 do art.º 40º do CIRE. Sucede, porém, que essa não é questão a ser conhecida na presente sede, mas antes no recurso interposto no apenso de embargos, também pendente. Aqui cuidamos apenas do recurso da decisão de 03/03/2023, que indeferiu a arguida nulidade de todo o processado por falta de citação e não qualquer outro. Estabelece o art.º 12º do CIRE, sob a epígrafe “Dispensa da audiência do devedor”: «1 - A audiência do devedor prevista em qualquer das normas deste Código, incluindo a citação, pode ser dispensada quando acarrete demora excessiva pelo facto de o devedor, sendo uma pessoa singular, residir no estrangeiro, ou por ser desconhecido o seu paradeiro. 2 - Nos casos referidos no número anterior, deve, sempre que possível, ouvir-se um representante do devedor, ou, na falta deste, o seu cônjuge ou um seu parente, ou pessoa que com ele viva em união de facto. 3 - O disposto nos números anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, relativamente aos administradores do devedor, quando este não seja uma pessoa singular.» Como alegado pela recorrente são duas as situações previstas como fundamento para a dispensa de citação: quando o requerido resida no estrangeiro e as diligências de citação acarretem demora excessiva e quando seja desconhecido o seu paradeiro e a citação acarrete demora excessiva. A requerida foi indicada como residente em Portugal, pelo que o primeiro dos fundamentos não é aplicável. Tendo sido indicada uma morada certa foi tentada ali a citação, nos termos do disposto no art.º 228º nº1 do CPC, ou seja, por carta registada para o local da residência. Argumenta a recorrida que a carta foi dirigida à morada errada, dado que o seu código postal é 2725-533 e não 2725-530, o que alega, terá determinado a devolução. O código postal é apenas um conjunto de quatro algarismos seguido de hífen e de mais três algarismos que precede o nome de uma localidade e que é usado para facilitar o encaminhamento e a entrega de correspondência[14]. É um código desenvolvido pelas administrações postais e criado com o intuito de facilitar a organização logística e localização espacial de um "endereço postal", ou seja, um endereço para uso pelos correios. Cada administração postal é livre de criar o código que melhor se adapte à realidade postal e administrativa do seu país[15]. Ou seja, não faz parte da morada, é apenas uma convenção da administração postal para facilitar as operações de distribuição postal no terreno e não pode dizer-se que a morada está errada por haver um erro num dos três últimos dígitos, estando todos os demais elementos certos. Tanto é assim que a correspondência em questão foi devolvida por ter sido “recusada” e não por não ter sido encontrada a morada (factos 2 e 3). A recusa de correspondência pode dever-se a múltiplos motivos, entre os quais não ser aquela a residência do citando, não sendo possível nos autos alcançar o motivo da recusa. Exatamente por essa razão fizeram-se as pesquisas nas bases de dados disponíveis, resultando ser a indicada a morada da requerida – cfr. facto nº4. Expediu-se então nova carta registada com aviso de receção para a mesma morada, vindo a mesma a ser devolvida por não reclamada. Ou seja, para os autos continuava a não ser possível saber se aquela era a residência da requerida. A ora recorrente alegou que não terá sido deixado aviso desta (e de outras) correspondência e juntou queixa por si feita aos correios em 13/02/23 (a data em que arguiu, pela primeira vez, a nulidade por falta de citação nos autos). No entanto, a resposta dos CTT, que também juntou, apenas refere ir proceder a averiguações (factos nº 14 e 15), pelo que não está confirmada a versão da recorrente, óbvia interessada e que é a única fonte desta alegação, que, assim, não podemos ter por verificada. Passo seguinte foi de proceder à citação pessoal nos termos do art.º 231º do CPC, mediante agente de execução - cfr. facto 7. Tal diligência não teve êxito, sendo que a informação recolhida foi de que “ninguém atendeu.” e que a agente de execução “indagou a vizinha do 4º D que informou que a fração em causa já não é habitada desde da pandemia, desconhece o nome de quem lá residia” – cfr. facto 8. Defende a recorrente que foi violado o art.º 232º do CPC, e que a Sra. AE deveria ter deixado nota com indicação de hora certa para proceder à citação. Nos termos do nº1 do art.º 232º do CPC « No caso referido no artigo anterior, se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado.» (sublinhado nosso). O que sucedeu foi que a Sra. AE não apurou que a requerida residia efetivamente no local indicado e, por isso, não estavam reunidos os pressupostos para a efetivação de citação com hora certa. Para os autos havia uma morada indicada e constante das bases de dados, mas que não se logrou confirmar fosse a residência da requerida, o que consubstancia desconhecimento do paradeiro. Neste exato sentido, e como se decidiu no Ac. TRL de 20/10/2009 (Rijo Ferreira) “haverá de se considerar ser desconhecido o paradeiro do devedor quer nas situações em que se desconhece em absoluto a sua morada, como aqueles casos em que, não obstante haver indicação de morada, ele não seja nela encontrado, após a realização de diligências e tentativas adequadas.” Assim, em novembro de 2022, seis meses depois da entrada do requerimento inicial em juízo, ainda não se havia logrado a citação da requerida nem se tinha apurado se a residência conhecida era, efetivamente a residência da mesma. Estavam, assim, verificados os dois requisitos cumulativos que foram indicados pelo tribunal recorrido na dispensa de citação: desconhecimento do paradeiro e demora excessiva. Argumenta ainda a recorrente que constava nos autos a identificação da entidade empregadora da Requerida, pelo que através de simples pesquisas junto de entidades oficiais era possível determinar a morada de trabalho da Requerida. Na informação recolhida junto da Segurança Social consta a identificação da agora identificada pela recorrente entidade empregadora desta, mas também de duas anteriores, indicando, em agosto de 2022, ser a última remuneração de junho de 2022. Haviam já decorrido seis meses sobre a entrada da petição, pelo que, face à natureza urgente dos autos, nenhuma outra diligência era exigível, nomeadamente a busca, naquela altura por um eventual local de trabalho da requerente, cujo paradeiro, repete-se, era desconhecido. Entendemos, nestes termos, que já tinham sido efetuadas as diligências adequadas e que se impunham – duas tentativas de citação por via postal, consulta às bases de dados e tentativa de citação pessoal por agente de execução – tendo já decorrido cerca de seis meses sobre a propositura da ação, pelo que foram cumpridas as exigências do art.º 12º do CIRE, que não se mostra violado, nem qualquer dos demais preceitos enumerados. A presente apelação improcede, assim, integralmente. * A apelante, porque vencida, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – art.ºs 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[16]. * 5. Decisão Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida. Custas de parte na presente instância recursiva pela recorrente. Notifique. * Remeta cópia da presente decisão, com menção de não trânsito, ao processo principal (pendente em 1ª instância), e aos apensos B e C (pendentes neste Tribunal e Secção). * Lisboa, 13 de julho de 2023 Fátima Reis Silva Manuela Espadaneira Lopes Paula Cardoso _______________________________________________________ [1] Diploma a que se referirão todas as indicações sem identificação de proveniência ao longo do texto. [2] Cfr. Lebre de Freitas em Apreensão, separação, restituição e venda, em I Congresso de Direito da Insolvência, coord. Catarina Serra, Almedina, 2013, pg. 229 e ss., Maria do Rosário, Epifânio em Manual de Direito da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2012, pg. 13, Catarina Serra em A falência no quadro jurisdicional dos direitos de crédito – o problema da natureza jurídica do processo de liquidação aplicável à insolvência no direito português, Coimbra Editora, 2009, pg. 72, Gisela César em Os efeitos da insolvência sobre o contrato-promessa em curso, Almedina, 205, pg. 38, entre outros. [3] Por exemplo, a remissão relativa ao limite de testemunhas constante do nº 2 do art.º 25º do CIRE, a remissão do nº5 do art.º 35º do CIRE para o art.º 596º do CPC ou a remissão para os termos do processo comum constantes do art.º 148º, também do CIRE. [4] Como, por exemplo, a regra do art.º 163º do CIRE. [5] Em Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 3ª edição, Almedina, 2022, pg. 252. [6] Disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt. [7] Onde se estabelece «É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta: a) Quando o réu não tenha sido citado;» [8] Bem como afastado fica o disposto no art.º 239º nº3 do CPC, quanto aos requeridos residentes no estrangeiro. [9] Reconduzindo expressamente a dispensa de citação em insolvência sem observância das formalidades legais próprias previstas no art.º 12º do CIRE a falta de citação, vejam-se os Acs. TRL de 25/11/11 (António Santos), TRL de 17/01/12 (Ana Resende), TRE de 28/03/19 (Tomé Ramião), TRL de 11/06/19 (Adelaide Domingos), TRL de 20/01/09 (Rijo Ferreira), TRP de 12/12/13 (Aristides Rodrigues de Almeida), TRP de 28/10/21 (Manuel Domingos Fernandes) e TRE de 14/07/21 (Jaime Pestana). [10] Depois de conhecida trata-se de uma questão de esgotamento do poder jurisdicional, que aqui não se coloca, dado que a decisão recorrida conheceu, pela primeira vez, a arguição na sua totalidade (e não apenas quanto à respetiva suscetibilidade de ser fundamento de embargos). [11] Decisão cuja apreciação não faz parte do objeto do presente recurso. [12] Sendo que os argumentos relativos à formulação de conclusões, à litispendência e à tempestividade da arguição foram já conhecidos, respetivamente, no despacho liminar que ordenou a inscrição em tabela e supra na presente decisão. [13] Onde se prevê: «Podem opor embargos à sentença declaratória de insolvência: a) O devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado;» [14] Fonte https://dicionario.priberam.org/c%C3%B3digo%20de%20endere%C3%A7amento%20postal%20cep. [15] Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_postal. [16] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |