Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20/07.4PJLRS-A.L1-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: PERDÃO DA LEI Nº 38-A/2023 DE 2 DE AGOSTO
PENA ÚNICA SUPERIOR DA OITO ANOS DE PRISÃO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
I. Ainda que a pena única de prisão englobe penas parcelares de prisão, aplicadas por crimes excluídos do perdão, e penas parcelares de prisão, aplicadas por crimes dele não excluídos, o perdão concedido pelo art.º 3º, nºs 1 e 4 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto não poderá incidir sobre a pena única por a mesma ser superior a 8 anos de prisão.
II. O crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º da Lei nº 15/93, de 22.01, não se mostra consagrado na exceção constante da subalínea ix) da al. f) do nº 1 do art.º 7º da Lei nº 38º-A2023, de 2 de agosto, pelo que não está excluído do benefício do perdão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por despacho proferido a 12.09.2023 foi indeferido o pedido de aplicação do perdão deduzido pelo arguido AA.
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O Arguido AA veio recorrer do despacho, formulando as seguintes conclusões:
“Primeiro. O Recorrente Impugna o Despacho que não aplica a Lei 38-A/2023 de 02.08 às condenações proferidas nos processos 1441/0/.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 20/07.4PJLRS e 432/03.2TDLSB.
Segundo. O Tribunal a quo violou a lei, máxime o disposto nos artigos 2º e 3º da Lei 38-A/2023 de 02.08, bem como o disposto no artigo 127º e número 3 do artigo 128º, ambos do Código Penal, nº 4 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa.
Terceiro. O 3º cúmulo jurídico realizado nos autos 20/07.4PJLRA deverá ser desfeito para aplicação da Lei mais favorável ao Arguido em cumprimento do princípio geral da lei penal que se encontra materializado na parte final do número 4 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa.
Quarto. Há violação da Lei 38-A/2023 de 02.08 quando no Despacho colocado em crise se manifesta uma interpretação extensiva das exclusões patentes no artigo 7º dessa mesma lei.
Quinto. A interpretação extensiva prejudica o Recorrente e é contraria aos princípios penais - tratamento mais favorável possível do agente do crime fase à lei e mesmo à sucessão de leis com a aplicação da lei mais favorável, mesmo que aplicada de forma retroativa.
Sexto. Os ilícitos que se encontram excluídos da aplicação da lei no Despacho recorrido são considerados como integrando na lei do perdão de 2023, noutros processos a título de exemplo autos 2105/17.0T9CBR do juiz 3 do Juízo Central Criminal de Coimbra, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – uma decisão justa terá que ser uniforme na interpretação da Lei.
Sétimo. Deverá ser a decisão judicial proferida revogada e aplicada a Lei 38-A/2023 de 02.08 nas condenações proferidas no âmbito dos processos 1441/0/.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 20/07.4PJLRS e 432/03.2TDLSB”.
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O Ministério Público apresentou resposta, formulando a seguinte conclusão:
“Analisado o despacho recorrido, não se vislumbra a existência de qualquer violação dos artigos 2º e 3º da Lei 38-A/2023 de 02.08, bem como o disposto no artigo 127º e número 3 do artigo 128º, ambos do Código Penal, nº 4 do artigo 29º da Constituição da Republica Portuguesa, não merecendo o despacho qualquer censura”.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de 21.11.2023, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que “o recurso não merece provimento”.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “… é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art.º 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar se estão reunidos os pressupostos para que o arguido/condenado beneficie do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Por acórdão proferido, no Processo Comum Coletivo nº 20/07.4PJCLRS, em 19.11.2013, transitado em julgado em 19.12.2013, o arguido AA foi condenado nas seguintes penas únicas de cumprimento sucessivo:
“i) na pena única de 10 meses de prisão, referente a um primeiro cúmulo que engloba as condenações nos processos 140/95 e 604/96;
ii) na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 4,00, o que perfaz €800,00, referente a um segundo cúmulo, que engloba as condenações nos processos 2342/00.6PYLSB, 1896/99.2PYLSB, 1235/00.1S1LSB, 379/03.2PAAMD, 59/03.9PQLSB e 432/03.2TDLSB;
iii) na pena única de 14 (catorze) anos e 10 (dez) meses de prisão, referente a um terceiro cúmulo, que engloba as condenações nos processos 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 982/09.7PAVNG, 12/09.9SLLSB e 20/07.4PJLRS;
iv) na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão, referente a um quarto cúmulo, que englobas as condenações nos processos 1704/09.8T3AMD e 866/09.9PIVNG”.
2. Em 12.09.2023, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Veio o arguido AA requerer a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, invocando em suma, que as condenações integradas nos cúmulos jurídicos efectuados nos presentes autos se reportam a ilícitos praticados antes de o mesmo ter completado 30 anos de idade e que, em seu entender, nenhum dos crimes praticados se encontram elencados no art.º 7.º da sobredita lei.
O Ministério Público promoveu que fosse indeferido o pedido do arguido, nos termos e com os fundamentos constantes da promoção que antecede.
Cumpre apreciar e decidir.
A Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.
O regime em causa possui, como âmbito temporal de aplicação, os ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023.
Como âmbito subjectivo de aplicação, o perdão de penas e amnistia de infracções beneficiam as pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto.
No que se prende com o âmbito objectivo de aplicação, dispõe os art.º 3.º, n.º 1 e 2, do citado diploma:
«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2 - São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;
c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e
d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.»
Dispõe ainda o art.º 3.º, n.º 4, que, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
No que respeita à amnistia, determina o art.º 4.º, n.º 1, que são amnistiadas as infracções penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.
Importa salientar que, constituindo a amnistia uma causa de extinção do procedimento criminal e da correspondente sanção e o perdão uma causa de extinção da pena, é de discernir que os efeitos jurídicos de uma e de outra apenas incidem sobre os procedimentos criminais e penas que não se encontrem, ainda, extintos.
Acresce que a amnistia e o perdão não operam relativamente aos casos elencados no art.º 7.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que define um catálogo de fundamentos de exclusão, em razão do tipo legal, da qualidade do arguido ou da qualidade da vítima.
Tendo presente o âmbito de aplicação ora caracterizado, compete ponderar se o arguido pode, quanto aos crimes pelos quais foi condenado e que foram englobados nos cúmulos jurídicos efectuados nestes autos, beneficiar do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Resulta de fls. 828 a 861 que o arguido foi condenado, por acórdão cumulatório, datado de 19 de Novembro de 2013 e transitado em julgado em 19 de Dezembro de 2013:
1. Na pena única de 10 (dez) meses de prisão, englobando as condenações nos processos n.º 140/95 e 604/96;
2. Na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 4,00€ (quatro euros), no montante global de 800€ (oitocentos euros), englobando as condenações nos processos n.º 2342/00.6PYLSB, 1896/99.2 PYLSB, 1235/00.1SILSB, 379/03.2 PAAMD, 59/03.9PQLSB e 432/03.2 TDLSB;
3. Na pena única de 14 (catorze) anos e 10 (dez) meses de prisão, englobando as condenações nos processos n.º 2290/05.3 PAALM, 1441/07.8 JDLSB, 156/07.1 GCMTJ, 982/09.7 PAVNG, 12/09.9 SLLSB e dos presentes autos;
4. Na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão, englobando as condenações nos processos n.º 1704/09.8 T3AMD e 866/09.1 PIVNG.
Em primeiro lugar, verifica-se que todas as condutas criminais do arguido que foram objecto de cúmulo jurídico foram praticadas em momento anterior ao dia 19 de Junho de 2023 (o que se extrai, desde logo, da data da decisão suprarreferida).
Em segundo lugar, resultando dos autos que o arguido nasceu em 07-04-1977, divisa-se que são susceptíveis de ser abrangidos pelo regime em apreço todos os factos anteriores ao dia 07-04-2008, data em que o arguido completou 31 anos de idade.
Por este motivo, excluída do perdão estará, necessariamente, a pena única de vinte e dois meses de prisão (4.º cúmulo), que engloba as seguintes condenações:
- A pena de 18 meses de prisão, pela prática de um crime de furto, em 27-08-2009, a que o arguido foi condenado no proc. n.º 1704/09.8T3AMD;
- A pena de 7 meses de prisão, pela prática, em 31-07-2009, de um crime de furto, a que o arguido foi condenado no proc. n.º 866/09.9PIVNG.
Em terceiro lugar, não podem ser perdoadas as penas de prisão em medida superior a 8 anos, em conformidade com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, do citado diploma, pelo que a pena única de 14 anos e 10 meses de prisão (3.º cúmulo, correspondente às condenações nos processos 2290/05.3PAALM, 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 982/09.7PAVNG, 12/09.9SLLSB e 20/07.4PJLRS) não é susceptível de perdão.
Em quarto lugar, constituindo o perdão uma causa de extinção das penas, não podem ser perdoadas penas que já se encontrem extintas, designadamente, por efeito do cumprimento.
Nessa medida, encontram-se extintas – e não pode quanto a elas operar qualquer perdão – as penas em que o arguido foi condenado nos seguintes processos: 140/95 (fls. 1122), 604/96 (fls. 1293 do Apenso I), 1896/99.2PYLSB (fls. 1124), 1235/00.1SILSB (fls. 1125), 2342/00.6PYLSB (fls. 1129), 379/03.2PAAMD (fls. 1131), 2290/05.3PAALM (fls. 1136).
Resta, assim, apreciar da aplicabilidade do perdão às as penas impostas ao arguido nos processos n.º 59/03.9 PQLSB e 432/03.2 TDLSB, condenações que se estribam, respectivamente, na prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e na prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Ora, o art.º 7.º, n.º 1, al. f), subal. ix) exclui do âmbito de aplicação «os crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.»
Assim, se quanto à pena aplicada no âmbito do processo n.º 59/03.9PQLSB o legislador a excluiu expressamente da esfera de penas perdoáveis, divisa-se que o diploma não contempla referência concreta ao art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Daqui não deriva, porém, que o legislador pretendesse instituir um perdão para as penas relativas ao crime p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – que é comummente tratado, doutrinal e jurisprudencialmente como um tipo privilegiado face aos tipos fundamentais dos arts. 21.º e 22.º –, pelo motivo de que, igualmente, não fez qualquer referência ao tipo agravado p. e p. pelo art.º 24.º.
Com efeito, é evidente que o legislador não poderia pretender apenas determinar a exclusão dos mencionados tipos fundamentais, sem o fazer quanto ao tipo agravado, cujo superior conteúdo de ilícito, reflectida numa moldura penal mais agravada, não consentiriam a ocorrência de perdão em simultâneo com a exclusão de tipos legais dotados de menor antijuridicidade.
Esta solução interpretativa é a única admitida no caso concreto, pois não seria concebível que o legislador, ao excluir expressamente os tipos fundamentais dos arts. 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não quisesse, por maioria de razão, excluir a agravação do art.º 24.º, divisando-se uma técnica legislativa que, por motivos de coerência, terá de se estender ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
É, necessário, dessarte, interpretar globalmente e em consonância com a técnica legislativa tanto o diploma, tal como a subalínea ix) em particular, e, assim, concluir por uma tomada de posição implícita do legislador quanto à falta de autonomia dos art.ºs 24.º, 25.º e 26.º da Lei da Droga, consubstanciando estas antes circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes legalmente previstas.
Acresce que nem o art.º 24.º, nem o art.º 25.º contemplam todos os elementos constitutivos do tipo, discernindo-se, nessa senda, a respectiva falta de autonomia relativamente aos art.ºs 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bastando-se, por isso, o legislador com a menção a estes últimos.
Deste modo, será de asseverar que o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade se encontra incluído no âmbito do art.º 7.º, n.º 1, al. f), subal. ix) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de aplicação do perdão deduzido pelo arguido AA.
Notifique.”
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Apreciação do recurso
O arguido AA foi condenado, por Acórdão proferido em 19.11.2013, transitado em julgado em 19.12.2013, nas seguintes penas únicas de cumprimento sucessivo:
“i) na pena única de 10 meses de prisão, referente a um primeiro cúmulo que engloba as condenações nos processos 140/95 e 604/96;
ii) na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão e 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €4,00, o que perfaz €800,00, referente a um segundo cúmulo, que engloba as condenações nos processos 2342/00.6PYLSB, 1896/99.2PYLSB, 1235/00.1S1LSB, 379/03.2PAAMD, 59/03.9PQLSB e 432/03.2TDLSB;
iii) na pena única de 14 (catorze) anos e 10 (dez) meses de prisão, referente a um terceiro cúmulo, que engloba as condenações nos processos 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 982/09.7PAVNG, 12/09.9SLLSB e 20/07.4PJLRS;
iv) na pena única de 22 (vinte e dois) meses de prisão, referente a um quarto cúmulo, que engloba as condenações nos processos 1704/09.8T3AMD e 866/09.9PIVNG”.
Por despacho proferido em 12.09.2023, o Tribunal a quo indeferiu o pedido de aplicação do perdão deduzido pelo arguido.
O recorrente entende que deverá ser aplicado o perdão às condenações proferidas nos Processos nº 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 20/07.4PJLRS e 432/03.2TDLSB.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
No dia 1 de setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (art.º 1º).
Nos termos do disposto nos art.º 2º, nº 1 e 3º, nº 1, 4 e 5 do mencionado diploma legal é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos, relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, com exceção dos elencados no art.º 7º, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
No caso vertente, verificam-se os pressupostos da idade e da temporalidade dos factos pelos quais o recorrente foi condenado nos Processos nº 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 20/07.4PJLRS e 432/03.2TDLSB pois foram praticados antes de 07.04.2008 (data em que o recorrente completou 31 anos de idade).
Com efeito:
a) no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 1441/07.8JDLSB do Juízo de Grande Instância Criminal Lisboa – Noroeste, 1ª Secção, Juiz 2, o recorrente foi condenado pela prática, em janeiro de 2008, de um crime de burla qualificada p. e p. pelo art.º 218º do C.Penal na pena de dois anos e dois meses de prisão;
b) no âmbito do Processo Comum Singular nº 156/07.1GCMTJ do 1º Juízo Criminal do Montijo, o recorrente foi condenado pela prática, em 07.04.2007, de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203º, nº 1 do C.Penal na pena de dezoito meses de prisão;
c) no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 20/07.4PJLRS, o recorrente foi condenado pela prática, entre 01.03.2007, de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203º, nº 1 do C.Penal na pena de oito meses de prisão e de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.º 3º, nº 2 do DL nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de cinco meses de prisão, em cúmulo jurídico na pena única de dez meses de prisão;
d) no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 432/03.2TDLSB, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, 2ª Secção, o recorrente foi condenado pela prática, entre outubro e novembro de 2003, de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao referido diploma, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro anos.
Apesar de nenhuma das penas parcelares em que o recorrente foi condenado ser superior a 8 anos de prisão, importa ter em conta que o nº 4 do art.º 3º dispõe que, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única aplicada (consubstancia uma opção legislativa de apenas considerar merecedores do perdão aqueles que, nas demais condições previstas, tenham sido condenados numa pena de prisão não superior a 8 anos), determinada de acordo com as regras estabelecidas nos art.ºs 77º e 78º do C.Penal, mesmo que englobe penas parcelares aplicadas por crimes excluídos do perdão e penas parcelares aplicadas por crimes dele não excluídos1.
Com efeito, tendo sido propósito do legislador afastar a aplicação desta medida de clemência - concedida pelo Estado, por ocasião daquele evento - quer às situações de criminalidade grave (cfr. art.º 7º a contrario sensu), quer às penas de prisão de grande duração, a única interpretação consentânea com esse espírito é a de que apenas são objeto do perdão de 1 ano de prisão as penas únicas fixadas em medida não superior a 8 anos – art.º 3º, nº 1 e 4 da Lei nº 38/2023, de 2 de agosto.
Na verdade, “uma vez que uma pena de prisão de 8 anos é uma pena grave, não se afigura arbitrário considerar que um agente condenado numa pena de prisão de duração superior a 8 anos não é merecedor de qualquer medida de graça, tenha tal pena sido aplicada apenas por um crime ou se trate de uma pena única em cúmulo jurídico de várias penas parcelares por ventura, cada uma delas, de medida inferior” (Pedro Brito in “Mais algumas notas práticas referentes à lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, JULGAR Online, janeiro de 2024, pág. 5).
Tal disposição não constitui inovação legislativa já que, a partir da Lei nº 16/86, de 11 de junho, nas várias leis de amnistia e perdão, sempre foi estipulado que, em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e não sobre as penas parcelares2.
Cumpre referir que as medidas de clemência, atenta a sua natureza de providências excecionais, devem ser interpretadas nos precisos termos em que estão redigidas, sem ampliações nem restrições, não comportando aplicação analógica (cfr. art.º 11º do C.Civil), embora sempre com a salvaguarda dos princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade.
E, face aos termos em que se mostra redigida, não podem considerar-se postos em causa os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade: a norma aplica-se a todos os que se encontrem da situação visada (mostrando-se, por isso, de aplicação geral) e é de considerar contida na discricionariedade constitucionalmente reconhecida ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer um limite máximo para as penas suscetíveis de beneficiar de tal perdão – com o natural e óbvio propósito de excluir de tal medida de graça situações punidas com penas severas, que tendencialmente se referirão a factos especialmente gravosos, relativamente aos quais a sociedade teria dificuldade em compreender o recuo do ius puniendi do Estado.
Por conseguinte, não existe fundamento para recusar a aplicação dos nº 1 e 4 do art.º 3º da Lei nº 38-A/2023, com o sentido de que, tendo o arguido sido condenado em pena única superior a 8 anos de prisão, não poderá beneficiar do perdão de pena decretado pela referida Lei (neste sentido, Acórdãos deste TRL, de 23.01.2024, Proc. nº 1161/20.8PBSNT-D.L1-5, 2872/17.0T9PDL-A.L1-5 e 117/15.7PAVFC-A.L1-5).
No caso em apreço, após a realização do cúmulo jurídico que englobou as condenações nos Processos nº 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ e 20/07.4PJLR, o recorrente foi condenado na pena única de 14 (catorze) anos e 10 (dez) meses de prisão.
Face ao exposto, ainda que a pena única de prisão englobe penas parcelares de prisão aplicadas por crimes excluídos do perdão e penas parcelares de prisão aplicadas por crimes dele não excluídos, o perdão não poderá incidir sobre a pena única por a mesma ser superior a 8 anos de prisão.
Pelo que acompanhamos o Tribunal a quo quando refere que “não podem ser perdoadas as penas de prisão em medida superior a 8 anos, em conformidade com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, do citado diploma, pelo que a pena única de 14 anos e 10 meses de prisão (3.º cúmulo, correspondente às condenações nos processos 2290/05.3PAALM, 1441/07.8JDLSB, 156/07.1GCMTJ, 982/09.7PAVNG, 12/09.9SLLSB e 20/07.4PJLRS) não é susceptível de perdão”.
Em consequência, o recorrente não poderá beneficiar do perdão de 1 ano de prisão concedido pelo artº 3º, nº 1 e 4 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
No que respeita à condenação proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 432/03.2TDLSB que foi englobada no segundo cúmulo que aplicou ao recorrente a pena única de três anos e seis meses, esta é suscetível de perdão por ser inferior a 8 anos (cfr. art.º 3º, nº 1 do mencionado diploma legal).
Vejamos, então, se o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º, al. a) do DL nº 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas ao referido diploma, por cuja prática o recorrente foi condenado, está, ou não excluído do perdão, para o que haverá que verificar se o mesmo está, ou não, abrangido pelas variadíssimas exceções constantes do art.º 7º.
A este propósito, o Tribunal a quo afirma ser percetível “uma técnica legislativa que, por motivos de coerência terá de se estender ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade … e, assim, concluir por uma tomada de posição implícita do legislador quanto à falta de autonomia dos art.ºs 24.º, 25.º e 26.º da Lei da Droga, consubstanciando antes circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes legalmente previstas. Acresce que nem o art.º 24.º nem o art.º 25.º contemplam todos os elementos constitutivos do tipo, discernindo-se, nessa senda, a respectiva falta de autonomia relativamente aos art.ºs 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bastando-se, por isso, o legislador com a menção a estes últimos”.
Efetivamente, da leitura do art.º 7º, nº 1, al. f), subalínea ix) resulta estarem excluídos do perdão e da amnistia previstos na referida Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, no âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos art.º 21º, 22º e 28º do DL nº 15/93, de 22.01, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.
Assim sendo, a subalínea ix) da alínea f) do nº 1 do art.º 7º não menciona, nomeadamente:
- o art.º 25º (Tráfico de menor gravidade) que se trata de “uma forma privilegiada” dos crimes dos art.ºs 21º e 22º do DL 15/93, de 22.01, tendo como pressuposto específico verificar-se uma ilicitude consideravelmente diminuída. O enquadramento de uma determinada conduta no art.º 25º depende de uma diminuição considerável da ilicitude do facto (sendo índices dessa diminuição, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a quantidade ou qualidade do produto traficado ou a traficar), emergindo dos factos provados uma imagem global suscetível de fundamentar um juízo positivo sobre uma considerável diminuição da ilicitude;
- o art.º 26º (Traficante-consumidor) que tem como elemento ou requisito essencial que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. Trata-se de um tipo privilegiado de crime criado pelo legislador para punir aqueles que “não fazendo do tráfico uma forma de vida, a ele se dedicam no entanto como forma de angariar meios para sustentarem as suas necessidades de consumo”, sendo necessário, para o seu preenchimento, que esteja provada “a finalidade exclusiva dos proventos do tráfico ao consumo pessoal” (Acórdão do TRG de 11.06.2012, Proc. nº 513/09.9GDGMR.G1).
Como bem se refere no Acórdão do STA de 29.11.2011, Proc. nº 0701/10 “II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. III - O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). IV - O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis)”.
A delimitação dos factos abrangidos pela lei de amnistia ou perdão tem de assentar em padrões de racionalidade e tem de ser realizada segundo critérios suscetíveis de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias do ponto de vista do Estado de Direito.
E, analisado o Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 149, de 5 de julho, pág. 39 (debate parlamentar respeitante à discussão, na generalidade, da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª(GOV) —Estabelece perdão de penas e amnistia de infrações praticadas por jovens3) verificamos que dele consta que “O Sr. A... (CH):- Srs. Deputados do Partido Socialista, foi o vosso Governo que fez a lei. Mas vamos ao mais difícil, ao tráfico de droga, porque aí era importante percebermos o que se passa. O Governo exclui o crime de tráfico de estupefacientes, mas dá três artigos do diploma. Três! Tenho aqui o diploma, Sr.ª Ministra. Por isso, quero perguntar se, ao mencionar apenas três artigos, que são os artigos 21.º, 22.º e 28.º, o Governo está a admitir, a contrario, que podem ser abrangidos os restantes artigos que estão neste diploma. Vou dar o exemplo do tráfico de menor gravidade, artigo 25.º, que pode ir até cinco anos de prisão. Estes vão estar abrangidos ou não? É porque é outro artigo, não é o artigo 21.º, nem o 22.º. O traficante consumidor vai estar abrangido ou não vai estar abrangido, artigo 26.º? Era importante responder a isto, porque não está no vosso projeto o traficante consumidor (…) A Sr.ª Ministra da Justiça: - Sr. Presidente, Sr. Deputado, o traficante consumidor e o tráfico de pequena quantidade, pequeníssimas quantidades, de facto, cabem nesta proposta de lei. É a única coisa, tudo o resto está excluído”.
Resulta do exposto que foi minimamente discutido, em sede de debate parlamentar, se o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, e o crime de traficante-consumidor, p. e p. pelo art.º 26º do DL 15/93, de 22.01, estavam, ou não, abrangidos pelo perdão de penas e pela amnistia de infrações, resultando dessa discussão ter sido clara a intenção do legislador considerá-los abarcados pelas medidas de clemência.
Acresce que, posteriormente, em 10 de julho de 2023, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou proposta de alteração que excluía do perdão e da amnistia “os condenados por crimes previstos nos artigos 21.º, 22.º, 24.º, 25.º, 28.º, 29.º, 30.º e 33.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas”. Já a Proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, em 14 de julho de 2023, apenas excluía do perdão e da amnistia “os condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua redação atual”.
A primeira dessas propostas foi chumbada em sede de votação final, pelo que é de concluir ter sido intencional a ausência de referência, na mencionada subalínea ix) da al. f) do nº 1 do art.º 7º, aos crimes de tráfico de estupefacientes previstos nos arts. 25º e 26º do DL nº 15/93, de 22 de janeiro.
Com efeito, o elemento histórico convocável em sede de interpretação que resulta particularmente evidente dos trabalhos preparatórios faz crer que a redação definitiva que fez vencimento quanto a esse dispositivo legal replica a intenção do legislador de considerar esses crimes incluídos nas medidas de clemência, desde logo, pela ausência de referência aos demais artigos constantes da proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD que não obteve vencimento.
Por outro lado, o elemento literal inculca objetivamente no sentido de os condenados por crime de tráfico de menor gravidade e traficante-consumidor p. e p. pelos art.ºs 25º e 26º do DL 15/93, de 22.01, não estarem excluídos do benefício do perdão e da amnistia previstos na presente Lei.
Tal redação corresponde ao historial do preceito e à intenção do legislador precisamente por se tratarem de tipos privilegiados e, como tal, merecedores de perdão e amnistia.
Presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9 nº 3 do C.Civil), certamente não deixaria de fazer constar esses crimes no mencionado preceito legal caso pretendesse efetivamente que os mesmos fizessem parte do catálogo de exclusões da aplicação do perdão e da amnistia.
Nestes termos, tendo em consideração a letra da lei, o processo legislativo que a precedeu e a intenção do legislador, entendemos que o recorrente poderá beneficiar do perdão relativamente à pena em que foi condenado4, porquanto o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º da Lei nº 15/93, de 22.01, pelo qual o recorrente foi condenado, não se mostra consagrado na exceção constante da subalínea ix) da al. f) do nº 1 do art.º 7º da Lei nº 38º-A2023, de 2 de agosto.
A tal conclusão não obsta o facto de o crime de tráfico previsto no art.º 24º da Lei nº 15/93, de 22.01 não estar expressamente excluído do perdão e da amnistia na Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, nem dessa omissão se poderá sustentar a exclusão de um crime de menor gravidade e assente numa considerável diminuição da ilicitude.
Por outro lado, a doutrina da não autonomia do tipo privilegiado e agravado do crime de tráfico de estupefacientes não fez vencimento na Lei nº 29/99, de 12 de maio, sendo manifesto, pelo já referido acima relativamente aos trabalhos parlamentares, que foi intenção expressa do legislador beneficiar os condenados pelo crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido, pelo art.º 25º do perdão e da amnistia.
Porém, o mesmo não se verifica relativamente ao crime do art.º 24º que, apesar de não estar expressamente referido nas exclusões do art.º 7º da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, terá de se considerar excluído do âmbito de aplicação do perdão e da amnistia, por razões de igualdade e proporcionalidade, bem como, de coerência e unidade deste diploma legal e de todo o sistema jurídico.
No entanto, uma vez que a pena decorrente da prática deste crime está englobada no cúmulo jurídico em que também estão englobadas penas parcelares aplicadas por crimes excluídos do perdão, impõe-se que o Tribunal a quo proceda à reformulação do segundo cúmulo jurídico atenta, desde logo, a alteração da moldura abstrata, aplicando, por fim, se for o caso, o perdão à pena unitária fixada (neste sentido, Pedro Brito no escrito intitulado “Notas práticas referentes à Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, in JULGAR Online, agosto de 2023, pág. 18).
Consequentemente, julga-se o presente recurso parcialmente procedente.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando ser aplicável o perdão à pena em que o arguido AA foi condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo nº 432/03.2TDLSB.
Sem tributação.
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Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 20 de fevereiro de 2024.
Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
Sandra Ferreira
Ana Cláudia Nogueira
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1. “Deste modo, nos cúmulos jurídicos de penas a realizar que englobem penas parcelares correspondentes a crimes excluídos do perdão e penas parcelares dele não excluídos, não existe qualquer desvio às regras dos art.ºs 77.º e 78.º do C.P., sendo o perdão estabelecido pela Lei em apreço, se a ele houver lugar, aplicado à pena única” (Acórdão do TRP de 11.10.2023, proc. nº 31/21.7SPPRT.P1).
2. “O perdão referido no n.º 1 abrange as penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena unitária, sendo materialmente adicionável a perdões anteriores.” (cfr. art.º 13.º, n.º 2, da Lei n.º 16/86, de 11 de junho);
“O perdão referido nas alíneas a) e b) do n.º 1 abrange as penas de prisão fixadas em alternativa a penas de multa e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena unitária, sendo materialmente adicionável a perdões anteriores” (cfr. art.º 14.º, n.º 3, da Lei n.º 23/91, de 04 de julho);
“Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º” (cfr. art.º 8.º, n.º 4, da Lei n.º 15/94, de 11 de maio); e
“Em caso de cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única e é materialmente adicionável a perdões anteriores, sem prejuízo do disposto no artigo 3.º” (cfr. art.º 1.º, n.º 4, da Lei n.º 29/99, de 12 de maio); e
“O perdão referido nos números anteriores abrange a prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa e a execução da pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição e, em caso de cúmulo jurídico, incide sobre a pena única” (cfr. art.º 2.º, n.º 3, da Lei n.º 9/2020, de 10 de abril) - Pedro Brito in JULGAR Online, janeiro de 2024, pág. 6.
3. Disponível em https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/15/01/149/2023-07-04/39?pgs=36-46&org=PLC&plcdf=true
4. Neste sentido, Pedro Brito in JULGAR Online, agosto de 2023, pág. 33 – “Assim, face à atual redação da Lei em análise (cfr. art.º 7.º, n.º 1, al. f), ix)), embora não se duvide que o crime previsto no art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, determine a exclusão do perdão, já os crimes previstos nos artigos 25.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por si só, não determinam tal exclusão”. Neste escrito é referida a posição contrária de “Poças, Sérgio/Almeida, Carlos de, (nota 49), pág. 5, em anotação ao projeto de lei que esteve na base da Lei n.º 29/99, de 12 de maio, onde não constava o crime previsto no art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, referem: “(…) Efetivamente, entendemos que o art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro não constitui um tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes autónomo relativamente ao art.º 21.º do mesmo diploma, na medida em que o preceito em questão não adita qualquer elemento complementar, descritivo ou meramente normativo que exprima por si só, um menor conteúdo do ilícito – cfr. Eduardo Lobo in “Droga – Comentários a Decisões de Tribunais de 1.ª instância, 1993”, GPCCD, pág. 222 – constituindo antes uma forma de atenuação especial – cfr. Miguel Pedrosa Machado, na mesma obra, págs. 178 e 179. Note-se ainda que a expressão se aproxima da do n.º 1 do art.º 72.º do C.P. “circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto”. Em consequência, estaremos apenas perante uma regra especial de medida judicial da pena que envolve apenas a modificação do tipo em sede de pena, ou simplesmente uma regra de aplicação de pena – Jescheck in “Tratado de Direito Penal”, Parte Geral, 4.ª edição, Trad. Espanhola, Comares, págs. 242 a 254. Não existindo autonomia do art.º 25.º relativamente ao tipo legal do art.º 21.º, a menção a este último determinará implicitamente a consideração que o art.º 25.º se encontra também incluído na exclusão desta alínea”. Contudo, conforme resulta do exposto, na Lei n.º 29/99, de 12 de maio, ficou expressamente a constar o tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, como sendo um dos crimes que excluía a aplicação das medidas estabelecidas por aquela”.