Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13725/22.0T8SNT-A.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
OBJECTO
CUMULAÇÃO SUCESSIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):
I. Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
II. Havendo cumulação sucessiva de execuções, a procedência dos embargos de executado quanto à execução inicialmente deduzida não obsta ao prosseguimento da execução relativamente à execução cumulada anteriormente deduzida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
RELATÓRIO.
Fundado numa livrança, em 26.07.2022 a Exequente, NOVO BANCO, SA., deduziu execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra o Executado, RP, liquidando em €11.017,40 a quantia exequenda.
Em 07.11.2022 o Exequente veio cumular à execução uma nova execução, fundado-a em injunção à qual foi aposta a fórmula executória e conferindo-lhe o valor de €1.265,82.
Em 11.02.2023 o Executado foi citado quanto à execução inicial e deduziu embargos de executado, os quais foram recebidos e objeto de contestação por parte da Exequente.
Em 04.05.2023 o Tribunal fixou o valor dos presentes embargos, determinou o prosseguimento da execução, proferiu despacho saneador, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Em 26.09.2023 procedeu-se a julgamento, sendo que no decurso dele a Exequente/Embargada suscitou a questão do valor da causa, face à cumulação apresentada, tendo o Tribunal relegado a mesma para apreciação afinal
Na mesma data, o Juízo de Execução de Sintra proferiu sentença cujo dispositivo, no que aqui releva, tem o seguinte teor:
«Por todo o exposto, julgo procedente a presente oposição à execução, mediante embargos de executado e em consequência, declaro extinta a execução, - artigo 732º, nº 4 do CPC».
Inconformada com aquela decisão, a Exequente/Embargada interpôs dela recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1- O presente recurso incide sobre a douta sentença de fls. que julgou a presente oposição procedente e em consequência declarou extinta a execução.
2- A sentença recorrida mostra-se ferida de nulidade, na medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria ter apreciado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, concretamente quanto à citação do requerimento executivo de cumulação junto aos autos e, consequentemente, do valor da ação.
3- Determina o artigo 608.º, n.º 2 do CPC que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
4- No caso concreto, em sede de audiência de discussão e julgamento, o aqui Apelante levou à apreciação do Tribunal a quo a circunstância da ação executiva ter sido apresentada em 26-07-2022, relativamente à dívida do contrato de crédito ao consumo - CI 0224010914, e de ter ocorrido cumulação de processos em 07-11-2022, passando a peticionar-se também a dívida dos contratos de abertura de conta - SD 000245420477 e atribuição de cartão de crédito – CCR 899999000037052.
5- Suscitou-se a questão de saber se a citação que ocorreu em 11-02-2023, cfr. o registo de atos levado a cabo pelo Sr. Agente de Execução em 20-02-2023, teve lugar unicamente quanto à execução de 26-07-2022 ou se, porventura, incluiu a cumulação ocorrida em 07-11-2022.
6- Nesta sequência, foi o Sr. Agente de Execução notificado, por despacho ditado para a ata da referida diligência, para vir aos autos principais esclarecer, no prazo de 10 dias.
7- Em 29-09-2023, ainda dentro do prazo estabelecido, mas já após ter sido proferida a sentença recorrida, veio o Sr. Agente de Execução esclarecer que “aquando da emissão da documentação para citação por contato pessoal do executado, o signatário considerou a documentação constante da citação postal devolvida a 29-09-2023 não tendo, por lapso, procedido à notificação da cumulação do executado.”
8- Ora, o executado não foi citado da cumulação referente aos contratos de abertura de conta - SD 000245420477 e atribuição de cartão de crédito – CCR 899999000037052, pelo que não houve oposição quanto a tais contratos.
9- Não pode a execução ser extinta, como determina a sentença recorrida, porquanto os contratos que fundamentam o requerimento executivo de cumulação não foram alvo de matéria de exceção.
10- Mais, não houve pronúncia quanto à questão suscitada pelo ora Apelante quanto ao valor da causa, cuja apreciação foi relegada para a final, uma vez que não havia esta explicação aquando da sentença recorrida.
11- Constituindo a falta de pronúncia pelo juiz sobre questões que deveria ter apreciado em sede de sentença uma nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
12- Deverá assim ser julgado procedente o presente recurso e ser revogada a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que julgue a oposição à execução improcedente, devendo o Executado ser citado da cumulação para, querendo, se opor.
Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a já costumada e esperada JUSTIÇA!».
Notificado do recurso, o Executado/Embargante nada disse.
O Tribunal recorrido pronunciou-se quanto à nulidade suscitada pelos Recorrentes, concluindo pela sua ausência.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pela Recorrente, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, está em causa tão-só apreciar e decidir da omissão de pronúncia suscitada pela Recorrente.
Assim.
III.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A factualidade a considerar na decisão de direito é a que consta do relatório deste acórdão.
IV.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A Embargada/Recorrente alega que a decisão recorrida padece de omissão de pronúncia por, em suma, nada referir quanto «à citação do requerimento executivo de cumulação junto aos autos e, consequentemente, do valor da ação».
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».
Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  
Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.º 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da  sentença, que as partes hajam invocado (…)».
No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2023, processo n.º 619/21.6T8VCT.G1-A.S1, que «a omissão de pronúncia não se confunde com as razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas): só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante duma sentença/despacho, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
In casu.
Os presentes autos constituem uns embargos de executado.
Na sua petição de embargos, o Executado/Embargante, aqui Recorrido, suscita como questões (i) a sua falta de integração no PERSI, (ii) a inexigibilidade da quantia exequenda por falta de resolução do contrato e (iii) a suspensão da execução nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPCivil.
Na sua contestação, a Exequente/Embargada, ora Recorrente, respondeu àquelas questões, concluindo pela improcedência dos embargos.
No despacho saneador/condensação o tribunal recorrido conferiu aos embargos o valor de €11,017,40 e julgou não estarem reunidos os pressupostos para a suspensão da execução, pelo que determinou o seu prosseguimento.
Após julgamento, por sentença, o Tribunal recorrido concluiu que o Embargante não havia sido integrado no PERSI e julgou prejudicada a apreciação da alegada inexigibilidade da quantia exequenda.
Ou seja, é manifesto que o Tribunal recorrido apreciou em sede de embargos de executado todas as questões neles suscitadas, inexistindo, pois, o invocado vício de omissão de pronúncia.
O Tribunal recorrido concluiu pela procedência dos embargos e declarou «extinta a execução».
A Recorrente confunde o objeto dos presentes embargos de executado com o da execução a que os mesmos se referem.
Com efeito, em 07.11.2022 a Exequente, aqui Recorrente, veio requerer a execução de um outro título, dando, assim, lugar a uma cumulação sucessiva de execuções.
Ora, tal cumulação e os seus efeitos no valor da execução devem ser apreciados nos autos de execução, não nos presentes autos de embargos de execução deduzidos tão-só quanto à execução inicial.
Claro que ao declarar «extinta a execução» a decisão recorrida teve em conta tão-só a execução inicialmente interposta, não a execução sucessivamente cumulada, termos em que a execução prosseguirá quanto a esta.
*
Quanto às custas do recurso.
Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».
Ora, in casu improcede a pretensão da Recorrente.
Na relação jurídico-processual recursiva a Recorrente configura-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhe desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pela Recorrente.
V. DECISÃO  
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida, devendo os autos de execução prosseguirem quanto à execução cumulada sucessiva.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Paulo Fernandes da Silva
José Manuel Correia
Pedro Martins