Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1353/22.5YLPRT.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: FALTA DO RÉU
JUSTO IMPEDIMENTO
ATESTADO MÉDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (do relator):
1. O conceito processual de justo impedimento é definido pelo n.º 1, do art.º 140.º, do C. P. Civil, como “…o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato” e como dispõe o n.º 2, do mesmo art.º 140.º, é sobre a parte que impende o ónus de alegação e prova da factualidade suscetível de subsunção a essa figura processual.
2. Não cumpre esse ónus a parte que formula um pedido de adiamento da audiência dizendo que:
A Ré encontra-se em tratamentos médicos na Grécia, tendo de se deslocar para lá no dia 21/09/2023, conforme comprovativo anexo emitido a 31/08/2023 e a previsão de retorno será apenassem 25/!0/2023 conforme justifica com o atestado médico, que se protesta juntar.
A Ré agilizou a sua deslocação em função da audiência de julgamento agendada para o passado dia 13/09/2023, em que todos estavam presentes, apenas não ocorrendo por greve dos oficiais de justiça”,
mas não apresenta ao tribunal os fundamentos da marcação dessa deslocação, em ordem a que possa ser sopesada a premência da sua realização em face do julgamento eminente, nada diz, também, relativamente à possibilidade de remarcação da viagem para outra data e nada diz, ainda, relativamente à localização no tempo dos tratamentos médicos a que se reporta o documento apresentado.
3. Nessas circunstâncias, o tribunal é confrontado com duas realidades que conflituam no tempo, a realização do julgamento e a sujeição da parte a tratamento médico, a primeira por decisão do mesmo tribunal e a segunda por decisão da própria parte, sem que possa concluir, por falta de factos e respectiva prova, que a falta à audiência de julgamento para sujeição a tratamento médico constitui um evento que lhe não é imputável a si mesma nem aos seus representantes ou mandatários, como decorre do n.º 1, do art.º 140.º, do C. P. Civil,
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
AA S. … e BB H. … requereram procedimento especial de despejo contra MMM … pedindo a resolução do contrato de arrendamento para habitação entre elas celebrado e a entrega da fração, com fundamentos na falta de pagamento de rendas.
Citada, a requerida deduziu oposição e pedido reconvencional, que foi admitido.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e improcedente o pedido reconvencional, condenando a R a entregar a fração às AA e o remanescente das rendas relativas a dezembro de 2018, janeiro de 2019 a julho de 2019 e julho de 2020 a julho de 2022, no valor de € 15.442,15 acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o vencimento até efetivo e integral pagamento, absolvendo a R do restante pedido e absolvendo as AA do pedido reconvencional.
Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, formulando para o efeito as seguintes conclusões e pedido:

A douta sentença não procedeu, como lhe está imposta, a um exame crítico da prova.

Salvo o devido respeito por melhor opinião, a sentença recorrida enferma de vários vícios gerando, por isso, a nulidade da decisão em crise, o que determina o consequente reenvio do processo para novo julgamento.
 3° Entende-se por violados os princípios da plenitude das garantias de defesa e do contraditório tal como os mesmos resultam da Constituição da República Portuguesa.

Entende-se pela omissão do concreto cumprimento do dever de dar à Ré a possibilidade de apresentar defesa, ou seja, de discutir os factos e de os mesmos serem valorados adequadamente.

Como supra explanado, o justo impedimento comprovado e a insuficiência de prova produzida em sede de julgamento, demandavam solução diversa, em cumprimento do princípio da verdade material.

Assim, considera a Recorrente que aspetos relevantes da matéria de facto foram incorretamente julgados, o que veio a redundar na sentença ora posta em crise, com a apresentação do presente recurso, conforme artigo 615° do C.P.C.

Deste modo, no entender da Recorrente, não tendo prosseguido a improcedência da ação e considerando a gravidade da consequência da sentença proferida e dos infundados fundamentos apresentados, tem de se admitir o presente recurso.
Face à matéria ora alegada e verificada existência, entre outros, dos vícios, constantes do artigo 615º do C.P.C., deverá o Venerando Tribunal da Relação, salvo o devido respeito por opinião adversa, na impossibilidade de decidir da causa, determinar o reenvio do processo para novo julgamento, para que os invocados vícios sejam sanados e para apurar a verdade real dos factos, ou caso assim se não entenda, proceder como alegado à pedida reanálise da douta sentença, reconhecendo do justo impedimento, os insuficientes fundamentos invocados e, na hipótese de entender que a causa já se encontra apta para julgamento, proceder à reavaliação da prova documental, decidindo pelo provimento da presente apelação e reconvenção, inclusive com a condenação das Autoras às sanções pela prática de litigância de má-fé e a consequente inversão dos ónus sucumbências.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO.
A) OS FACTOS.
O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1) Através de acordo datado de 5.7.2016, intitulado “Contrato de Arrendamento para Habitação com Prazo Certo”, AA S. …, na qualidade de senhoria, e a ré, na qualidade de arrendatária, convencionaram o arrendamento do imóvel sito na Avenida …, nº …, Costa de Caparica, Concelho de Almada, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Costa de Caparica, sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, da Freguesia de Costa de Caparica, com a licença de utilização nº …, emitida pela Câmara Municipal de Almada em 31.10.1952.
2) A propriedade do imóvel identificado em 1) encontra-se registada a favor de CC … e AA S. ….
3) Foi celebrada escritura de habitação de herdeiros por óbito de CC …, tendo sido identificadas como herdeiras AA S. … e BB H. …, aqui autoras.
4) O acordo referido em 1) foi celebrado pelo prazo de 1 (um) ano, com início em 1.8.2016 e término em 31.7.2017, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de um ano.
5) Foi convencionado entre as partes que o imóvel se destinava exclusivamente à habitação da arrendatária e do seu agregado familiar, não lhe podendo ser dado outro uso, tendo sido reconhecido pelas partes que o imóvel reunia “todas as condições de habitabilidade”.
6) Foi estabelecida entre as partes a renda mensal no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a pagar até ao primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN: ….
7) A ré deixou de realizar o pagamento integral das rendas em dezembro de 2018, não tendo liquidado, total ou parcialmente, as rendas que se venceram em:
i) Dezembro de 2018;
ii) Janeiro de 2019, fevereiro de 2019, março de 2019, abril de 2019, maio de 2019, junho de 2019 e julho de 2019;
iii) Julho de 2020, agosto de 2020, setembro de 2020, outubro de 2020, novembro de 2020, dezembro de 2020, janeiro de 2021, fevereiro de 2021, março e 2021, abril de 2021, maio de 2021, junho de 2021, julho de 2021, agosto de 2021, setembro de 2021, outubro de 2021, novembro de 2021, dezembro de 2021, janeiro de 2022, fevereiro de 2022, março de 2022, abril de 2022, maio de 2022, junho de 2022 e julho de 2022.
8) Através de carta datada de 12.5.2022, enviada no dia 11.5.2022 e recebida pela ré em 17.5.2022, as autoras solicitaram o pagamento das rendas atinentes aos meses de dezembro de 2018, janeiro de 2019 a julho de 2019 e julho de 2020 a abril de 2022.
9) Através da carta referida em 8), as autoras comunicaram à ré, designadamente, que, consideravam “resolvido o contrato de arrendamento, com efeito imediato, devendo V. Exa. proceder à desocupação do locado e ao pagamento das rendas em atraso” (sic).
10) A ré efetuou os seguintes pagamentos para o IBAN identificado em 6):
i) € 274,35 em 7.12.2018;
ii) € 253,09 em 8.1.2019;
iii) € 254,67 em 11.2.2019;
iv) € 183,29 em 8.3.2019;
v) € 220,98 em 10.4.2019;
vi) € 224,50 em 8.5.2019;
vii) € 222,36 em 28.6.2019;
viii) € 532,00 em 7.7.2020;
ix) € 726,10 em 6.8.2020;
x) € 726,10 em 4.9.2020;
xi) € 440,26 em 6.10.2020;
xii) € 726,10 em 9.11.2020;
xiii) € 726,10 em 2.12.2020;
xiv) € 648,66 em 5.1.2021;
xv) € 723,10 em 1.2.2021;
xvi) € 723,10 em 5.3.2021;
xvii) € 23,10 em 7.4.2021;
xviii) € 67,74 em 5.5.2021;
xix) € 23,10 em 9.6.2021;
xx) € 52,60 em 5.7.2021;
xxi) € 12,42 em 3.9.2021;
xxii) € 10,74 em 4.10.2021;
xxiii) € 12,29 em 1.11.2021.
11) Foi convencionado entre as partes, no âmbito do acordo mencionado em 1), que:
A. 2. Não provados os seguintes factos:
a) A ré, desde o início da vigência do arrendamento e de modo a garantir condições de habitabilidade, teve de efetuar obras no imóvel, tendo despendido valores com a remoção da canalização e regularização de roços na cozinha, casa de banho, reparações em dois quartos, telhado e quintal.
b) As obras referidas em a) foram realizadas pela ré mediante autorização verbal das autoras, tendo sido acordada a compensação sobre o valor das rendas.
c) As autoras noticiaram na freguesia onde a ré reside que a mesma não paga as rendas.
d) Por força do vertido em c), várias pessoas foram bater à porta da ré, afirmando terem conhecimento do procedimento de despejo por falta de pagamento e solicitaram o contacto da senhoria, sob o argumento de pretenderem arrendar o imóvel.
B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Conhecendo.
Nas suas conclusões 1.ª e 6.ª aduz a apelante que a sentença “…não procedeu … a um exame crítico da prova” e “…considera a Recorrente que aspetos relevantes da matéria de facto foram incorretamente julgados…”.
Estas asserções permitem concluir que a apelante discorda da sentença, com enfoque especial na fixação da matéria de facto pertinente para decisão da causa.
O recurso da sentença relativamente à decisão em matéria de facto encontra-se previsto e regulado no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, o qual impõe ao recorrente o ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a), os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida (al. b) e a decisão que no entender do recorrente deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c), tudo em ordem a permitir ao Tribunal da Relação a sindicância da sentença recorrida e a sua eventual alteração, em exercício do poder/dever que lhe é conferido pelo n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
Analisado o corpo das alegações em complemento ao carácter lacónico das conclusões 1.ª e 6:º da apelação, constatamos que a apelante não cumpriu o ónus que lhe é imposto pelo n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil com caráter de obrigatoriedade, pelo que a apelação não poderá deixar de ser rejeitada nessa parte, tal como determinado pelo corpo do citado n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
Nas conclusões 2.ª e 6.ª aduz a apelante que “…a sentença recorrida enferma de vários vícios gerando, por isso, a nulidade da decisão … conforme artigo 615° do C.P.C…”.
Analisando o corpo da apelação e norteando essa análise pelas causas de nulidade da sentença previstas no n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil, não se vislumbra a imputação à sentença de vício suscetível de recondução ao disposto em qualquer das alíneas desse preceito processual, pelo que não poderemos deixar de concluir e declarar que a sentença não enferma de nulidade.
Nas conclusões 3.ª a 5.ª expende a apelante que foram “…violados os princípios da plenitude das garantias de defesa e do contraditório tal como os mesmos resultam da Constituição da República Portuguesa”, que foi omitido o “… concreto cumprimento do dever de dar à Ré a possibilidade de apresentar defesa, ou seja, de discutir os factos e de os mesmos serem valorados adequadamente
e que “…o justo impedimento comprovado e a insuficiência de prova produzida em sede de julgamento, demandavam solução diversa, em cumprimento do princípio da verdade material”.
Analisado o corpo da apelação em complemento interpretativo da pretensão processual ínsita em tais conclusões, afigura-se-nos que, apesar de o não explicitar diretamente, a apelante se insurge contra os despachos proferidos nos autos a 26/09/2023, 28/9/2023 e a 11/10/2023, previamente à sentença recorrida.
Nos termos do disposto no n.º 3, do art.º 644.º, do C. P. Civil, podia a apelante impugnar essas decisões nesta apelação interposta da sentença final.
O despacho de 26/09/2013 indeferiu requerimento da apelante para adiamento da audiência nos seguintes termos:
Tendo em consideração o disposto no artigo 15.º- S, n.º 8, do NRAU (atos a praticar com carácter urgente) e atendendo ao facto da audiência já ter sido adiada por duas vezes, não estando em causa qualquer dos fundamentos a que alude o artigo 603.º do Código de Processo Civil, indefere-se o requerido adiamento”.
O despacho de 28/9/2023 indeferiu novo pedido de adiamento da audiência com fundamento em que os fundamentos invocados já tinham sido apreciado pelo despacho de 26/09/2013 e em que “…não se mostram preenchidos os requisitos de justo impedimento, na medida em que a declaração médica junta aos autos pela ré não menciona qualquer situação e internamento e, por outro lado, sempre a mesma poderia intervir na pressente audiência através de meios tecnológica de comunicação á distância, conforme se fez constar no despacho anteriormente proferido nos autos”.
O despacho de 11/10/2023, proferido depois de encerrada a audiência de julgamento e ordenada a abertura de conclusão para prolação de sentença, indeferiu requerimento da apelante, solicitando que “…reconsidere o indeferimento proferido…e…permita que a prova oral seja complementada, designando-se nova data, posterior a 25/10/2023, para efeitos de declarações de parte da Ré e  respectivas testemunhas”.
Com este requerimento, a apelante apresentou documento do qual consta “Creta, 29 de Setembro de 2023 ATESTADO Atesto para os devidos efeitos que a paciente MMM …, BI 32760897 est internada e não pode receber comunicações externas”. 
A audiência de discussão e julgamento realizou-se a 28/09/2023, tendo comparecido a Exm.ª Mandatária da apelante e não tendo sido apresentadas testemunhas por parte da apelante.
 As conclusões 3.ª a 5.ª complementadas com o corpo da apelação, permitem, pois, concluir que, em substância, a apelante impugna o despacho de 26/09/2023 que indeferiu o pedido de adiamento da audiência com fundamento na inexistência de justo impedimento por parte da apelante, sendo certo que a invocação deste justo impedimento, nos seus próprios termos, se reporta à presença da apelante na audiência e não também em relação à apresentação de testemunhas.
Com efeito, dispondo o n.º 6, do art.º 15.º- I, do NRAU, “6 - As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas” a apelante nada refere quanto ao não cumprimento do disposto neste preceito processual, pelo que a não apresentação de testemunhas constitui vicissitude processual que não integra o objeto da apelação.
Circunscrito, assim, o invocado justo impedimento à presença da apelante em audiência vejamos se os fundamentos da sua falta à audiência de julgamento integram a figura processual do justo impedimento.
Relativamente à falta das partes à audiência de julgamento no âmbito do procedimento especial de despejo dispõe o n.º 2, do art.º Artigo 15.º-I do NRAU que “2 - Não é motivo de adiamento da audiência a falta de qualquer das partes … salvo nos casos de justo impedimento”.
O conceito processual de justo impedimento é definido pelo n.º 1, do art.º 140.º, do C. P. Civil, como “…o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato”.
O cerne desta questão da apelação situa-se, pois, em sabermos se a falta da apelante à audiência de julgamento ocorreu por circunstância factual que lhe não é imputável, como pretende, ou se tal não aconteceu, como decidiu o tribunal a quo, sendo certo que, como decorre do disposto no n.º 2, do art.º 140.º, do C. P. Civil é sobre a apelante que impende o ónus de alegação e prova da factualidade suscetível de subsunção a essa figura processual[1].
A apelante formulou o pedido de adiamento da audiência, que veio a ser indeferido pelo despacho de 26/9/2023, nos seguintes termos:
A Ré encontra-se em tratamentos médicos na Grécia, tendo de se deslocar para lá no dia 21/09/2023, conforme comprovativo anexo emitido a 31/08/2023 e a previsão de retorno será apenassem 25/!0/2023 conforme justifica com o atestado médico, que se protesta juntar.
A Ré agilizou a sua deslocação em função da audiência de julgamento agendada para o passado dia 13/09/2023, em que todos estavam presentes, apenas não ocorrendo por greve dos oficiais de justiça”.
O denominado comprovativo anexo é um documento redigido em inglês, de cujos termos se deduz que a apelante reservou viagem aérea de Lisboa para Atenas com partida às 11,50 h de 21/09/2023 e chegada às 17,45 h desse mesmo dia.
Já em prazo de exercício de contraditório pela parte contrária a apelante juntou documento no qual se declara que “…Atesto para os devidos efeitos que a paciente MMM …, cartão de cidadão n. …, encontrar-se-á em tratamento de saúde, sob meus cuidados médicos, no período de 22 de setembro a 25 de outubro de 2023, em Creta, Grécia, motivo pelo qual está impossibilitada de comparecer à audiência designada para o dia 28 de setembro, no Tribunal de Almada, em Portugal”.    
Como decorre dos termos do pedido de adiamento da audiência formulado pela apelante, a invocada deslocação ao estrangeiro, a ocorrer alguns dias depois da audiência de julgamento já marcada, foi decidida pela própria apelante.
Confrontada com o adiamento da audiência a 13/09/2023 e a marcação de nova audiência para o dia 28/09/2023, a apelante pediu o adiamento da nova audiência, mas não apresentou ao tribunal a quo os fundamentos da marcação dessa deslocação, em ordem a que pudesse ser sopesada a premência da sua realização em face do julgamento eminente, nada disse, também, relativamente à possibilidade de remarcação da viagem para outra data e nada disse, ainda, relativamente á localização no tempo dos tratamentos médicos a que se reporta o documento apresentado.
Somos assim confrontados com duas realidades que conflituam no tempo, a realização do julgamento e a sujeição da apelante a tratamento médico, a primeira por decisão do tribunal de 1.ª instância e a segunda por decisão da apelante, sem que possamos concluir, por falta de factos e respectiva prova,  que a falta à audiência de julgamento para sujeição a tratamento médico constitui um evento que lhe não é imputável a si mesma nem aos seus representantes ou mandatários.
Ora, impendendo sobre a apelante o ónus de alegação e prova dos fundamentos do invocado justo impedimento, como acima referimos, o seu não cumprimento não poderia deixar de ser imputado à própria apelante, como decorre, a contrario, do disposto, do n.º 1, do art.º 342.º, do C. Civil.
O despacho de 26/09/2023 - e os despachos subsequentes de 28/09/2023 e de 11/10/2023 que nele se estruturaram, pese embora o disposto no n.º 1, do art.º 620.º e nos n.ºs 1 e 3, do art.º 613.º, ambos do C. P. Civil – não podia, pois deixar de indeferir o pedido de adiamento da audiência por não se encontrar demonstrado nos autos o justo impedimento que, apesar de não ter sido expressamente invocado no pedido de adiamento, só o tendo sido em dada posterior ao despacho de 26/09/2023, todavia lhe estava subjacente.
E assim sendo, falece de fundamento legal ao agora invocado nas conclusões 3.ª a 5.ª da apelação no sentido de que:
- foram “…violados os princípios da plenitude das garantias de defesa e do contraditório tal como os mesmos resultam da Constituição da República Portuguesa”,
 - foi omitido o “… concreto cumprimento do dever de dar à Ré a possibilidade de apresentar defesa, ou seja, de discutir os factos e de os mesmos serem valorados adequadamente
- e “…o justo impedimento comprovado e a insuficiência de prova produzida em sede de julgamento, demandavam solução diversa, em cumprimento do princípio da verdade material”.
Por todo o exposto, a apelação não pode deixar de improceder relativamente a todas as questões que lográmos deduzir das conclusões complementadas com o corpo da apelação, assim se confirmando a sentença recorrida.
C) SUMÁRIO
1. O conceito processual de justo impedimento é definido pelo n.º 1, do art.º 140.º, do C. P. Civil, como “…o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato” e como dispõe o n.º 2, do mesmo art.º 140.º, é sobre a parte que impende o ónus de alegação e prova da factualidade suscetível de subsunção a essa figura processual.
2. Não cumpre esse ónus a parte que formula um pedido de adiamento da audiência dizendo que:
A Ré encontra-se em tratamentos médicos na Grécia, tendo de se deslocar para lá no dia 21/09/2023, conforme comprovativo anexo emitido a 31/08/2023 e a previsão de retorno será apenassem 25/!0/2023 conforme justifica com o atestado médico, que se protesta juntar.
A Ré agilizou a sua deslocação em função da audiência de julgamento agendada para o passado dia 13/09/2023, em que todos estavam presentes, apenas não ocorrendo por greve dos oficiais de justiça”,
mas não apresenta ao tribunal os fundamentos da marcação dessa deslocação, em ordem a que possa ser sopesada a premência da sua realização em face do julgamento eminente, nada diz, também, relativamente à possibilidade de remarcação da viagem para outra data e nada diz, ainda, relativamente à localização no tempo dos tratamentos médicos a que se reporta o documento apresentado.
3. Nessas circunstâncias, o tribunal é confrontado com duas realidades que conflituam no tempo, a realização do julgamento e a sujeição da parte a tratamento médico, a primeira por decisão do mesmo tribunal e a segunda por decisão da própria parte, sem que possa concluir, por falta de factos e respectiva prova, que a falta à audiência de julgamento para sujeição a tratamento médico constitui um evento que lhe não é imputável a si mesma nem aos seus representantes ou mandatários, como decorre do n.º 1, do art.º 140.º, do C. P. Civil,
 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida
Custas pela apelante, em prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 22-02-2024
Orlando Santos Nascimento
Rute Sobral
Higina Castelo
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[1] Cfr., v. g., José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, C. P. Civil, Volume 1, 2018, págs. 298 a 301, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa, C. P. Civil, Vol. I, 2018, pág. 166.