Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1425/23.9YLPRT.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO DO SENHORIO
ANTECEDÊNCIA DA COMUNICAÇÃO
PRAZO SUPLETIVO
DURAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-Tratando-se de um contrato de arrendamento em que se estipulou o prazo de um ano, renovável por iguais períodos de um ano, caso o senhorio pretenda impedir a renovação automática do contrato terá de comunicar ao arrendatário tal pretensão, com uma antecedência mínima de 120 dias, aplicando-se o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 1097.º do Código Civil.
II-É irrelevante o tempo de duração que o contrato já tenha, à data em que o senhorio decidiu opor-se à sua renovação.
III-O prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.º do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12-02, é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo estipulação em contrário”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

E, através de requerimento entrado no Balcão Nacional do Arrendamento, peticionou o despejo do imóvel sito na Rua …, …, Torres Vedras, que deu de arrendamento à Ré:
M, ambas melhor identificadas nos autos.
Alega em síntese, que o contrato de arrendamento foi celebrado em 1 de Março de 2015, mas cessou a sua vigência na sequência da oposição à sua renovação, feita pela senhoria e comunicada à locatária.
Devidamente notificada, a R. M deduziu oposição, alegando que nada deve a título de rendas, que o contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos foi celebrado no dia 01/03/2015, foi feito pelo prazo de um ano com termo em 29/02/2016, e renovou-se até que, por carta datada de 20/10/2022, a A. comunicou-lhe a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento. Mais alega que, à data da referida oposição, o contrato durava há seis anos e sete meses, sendo que o termo do contrato seria no dia 29 de fevereiro de 2023, e que a comunicação de oposição à renovação foi enviada com apenas 4 meses de antecedência, o que equivale a 120 dias. No caso, atenta a duração do contrato, a comunicação à arrendatária para impedir a renovação automática do contrato deveria ter sido efetuada com 240 dias de antecedência, equivalente a 8 meses de antecedência, o que não ocorreu. Assim, a comunicação foi extemporânea e não é , por isso, passível de impedir a renovação automática do contrato de arrendamento que, desta feita, se renovou em 01/03/2023 por mais um ano.
Conclui pela improcedência da ação.
Notificada a A. para exercício do direito ao contraditório quanto à exceção invocada, veio a mesma alegar que o contrato renovava-se automaticamente no termo do seu período inicial de vigência (um ano), por sucessivos períodos de 1 (um) ano, tendo a oposição à renovação sido enviada tempestivamente, porquanto observou a antecedência mínima de 120 dias prevista na lei, sendo irrelevante que o contrato em causa já durasse há 6 anos e 7 meses, alegando que a R. litiga de má- fé, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não desconhece ou não deveria desconhecer com o propósito único de protelar o desfecho da causa, devendo ser condenada no pagamento, à A. de indemnização a fixar nos termos do artigo 543º do CPC, sendo as alegações atinentes ao pagamento da renda inócuas para a situação dos autos.
Conclui pela improcedência da exceção.
*
A requerida respondeu ao pedido de condenação como litigante de má -fé, tendo alegado que não litiga de má-fé, pedindo a sua absolvição desse pedido.
*
Tendo o tribunal considerado que o processo contém todos os elementos para ser proferida decisão, sem necessidade de produção de outros meios de prova, concedeu às partes o prazo de 10 dias para discussão da matéria de facto e de direito.
*
A A. veio invocar que a comunicação efetuada pela requerente em 20/10/2022, tendente à oposição à renovação do contrato que terminaria a 29/02/2023, foi tempestiva, já que observou a antecedência mínima de 120 dias prevista no citado artigo 1097º, nº 1, alínea b) do Código Civil. Referiu ainda que não se pode afirmar que, a partir de 13 de fevereiro de 2019, o contrato em apreço passou a renovar-se, imperativamente, por períodos de 3 anos, porque o que estatui o nº 3 do artigo 1097º é que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sendo que à data da comunicação destinada à oposição à renovação do contrato, este vigorava há 6 anos e 7 meses, pelo que o direito da A. se opor à sua renovação não se encontrava já condicionado à vigência ininterrupta do contrato por um período mínimo de três anos, contado da data da sua celebração. Assim, a acção deve ser julgada procedente.
*
A R. veio invocar que o contrato de arrendamento a que se reportam os presentes autos foi celebrado no dia 01/03/2015, teve início nesta data e foi feito pelo prazo de um ano com termo em 29/02/2016, até que por carta datada de 20/10/2022, a requerente comunicou à requerida a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento. À data da referida oposição o contrato durava há seis anos e sete meses, sendo que o termo do contrato seria no dia 29 de fevereiro de 2023. A comunicação de oposição à renovação foi enviada com apenas 4 meses de antecedência, o que equivale a 120 dias, e teria de ser enviada com 240 dias de antecedência, atenta a duração do contrato de 6 anos e 7 meses, o que não ocorreu. Refere ainda que por força da nova redação do artigo 1096º do Código Civil, estabelecida pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, o contrato passou a renovar-se por períodos de 3 anos, tendo-se renovado por 3 anos em 01/03/2019 até 29/02/2022 e em 01/03/2022 renovou-se por mais três anos, ou seja, até 29/02/2025.
Conclui pugnando pela improcedência da ação.
Foi, seguidamente, proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“a) Julgo totalmente improcedente a oposição ao despejo e, em consequência, ordeno a emissão de título de desocupação.
b) Absolvo a R. do pedido de condenação como litigante de má -fé.”
Inconformada com esta sentença, a Ré veio interpor recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:
“1.º-A recorrente não se conforma com a douta sentença que decidiu e julgou improcedente a oposição ao despejo por si deduzida e ordenou a emissão de título de desocupação;
2.º - Por contrato de arrendamento celebrado em 01/03/2015, a recorrida deu de arrendamento à recorrente, a fracção QQ, para habitação e pelo prazo de um ano, com início em 1 de março de 2015 e termo em 29 de fevereiro de 2016, renovável por iguais períodos de um ano;
3.º - Por carta registada com aviso de recepção de 20/10/2022, a recorrida, na qualidade de senhoria, remeteu carta à recorrente, comunicando-lhe a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento, com efeitos no dia 29 de fevereiro de 2023;
4.º - A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se a comunicação remetida pela recorrida à recorrente de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre ambas é extemporânea e não produziu os seus efeitos ou se, pelo contrário produziu os seus efeitos e, por via disso, o contrato de arrendamento cessou;
5.º - pugnamos pela primeira das hipóteses. Senão vejamos:
6.º-À data da referida oposição à renovação do contrato de arrendamento, este durava há seis anos e sete meses, pelo que, nos termos do disposto no art.º 1097.º, n.º 1, al. a) do código civil, a comunicação à arrendatária para impedir a renovação automática é de 240 dias, o que equivale a oito meses de antecedência.
7.º - Nestes termos, a comunicação de não renovação foi extemporânea e não permite impedir a renovação automática do contrato de arrendamento que, assim, se renovou em 01/03/2023;
8.º - à data em que foi celebrado o contrato de arrendamento (01/03/2015),vigorava a versão do art.º 1097.º do código civil estabelecida pela lei n.º31/2012, de 14 de agosto.
9.º - Como referem Isabel Rocha e Paulo Estima in Novo Regime do Arrendamento Urbano, 5.ª ed., p. 287, em anotação ao artigo 1097.º do código civil: “a antecedência da comunicação, estabelecida nas várias alíneas do n.º 1 pela lei n.º 31/2012 reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, recuperando-se, assim, a solução prevista no n.º 2 do art.º 100.º do revogado RAU, resolvendo-se, deste modo, eventuais dúvidas interpretativas resultantes da redação anterior deste normativo, conferida pela lei n.º 6/2006, que apenas se referia a “termo do contrato”.
10.º - Tendo em conta que o art.º 100.º do revogado RAU previa que a oposição à renovação automática teria que ser requerida com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento, foi extemporânea;
11.º - Acresce que, à data em que foi celebrado o contrato de arrendamento dos autos vigorava a redação para o artigo 1096.º do Código Civil conferida pela lei nº 31/2012, de 14.8, segundo a qual e salvo estipulação em contrário o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte, … não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias e qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.”;
12.º - A redacção da norma foi alterada pela lei n.º 13/2019, de 12/2, com entrada em vigor em 13.2.2019, passando a ser a seguinte: “1 – Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.
13.º - A alteração introduzida pela lei n.º 13/2019 aplica-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil;
14.º - Deste modo, o contrato de arrendamento dos autos celebrado em 01/03/2015 renovou-se uma primeira vez em 01/03/2016 e, sucessivamente, por períodos de renovação de um ano, renovou-se em 01/03/2017, 01/03/2018, o qual terminou em 29/02/2019;
15.º - nesta data, na vigência da lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, em vigor desde 13 de fevereiro de 2019, aplicável aos contratos em curso, o contrato dos autos passou a renovar-se, imperativamente, por períodos de três anos, pelo que, em 01/03/2019 renovou-se por três anos, período que terminou em 29/02/2022 e em 01/03/2022 renovou-se por mais três anos, até 29/02/2025, por força da norma imperativa do n.º 1 do art.º 1096.º do código civil, nas sucessivas redacções.
16.º-Pelos argumentos atrás expostos impõe-se a revogação da douta sentença proferida nos termos supra enunciados, determinando-se a procedência da oposição ao despejo deduzida pela recorrente, com fundamento na circunstância da comunicação de não renovação ter sido extemporânea e não permitir impedir a renovação automática do contrato de arrendamento que, assim, se renovou em 01/03/2022.
Nestes termos e nos mais de direito, e sempre com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso.”
*
A Autora apresentou contra alegações, nas quais pugnou pela improcedência do recurso e consequente confirmação da sentença recorrida.
II-OS FACTOS
Na Primeira Instância foram dados como provados os seguintes factos:
1-Por escrito datado de 01/03/2015, E deu de arrendamento a M, para habitação, a fração QQ, designada por 10º andar fte, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …,… Torres Vedras, pelo prazo de um ano, com início em 01 de março de 2015 e termo 29 de fevereiro de 2016, renovável por iguais períodos de um ano, enquanto não fosse denunciado, tendo sido fixada a renda mensal no valor de € 160,00, conforme documento junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Aquando da celebração do contrato referido em 1., foi liquidado o imposto de selo, conforme certificação do pagamento emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. A A., na qualidade de senhoria, remeteu carta registada, com aviso de receção, à R., datada de 20/10/2022, recebida pela R. em data não apurada, mas no dia 28/10/2022 já havia sido por si recebida, do seguinte teor:
Carta registada c/ A.R.
Data: 20-10-2022
Assunto: Oposição à renovação automática do contrato de arrendamento
Exma Senhora.
Como é do vosso conhecimento, o termo da renovação do contrato de arrendamento celebrado entre nós irá terminar no dia 29 de fevereiro de 2023.
Nos termos resultantes das disposições constantes do nº 1 alínea b) do art.º 1097º do NRAU e do artigo 4º do contrato de arrendamento, o senhorio pode impedir a renovação do contrato mediante comunicação ao arrendatário por carta registada com a antecedência mínima de 120 dias antes do termo do contrato ou da sua renovação.
Embora a cláusula terceira do contrato de arrendamento celebrado entre nós apenas obrigue a um pré-aviso de um mês.
Pelo que, a presente comunicação, constitui uma pretensão de oposição à renovação automática do contrato de arrendamento, concedendo-lhes para o efeito o respetivo aviso prévio de 120 dias.
Por tal facto, o contrato de arrendamento caducará no próximo dia 29 de fevereiro de 2023, data a partir da qual V. Exa deverá deixar o arrendado e livre de pessoas e bens, assim como o espaço técnico que existe na patim da escada do 10º piso que apesar dos avisos por parte da senhoria para que não utilize esse espaço, constata-se que se encontra novamente cheio de móveis e que está a ser utilizado indevidamente como arrumos, deverá ainda proceder à consequente entrega das chaves do locado à senhoria.”, conforme documento junto aos autos, cujo teor se dá por integramente reproduzido para todos os efeitos legais.
4. A A. remeteu carta à R., datada de 10/01/2023, que a recebeu, do seguinte teor:
Exm.ª Senhora,
Com referência ao contrato de arrendamento para fins habitacionais entre nós em vigor e que tem por objeto a fração QQ, correspondente ao 10º andar do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, … Torres Vedras, inscrito na respetiva matriz sob o art. … da freguesia de …, concelho de Torres Vedras, informo que mantenho a oposição à renovação do dito contrato de arrendamento, a qual lhe comuniquei por carta registada com aviso de receção, datada de 20-10-2022.
Nesta conformidade, deverá V. Exª entregar-me o locado, inteiramente devoluto de pessoas e bens, e as respetivas chaves, no dia 1 de março de 2023, bem como desocupar, até lá, o espaço técnico existente no patim do 10º piso, espaço esse que, sem qualquer título, e contra a minha vontade, vem utilizando, designadamente para armazenar mobiliário.”, conforme documento junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
III-O DIREITO
Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa conhecer são as seguintes:
1-Saber qual o prazo aplicável ao caso concreto, para o locador exercer o direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento e, por conseguinte, apurar se a comunicação realização pela ora Autora respeitou essa antecedência, produzindo os seus efeitos.
2-Saber qual o prazo de renovação do contrato de acordo com a interpretação do art.º1096.º do Código Civil na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro.
1-O contrato de arrendamento em causa nos autos foi celebrado em 1 de março de 2015, pelo período de um ano e renovável por períodos sucessivos de um ano.
É certo que após a celebração do contrato em causa nos autos, a lei sofreu alterações, por força da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, nomeadamente quanto ao prazo de renovação (artigo 1096º do Código Civil).
Conforme se refere e bem na sentença recorrida, importa determinar qual a lei aplicável, tendo em conta a data de início do contrato de arrendamento e o exercício da oposição à renovação do contrato pela A..
“Para o efeito há que recorrer às normas de direito transitório especial (normas da lei nova que disciplinam a sua aplicação no tempo), e às normas de direito transitório geral (artigo 12º do Código Civil), que apenas se aplicam caso aquelas inexistam.
A Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro, não dispõe de qualquer norma transitória relativa ao referido preceito legal, pelo que há que recorrer ao disposto na regra geral prevista no artigo 12º do Código Civil, que dispõe que:
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.
No caso em apreço, por força do disposto no artigo 12º, nº 2 do Código Civil, a alteração introduzida pela Lei nº 13/2019, aplica-se não só aos contratos futuros, mas igualmente aos contratos já em vigor.(…)”.
Analisemos a primeira questão regulada pelo disposto no art.º 1097.º do Código Civil que dispõe o seguinte:
1- O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a)240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b)120 dias, se o  prazo de duração inicial ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos.”
Como consta do ponto 1.º dos factos provados, o contrato de arrendamento em análise, foi celebrado em 01/03/2015, pelo prazo de um ano, com início em 1 de março de 2015 e termo em 29 de fevereiro de 2016, renovável por iguais períodos de um ano.
Não subsiste, pois, qualquer dúvida de que se aplica o prazo previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 1097.º do Código Civil. Tratando-se de um contrato em que se estipulou o prazo de um ano, renovável por iguais períodos de um ano, caso o senhorio pretenda impedir a renovação automática do contrato terá de comunicar ao arrendatário tal pretensão, com uma antecedência mínima de 120 dias.
Ao contrário da tese defendida pela Apelante, é irrelevante o tempo de duração que o contrato já tenha, à data em que o senhorio decidiu opor-se à sua renovação. Não é essa duração que a lei definiu como critério, mas sim “o prazo de duração inicial”.
Logo, a comunicação de não renovação do contrato realizada pelo senhorio por carta datada de 20 de Outubro de 2022, respeitou o prazo legal de antecedência mínima de 120 dias , em relação à data da renovação do contrato: 1 de Março de 2023.
Nestas condições, a comunicação de não renovação do contrato produziu os seus efeitos legais impedindo a renovação automática do contrato.
Improcedem as conclusões de recurso a este respeito.
2-Defende a Apelante que por força da nova redação do art.º1096.º n.º1 do Código Civil, introduzida pela Lei n.º 13/2019 de 12 de Fevereiro, o contrato dos autos passou a renovar-se, imperativamente, por períodos de três anos, pelo que, em 01/03/2019 renovou-se por três anos, período que terminou em 29/02/2022 e em 01/03/2022 renovou-se por mais três anos, até 29/02/2025.
Quid juris?
Como referido acima, aplica-se ao presente caso o art.º 1096º, nº 1 do Código Civil, com a seguinte redação dada pela Lei nº 13/2019, de 12 de fevereiro 1. Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
A interpretação do nº 1 do artigo 1096º, na redação introduzida pelo Lei nº 13/2019, quanto ao alcance da expressão “Salvo estipulação em contrário” nele prevista, não tem sido consensual. Quer a Doutrina quer a Jurisprudência têm perfilhado entendimentos distintos quanto à natureza – imperativa ou supletiva – do prazo de renovação do contrato de arrendamento previsto para o efeito no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil.
Porém, aderindo ao entendimento de que o prazo de renovação automática do contrato de arrendamento, previsto no art.º 1096.º do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019 de 12-02 é supletivo, encontrando-se abrangido pela ressalva da norma “salvo estipulação em contrário”, transcrevemos o que, a propósito  desta questão, defendemos em acórdão relatado pela aqui relatora[1]:
“Estipula o art.º 1080.º do Código Civil que “ as normas sobre resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento tem natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.”
Porém, o art.º 1096.º n.º 1 sob a epígrafe “renovação automática” começa por referir “ salvo disposição em contrário”. Claramente, a lei pretendeu conferir carácter supletivo a este preceito.
Diz o art.º 1096.º n.º1 com a redação conferida pela Lei n.º13/2019 de 12 de Fevereiro que é a aplicável, que “ salvo estipulação em contrário, o contrato com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…)”.        
Tem-se discutido a questão de saber se, quando a norma, na sua parte inicial, ressalva a estipulação “em contrário” está a referir-se unicamente ao primeiro segmento, em termos de permitir apenas a faculdade de as partes afastarem a renovação automática, ou se também abrange o segundo segmento da norma, possibilitando que as partes convencionem períodos de renovação de duração inferior ao limite mínimo de três anos aí previsto.
Será que a ressalva da estipulação em contrário, permite apenas que as partes excluam a renovação automática, mas, se a aceitarem, a renovação ocorre sempre por períodos mínimos de três anos, estando-lhes vedado estabelecerem períodos de renovação inferiores?
Sobre esta dúvida, refere Jéssica Rodrigues Ferreira[2] que “o legislador pretendeu que as partes fossem livres não apenas de afastar a renovação automática do contrato, mas também que fossem livres de, pretendendo que o contrato se renovasse automaticamente no seu termo, regular os termos em que essa mesma renovação ocorrerá, podendo estipular prazos diferentes – e menores - dos supletivamente fixados pela lei,(…)”
No mesmo sentido, Jorge Pinto Furtado[3] referindo que se pode “validamente estabelecer, ao celebrar-se um contrato, que este terá, necessariamente, uma duração de três anos, prorrogando-se, no seu termo, por sucessivas renovações de dois, ou de um ano, quatro ou cinco, como enfim se pretender” [4]
 Outra é a resposta dada por Maria Olinda Garcia[5] ao dizer que “mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.
Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário).”
Propendemos para aderir ao pensamento expresso pelos Autores primeiramente citados. Não distinguindo a lei, não vemos por que motivo a ressalva da estipulação em contrário se haveria de aplicar apenas à faculdade de as partes estipularem a renovação automática. Por outro lado, seria incongruente que as partes pudessem afastar a possibilidade de renovação automática, num contrato que, nos termos do disposto no art.º 1095.º n.º2 poderá ter a duração de um ano, mas caso o quisessem renovar já o teriam de fazer, imperativamente, por três anos. Cremos não fazer sentido esta interpretação.
Por isso, não acompanhamos a Jurisprudência que assim defende[6].
 Ora, sucede que, no caso que nos ocupa, as partes estipularam que o contrato de arrendamento é celebrado, “pelo prazo de um ano, com início em 01 de março de 2015 e termo 29 de fevereiro de 2016, renovável por iguais períodos de um ano”,
As partes estipularam pois, um prazo de renovação diferente do que consta do art.º 1096.º n.º1, no uso da faculdade que o preceito leal salvaguarda.
Assim, o contrato de arrendamento renovou-se sucessiva e automaticamente até 1 de março de 2022. Sucede que, face à comunicação de oposição à renovação automática do contrato, efectuada em 20-10-2022, que já vimos foi válida e eficaz e produziu o efeito de impedir a renovação do contrato. Por conseguinte, o mesmo cessou a sua vigência em 1 de Março de 2023, tal como foi decidido na sentença recorrida.
Improcedem, igualmente, as conclusões da Apelante a este respeito.

IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso totalmente improcedente e, por consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Lisboa, 22 de fevereiro de 2024
Maria de Deus Correia
António Santos
Teresa Soares
_______________________________________________________
[1] Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2023, Processo 1390/22.0YLPRT.L1-6, disponível em www.dgsi.pt
[2] In Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020. P.82
[3] In Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, página 579
[4] No mesmo sentido, vide ainda Isabel Rocha, Paulo Estima (Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª Edição, Porto Editora, 2019, página 286.
[5] Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Revista Julgar Online, março 2019.
[6] Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-04-2021 (Processo 795/20) e de 11-02-2021, (Processo 1423/20) ambos disponíveis em www.dgsi.pt