Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ESTER PACHECO DOS SANTOS | ||
Descritores: | ADMOESTAÇÃO CONTRAORDENAÇÃO GRAVE | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/19/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
Sumário: | (da responsabilidade da relatora) O regime da admoestação não pode ser considerado relativamente a uma contra--ordenação grave, porquanto não é acertada a aplicação de sanções próprias de contraordenações leves às contraordenações graves e muito graves. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) aplicou ao arguido AA, a coima de €2.000,00 (dois mil euros), pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação ambiental grave p. e p. pelos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 18.º, n.º 2, alínea f), ambos do Decreto-Lei nº 267/2009, de 29/09, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23/08, e artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29/08. Desta decisão interpôs o arguido recurso de impugnação judicial. Distribuídos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal da Amadora - Juiz 2, foi proferida decisão, em 19.12.2023, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto, mantendo a condenação do recorrente na coima de 2.000,00€ (dois mil euros), pela prática negligente de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 11.º e 18.º, n.º 2, alínea f), ambos do Decreto-Lei nº 267/2009, de 29/09, e artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei nº 50/2006, de 29/08, mas substituída por admoestação. 2. Não se conformando com a decisão, na parte que determinou a aplicação de admoestação ao arguido, veio o Ministério Público interpor recurso para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Pela autoridade administrativa IGAMAOT foi o arguido, BB por decisão datada de 12.12.202 12.000,00, acrescida de custas, pela prática, em 27.11.2017, de factos consubstanciadores de infração aos artºs 8º, 10º, nº 3, alínea c), e 11º, alínea c), do DL nº 46/2008, de 12.03, punidos nos termos do artº 18º, nº 2, alínea b), daquele diploma legal e do artº 22º, nº 3, alínea b) da LQCA (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais), para o que foram considerados o caráter grave da contra-ordenação, a atuação a título negligente e as diligências encetadas no sentido de eliminar a respetiva causa. 2. Inconformado, o arguido impugnou tal decisão. 3. Decidiu-se, na sentença recorrida, manter a decisão impugnada, mas pela prática dos sobreditos factos, aplicar a sanção de admoestação. 4. Nos termos do art. 18.º, n.º 1, do DL 433/82, de 27/10, a coima é determinada em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico alcançado, sendo o art. 20.º, n.º 1, da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais praticamente um decalque daquele normativo. 5. Embora a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais não preveja, expressamente, a aplicação de admoestação para contra-ordenações ambientais, nos termos do art.º 2.º de tal diploma, segundo o qual, é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o regime geral das contra-ordenações, afigura-se-nos que o instituto de admoestação previsto no art.º 51.º do RGCO é aplicável a tais contraordenações, a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente. 6. Ao agir como agiu, o arguido negligenciou a obrigação que lhe era imposta, de diligenciar pela preservação e controle da qualidade do ambiente, o que constitui contra-ordenação grave, de acordo com o disposto no art. 18.º do DL 46/2008, de 12/3. 7. Tratando-se de contra-ordenação grave, a admoestação não é, segundo nos parece, aplicável no caso vertente. 8. Na verdade, a admoestação é uma sanção reservada para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples. 9. Estando vedada, assim, no nosso modo de ver, a possibilidade de aplicação ao caso vertente da admoestação, afigura-se-nos, porém, ser admissível a suspensão da execução da coima, ao abrigo do disposto na Lei 114/2015, de 28/8, que adicionou à Lei nº 50/2006, de 29/8, o art.º 20.º-A. 10. A suspensão da execução da coima obedece a um regime apertado, como se alcança da leitura do art. 20.º-A, fazendo-a depender das seguintes condições cumulativas: «1 - Na decisão do processo de contra-ordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: «a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 11. No caso aqui em apreço, o arguido agiu conforme descrito nas alíneas f), g), j), e l), do elenco dos factos provados da sentença recorrida, antes e após da acção de fiscalização. 12. Tendo em conta que, a filosofia que se extrai do atual regime de suspensão da coima em contra-ordenações ambientais é que importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, parecem-nos estar reunidos os requisitos para que se aplique a suspensão da execução da coima. 13. Porém, no nosso modo de ver, este tribunal não carece de necessidade de aplicar qualquer sanção acessória a salvaguardar aquelas preocupações do legislador, uma vez que a conduta do arguido não trouxe qualquer perigo para a saúde e em termos ambientais foi já solucionada pelo próprio, e, ainda, porque cessou a actividade laboral, (cfr. factos provados referidos em g) e , j) e l), da douta sentença recorrida). 14. E a sanção acessória a aplicar seria precisamente para repor a situação anterior à infração e a minimização dos efeitos decorrentes da mesma e eliminação dos riscos para a saúde ou ambiente. 15. Não faria sentido que, sendo esta a única sanção acessória como condição, que se adequava a ser aplicada ao arguido, não se pudesse suspender a execução da coima, por se mostrar já cumprida e sem qualquer prejuízo ou risco de saúde e a relativa perturbação ambiental com o depósito foi sanada. 16. Neste sentido, atento o espirito que presidiu à intenção do legislador, na suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, que é educar para prevenir, mostram-se, a nosso ver, reunidos os requisitos, para declarar a suspensão da execução da coima aplicada, nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, uma vez a sanção acessória que seria de aplicar se mostra cumprida pelo arguido. 17. Nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, a coima pode ser suspensa na sua execução total, ou parcialmente. Considerando a situação económica do arguido e, atendendo a que se trata de uma contra-ordenação grave, será adequado que o infractor suporte, parcialmente, a coima, de forma a sentir o efeito sancionatório em termos preventivos no cometimento de contra-ordenações ambientais. 18. Atendendo a que, a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, aplicou a coima de 2.000,00€ e olhando à pretensão apresentada pelo arguido em sede de impugnação, ainda que subsidiariamente, face ao que deixamos exposto, parece-nos adequado que o arguido pague o montante de 750,00, ficando suspensa a coima na parte restante de 1.250,00€, pelo prazo de 1 ano, nos termos do art.º 20.º-A, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redação dada pela Lei 114/2015, de 28/8, não se aplicando a sanção acessória, prevista no art.º 30.º, n.º 1, al. j), do mesmo diploma legal, por se mostrar irrelevante. 19. Caso assim se não entenda, a douta sentença recorrida deverá ser revogada na parte que aplica a admoestação ao arguido por se verificar, no nosso entendimento, a violação do disposto nos artºs 18º, nº 1, 51º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, conjugados com os artºs 8º, 10º, nº 3, alínea c), e 11º, alínea c), 18º, nº 2, do DL nº 46/2008, de 12.03 e do artº 22º, nº 3, alínea b) da LQCA (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, aplicáveis ao caso em apreço). Por todo o exposto, deverá ser proferido douto acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação, a revogar a sentença recorrida, na parte em que determinou a aplicação de admoestação ao arguido e, eventualmente, a substituí-la por outra que determine o pagamento, pelo arguido, da quantia de 750,00€, suspendendo a coima na parte restante de 1.250,00€, pelo período de um ano. 3. O arguido apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e formulando as seguintes conclusões (transcrição): A. A LQCA não previa, expressamente, a aplicação de admoestação para contra-ordenações ambientais, nos termos do art.º 2.º da Lei 50/2006, de 29/8, segundo o qual, é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o regime geral das contra-ordenações do RGCO; B. Entende o MP que o instituto de admoestação previsto no art.º 51.º do RGCO é aplicável a tais contraordenações: «Não prevendo expressamente a Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais a aplicação de admoestação, «não podemos ter o entendimento de que tal instituto não seja aplicável no caso das contra-ordenações ambientais, apesar de, em regra, estas merecerem maior censurabilidade pela comunidade e terem regime mais apertado relativamente às contra-ordenações em geral»; C. Mais alega o MP que: «Não tendo o legislador afastado expressamente tal possibilidade e não há razão, no nosso modo de ver, para as contra-ordenações ambientais terem um regime mais severo nesta matéria do que o aplicável para os crimes.». D. De acordo com o artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação; E. Dispõe o artigo 51º, nº 1, do Regime Geral das Contra Ordenações que “(…) Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação (…)”; F. A Lei n.º 50/2006, de 29/8, que aprovou a LQCA, inicialmente, não previa a suspensão da execução da coima foi revogada pela Lei 114/2015, de 28/8, aplicável à data da aplicação da coima aqui em causa, que revogou o art.º 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8; G. A Lei 114/2015, de 28/8, adicionou à Lei nº 50/2006 o art.º 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias; H. Tendo a contra-ordenação praticada ocorrido em 20.06.2018, aplica-se a norma do art.º 20.º-A, na redação da Lei 114/2015, de 28/8, que passou a contemplar a suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, nas condições ali previstas; I. O arguido não negligenciou a preservação e controle da qualidade do ambiente; J. Teve certificado de recolha de óleos alimentares durante 2016- facto provado g); K. Deixou de o ter porque o movimento do estabelecimento era muito reduzido, e uma despesa cara- facto provado I); L. Não houve derrame de óleo nem no estabelecimento nem noutro local; tinha o óleo usado numa panela, a qual era periodicamente transportada para o contentor municipal existente no ... – facto provado nº J ; M. Há cinco anos que o recorrido cessou a actividade de restauração, trabalhando na construção civil do que aufere cerca de 700,00 € mensais, reside com a sua esposa e um neto de 5 anos de idade, em casa arrendada, suportando o pagamento de uma renda mensal de cerca de 500,00 €.- factos provados nº K; N. A atitude do arguido não constitui contra-ordenação grave; O. A admoestação é uma sanção para os casos de pouca relevância do ilícito criminal e da culpa do agente, isto é, aplicável ao caso concreto; P. No caso em apreço, também não foi apurado a concreta quantidade de OAU existente, inexiste notícia de outras condenações por factos semelhantes, a par, ainda do lapso de tempo já decorrido desde a data dos factos, pelo que foi correcta a opção do Mª Juiz a quo, na substituição da aludida coima por admoestação; Q. Nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, a coima pode ser suspensa na sua execução total, ou parcialmente. Considerando que há cinco anos cessou a actividade de restauração, trabalhando na construção civil do que aufere cerca de 700,00 € mensais, a situação económica é débil, estando afastado de poder algum dia cometer contra-ordenações ambientais; R. Por todo o exposto, deverá ser mantida a sentença recorrida, que determinou a aplicação de admoestação ao arguido e, a suspensão do pagamento. 4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, pugnando pela procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação e substituição da sentença recorrida por outra que não aplique a admoestação e que determine, eventualmente, a suspensão da execução da coima de 2.000,00€ (dois mil euros) em que o Recorrente AA foi condenado. 5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta pela defesa, congratulando-se com a conclusão expressa no parecer, sem prejuízo de entender que a decisão da 1ª instância é acertada e justa. Contudo, se o entendimento dos Sr(s) Juízes Desembargadores for outro que não a admoestação sentenciada, a opção expressa no Parecer do MP notificado, da suspensão da execução da coima de €2.000,00, não repugna ao recorrente.” 6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Objeto do recurso De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 CPP. Por conseguinte, conforme as conclusões da respetiva motivação, suscitam-se as seguintes questões: - Da admissibilidade da pena de admoestação; - Da possibilidade da suspensão da execução da coima. 2. Da sentença recorrida Factos provados: a. No dia 20/06/2018, 23h15, no estabelecimento denominado “...”, sito no ..., explorado pelo recorrente, o mesmo encontrava-se em laboração, aberto ao público, encontrando-se uma panela contendo óleo no seu interior, em quantidade não concretamente apurada mas pelo menos a meio da respectiva capacidade, não sendo o recorrente possuidor de certificado válido de recolha de OAU previsto no artigo 12º, nº 2, do Decreto-Lei nº 267/2009, de 29/09. b. Na data supra o recorrente era detentor de contrato de cessão de exploração celebrado com a sociedade ..., NIPC nº ..., com sede no ..., com início em 2016. c. Tal contrato cessou em 31/12/2018, tendo sido entregue à proprietária o estabelecimento e toda a existência. d. Desde o início de 2019, após o termo do contrato de cessão, que o recorrente trabalha na ... para várias entidades em ..., ... e ..., mediante contratos de trabalho temporários. e. O recorrente actuou como descrito, sabendo que deveria certificar-se de dar destino adequado aos OAU que produzia, em conformidade com o regime legal aplicável, bem como que deveria possuir o respectivo certificado relativo a óleos alimentares usados. f. O recorrente não era possuidor de tal certificado válido, nem dava destino adequado aos OAU que produzia, porque não cuidou de realizar as diligências necessárias a fim de garantir a obtenção daquele e destino destes mediante intervenção de entidade certificada para o efeito, como lhe era possível e do que era capaz, não tendo previsto como possível consequência da sua conduta que a mesma seria proibida e punida por lei, com o que não se conformou, mas, ainda assim, devia ter previsto. g. Anteriormente à data acima referida o recorrente tinha contratado com a empresa ..., NIPC nº ..., titular de Alvará de licença para a realização de operações de gestão de resíduos nº 078/2015, as operações de resíduos, a qual emitiu o Certificado de Recolha de Óleos Alimentares Usados nº 3216, relativo ao período de 01/01/2016 a 31/12/2016, o qual, na data referida em a), se encontrava afixado na parede do estabelecimento comercial, à vista dos frequentadores do estabelecimento. h. O movimento do estabelecimento explorado pelo recorrente era reduzido. i. Alguns alimentos expostos para venda eram normalmente confeccionados na residência do recorrente, pela sua mulher. j. O pouco óleo gerado no estabelecimento na confecção de alimentos era depositado periodicamente no contentor existente no ... para uso público. k. O recorrente não tinha qualquer trabalhador ao seu serviço no estabelecimento. l. Actualmente o recorrente exerce actividade laboral como manobrador de máquinas, do que aufere cerca de 700,00 € mensais. m. Reside com a sua esposa e um neto de 5 anos de idade, em casa arrendada, suportando o pagamento de uma renda mensal de cerca de 500,00 €. n. Tem três filhos, de 24, 27 e 29 anos de idade, os quais seguem vidas independentes. o. Possui, como habilitações literárias, o 11º ano de escolaridade. p. Não possui antecedentes contra-ordenacionais conhecidos. Factos não provados: Não se provou que no espaço de cozinha do estabelecimento explorado pelo recorrente não havia condições para confeccionar fritos. *** 3. Apreciando O Ministério Público interpôs o presente recurso por discordar da sanção de admoestação aplicada ao arguido, pugnando pela revogação da sentença recorrida na parte que a aplicou e sua substituição por outra que mantenha a aplicação de coima, ainda que suspensa, parcialmente, na sua execução. O objeto do recurso consiste, portanto, em primeira linha, em saber se a sanção de admoestação é aplicável in casu, o que o recorrente conclui negativamente. Analisemos o problema. Mostra-se pacificamente aceite a condenação do arguido pela prática negligente de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 11.º e 18.º, n.º 2, alínea f), ambos do Decreto-Lei n.º 267/2009, de 29/09, e artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 50/2006, de 29/08. Em causa está uma contra-ordenação grave, de acordo com o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 18.º do DL n.º 267/2009, de 29 de setembro - o DL n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, veio revogar o DL n.º 267/2009, de 29 de setembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 102/2017, de 23 de agosto, sem que dessa alteração tenha resultado a despenalização ou o desagravamento dos factos em apreço, que continuam sancionados no atual diploma (cf. n.º 5 do art. 9.º e alínea b) do n.º 2 do art. 117.º do diploma em causa), termos em que, à situação dos autos continua a aplicar-se a lei vigente ao tempo dos factos, i.e., o DL n.º 267/2009, de 29 de setembro, conforme princípio ínsito no artigo 4.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais). A contra-ordenação em questão é punível, em abstracto, com coima de 2.000,00€ a 20.000,00€, quando cometida a título de negligência – cfr. artigo 22º, nº 3, alínea a), da Lei nº 50/2006, de 29/08. Relativamente à medida da coima, consignou o tribunal recorrido o seguinte: “De acordo com o artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. Sopesando todo o supra exposto, constata-se que o montante da coima aplicada em sede administrativa – pelo mínimo legal, de 2 000,00 € - não se revela desadequado e desproporcional em face dos elementos acima referidos, antes se mostrando razoável e proporcional à conduta do recorrente. Por outro lado, importa ater que dispõe o artigo 51º, nº 1, do Regime Geral das Contra Ordenações que “(…) Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação (…)”. No caso em apreço, relativamente à obrigação em causa, atendendo à circunstância do recorrente não a ter cumprido a título de negligência e ademais considerando não se ter apurado a concreta quantidade de OAU passíveis de sofrerem destino fora da adequação e certificação legalmente exigíveis, inexistindo notícia de outras condenações por factos semelhantes, a par, ainda do lapso de tempo já decorrido desde a data dos factos, entende-se que a aludida coima se mostra passível de substituição por admoestação, o que se determina.” Dessa forma, verificada por nós a fundamentação exarada pela primeira instância quanto à medida da coima, afigura-se-nos que de facto o tribunal a quo não levou em linha de conta a circunstância de nos encontrarmos perante uma contra-ordenação ambiental grave. Com efeito, e conforme parecer formulado nos autos pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto cujos termos, por subscrevermos, passamos a transcrever, “o incumprimento da obrigação/condição, constitui «contraordenação ambiental grave» (alínea f) do n.º 2 do artigo 18.º do DL n.º 267/2009, de 29 de setembro), à qual, em consonância com o elevado juízo de desvalor reconhecido pelo legislador nessa classificação, deve corresponder um também elevado grau de gravidade, conforme entendimento constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2018 (Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência, DR n.º 219/2018, I Série de 18/11/2018) quando afasta a possibilidade de aplicação de sanções próprias de contraordenações leves às contraordenações graves e muito graves. A ser assim, o regime da admoestação só poderá estar em perfeita consonância com o escalão classificativo inferior da contra-ordenação, ao qual corresponde, de igual modo, uma coima menor, ou seja, com a contra-ordenação leve.” Por conseguinte, estando em causa uma contra-ordenação grave não pode haver lugar a admoestação. Vejamos então da possibilidade da suspensão da execução da coima, nos termos pugnados pelo Ministério Público em recurso. O recorrente assenta a sua pretensão com base no art. 20.º-A da Lei n.º 50/2006 (Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais), que dispõe nos seguintes termos: 1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: a. Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b. O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. Ora, pese embora a “bondade” da argumentação a esse propósito exarada pelo Ministério Público, no sentido de não ser caso de aplicar qualquer sanção acessória a salvaguardar aquelas preocupações do legislador, certo é que nenhuma foi aplicada nem cabe agora aplicar. Nessa medida, impondo-se aquelas condições cumulativas, que in casu não se mostram reunidas, inexiste qualquer possibilidade da suspensão da execução da coima, que sempre seria contra legem, logo, inadmissível. Em suma, o recurso interposto pelo Ministério Público falece nessa parte, procedendo apenas parcialmente. III – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Publico, e decidem: - revogar a decisão na parte em que determinou a aplicação da pena de admoestação ao arguido, mantendo a condenação do arguido AA na coima de 2.000,00€ (dois mil euros), pela prática negligente de uma contra-ordenação p. e p. pelos artigos 11.º e 18.º, n.º 2, alínea f), ambos do Decreto-Lei nº 267/2009, de 29/09, e artigo 22.º, n.º 3, alínea a), da Lei nº 50/2006, de 29/08. Sem custas. Notifique. * Lisboa, 19 de março de 2024 Ester Pacheco dos Santos Sandra Oliveira Pinto Alda Tomé Casimiro |