Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
225/21.5T8MAC.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Quando estão em causa créditos respeitantes a prestações alimentícias já vencidas, prescreve em cinco anos o direito a exigir o pagamento das mesmas, contado do vencimento de cada uma delas.
2- A prescrição quinquenal em questão não começa nem corre entre os progenitores e o menor, credor de alimentos, durante a menoridade deste.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Em 22/9/2021 LL B. (e não LL G., como por lapso a mesma vem sendo identificada) deduziu contra FF B., seu pai, incidente de incumprimento, peticionando o pagamento da quantia de € 22.050,00, correspondente a pensões de alimentos em falta.
Alega, em síntese, que por decisão judicial de 17/2/2009 o requerido ficou obrigado a contribuir para os seus alimentos com uma pensão mensal de € 350,00, revista anualmente e a ser paga nos primeiro cinco dias de cada mês, o que deixou de fazer em Outubro de 2012, assim estando em dívida as prestações de Outubro de 2012 a Dezembro de 2017, mês e ano em que a requerente atingiu a maioridade.
Citado o requerido, veio exercer o contraditório alegando, para além do mais e em síntese, que a requerente atingiu a maioridade em 26/12/2017, apenas deduziu o presente incidente em 22/9/2021 e apenas foi citado em 2/12/2021, por facto exclusivamente imputável à requerente, que sabia que o requerido morava em França e não em Portugal, na morada que indicou, pelo que se verifica a prescrição das pensões mensais relativas ao período compreendido entre 2012 e 2/12/2016, tendo presente o disposto na al. f) do art.º 310º do Código Civil. Conclui pela improcedência do incidente.
A requerente respondeu a tal excepção, invocando que o prazo de prescrição não correu durante a sua menoridade e não se completaria sem ter decorrido um ano a partir do termo da sua incapacidade natural, pelo que não se verifica a prescrição do seu direito.
Seguindo os autos a sua subsequente tramitação, foi produzida a prova apresentada pelas partes, após o que foi proferida sentença, em 17/7/2023, pela qual o incidente foi julgado procedente por provado e o requerido foi condenado a pagar à requerente o valor de € 22.050,00 peticionado pela mesma.
O requerido recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
1ª Salvo o devido respeito, a matéria alegada e as normas legais impunham decisão diversa da recorrida – que versa sobre a improcedência da invocada excepção de prescrição da sentença, por entender que não tinha decorrido o prazo de 5 anos do art.º 310º, al. a) e 320.º, n.º 1 CC, e o recorrente não se conforma.
2ª A Recorrida, que atingiu a maioridade em 26/12/2017, reclamou créditos alimentares vencidos desde os meses de Outubro de 2012 até ao mês de Dezembro de 2017, que eram as prestações mensais de alimentos de cada um desses meses desses referidos anos (63 meses), tendo interposto a acção em juízo em 22/09/2021, e o Recorrente apenas foi citado em 2/12/2021, em França.
3ª Embora o Recorrente tenha alegado que parte dos créditos reclamados estavam prescritos nessa data, pois teriam decorrido mais de 5 anos desde o vencimento de cada uma das prestações (art.º 310º, al. f) do C.C.), erradamente, o Tribunal recorrido entendeu, segundo o art.º 320.º, n.º 1 do CC, que o prazo de prescrição apenas se iniciou em 26/12/2018 (um ano após a recorrida atingir a maioridade), pelo que nenhuma das prestações estaria prescrita (desde 2012).
Em primeiro lugar, de notar que as prestações reclamadas de alimentos, vencidos desde Outubro de 2012 até ao mês de Dezembro de 2017, são prestações periódicas, distintas e autónomas entre si, consequentemente o seu vencimento, exigibilidade e decurso dos prazos são autónomos para cada uma delas, e ficam sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos, Cfr. art.º 310º, al) f) CC.
Assim, in casu, a título de exemplo, não é o mesmo a prescrição e vencimento da prestação do mês de Outubro de 2012 e a prestação do mês de Dezembro de 2017, sendo diferente o tratamento quando exigidas depois de cessar a menoridade.
Em segundo lugar, a requerente, aqui recorrida, durante a sua menoridade, sempre teve representante legal - a sua mãe (…), que sempre exerceu a sua representação, tendo movido e impulsionado processos em nome da menor, aqui recorrida, como aliás consta da sentença estrangeira e da sentença de reconhecimento que são a base destes autos, juntas a este processo (que se dão por reproduzidas), em que se decidiu a regulação das responsabilidade parentais, com fixação da guarda à mãe da menor e também o seu exercício por esta, bem como refere a Recorrida ter a sua mãe interpelado o recorrente para esta situação dos alimentos por diversas vezes (art.º 10.º da p.i.).
6ª A recorrida sempre teve representante legal e administradora dos seus bens, a sua mãe, que tinha a sua guarda, que tinha o poder paternal e que era administradora dos seus bens, a quem competia receber a prestação mensal do recorrente.
E nunca a Recorrida pôs em causa esse facto na sua resposta à alegada prescrição, pois não excepcionou nada nesse sentido da ausência de representação legal, estando esse facto assente por aceitação.
7ª Dispõe o artigo 124.º do Código Civil que a incapacidade dos menores é suprida, em regra, pelo poder paternal, isto é, pelo exercício das responsabilidades parentais, e estatuindo o artigo 1901.º CC que, o exercício das responsabilidades parentais pode ser exercido por qualquer um dos pais, incluindo o recurso a Tribunal no caso de não haver concordância, como in casu, em que o exercício das responsabilidades parentais coube à mãe da recorrida, por força da sentença reconhecida como título nestes autos, e por força do regime legal.
Em terceiro lugar, embora o Tribunal tenha invocado bem a norma do art.º 320.º, n.º 1 do CC, que prescreve, na sua segunda parte:
(…) e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.
O Tribunal interpretou essa norma de forma incorrecta, porque considerou que o prazo de prescrição não se iniciou durante a menoridade da recorrida e até um ano após a sua maioridade, ou seja, o Tribunal entendeu que o prazo da prescrição apenas se iniciou em 26 Dezembro de 2018.
Quando, face às regras do n.º1 do artigo 320.º, tendo a Recorrida representante legal, não havia fundamento legal para a suspensão do prazo durante a menoridade, o que só ocorre quanto a menores sem representante legal.
Esta suspensão excepcional não é integral, ou seja não impediu o começo do prazo de prescrição (ao contrário do decidido na sentença), uma vez que a menor tem representante legal (a sua mãe acima identificada), mas impede que a prescrição se complete antes de decorrido um ano sobre o termo da incapacidade (26 Dezembro de 2018), pelo que se mostra desacertada a decisão recorrida.
10ª Assim, no mínimo, todas as prestações mensais desde o mês de Outubro de 2012 até ao mês de Dezembro de 2016 estão prescritas, visto que:
Segundo o regime normal de prescrição, as prestações dos meses de 2012 teriam vencido 5 anos depois, ou seja, nos respectivos meses de 2017.
Porém, segundo o regime excepcional (art.º 320.º, n.º1 CC), essa prescrição só se completaria 1 ano depois de a recorrida atingir a maioridade – 26/12/2018.
- Pelo que, quanto às prestações de 2012, por esta ter representante legal, iniciou-se a prescrição em 2012, que acabaria em 2017, mas que apenas se completou em 26/12/2018 pela suspensão excepcional de protecção da menor Recorrida.
11ª E, quanto às prestações mensais dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 as mesmas também prescreveram, atendendo a que a acção foi interposta e apenas citado o recorrente em 2/12/2021:
A- As prestações mensais de 2013, iniciaram a prescrição cada uma no respectivo mês de 2013, que se completou em 26/12/2018, um ano após a maioridade da recorrente (dez.2017).
B- As prestações mensais de 2014, iniciaram a prescrição cada uma no respectivo mês de 2014, que se completou em cada respectivo mês do ano de 2019, já bem após a maioridade da recorrente, e antes de interposta a acção;
C- As prestações mensais de 2015, iniciaram a prescrição cada uma no respectivo mês de 2015, que se completou em cada respectivo mês do ano de 2020, já bem após a maioridade da recorrente, e antes de interposta a acção;
D- As prestações mensais de 2016, iniciaram a prescrição cada uma no respectivo mês de 2016, que se completou em cada respectivo mês do ano de 2021, já anos depois de ter cessado a menoridade da recorrente, e antes de interposta e/ou citado o recorrente para a ação.
12ª Está em causa dívida de alimentos, e, de acordo com a al. f) do art. 310º do CCivil - que encurta, a título excepcional, o prazo de prescrição -, prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.
Não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor (M. Andrade, Teoria G., 1966, pág. 452)”.
13ª A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor[2]. Ou, na formulação de Ana Filipa Morais Antunes[3], evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicascomo sucederia in casu, em que o Recorrente vê-se confrontado com uma reclamação avultadíssima, que não pode pagar, com mais de 10 anos de acumulação.
14ª A Recorrida actuou de forma negligente, dado que esperou cerca de 4 anos desde que atingiu a maioridade para interpor a acção, e, além disso, fê-lo indicando a residência do Recorrente em Portugal, quando bem sabia que o mesmo residia no estrangeiro, em França, dificultando e atrasando a sua citação.
15ª E o mesmo se diga da “negligência” da representante legal da recorrida durante a sua menoridade, in casu, a sua mãe, que exerceu a sua representação, e que não diligenciou pelo processo apresentado pela recorrida nestes exactos termos, vindo agora a exigir prestações com mais de 10 anos, o que contraria a ratio daquela norma.
16ª E, embora o Recorrente não o tenha conseguido provar neste processo (pois tem o tempo contra si e a distância espacial de viver no estrangeiro há cerca de 20 anos, o que dificultou enormemente a prova, segundo a lógica e as regras da experiência comum e da lógica, que o Tribunal não valorou, se aquelas não o exigiram foi por não pretenderem exigir qualquer valor, perdoando-o tacitamente, por o Recorrente lhe ter dado várias quantias ao longos dos anos; por a Recorrida saber que o Recorrente esteve um longo período doente e sem poder trabalhar; bem como por saber que o mesmo arrumou de forma amigável todos os assuntos das partilhas do divórcio com a sua mãe, pagando-lhe a sua meação de forma generosa, encerrando todos os litígios para reiniciar uma mova fase de vida.
17ª Por último, atendendo ao prazo de prescrição de 5 anos (310.º, al. f) do C.C.) estabelecido para as pensões alimentícias vencidas, nessa data – citação de 2/12/2021, os valores do período entre Outubro de 2012 e 2/12/2016, já se encontravam prescritos, porque já se tinha completado a prescrição de cada prestação em cada um daqueles referidos anos/meses, todos após um ano depois de ter cessado a menoridade, devendo considerar-se verificada a excepção peremptória de prescrição.
18ª E, mesmo que, por hipótese teórica, se considerasse por hipótese a data de 5 dias após a interposição da acção nos termos do art.º 323.º, n.º 2 do CC – 28/09/2021), – os montantes relativos ao período compreendido entre 2012 e 28/09/2016 já se encontravam prescritos - excepção peremptória de prescrição.
Mas, como referido, para os efeitos do art.º 323.º, n.º 2 do CC, sempre se invoca em primeira linha a data da citação, pois é imputável à Recorrida a falta de citação anterior, por ter indicado morada errada, sabendo-o, e podia ter exercido o pedido após a maioridade - art.º 323.º CC.
19ª Assim, salvo melhor opinião, por tudo o supra exposto, o Tribunal violou o disposto nos artigos do art.º 310.º, al. f) e 320.º, n.º 1 do Cód. Civil, devendo a decisão ser anulada/revogada, e substituída por outra que julgue improcedente o incidente de incumprimento quanto às prestações mensais desde o mês de Outubro de 2012 até ao mês de Dezembro de 2016, que estão prescritas.
A requerente apresentou alegação de resposta, aí sustentando a manutenção da sentença recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, prende-se, tão só, com a prescrição das prestações alimentícias relativas aos meses de Outubro de 2012 a Dezembro de 2016.
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Na sentença recorrida foi considerada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A requerente é filha do requerido e de FF G., tendo nascido em 26 de Dezembro de 1999.
2. Por decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância de …, secção civil, em 17 de Fevereiro de 2009, foi decretado acordo de mediação familiar/convénio de separação.
3. No âmbito daquele o requerido ficou obrigado a pagar a favor da requerente o valor de € 350,00 mensais até a mesma atingir a maioridade.
4. A partir de Outubro de 2012 e até Dezembro de 2017 o requerido não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos devida.
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Na sentença recorrida foi considerada como não provada a seguinte matéria de facto:
a) A requerente e a sua mãe interpuseram acção pedindo a citação do requerido na morada da casa de família em Portugal onde sabem que o mesmo não residia.
b) A requerente perdoou os valores peticionados ao requerido, por este sempre se ter predisposto a ajudá-la, porque este esteve doente muito tempo e não pode trabalhar e porque este e a sua progenitora concluíram de forma amigável as partilhas subsequentes ao divórcio.
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Não sofrendo controvérsia a falta de pagamento dos valores reclamados pela requerente, na sentença recorrida ficou assim fundamentada a não verificação da prescrição do direito em questão, no que respeita a cada uma das prestações alimentícias devidas de Outubro de 2012 a Dezembro de 2017:
Resulta do art. 310º do CC na sua al. f) que prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas. Todavia, tal preceito, no que diz respeito a pensão de alimentos devidas a filhos menores, não pode deixar de ser lido em conjugação com o art. 320º do mesmo diploma legal.
Nos arts. artigos 318º a 322º do diploma legal que vimos seguindo o legislador prevê um conjunto de situações em relação às quais, por considerar certa forma justificada a inactividade do titular do direito, prevê a suspensão do prazo de prescrição fixado, obstando dessa forma a que o prazo prescricional se inicie, como seria normal a partir do momento em que o direito possa ser exigido (nº1 do art. 306º do CC).
Assim, pode ler-se no art 320º do CC, nº1 que “A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.”
Ou seja, no caso dos autos o prazo prescricional que poderia afectar o direito da Requerente apenas começou a contar no dia em que atingiu os dezanove anos, isto é, um ano depois de ter atingido a maioridade, que é o evento que pôs termo à sua incapacidade. E tal solução legal é aplicável quer o menor tenha representante legal, quer não tenha, como resulta do segmento final do preceito acima reproduzido. Tal solução legal compreende-se até como forma de evitar que o menor seja prejudicado por um eventual descaso de quem o representa (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/02/2021, relatado pelo Ex.mo Juiz Desembargador Freitas Vieira, no processo nº 3429/18.4T8STS-J.P1, disponível em texto integral no sítio DGSI).
Deste modo, tendo a Requerente atingido a maioridade em 26 de Dezembro de 2017, o prazo para contagem da prescrição apenas se iniciou no dia a 26 de Dezembro de 2018. Em consequência, e considerando que a acção foi proposta em 22 de Setembro de 2021 tendo o Requerido confessamente sido citado em 2 de Dezembro de 2021, o prazo prescricional do direito invocado pela Requerente não estava ainda decorrido”.
Já o requerido entende que o disposto no nº 1 do art.º 320º do Código Civil deve ser interpretado no sentido de o prazo de prescrição de cinco anos de cada uma das prestações alimentícias mensais se ter iniciado no mês respectivo, não se suspendendo durante a menoridade da requerente, mas apenas se tendo por completado quando a mesma perfez dezanove anos de idade.
Não sofre controvérsia que a prescrição constitui facto impeditivo do exercício de um direito pelo simples decurso do tempo, podendo o devedor recusar o cumprimento quando completada a prescrição (art.º 304º, nº 1, do Código Civil).
Também não sobre controvérsia que no caso de prestações renováveis, como aquelas elencadas no art.º 310º do Código Civil, a razão de ser para o estabelecimento de um prazo de prescrição de curta duração (cinco anos) se prende com a necessidade de proteger o devedor contra a acumulação da dívida. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 280), apelando à doutrina de Manuel de Andrade, trata-se de “prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.
E também não sofre controvérsia que entre tais prestações renováveis se contam as prestações alimentícias, como resulta da al. f) do referido art.º 310º do Código Civil.
Ou seja, quando estão em causa créditos respeitantes a prestações alimentícias já vencidas, prescreve em cinco anos o direito a exigir o pagamento das mesmas, contado do vencimento de cada uma delas.
Todavia, existem casos em que se verifica a suspensão da prescrição, os quais estão elencados nos art.º 318º e seguintes do Código Civil, e que mais não representam que situações em que a inércia do titular do direito se mostra justificada.
Assim, resulta da al. b) do art.º 318º do Código Civil que a prescrição não começa nem corre entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas.
Acerca da interpretação de tal preceito legal, ensina Remédio Marques (Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) versus o dever de assistência dos pais para com os filhos (em especial filhos menores), Coimbra Editora, 2000, pág. 176) que se retira do mesmo que a prescrição quinquenal a que respeita a al. f) do art.º 310º do Código Civil “não começa nem corre (…) entre os progenitores e o menor, credor de alimentos”.
Do mesmo modo, também no acórdão de 18/6/2009 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Fátima Galante e disponível em www.dgsi.pt) ficou afirmado que “o prazo de prescrição de 5 anos do direito a alimentos, constante da alínea f) do art. 310º do CCivil, não começa nem corre entre os cônjuges, de harmonia com o disposto no art. 318º, alínea a), do CC; nem entre os progenitores e o menor, credor de alimentos, nos termos da alínea b) do mesmo preceito”.
E, do mesmo modo, também no acórdão de 4/10/2011 deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Rui Vouga e disponível em www.dgsi.pt) se concluiu que “o prazo de prescrição do direito a alimentos, e porque o respectivo credor é o próprio menor (…), não começa a correr durante a menoridade e não se completará sem ter decorrido um ano a partir do termo da sua incapacidade (cfr. artºs 310º, f), 318º, alínea b) e 320º, nº 1, in fine , todos do CC)”.
Ou seja, quando a al. b) do art.º 318º do Código Civil se refere à relação existente entre quem exerce o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, tem em vista afirmar a possibilidade do exercício das responsabilidades parentais, nos termos dos art.º 1901º e seguintes do Código Civil, e não a designação da pessoa que efectivamente exerce determinados aspectos das responsabilidades parentais.
Dito de outra forma, e como igualmente decorre do afirmado no acórdão de 28/1/2021 do Tribunal da Relação de Guimarães (relatado por Eva Almeida e disponível em www.dgsi.pt), na medida em que nenhum dos progenitores tenha sido inibido ou limitado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos do disposto nos art.º 1913º e seguintes do Código Civil, está o mesmo sujeito ao exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor seu filho. E, nesta medida, enquanto se mantiver tal situação, não começa nem corre, entre o progenitor obrigado ao pagamento de prestações alimentícias já vencidas e o menor titular do direito a tais prestações, a prescrição de cinco anos a que respeita a al. f) do art.º 310º do Código Civil, e ainda que esteja atribuído ao outro progenitor o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor, quanto a aspectos concretos e determinados.
Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto dos autos, logo se alcança que tendo a requerente atingido a maioridade em 26/12/2017, é nessa data que a mesma deixa de estar sujeita às responsabilidades parentais que recaem sobre os seus progenitores, onde se inclui o requerido.
Nessa medida, e tendo presente o disposto na al. b) do art.º 318º do Código Civil, só então cessou a suspensão da prescrição quinquenal a que respeita a al. f) do art.º 310º do Código Civil, no que respeita ao direito da mesma ao pagamento das pensões de alimentos relativas aos meses de Outubro de 2012 a Dezembro de 2017, e que o requerido não pagou, como era sua obrigação enquanto progenitor da requerente.
Ou seja, só em 26/12/2017 começa a contagem do prazo de prescrição de cinco anos, quanto a todas as prestações alimentícias em questão.
Pelo que, quando o requerido foi citado (em 2/12/2021) para o incidente de incumprimento dessas prestações, ainda não se havia completado o referido prazo de prescrição de cinco anos.
Assim, não obstante o disposto no nº 1 do art.º 320º do Código Civil e a interpretação desse preceito, correctamente invocada pelo requerido, no caso concreto é de aplicar à situação a causa de suspensão a que respeita o art.º 318º, al. b), do Código Civil, como já ficou afirmado, e de onde resulta não estar completada a prescrição invocada pelo requerido.
Em suma, na improcedência das conclusões do recurso do requerido não há que fazer qualquer censura à sentença recorrida, quando julgou improcedente a excepção da prescrição invocada pelo requerido.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo requerido.

22 de Fevereiro de 2024
António Moreira
Vaz Gomes
Carlos Castelo Branco