Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
286/22.0SYLSB.L2-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: LEI Nº 38-A/23 DE 02.08
PERDÃO
CRIME DE ROUBO SIMPLES
EXCLUÍDO DO BENEFÍCIO DO PERDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora)
O crime de roubo, na sua forma de consumação simples, tipificada pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Por despacho proferido a 06.11.2023 entendeu-se que “o caso em apreço não se encontra abrangido pelo âmbito da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não beneficiando o arguido nem do perdão nem da amnistia” pelo que o Tribunal a quo concordando “com a primeira liquidação da pena de prisão formulada pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, pelo que a homologo a mesma nos termos do artigo 477.º, n.º 4 do Código de Processo Penal”.
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O Ministério Público veio recorrer do despacho, formulando as seguintes conclusões:
“1. Por despacho proferido em 06.11.2023, o Tribunal a quo não aplicou o perdão parcial de 1 ano da pena aplicada, por entender que as penas por crime de roubo “simples” estavam excluídas do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto, por força do seu art.º 7.º, n.º 1, al. g), relativo a pessoas particularmente vulneráveis.
2. Nos presentes autos, o arguido AA, foi condenado no NUIPC 1075/22.7S3LSB, por factos praticados no dia 24.04.2022 e no NUIPC 287/22.85YLSB, por factos praticados no dia 19.05.2022, pela pratica de dois crimes de roubo, p. e. p. pelo art.º 210.º, n.º 1, face à desqualificação operada por força do art.º 204.º, n.º 4 do Cód. Penal.
3. Uma vez que, à data da prática dos factos, o arguido tinha 24 anos de idade, cumpre analisar se o mesmo beneficia da amnistia ou perdão.
4. Entendeu a Mm.ª Juiz que: No que concerne ao perdão, o artigo 7.º da Lei exceciona do perdão e amnistia os crimes pelos quais o arguido foi condenada (cfr. alínea b), i), e alínea g) do referido preceito legal), não aplicando o perdão.
5. Consideramos que o despacho recorrido viola o disposto nos art.ºs 7.º , n.º 1, alínea b) ,i) e al. g) da Lei 38-A-2023, de 2 agosto, quando conjugado com o disposto no art.º 67.º -A, n.º 3 do Código Processo Penal.
6. O despacho recorrido, decidiu, salvo melhor opinião em contrário, de forma errada, porquanto, em nosso entendimento, a exceção prevista no art.º 7.º n.º 1, alínea b) i) excluí o crime de roubo previsto no n.º 1 do art.º 210.º do Código Penal.
7. Se o legislador, na alínea acima referida, decidiu expressamente referir-se apenas ao crime de roubo previsto no n.º 2 – os casos agravados de roubo -, é porque entendeu que o crime de roubo “simples”, previsto no n.º 1, do CP, deveria beneficiar o perdão.
8. Isto seria evidente se apenas estivesse em causa a interpretação desta alínea.
9. A dúvida surgiu porque na alínea g) do mesmo diploma, o legislador decidiu excluir do perdão “Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro; (…).
10. Nos termos do n.º 3 do supra citado artigo do CPP, “as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.
11. Uma vez que o crime de roubo simples integra-se no conceito de criminalidade violenta, o mesmo estaria excluído do perdão.
12. Temos assim duas alíneas que, analisadas por si só, se opõem. Nestes casos, teremos de recorrer às regras de interpretação, presumindo que o legislador visou uma solução coerente, procurando dar sentido a ambas as normas.
13. Sendo muito claro, quando a nós, que a alínea i), ao apenas excluir do perdão, de forma muito concreto, o n.º 2 do artigo 210º, do CPP, permite afirmar de forma clara que o legislador quis que o crime de roubo do n.º 1, porque menos grave, beneficiasse do perdão, teremos de analisar qual o sentido útil pretendido pela alínea g).
14. Entendemos que a interpretação sistemática e teleológica da lei da Amnistia leva-nos a concluir que o legislador entendeu excluir os crimes praticados contra pessoas especialmente vulneráveis, pelas suas condições de fragilidade (idade, saúde, deficiência, etc.), não pretendendo abranger aquelas que assumem esse estatuto apenas pelo crime praticado.
15. Assim, não deverá ser excluído do perdão os crimes praticados contra vítimas que, não sendo vulneráveis por natureza, apenas o são pela natureza dos crimes. Neste caso, o legislador da amnistia – e é este que estamos a interpretar – não afasta in totum a possibilidade de beneficiar do perdão.
16. A política de proteção de vítimas vulneráveis assenta na proteção de vulnerabilidades pessoais, sendo este o conceito base de vulnerabilidade, não devendo aplicar-se o alargamento previsto no n.º 3 do art.º 67º-A do CPP.
17. Este é o sentido que permite dar sentido útil a ambas as alíneas em análise, nos termos das regras de interpretação previstas no artigo 9º do Código Civil.
18. Um roubo, embora sendo um crime grave, se praticado contra uma pessoa não vulnerável, pode não ser particularmente.
19. A Lei da amnistia, no art.º 7.º alínea b), i, ao excluir expressamente do âmbito de aplicação do perdão e da amnistia, o crime de roubo previsto pelo n.º 2 do art.º 210.º do Código Penal, deixa de fora, em nosso entender, o crime de roubo previsto no n.º 1.
20. O que só pode significar que o legislador com esta norma pretendeu que o crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Cód. Penal beneficiasse do perdão, ao contrário do roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 2.
21. De acordo com o elemento interpretativo lógico, o art.º 7.º, n.º 1, alínea b), i, inclui o roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 no âmbito do perdão da pena.
22. Entender, como entendeu o Tribunal a quo, que no concerne ao perdão, o artigo 7.º da Lei exceciona do perdão e amnistia os crimes pelos quais o arguido foi condenado (cfr. alínea b), i), e alínea g) do referido preceito legal) é estar a substituir-se ao papel de legislador.
23. Pelo exposto, entendemos que deverá ser revogado o despacho ora recorrido, e consequentemente ser declarado perdoado um ano de prisão da pena em que o arguido foi condenado”.
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de 3 de dezembro de 2023, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que “o legislador quis conceder o perdão aos condenados por crime de roubo simples, excepto se da sua conduta advierem gravosas consequências, físicas ou psíquicas para os ofendidos, em resultado da sua actuação ou da intrínseca fragilidade das próprias vítimas (art.º 67ºA,1, b), CPP), desta forma conciliando-se, harmoniosamente, os dispositivos em aparente confronto (art.º 7º,1, b),i) e art.º 7º,1,b) e g), Lei 38ª-A/23, 2.08)”.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “… é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art.º 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar se estão reunidos os pressupostos para que o arguido/condenado beneficie do perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. Por Acórdão proferido em 12.07.2023, confirmado por Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 03.10.2023, o tribunal decidiu:
“A) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real de 2 (dois) crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com o artigo 204.º n.º 1, alínea b) e n.º 4, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão cada um (NUIPC 1075/22.7S3LSB e NUIPC 287/22.8SYLSB);
B) Condenar o arguido AA pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso real de 5 (cinco) crimes de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com os artigos 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão cada um (restantes NUIPC);
C) Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão (…)”.
2. Em 03.11.2023, o Ministério Público promoveu a seguinte:
“Liquidação de pena:
O arguido AA, nascido a ........1998, foi condenado nos presentes autos, por acórdão, confirmado pelo TRL, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática de:
- 2 (dois) crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com o artigo 204.º n.º 1, alínea b) e n.º 4, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão cada um;
- 5 (cinco) crimes de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com os artigos 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão cada um, praticados em abril e maio de 2022.
Para efeitos do disposto no art.º 80.º do Código Penal, importa descontar o tempo de privação da liberdade que sofreu à ordem destes autos.
Assim, o condenado foi detido em flagrante delito no dia 25.05.2022 e o dia 26.05.2022 foi presente a 1.º interrogatório judicial tendo ficado sujeito à medida de coação de prisão preventiva, conforme fls. 8 e 54 e seg.
Assim, ficciona-se o início da pena a 25.05.2022 e liquida-se da seguinte forma:
- 1/2 da pena em 25.05.2025;
- 2/3 da pena em 25.06.2026;
- 5/6 da pena em 25.07.2027;
- fim da pena em 25.08.2028.
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A Lei 38-A/2023, de 2 de agosto (adiante designada apenas por “Lei”) estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações, abrangendo “as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
Uma vez que, à data da prática dos factos, o arguido tinha 24 anos de idade, cumpre analisar se o mesmo beneficia da amnistia ou perdão.
O arguido encontra-se em cumprimento de pena à ordem dos nossos autos.
Desde logo concluímos que o mesmo não beneficia de amnistia, uma vez que esta apenas abrange, nos termos do artigo 4º da Lei “as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”, o que não é o caso.
No que se refere ao perdão, determina o artigo 3º da Lei que:
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2 - São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;
c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e
d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
3 - O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena.
4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
5 - O disposto no n.º 1 abrange a execução da pena em regime de permanência na habitação.
6 - O perdão previsto no presente artigo é materialmente adicionável a perdões anteriores.
No caso, tendo o arguido sido condenado na pena de prisão de 5 anos e 6 meses está abrangido pelo disposto no citado artigo 3º.
Analisando o artigo 7º da lei, que estabelece diversas exceções ao perdão e amnistia, constata-se que o caso em análise, dois crimes de roubo, não estão abrangidos por uma das exceções, motivo pelo que cumpre aplicar o perdão estabelecido na lei.
Pelo exposto, promovo que seja declarado perdoado 1 ano de prisão à pena a que o arguido foi condenado.
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Caso seja aplicado o perdão, desde já se reformula a liquidação de pena na sequência da aplicação da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto:
Assim, liquida-se a pena da seguinte forma:
- início da pena em 25.02.2022;
- ½ da pena: 25.11.2024;
- 2/3 da pena: 25.10.2025;
- 5/6 da pena:25.09.2026;
- termo da pena: 25.08.2027.
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Pelo exposto, promovo que, a concordar-se com a liquidação da pena que antecede, se homologue a mesma e se dê cumprimento ao disposto no art.º 477.º do Cód. Proc. Penal”.
3. Em 06.11.2023 foi proferido o seguinte despacho (recorrido):
“I. Nos presentes autos o arguido, por acórdão, confirmado pelo TRL, foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, pela prática de:
- 2 (dois) crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com o artigo 204.º n.º 1, alínea b) e n.º 4, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão cada um;
- 5 (cinco) crimes de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código Penal, conjugado com os artigos 204.º, n.º 1, al. b), do Código Penal na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão cada um, praticados em abril e maio de 2022.foi condenada pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo. 21.°, n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão.
A Lei 38-A/2023, de 2 de agosto estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações, abrangendo “as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
Uma vez que, à data da prática dos factos, o arguido tinha 24 anos de idade, cumpre analisar se o mesmo beneficia da amnistia ou perdão.
Desde logo se conclui que o arguido não beneficia de amnistia, uma vez que esta apenas abrange, nos termos do artigo 4.º da Lei “as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa”, o que não é o caso.
No que concerne ao perdão, o artigo 7.º da Lei exceciona do perdão e amnistia os crimes pelos quais o arguido foi condenado (cfr. alínea b), i), e alínea g) do referido preceito legal).
Em face do exposto, entende-se que o caso em apreço não se encontra abrangido pelo âmbito da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não beneficiando o arguido nem do perdão nem da amnistia.
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II. Concordo com a primeira liquidação da pena de prisão formulada pela Digníssima Magistrada do Ministério Público, pelo que a homologo a mesma nos termos do artigo 477.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
Notifique o Ministério Público, o arguido e respetivo ilustre defensor.
Efetue as necessárias comunicações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 477.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Comunique ao estabelecimento prisional onde o arguido se encontra preso.
Comunique ao TEP”.
3. O arguido nasceu em ........1998 e praticou, em 29.04.2022 e 19.05.2022, os factos que preenchem todos os elementos objetivos e subjetivos de dois crimes de roubo simples, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência ao art. 204º, nº 1, al. b) e nº 4 do C.Penal (NUIPC 1075/22.7S3LSB e NUIPC 287/22.8SYLSB).
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Apreciação do recurso
O arguido AA foi condenado, por Acórdão proferido em 12.07.2023, transitado em julgado, pela prática, em 29.04.2022 e 19.05.2022, de 2 (dois) crimes de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1 e nº 2, al. b) do C.Penal, conjugado com o art.º 204º nº 1, al. b) e nº 4 do C.Penal e pela prática de 5 (cinco) crimes de roubo, previsto e punido pelo art.º 210º, nº 1 e nº 2, al. b) do C.Penal, conjugado com os art.º 204º, nº 1, al. b) do C.Penal, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Por despacho proferido em 06.11.2023, o Tribunal a quo considerou que a situação processual do arguido/condenado não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto (uma vez que os crimes pelos quais foi condenado encontram-se previstos nas exceções contempladas no art.º 7º do mencionado diploma legal, nomeadamente na exceção prevista no nº 1 al. g) relativa às vítimas dos crimes) e consequentemente considerou que o arguido/condenado não beneficia do perdão nem da amnistia.
O recorrente entende que deveria ter sido aplicado o perdão de um ano na pena única em que o arguido foi condenado nos presentes autos, por dois dos crimes de roubo não se encontrarem abrangidos pelas exceções consagradas no art.º 7º do mencionado diploma legal.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
No dia 1 de setembro de 2023 entrou em vigor a Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (art. 1º).
Nos termos do art. 2º, nº 1 “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre os 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º” e nos termos do art.º 3º, nºs 1 e 4 “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos; 4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única”.
No caso vertente, considerando que à data da prática dos factos objeto do presente processo o arguido tinha 24 anos de idade, encontram-se indubitavelmente preenchidos os pressupostos consagrados no supra referido art.º 2º, nº 1.
Impõe-se, então, analisar se os crimes de roubo p. e p. pelo art.º 210º, nº 1 do CPenal estão, ou não, abrangidos pelas variadíssimas exceções constantes do art.º 7º.
Efetivamente, da leitura de tal artigo conclui-se que o seu nº 1, al. b) exclui do perdão e da amnistia previstos na referida Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo previsto no nº 2 do art.º 210º do C.Penal.
Analisados os trabalhos parlamentares prévios à aprovação da referida Lei da Amnistia e do Perdão (disponíveis em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095) verificamos que a proposta inicial do Governo excluía do perdão e da amnistia o crime de roubo “em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no art.º 210º do Código Penal”.
Posteriormente, em 10 de julho de 2023, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou proposta de alteração que excluía do perdão e da amnistia os condenados por crime de roubo previsto no art.º 210º do Código Penal. Já a Proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, em 14 de julho de 2023, apenas excluía do perdão e da amnistia os condenados pela prática do crime de roubo agravado, previsto no nº 2 do art.º 210º do Código Penal, tendo sido esta proposta que acabou por ficar consagrada no texto final do art. 7º, al. b), subalínea i)., da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
Assim e face à redação definitiva que fez vencimento quanto a esse dispositivo e considerado apenas o bem jurídico protegido e os elementos constitutivos do particular tipo de crime (in casu, no que respeita ao catálogo de exclusões respeitante aos crimes contra o património), há que concluir que os condenados por crime de roubo previsto no nº 1 do art.º 210º do CPenal não estão excluídos do benefício do perdão e da amnistia previstos na presente lei na medida em que a mencionada subalínea i) da alínea b) do nº 2 do art.º 7º apenas exclui os condenados por crime de roubo previsto no nº 2 do art.º 210º do C.Penal (tendo sido intencional o concreto âmbito dessa exclusão do nº 1, isto se considerado o chumbo da proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD) .
Porém, “o facto de um crime não constar no elenco daqueles que, por si só, determinam a exclusão das medidas estabelecidas na Lei em análise, não impede que o respetivo agente possa, ainda assim, não beneficiar destas por força das demais exceções igualmente previstas” (Pedro Brito in “Notas práticas referentes à Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, JULGAR Online, agosto de 2023, pág. 30).
Com efeito, é de ponderar que o art.º 7º, al. g), focalizado nas vítimas dos crimes (e já não no concreto tipo de crime), exclui do perdão e da amnistia previstos na presente lei “os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro”.
Ora, dos já referidos trabalhos parlamentares prévios à aprovação da referida Lei da Amnistia e do Perdão (disponíveis em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095) verifica-se que também esta alínea g). acabou por ter uma redação distinta da inicialmente constante da proposta de lei apresentada pelo Governo.
Com efeito, esta proposta inicial do Governo excluía do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes”, mas a redação final que fez vencimento resultou de uma proposta de alteração apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS que excluía do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”.
Tendo ambas as referidas alterações resultado de proposta de alteração do mesmo grupo parlamentar, não poderá argumentar-se que se pretendeu incluir o crime de roubo na sua forma simples de consumação no âmbito das situações passíveis de beneficiar do perdão, antes haverá que presumir a congruência de tais propostas e consequentemente considerar que visaram conferir maior rigor jurídico ao texto da lei (não obstante, ainda assim, não constituir um texto legislativo exemplar) com vista à definição, o mais precisa possível, das várias situações em que se exclui a aplicação do perdão e da amnistia. E, no caso, alargando claramente o círculo de situações excluídas do perdão e da amnistia
Por conseguinte, não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no art.º 7º, nº 1, al. b), subalínea i)., é forçoso concluir que a mesma encontra acolhimento na al. g) do nº 1 do art.º 7º (independentemente de, no processo, a vítima ter ou não a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável1, uma vez que tal exigência não tem suporte em nenhum dos elementos harmonicamente utilizados na interpretação jurídica e inclusive se mostra contrariada pelo elemento literal), na medida em que a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo artº 210º, nº 1 do C.Penal, enquanto vítima de criminalidade especialmente violenta, é sempre (cfr. art.º 67º-A, nº 3 do C.P.Penal) considerada uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime, por força da mencionada al. g) do nº 1 do preceito em análise.
Efetivamente, a mencionada al. g) faz referência expressa ao art.º 67º-A, nº 1, al. b) do C.P.Penal, nos termos do qual considera-se “Vítima especialmente vulnerável, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social” e prevê o nº 3 que “as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.
O mencionado preceito legal remete-nos, por conseguinte, para o disposto no art.º 1º, als. j) e l) do C.P.Penal que considera como “Criminalidade violenta as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos” e como “Criminalidade especialmente violenta as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos”.
Ora, sendo o crime de roubo previsto no artº 210º, nº 1 do C.Penal punido com uma pena de prisão igual ou superior a 5 anos (mais concretamente até 8 anos), o mesmo integra indubitavelmente o conceito de criminalidade especialmente violenta, como resulta expressamente do disposto no art.º 1.º, al. l), do C.P.Penal, e vem sendo defendido na jurisprudência.
A título de exemplo, veja-se o Acórdão do STJ 13.12.2017, Proc. 1239/09.9TAFIG.S1, onde se refere que o crime de “roubo é, hoje, um crime temível, sobretudo quando emergente de grupos, sempre de difícil controle, imprevisibilidade de acção, usando os seus agentes, por vezes, meios de actuação sofisticados, deslocalizando-se com facilidade, tornando mais complexa a sua neutralização, com o que a pertinência a essa forma de acção traz um “plus” de culpa e de ilicitude, de censura e antijuridicidade, antinormativismo. No conceito de violência se integram, por ex.º, o bater, entravar, agarrar, amarrar, deitar ao chão e o retirar da mão, com força, um telemóvel, esclarece, José Hurtado Pozo – Droit Penal, Parte Spécial, 2009, 290. Actualmente a perigosidade da criminalidade violenta contra o património tende a esbater-se, para dar-se mais relevo à percepção do desvalor do valor social do roubo, visto como uma grave forma de ataque às pessoas, cujas vítimas preferidas são os idosos, doentes, crianças e mulheres, justamente os mais desprotegidos do tecido social, escreveram Giovanni Fiandaca e Enzo Musco , Diritto Penale , Parte Speciale, vol. II, II, 5.ª ed. , 2012, 160”2.
Nessa medida, mesmo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do C.Penal, o crime de roubo, por se integrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis”, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto.
Neste sentido se pronuncia, aliás, Pedro Brito no já citado escrito (págs. 31 e 32) quando refere que “apesar de o crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do C.P., não constar elencado no n.º 1, al. b), i), da Lei em análise, onde apenas se faz referência, na parte que agora interessa, ao roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 2, do C.P., o certo é que a vítima daquele será sempre uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente também não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime por força do n.º 1, al. g), do preceito em análise. Na verdade, cumpre salientar que o crime de roubo, previsto no art.º 210.º, n.º 1, do C.P., punido com uma pena de prisão até 8 anos, integra o conceito de criminalidade especialmente violenta (cfr. art.º 1.º, al. l), do C.P.P.). Na verdade, o crime de roubo traduz-se numa conduta dolosa dirigida contra, pelo menos, a integridade física da pessoa que é vítima do assalto, sendo a violência típica do roubo a violência específica do ato apropriativo, sob a forma de emprego de força física, maior ou menor, pelo que sempre terá que se considerar verificado o requisito que determina a sua integração em tal conceito. Assim, pelas mesmas razões, também o crime de roubo, na forma tentada, previsto no art.º 210.º, n.º 1, do C.P., punido com uma pena de prisão superior a 5 anos, integra o conceito de criminalidade violenta (cfr. art.º 1.º, al. j), do C.P.)”.
Nestes termos e considerando que os crimes de roubo p. e p. pelo artigo 210º nº 1 do CPenal, pelos quais o arguido foi condenado, ofendem vítimas legal e expressamente qualificadas como “especialmente vulneráveis”, é de concluir pela verificação da exceção constante da al. g) do nº 1 do art. 7º da Lei nº 38º-A2023, de 2 de agosto, pelo que não pode o arguido beneficiar de qualquer perdão relativamente à pena em que o foi condenado (no seguimento de posição já anteriormente assumida no Acórdão deste TRL de 28.11.2023, Proc. nº 7102/18.5P8LSB-A.L1-5)3.
Consequentemente, julga-se o presente recurso totalmente improcedente.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Sem tributação.
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Comunique-se de imediato à 1ª instância, com cópia.
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Lisboa, 20 de fevereiro de 2024.
Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
Sandra Ferreira
João Ferreira
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1. Neste sentido, Acórdão deste TRL de 23.01.2024, Proc. nº 179/04.2PBLSB-A.L1-5 que considera que “o crime de roubo, à luz das alíneas j) e l) do artigo 1.º do Código de processo Penal, não deve ser considerado como integrando o conceito de criminalidade violenta ou especialmente violenta … não se lhe aplica o n.º 3 do art.º 67.º do Código de processo Penal, razão pela qual as vítimas desse crime não são necessariamente especialmente vulneráveis, do que deriva que o roubo simples não seja excluído pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto. Ainda que assim se não considerasse, sempre seria de entender que a exclusão prevista na alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, só seria de aplicar, mesmo no caso do crime de roubo simples, quando no processo a vítima tiver a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”.
2. Cfr. no mesmo sentido, as seguintes decisões mencionadas por Pedro Brito no referido estudo, em nota de rodapé n.º 48 (págs. 31 e 32): “acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-02-2023, processo n.º 637/2020, relator Artur Vargues, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-06-2022, processo n.º 41/2021, relator Orlando Gonçalves, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-11-2021, processo n.º 77/2021, relator Helena Moniz, in www.datajuris.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-09-2021, processo n.º 444/2020, relator Maria Elisa Matos Silva, in www.datajuris.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21-06-2021, processo n.º 2381/2020, relator Maria de Fátima Bernardes, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-2021, processo n.º 515/2017, relator Clemente Lima, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-2020, processo n.º 796/2018, relator Helena Moniz, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-03-2020, processo n.º 34/2018, relator Nuno Gomes da Silva, in www.datajuris.pt; acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 28-03-2018, processo n.º 622/17.0SYLSB-A, relator Lopes da Mota, in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-03-2014, processo n.º 21/12.0PGPDL.L1.S1, relator Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-03-2008, processo n.º 08P924, relator Rodrigues da Costa, in www.dgsi.pt; Dias, Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Livraria Almedina, 2019, pág. 77)”
3. Também, neste sentido, cfr. Acórdãos deste TRL de 14.12.2023 e 23.01.2024, Proc. nº 179/04.2PBLSB-A-L1 e 27/22.1PJLRS-B.L1 respetivamente.