Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3015/22.4T8VFX.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: CRÉDITOS LABORAIS
INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA MASSA
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE/REVOGAÇÃO PARCIAL
Sumário: Efeitos da declaração de insolvência da ré – Suspensão do contrato de trabalho e regresso do trabalhador após a declaração de insolvência da empregadora – Dividas da massa insolvente emergentes da execução do contrato de trabalho – Incompetência material – Artigos 51.º e 89.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Artigo 128.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto – Artigo 278.º - e) do Código de Processo Civil


(Sumário da a autoria da Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


Sentença recorrida


1. Por sentença de 4.7.2023 (referência citius 157466135), o 1.º Juízo do Trabalho de Loures, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo),julgou extinta a instância, como se segue:

“Resulta da certidão agora junta aos autos que a ré foi declarada insolvente.
Assim,
Atento o teor da sentença que declarou a insolvência da ré e o disposto no art.º 85º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, julgo extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide – cfr. art.º 277º al e) do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1º nº 2 do Código de Processo do Trabalho e Ac de Uniformização de Jurisprudência 1/2014 de 8-5-2013.
Custas pela ré – art.º 536º nº 3, segunda parte, do Código de Processo Civil.
Valor da acção: o peticionado pelo(a) autor(a).”

Alegações do recorrente

2.–Inconformado com a sentença mencionada no parágrafo anterior, o recorrente dela veio interpor o presente recurso de apelação (cf. referência citius 14048653 de 21.7.2023), defendendo, em síntese:
  • A declaração de insolvência da ré/recorrida não acarreta a inutilidade superveniente da presente acção em que são pedidos créditos laborais, uma vez que a acção foi intentada em 22.9.2022, antes do trânsito em julgado da declaração de insolvência;
  • O artigo 85.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevê que o administrador da insolvência requeira a apensação da presente acção ao processo de insolvência;
  • Não tendo sido requerida essa apensação, a presente acção deve prosseguir, sendo competente o juízo do trabalho e devendo o administrador de insolvência substituir a recorrida, nos termos do artigo 85.º n.º 3 do CIRE.
Contra-alegações do recorrido

3.–A recorrida, que contestou a acção através dos administradores de insolvência nomeado, que constituíram mandatário para representá-la nos presentes autos, contra-alegou, defendendo, em síntese que:
  • A recorrida foi declarada insolvente por sentença de 3.8.2021, no processo 11437/21.1T8LSB, do 2.º Juízo do Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, tendo a sentença de insolvência transitado em julgado em 14.4.2022, antes da propositura da presente acção;
  • O recorrente devia ter instaurado uma acção de verificação ulterior de créditos, por apenso ao processo de insolvência, nos termos dos artigos 90.º e 146.º do CIRE;
  • As excepções dilatórias de incompetência material e de ilegitimidade já foram invocadas na contestação, com base no artigo 146.º do CIRE.

Parecer do Ministério Público

4.–O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 20767994 de 24.11.2023), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnando pela improcedência do recurso com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
  • A presente acção tem por objecto a reclamação de créditos emergentes da execução do contrato de trabalho;
  • O seu resultado pode ter influência na massa insolvente;
  • A lei atribui aos juízos do comércio competência para conhecer da presente acção (artigos 89.º n.º 2 do CIRE e 128.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto);
  • Com o trânsito em julgado da sentença que declarou a recorrida insolvente a presente lide tornou-se inútil, devendo manter-se a sentença recorrida.

5.–Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT e as partes nada disseram.

Resumo do litígio na primeira instância

6.–O autor/recorrente instaurou contra a ré a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, que configurou, em síntese, como se segue (cf. petição inicial junta em 22.9.2022/referência citius 12801033, cujo teor se dá por reproduzido):
  • O contrato de trabalho celebrado entre o recorrente e a recorrida esteve suspenso entre 2.1.2017 e 30.4.2022, período em que o recorrente cumpriu pena de prisão;
  • Findo esse período o recorrente apresentou-se no local de trabalho em 2.5.2022, dia útil seguinte ao da cessão do motivo da suspensão do contrato, pondo, assim, termo ao período de suspensão do contrato de trabalho, mas a recorrida recusou-se a reintegrá-lo, apesar de o autor ter feito o mesmo pedido por carta recebida pela ré em 5.5.2022;
  • Nesse contexto, o recorrente instaurou a presente acção pedindo ao Tribunal a condenação da ré/recorrida a:

1- integrar imediatamente o autor na empresa retomando este a sua actividade laboral
2- Pagar ao autor todas as remunerações a que tem direito, e que se venceram desde 02-05-2022 data da cessação da suspensão do contrato de trabalho até retomar a actividade laboral, contabilizadas sobre a tabela salarial actual do grau V para a categoria de operadores de assistência em escala a que corresponde um vencimento base no montante de 1.125,00€ mensais, perfazendo cinco meses até à presente data no valor de 5.625,00€
3-pagar ao autor uma indemnização por todos os danos sofridos, patrimoniais e morais em valor não inferior a 5.000,00€”.

7.–A ré/insolvente/recorrida, representada pelos dois administradores da insolvência que lhe foram nomeados, constituiu mandatário para a representar nos presentes autos, conforme procuração junta em 23.11.2022/referência citius 13060177.

8.– Na acta de audiência de partes de 23.3.2023/referência citius 15629812, cujo teor se dá por reproduzido, a ré/insolvente/recorrida, reconheceu a existência do contrato de trabalho, mas defendeu que o mesmo caducou.

9.–A ré/ insolvente/recorrida, contestou a presente acção mediante articulado cujo teor se dá por reproduzido, junto em 21.4.2023/referência citius 13692208, invocando, em síntese:
  • A incompetência material do Tribunal;
  • A ilegitimidade passiva;
  • A caducidade do contrato de trabalho;
  • A impossibilidade de reintegração do recorrente pelo facto de a recorrida já não ter acesso ao local – aeroporto – onde exercia actividade;
  • A improcedência da acção.

10.–O autor/recorrente, respondeu (cf. resposta junta em 3.5.2023/referência citius 13726266, cujo teor se dá por reproduzido), pugnando pela improcedência das excepções invocadas pela ré/recorrida.

11.–Por ofício junto aos autos em 30.6.2023/referência citius 13968720, foi remetida certidão da sentença e do acórdão final, cujo teor se dá qui por reproduzido, elementos dos quais resulta que a insolvência da recorrida foi declarada por sentença de 3.8.2021, transitada em julgado em 14.4.2022, no processo 11437/21.1T8LSB, do 2.º Juízo do Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.

12.–Após junção da certidão mencionada no parágrafo que antecede o Tribunal a quo proferiu a sentença recorrida, acima mencionada no parágrafo 1.

Delimitação do âmbito do recurso

13.–Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão, suscitada nas conclusões:

A. Efeitos da declaração de insolvência da ré sobre presente acção

Factos que o Tribunal leva em conta para fundamentar o presente acórdão

14.–Os factos processuais constantes dos parágrafos 1 a 12, que têm por base os autos, termos e peças processuais com as referências citius acima indicadas.

Quadro legal relevante

15.– Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:

Código da insolvência e da Recuperação de Empresas ou CIRE

Artigo 40.º
Oposição de embargos
1– Podem opor embargos à sentença declaratória da insolvência:
a)- O devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado;
b)- O cônjuge, os ascendentes ou descendentes e os afins em 1.º grau da linha recta da pessoa singular considerada insolvente, no caso de a declaração de insolvência se fundar na fuga do devedor relacionada com a sua falta de liquidez;
c)- O cônjuge, herdeiro, legatário ou representante do devedor, quando o falecimento tenha ocorrido antes de findo o prazo para a oposição por embargos que ao devedor fosse lícito deduzir, nos termos da alínea a);
d)- Qualquer credor que como tal se legitime;
e)- Os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente;
f)- Os sócios, associados ou membros do devedor.
2–Os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
3–A oposição de embargos à sentença declaratória da insolvência, bem como o recurso da decisão que mantenha a declaração, suspende a liquidação e a partilha do activo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 158.º.

Artigo 41.º
Processamento e julgamento dos embargos
1–A petição de embargos é imediatamente autuada por apenso, sendo o processo concluso ao juiz, para o despacho liminar, no dia seguinte ao termo do prazo referido no n.º 2 do artigo anterior; aos embargos opostos por várias entidades corresponde um único processo.
2–Não havendo motivo para indeferimento liminar, é ordenada a notificação do administrador da insolvência e da parte contrária para contestarem, querendo, no prazo de cinco dias.
3–Aplica-se à petição e às contestações o disposto no n.º 2 do artigo 25.º
4–Após a contestação e depois de produzidas, no prazo máximo de 10 dias, as provas que se devam realizar antecipadamente, procede-se à audiência de julgamento, dentro dos cinco dias imediatos, nos termos do disposto no n.º 1 do presente artigo e nos n.os 5 a 8 do artigo 35.º.

Artigo 42.º
Recurso
1–É lícito às pessoas referidas no n.º 1 do artigo 40.º, alternativamente à dedução dos embargos ou cumulativamente com estes, interpor recurso da sentença de declaração de insolvência, quando entendam que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido proferida.
2–Ao devedor é facultada a interposição de recurso mesmo quando a oposição de embargos lhe esteja vedada.
3–É aplicável à interposição do recurso o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as necessárias adaptações.

Artigo 43.º
Efeitos da revogação
A revogação da sentença de declaração de insolvência não afecta os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência.

Artigo 47.º
Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência
1–Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2–Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3–São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4–Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a)-‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b)-‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c)-‘Comuns’ os demais créditos.

Artigo 47.º-A
Créditos compensatórios
Os créditos compensatórios resultantes da cessação de contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência.

Artigo 51.º
Dívidas da massa insolvente
1–Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:
a)-As custas do processo de insolvência;
b)-As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;
c)-As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;
d)-As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;
e)-Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;
f)-Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;
g)-Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;
h)-As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;
i)-As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;
j)-A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º
2–Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.

Artigo 85.º
Efeitos sobre as acções pendentes
1–Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2–O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3–O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.

Artigo 89.º
Acções relativas a dívidas da massa insolvente
1–Durante os três meses seguintes à data da declaração de insolvência, não podem ser propostas execuções para pagamento de dívidas da massa insolvente.
2–As acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária.

Artigo 90.º
Exercício dos créditos sobre a insolvência
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.

Artigo 146.º
Verificação ulterior de créditos ou de outros direitos
1–Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
2–O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:
a)-Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b)-Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.
3–Proposta a acção, a secretaria, oficiosamente, lavra termo no processo principal da insolvência no qual identifica a acção apensa e o reclamante e reproduz o pedido, o que equivale a termo de protesto.
4–A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.

Artigo 153.º
Inventário
1–O administrador da insolvência elabora um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente na data anterior à do relatório, com indicação do seu valor, natureza, características, lugar em que se encontram, direitos que os onerem, e dados de identificação registral, se for o caso.
2–Se os valores dos bens ou direitos forem diversos consoante haja ou não continuidade da empresa, o administrador da insolvência consigna no inventário ambos os valores.
3–Sendo particularmente difícil, a avaliação de bens ou direitos pode ser confiada a peritos.
4–O inventário inclui um rol de todos os litígios cujo desfecho possa afectar o seu conteúdo.
5–O juiz pode dispensar a elaboração do inventário, a requerimento fundamentado do administrador da insolvência, com o parecer favorável da comissão de credores, se existir.

Artigo 156.º
Deliberações da assembleia de credores de apreciação do relatório
1–Na assembleia de apreciação do relatório deve ser dada ao devedor, à comissão de credores e à comissão de trabalhadores ou aos representantes dos trabalhadores a oportunidade de se pronunciarem sobre o relatório.
2–A assembleia de credores de apreciação do relatório delibera sobre o encerramento ou manutenção em actividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente.
3–Se a assembleia cometer ao administrador da insolvência o encargo de elaborar um plano de insolvência pode determinar a suspensão da liquidação e partilha da massa insolvente
4–Cessa a suspensão determinada pela assembleia:
a)-Se o plano não for apresentado pelo administrador da insolvência nos 60 dias seguintes; ou
b)-Se o plano apresentado não for subsequentemente admitido, aprovado ou homologado.
5–A suspensão da liquidação não obsta à venda dos bens da massa insolvente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 158.º
6–A assembleia pode, em reunião ulterior, modificar ou revogar as deliberações tomadas.

Artigo 157.º
Encerramento antecipado
O administrador da insolvência pode proceder ao encerramento dos estabelecimentos do devedor, ou de algum ou alguns deles, previamente à assembleia de apreciação do relatório:
a)-Com o parecer favorável da comissão de credores, se existir;
b)-Desde que o devedor se não oponha, não havendo comissão de credores, ou se, não obstante a oposição do devedor, o juiz o autorizar com fundamento em que o adiamento da medida até à data da referida assembleia acarretaria uma diminuição considerável da massa insolvente.

Artigo 172.º
Pagamento das dívidas da massa
1–Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.
2–As dívidas da massa insolvente são imputadas aos rendimentos da massa, e, quanto ao excedente, na devida proporção, ao produto de cada bem, móvel ou imóvel; porém, a imputação não excederá 10% do produto de bens objecto de garantias reais, salvo na medida do indispensável à satisfação integral das dívidas da massa insolvente ou do que não prejudique a satisfação integral dos créditos garantidos.
3–O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
4–Intentada ação para a verificação do direito à restituição ou separação de bens que já se encontrem liquidados e lavrado o competente termo de protesto, é mantida em depósito e excluída dos pagamentos aos credores da massa insolvente ou da insolvência, enquanto persistirem os efeitos do protesto, quantia igual à do produto da venda, podendo este ser determinado, ou, quando o não possa ser, à do valor constante do inventário; é aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 180.º, com as devidas adaptações.

Código do Trabalho

Artigo 296.º
Facto determinante da suspensão respeitante a trabalhador
1–Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.
2–O trabalhador pode suspender de imediato o contrato de trabalho:
a)-Na situação referida no n.º 1 do artigo 195.º, quando não exista outro estabelecimento da empresa para o qual possa pedir transferência;
b)-Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 195.º, até que ocorra a transferência.
3–O contrato de trabalho suspende-se antes do prazo referido no n.º 1, no momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo.
4–O contrato de trabalho suspenso caduca no momento em que seja certo que o impedimento se torna definitivo.
5–O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.

Artigo 297.º
Regresso do trabalhador
No dia imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade.

Artigo 347.º
Insolvência e recuperação de empresa
1–A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.
2–Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.
3–A cessação de contratos de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento ou realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
4–O disposto no número anterior não se aplica a microempresas.
5–Na situação referida no n.º 2, o trabalhador tem direito à compensação prevista no artigo 366.º
6–O disposto no n.º 3 aplica-se em caso de processo de insolvência que possa determinar o encerramento do estabelecimento.
7–Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 5.

Artigo 360.º
Comunicações em caso de despedimento colectivo
1–O empregador que pretenda proceder a um despedimento colectivo comunica essa intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.
2–Da comunicação a que se refere o número anterior devem constar:
a)-Os motivos invocados para o despedimento colectivo;
b)-O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;
c)-Os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir;
d)-O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e)-O período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento;
f)-O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
3–Na falta das entidades referidas no n.º 1:
a)-O empregador comunica a intenção de proceder ao despedimento coletivo, por escrito, a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos;
b)-Os trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da comunicação, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros, consoante o despedimento abranja até cinco ou mais trabalhadores.
4–No caso previsto no número anterior, o empregador envia à comissão neste referida os elementos de informação discriminados no n.º 2.
5–O empregador, na data em que procede à comunicação prevista nos n.os 1, 3 ou 4, envia cópia da mesma ao serviço do ministério responsável pela área laboral com competência para o acompanhamento e fomento da contratação coletiva.
6–Constitui contraordenação grave o despedimento efetuado com violação do disposto nos n.os 1 a 5.

Código Civil ou CC

Artigo 483.º
(Princípio geral)
1.–Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2.–Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Código de Processo do Trabalho ou CPT

Artigo 1.º
Âmbito e integração do diploma
1–O processo do trabalho é regulado pelo presente Código.
2–Nos casos omissos recorre-se sucessivamente:
a)-À legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna;
b)-À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código;
c)-À regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum, civil ou penal;
d)-Aos princípios gerais do direito processual do trabalho;
e)-Aos princípios gerais do direito processual comum.
3–As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código.

Código de Processo Civil ou CPC

Artigo 96.º
Casos de incompetência absoluta
Determinam a incompetência absoluta do tribunal:
a)-A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;
b)-A preterição de tribunal arbitral.

Artigo 97.º
Regime de arguição - Legitimidade e oportunidade
1–A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2–A violação das regras de competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido despacho saneador, ou, não havendo lugar a este, até ao início da audiência final.

Artigo 99.º
Efeito da incompetência absoluta
1–A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
2–Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
3–Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.

Artigo 277.º
Causas de extinção da instância
A instância extingue-se com:
a)-O julgamento;
b)-O compromisso arbitral;
c)-A deserção;
d)-A desistência, confissão ou transação;
e)-A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Artigo 278.º
Casos de absolvição da instância
1–O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância:
a)-Quando julgue procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal;
b)-Quando anule todo o processo;
c)-Quando entenda que alguma das partes é destituída de personalidade judiciária ou que, sendo incapaz, não está devidamente representada ou autorizada;
d)-Quando considere ilegítima alguma das partes;
e)-Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
2–Cessa o disposto no número anterior quando o processo haja de ser remetido para outro tribunal e quando a falta ou a irregularidade tenha sido sanada.
3–As exceções dilatórias só subsistem enquanto a respetiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.

Artigo 576.º
Exceções dilatórias e perentórias – Noção
1–As exceções são dilatórias ou perentórias.
2–As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3–As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

Artigo 577.º
Exceções dilatórias
São dilatórias, entre outras, as exceções seguintes:
a)-A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal;
b)-A nulidade de todo o processo;
c)-A falta de personalidade ou de capacidade judiciária de alguma das partes;
d)-A falta de autorização ou deliberação que o autor devesse obter;
e)-A ilegitimidade de alguma das partes;
f)-A coligação de autores ou réus, quando entre os pedidos não exista a conexão exigida no artigo 36.º;
g)-A pluralidade subjetiva subsidiária, fora dos casos previstos no artigo 39.º;
h)-A falta de constituição de advogado por parte do autor, nos processos a que se refere o n.º 1 do artigo 40.º, e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação;
i)-A litispendência ou o caso julgado.

Artigo 578.º
Conhecimento das exceções dilatórias
O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.

Lei 62/2013 de 26 de Agosto (Lei da Organização do sistema Judiciário)

Artigo 128.º
Competência
1–Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:
a)-Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b)-As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c)-As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d)-As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e)-As ações de liquidação judicial de sociedades;
f)-As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g)-As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h)-As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i)-As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2–Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3–A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.

Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta

16.–O Tribunal leva em conta os seguintes elementos que serão mencionados infra na fundamentação:

Doutrina
  • Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina.
Jurisprudência
  • Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2014, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado em dgsi.pt.
  • Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 99703/18.3YIPRT.L1-2, publicado em dgsi.pt.

Apreciação do recurso

A.Efeitos da declaração de insolvência da ré sobre a presente acção

17.–O recorrente discorda da decisão que julgou extinta a instância, invocando a argumentação acima sintetizada no parágrafo 2. Para resolver a questão, o Tribunal leva em conta os seguintes factores.

18.–Antes de mais, estando assente nos autos a existência do contrato de trabalho celebrado entre o recorrente, como trabalhador e a empresa recorrida, como empregadora (cf. facto constante do parágrafo 8 supra), a declaração de insolvência da empresa recorrida não faz cessar esse contrato de trabalho, devendo o administrador de insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado – cf. artigo 347.º n.º 1 do Código do Trabalho (CT).

19.–Isto sem prejuízo vir a verificar-se o encerramento definitivo da insolvente, como causa de cessação do vínculo laboral por caducidade, devendo, nesse caso, ser aplicado o procedimento previsto para o despedimento colectivo – cf. artigos 156.º n.ºs 1 e 2 e 157.º do CIRE e artigos 347.º n.º 3 e 360.º do CT.

20.–De acordo com o modo como o recorrente configurou a sua pretensão na petição inicial (cf. facto processual mencionado supra no parágrafo 6), o objecto da presente acção não são os créditos compensatórios resultantes da cessação do contrato de trabalho (cf. artigo 47.º A do CIRE), mas antes os créditos emergentes do contrato de trabalho em curso, que esteve alegadamente suspenso por facto respeitante ao trabalhador (cf. artigo 296.º do CT) e que o trabalhador pede que lhe sejam pagos desde o seu regresso ao trabalho em 2.5.2022 (cf. artigo 297.º do CT), acrescidos de créditos resultantes da alegada obrigação de indemnizar o trabalhador, nos termos gerais (cf. artigo 483.º do Código Civil ou CC), por factos ocorridos desde 2.5.2022.

21.–Tendo em conta o modo como o autor configurou a acção e a data em que foi declarada a insolvência, é forçoso constatar que os créditos objecto da presente acção se venceram e têm origem em factos jurídicos ocorridos posteriormente à declaração da insolvência da recorrida. Com efeito, o autor alega ter regressado ao trabalho em 2.5.2022, que a partir dessa data lhe são devidas retribuições e a reintegração e que, a mora no cumprimento dessas obrigações lhe causou danos. Ora, nessa data, em que alegadamente cessou a suspensão do contrato de trabalho devido ao regresso do trabalhador, a recorrida já tinha sido declarada insolvente por sentença de 3.8.2021, transitada em julgado em 14.4.2022 (cf. facto constante do parágrafo 11). Ainda que nessa data não tivesse transitado a sentença que declarou a insolvência, quod non, a mesma já produzia efeitos pois resulta do disposto nos artigos 40.º n.º 3, 42.º n.º 3 e 43.º do CIRE que o recurso da decisão que declara a insolvência tem efeito devolutivo, apenas suspendendo a liquidação e partilha do activo (sem prejuízo da venda antecipada nos casos previstos no artigo 158.º do CIRE).

22.–Do acima exposto resulta que, os créditos que o autor reclama na presente acção não são créditos sobre a insolvência, sujeitos ao regime previsto nos artigos 47.º do CIRE, já que não se constituíram previamente à declaração de insolvência. Também não se trata de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho aos quais deva aplicar-se o regime consagrado no artigo 47.º A do CIRE. Assim, afigura-se que a presente acção não está coberta pelo regime previsto nos artigos 85.º e 146.º do CIRE, uma vez que estes preceitos se aplicam quando são reclamados créditos sobre a insolvência, o que não é o caso. Não se tratando de créditos sobre a insolvência, a situação também não é análoga à que foi objecto do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 1/2014 que tem por objecto acções em que são reclamados créditos sobre a insolvência.

23.–Os créditos objecto da presente acção são créditos sobre a massa insolvente ou dívidas da massa insolvente, por terem origem em factos jurídicos – e.g. o regresso do trabalhador previsto o artigo 297.º do CT e a responsabilidade civil prevista no artigo 483.º do CC – alegadamente ocorridos após a declaração de insolvência da recorrida e, portanto, estão sujeitos ao regime previsto no artigo 51.º n.º 1 – d) e e) do CIRE. Em consequência, não tendo a declaração de insolvência por efeito a cessação do contrato de trabalho (cf. artigo 347.º n.º 1 do CT), o autor é um credor da massa sem prejuízo do regime aplicável em caso de encerramento definitivo da empresa recorrida, nos termos acima explicados no parágrafo 19. Em qualquer dos casos, a divida em discussão na presente acção é uma divida da massa insolvente, sujeita ao regime previsto nos artigos 51.º n.º 1 – d) e/ou e) e n.º 2, 153.º n.º 4 e 172.º do CIRE.

24.–Em consequência, tendo a presente acção por objecto uma dívida da massa insolvente, a mesma tem de ser instaurada por apenso ao processo de insolvência, como prevê o artigo 89.º n.º 2 do CIRE e, nesse caso, a competência material para apreciar as dividas da massa insolvente pertence aos juízos do comércio, em particular àquele onde foi instaurada a insolvência da recorrida, como resulta do disposto no artigo 128.º n.º 3 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.

25.–Pelo que, não obstante o recorrente alegar que não existe incompetência material, tem razão a recorrida ao defender que se verifica a excepção dilatória de incompetência material do juízo do trabalho onde foi instaurada a presente acção, excepção essa que é do conhecimento oficioso até ao despacho saneador ou, na sua falta, até à decisão final e cuja consequência é a absolvição da instância – cf. artigos 96.º - a), 97.º n.º 1, 99.º, 576.º n.º 2, 577.º - a) e 578.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT.

26.–A mesma solução foi adoptada pelo Tribunal da Relação num caso comparávelcf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 99703/18.3YIPRT.L1-2 – pelos fundamentos a seguir citados:

“Como anotam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. 1, 2.ª ed., p. 367): “Na verdade, o art.º 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código». Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.
É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art.º 1.º do Código.
(...)
Ora, tendo a autora – nesta parte, relativamente a montantes contratuais vencidos após a declaração de insolvência da ré – demandado autonomamente a ré e, não, no processo de insolvência, verifica-se a excepção de incompetência absoluta, conducente à absolvição da ré.
Foi precisamente esta a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido, onde, na decisão proferida escreveu: “Quanto ao mais, note-se que o artº 89º, nº 2 do C.I.R.E. estatui que as ações, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente, correm por apenso ao processo de insolvência, com exceção das execuções por dívidas de natureza tributária.
Trata-se de uma norma que estabelece uma competência material do Tribunal da insolvência por conexão, estendendo-a a questões conexas com a verificação de créditos sobre a massa insolvente.
Assim, as ações relativas às dívidas da massa insolvente passam a integrar um incidente, por assim dizer, do processo de insolvência, perdendo autonomia e passando a integrar de forma dependente os trâmites do próprio processo de insolvência.
E essa extensão da competência prevista no nº 2 do artº 89º é obrigatória, excluindo a possibilidade de o A. poder optar por outro Tribunal, sendo que, por outro lado, nos termos do artº 128º, nº 1, al. a) e nº 3 da Lei nº 62/2013, de 26.08., a competência dos Juízos de Comércio de preparar e julgar o processo de insolvência inclui os respetivos incidentes e apensos – cfr. neste sentido, ao abrigo da Lei de Organização Judiciária anterior, Ac. R.P. de 03.12.2009 que seguimos de perto, processo nº 826/09.0JPRT.P1, Relator Teles de Menezes, acessível em www.dgsi.pt e Ac. da R.C. de 17.04.2008, C.J., XXXIII, II, págs. 75 a 77.”

27.–A incompetência material foi uma questão debatida pelas partes nos articulados, incluindo nas alegações e contra-alegações de recurso, pelo que não existe decisão surpresa.

28.–À luz do que acaba de ser exposto afigura-se que, embora se deva manter a extinção da instância uma vez que se verifica uma das causas de extinção previstas nos artigos 277.º a 291.º, que fazem parte capítulo III, intitulado “Extinção da instância”, do livro II, do CPC, a causa dessa extinção não é a inutilidade superveniente da lide, prevista no artigo 277.º - e) do CPC, como julgou a decisão recorrida, mas antes a absolvição da instância prevista no artigo 278.º n.º 1 – a) do CPC. Pelo que, nessa parte deve ser revogada a decisão recorrida que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e substituída por outra que absolve a recorrida da instância com base na incompetência material do Tribunal, que é uma excepção dilatória do conhecimento oficioso, como acima foi explicado.

29.–Motivos pelos quais improcede o presente recurso.


Em síntese

30.–Os créditos laborais objecto da presente acção são créditos sobre a massa insolvente ou dívidas da massa insolvente, por serem créditos emergentes da execução do contrato com origem em factos jurídicos alegadamente ocorridos após a declaração de insolvência da recorrida (cf. artigos 297.º do CT e 483.º do CC); portanto, estão sujeitos ao regime previsto no artigo 51.º n.º 1 – d) e e) do CIRE.

31.–A competência material para apreciar as dividas da massa insolvente pertence aos juízos do comércio, em particular àquele onde foi instaurada a insolvência da recorrida, como resulta do disposto no artigo 128.º n.º 3 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.

32.–Assim sendo, a presente acção tem de ser instaurada por apenso ao processo de insolvência, como prevê o artigo 89.º n.º 2 do CIRE.

33.–Não o tendo sido, não existe inutilidade superveniente da lide (cf. artigo 277.º - e) do CPC) mas antes, verifica-se a excepção dilatória de incompetência material do juízo do trabalho onde foi instaurada a presente acção, que é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e conduz à absolvição da instância – cf. artigo 278.º n.º 1 –a) do CPC ex vi artigo 1.º n.º 1 – a) do CPT.

34.–Motivos pelos quais: improcede o recurso; é parcialmente revogada a decisão recorrida e substituída por outra que absolve a recorrida da instância.

Custas do recurso

35.–Tendo em conta o princípio da causalidade consagrado no artigo 527.º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT, a recorrida foi integralmente vencedora no recurso e, por isso, não deve ser condenada nas custas.

36.–O recorrente, que decaiu no recurso, beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e encargos (cf. documento junto à petição inicial com a referência citius 12801033 de 22.9.2022).

37.–Pelo que, de acordo com a doutrina a seguir citada, que o Tribunal acompanha, o recorrente não deve ser condenado em custas (cf. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 9.ª Edição, Almedina, página 9):

“Beneficiando a parte vencida de apoio judiciário na modalidade de dispensa de custas, não tem apoio legal a condenação no seu pagamento, com a ressalva do apoio judiciário de que beneficie, mas sim a não condenação dela no pagamento de custas”

38.–Isto, sem prejuízo de o reembolso das taxas de justiça pagas pela recorrida, pelo qual seja responsável o recorrente, dever ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, nos termos do artigo 26.º n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais (RPC).

Decisão

Acordam os Juízes desta secção em:

I.–Julgar improcedente o recurso.

II.–Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e substituí-la por outra que absolve a ré, recorrida, da instância com base na incompetência material do Tribunal.

III.–Não condenar o recorrente nas custas do recurso uma vez que beneficia do apoio judiciário, sem prejuízo do reembolso devido à parte vencedora ter lugar nos termos previstos no artigo 26.º n.º 6 do RCP.


Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024


Paula Pott - (relatora)  
Francisca Mendes - (1.ª adjunta)
Leopoldo Soares  - (2.º adjunto)