Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
286/09.5T2AMD-B.L1-1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
DECISÃO JUDICIAL
RECURSO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário: I - A violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do Cód. de Proc. Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, é susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa.
II - A apontada nulidade não é susceptível de ser conhecida oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo ( cfr. artigos 201º, 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do CPC).
III - Estando todavia a nulidade decorrente da violação do principio do contraditório coberta por uma decisão judicial, a respectiva arguição deverá porém verificar-se em sede de impugnação/recurso interposto desta mesma decisão, e caso relativamente à mesma se mostrem reunidos os necessários pressupostos recursórios do artº 678º do CPC ;
IV - O que à parte está vedado é, relativamente a uma mesma decisão judicial que, pretensamente e em violação ao princípio do contraditório, conheceu de questão que não deveria conhecer, através de requerimento autónomo invocar/reclamar a sua nulidade ( e interpondo eventualmente recurso da respectiva decisão) e , concomitantemente, da mesma interpor recurso de apelação.
(Sumário da autoria do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.Relatório.
Em autos de Expropriação desencadeados por iniciativa dos Expropriados A e B, ao abrigo do disposto no art.º 51º, nº 2, do Código das Expropriações, e em que é Expropriante X, SA, com sede na …., …, vieram os primeiros, através de requerimento de 10/9/2009, e invocando existir um litígio entre os Requerentes e o Sr. C (pai de ambos), superficiário registado de Edifício existente numa das parcelas expropriadas, estando tal litígio relacionado com a propriedade do mesmo e quanto à correspondente indemnização a pagar pela expropriante, requerer que o Juiz a quo ordenasse a notificação desta última para :
- remeter aos autos a parte do processo expropriativo em falta, designadamente a parte relativa ao referido Edifício, e bem assim, para se abster de proceder a qualquer pagamento indemnizatório ao referido Sr. J;
- remeter aos autos o original do processo expropriativo completo.
Notificado o C para se pronunciar sobre tal requerimento, veio ele a fazê-lo ( em 23/9/2009), sustentando não existir qualquer litigio quanto à titularidade ( da sua parte ) do direito de superfície e, bem assim, não existindo qualquer litigio no que concerne à titularidade do direito dos expropriados e requerentes A e B, razão porque não se aplicando in casu o disposto no artº 53º do CE, impunha-se o indeferimento do por eles requerido.
Ao exposto por C, responderam (em 8/10/2009) A e B, reiterando o solicitado no anterior requerimento de ambos apresentado a 10/9/2009 (supra indicado, o qual por sua vez impetrava a prolação de decisão já solicitada em requerimento de 23/6/2009) .
Finalmente, a 5/11/2009, e relativamente ao requerido por A e B, proferiu o tribunal a quo a correspondente decisão, de indeferimento, com os seguintes fundamentos :
“ (…)
Cumpre decidir.
o invocado artigo 53º do CE aplica-se quando houver “dúvidas sobre a titularidade de direitos “ de cuja definição prévia depende a atribuição da indemnização devida pela expropriação.
No caso vertente, foram fixadas pelo tribunal arbitral duas indemnizações autónomas: a respeitante ao direito do superficiário (atinente ao edifício e/ou construção); a respeitante ao direito do proprietário (atinente à parcela de terreno onde o edifício foi construído).
Ora, quanto à titularidade de cada um dos direitos que foram objecto de expropriação não há dúvidas e os próprios requerentes o admitem, como bem sublinha o expropriado C: O direito do superfície pertence ao primeiro (aliás, tal foi reconhecido por expressa decisão judicial já transitada e encontra-se registado em seu favor: cf, sentença de fls. 566 e certidão de fls. 666); o direito de propriedade pertence aos segundos.
O que os expropriados A e B pedem na invocada acção judicial, aliás de cariz constitutivo e não declarativo e apenas instaurada em 29.06.2009, é que lhes seja constituído a seu favor o direito de propriedade sobre tal edifício/construção e, em consequência, extinto o direito de superfície que o onera, invocando estarem preenchidos, em seu favor, os pressupostos legais da acessão imobiliária industrial (artigo 1340º do CC) – cf. fls. 687.
Ora, ainda que tal acção venha a ser julgada procedente, nunca ao AA. vão obter o reconhecimento de que, à data da expropriação, já eram titulares do direito de propriedade sobre o referido edifício pois que a constituição, na sua esfera jurídica, de um tal direito, a operar, operará, ex novo, por efeito do trânsito em julgado da referida sentença .
Assim sendo, inexistindo dúvidas sobre quem era, à data da expropriação (ocorrida em 2007), titular dos direitos por ela afectados (no caso, direitos de propriedade e de superfície), inexistem quaisquer dúvidas juridicamente relevantes sobre quem é titular dos correspondentes créditos indemnizatórios (cf. artigo 32º do CE).
Não há, assim, lugar à aplicação do invocado artigo 53º do CE.
Pelo exposto, indefiro ao requerido.
Notifique.
Amadora, 05.11 .2009 “.
Esta última decisão/despacho ( de 5/11/2009 ) , de imediato, foi pelos expropriados A e B atacada de duas formas, a saber :
a) Por requerimento atravessado nos autos, em 19/11/2009, nele arguido os expropriados a sua revogação, por padecer a subjacente decisão de nulidade (artº 201º,nº1, do CPC) decorrente da violação do princípio do contraditório ou da proibição de indefesa (cfr. artº 3º, nº3, do CPC, e artº 20 º, da CRP);
b) Através de interposição - em 27/11/2009 - de recurso de apelação, o qual, por despacho de 31/3/2010, foi admitido com efeito devolutivo e subida em separado.
Relativamente ao requerimento dos expropriados A e B, supra referido e de 19/11/2009, satisfeito que foi o contraditório, foi pelo tribunal a quo proferida a decisão de 4/12/2009, de indeferimento, com os seguintes fundamentos :
“ (…)
Não têm razão os expropriados ora requerentes.
É que uma coisa é o objecto da decisão; outra, os respectivos fundamentos (de facto e de direito).
A questão de direito apreciada e decidida foi, pois, só uma e foi colocada pelos próprios expropriados ora requerentes: a de saber se é de suspender o pagamento da indemnização devida pela expropriação do direito de superfície de que é titular o expropriado C e ordenar a remessa do correspondente processo expropriativo para este tribunal.
O que se considerou, a propósito dos efeitos constitutivos da acessão imobiliária industrial, constitui tão-só fundamentação jurídica, aliás não decisiva, do então decidido, em sede de apreciação limiar do requerido pelos expropriados; não configura, em si própria, qualquer nova questão autónoma para cuja apreciação seria necessário o exercício, pelas partes, do contraditório, nos termos impostos pelo invocado nº 3 do artigo 3º do CPC.
Pelo exposto, indefiro a arguida nulidade.
Custas do incidente pelos expropriados, que se fixa em 3 UC.
Notifique.
Amadora, 04.12.2009 .”
Finalmente, desta última decisão, voltaram os expropriados A e B, a interpor - em 14/1/2010 - recurso de apelação, o qual, também por despacho do tribunal a quo de 31/3/2010, foi admitido – como de apelação - com efeito devolutivo e subida em separado, no mesmo formulando os recorrentes as seguintes conclusões :
- A decisão proferida no Despacho de 05.11.2009, indeferindo o que os Recorrentes haviam peticionado, fundamentou-se expressa e exclusivamente numa questão jurídica: momento da aquisição do direito adquirido por acessão industrial imobiliária, tendo o Tribunal recorrido decidido (em violação do art. 1317º, d. , do CC ) que esse direito só se adquire com a sentença que o declare ;
- A questão de saber se a acessão é ou não uma causa de aquisição originária de direitos, isto é, se o momento da aquisição do direito de propriedade sobre a obra incorporada retroage ao momento da verificação dos factos respectivos (como se prescreve no art. 1317°, d., CC) ou se, pelo contrário, este direito de propriedade só se constitui com a Sentença que o declare (como foi decidido no Despacho de 05.11.2009), não foi suscitada nem discutida pelas partes no processo, pelo que o Tribunal recorrido não podia ex officio invocar e decidir esta questão no Despacho de 05.11.2009, sem que as partes tivessem tido a oportunidade de se pronunciar sobre o mesmo. Assim, de pleno, uma decisão surpresa, isto é, uma decisão proibida pelo Direito;
- Por ser uma questão jurídica, por ser nova no processo e por ter suportado a decisão proferida nesse Despacho de 05.11.2009, tinha que ser discutida pelas partes, nos termos expressamente exigidos no art. 3°, nº 3, do CPC e art. 20° da Constituição;
- Ao contrário do que se decidiu no Despacho recorrido, a) a referida questão é efectivamente uma questão jurídica, objecto de uma norma legal, e, neste processo e decisão, da maior relevância, pois b) a referida questão foi efectivamente o critério decisório do despacho de 05.11.2009: foi por ter considerado que o direito adquirido por acessão só se constitui com a sentença que o declare que o Tribunal recorrido decidiu nos termos em que decidiu, indeferindo o que os Recorrentes peticionaram; c. ainda que se considere esta questão como um “ mero fundamento decisório “, o Tribunal teria sempre que observar o disposto no art. 3°, nº 3, do CPC, pois a tutela deste direito fundamental do contraditório e a proibição de decisões - surpresa abrangem a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes ;
- Concluindo, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogado o Despacho recorrido, sendo que só assim decidindo será cumprido o Direito e feita Justiça.
Em sede de contra-alegações, ao invés, considera o apelado C que o despacho recorrido ( de 4/12/2009 ) não merece qualquer censura, o qual deve assim ser mantido.
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Thema decidenduum
1.1. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir resume-se a saber se :
a) Se bem andou o tribunal a quo em , por decisão de 4/12/2009, indeferir a arguida ( pelos expropriados A e B) nulidade pretensamente cometida pelo tribunal a quo aquando da decisão proferida a 5/11/2009 , porque , nesta última, ao invés do sustentado pelos apelantes, não se conheceu de questão jurídica nova e sem que relativamente a ela tenha sido satisfeito previamente o contraditório.
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2.Motivação de Facto.
A) A factualidade a ter em consideração no presente Acórdão e com interesse ao conhecimento do objecto da apelação é a que emerge dos autos e mostra-se acima relatada em sede de relatório , para o qual de resto se remete.
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3.Motivação de direito.
3.1.- Do uso de meio processual inadequado/questão prévia .
Analisado todo o processamento prévio que subjaz à presente instância recursória, constata-se que, visando modificar/alterar a decisão do tribunal a quo de 05/11/009 ( onde alegadamente foi infringido pelo tribunal a quo o principio do contraditório, tendo-se proferido uma decisão-surpresa), enveredaram os apelantes por utilizar, em simultâneo, dois mecanismos processuais aparentemente ao seu alcance, quer interpondo de tal decisão recurso de apelação ( que foi admitido), quer arguindo a nulidade da mesma ( em requerimento autónomo ), sendo que é da decisão deste último incidente que incide agora o objecto da instância recursória em equação.
A nosso ver, tal forma de litigar aos apelantes mostra-se vedada.
Senão, vejamos.
É inquestionável (questão sobre a qual não se justifica agora tecer grandes considerações) que , com as alterações que no CPC foram sendo introduzidas pelo menos a partir de 1995/1996, maxime através do DL nº 180/96, de 25/9, e com as redacções introduzidas nos artºs 3º e 3º-A, do CPC , passou a dar-se uma importância, que não era habitual, ao princípio constitucional da proibição da indefesa , associada à regra do contraditório (1), razão porque nenhuma decisão ( mesmo interlocutória ) pode/deve ser proferida pelo Juiz sem que, previamente, tenha sido permitido quanto à mesma e relativamente ao sujeito processual contra quem é ela dirigida, uma ampla e efectiva possibilidade de discussão ( de a discutir, de a contestar e de a valorar).(2)(3)
O conteúdo essencial do princípio do contraditório, passando doravante e com maior acuidade a integrar , expressamente, um dos princípios estruturantes e fundamentais do processo civil, obrigando ele à prévia audição das partes para as precaver contra-decisões surpresa, em rigor (4) assenta a respectiva ratio no pressuposto de que uma estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contrates dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões.
Ou, dito de uma outra forma , o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo ( cfr. José Lebre de Freitas, in a “ Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto ", 1996, pág. 96, e in “ Código de Processo Civil Anotado “, vol. 1º, 1999, pág. 8).
Não sendo tal principio observado/respeitado, maxime não se concedendo a uma das partes a possibilidade de sobre uma determinada questão se poder previamente pronunciar, e incluindo-se a apontada inobservância no âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 201º, nº1, do Cód. de Proc. Civil, comete-se uma nulidade que o tribunal não conhece oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias (5).
Sucede que, como desde há muito integra orientação doutrinal e jurisprudencial uniforme e inquestionável, e em matéria respeitante à respectiva arguição , as nulidades processuais são arrumadas em dois grandes grupos distintos : a) por uma banda, as nulidades processuais que se encontrem a coberto de uma decisão judicial , podendo assim ser impugnadas no recurso da decisão que lhes deu cobertura ; b) por outra banda, as nulidades processuais que não estejam a coberto de uma qualquer decisão judicial, sendo, neste caso, o meio impugnatório a reclamação perante o juiz que proferiu a decisão, e , do despacho que recair sobre tal reclamação , caberá então ( e só então ) recurso nos termos gerais.
Ou seja, como bem refere Manuel de Andrade (6) “ (…) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima : dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”.
Tal forma de agir assim se impõe porque, como há muito ensinava o Prof. José Alberto dos Reis (7) “ A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo “.
Idêntica posição, ainda que com algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no artº 666º do CPC ( disposição legal esta que constitui o pressuposto da aplicação do apontado entendimento ) a todas e quaisquer decisões que não apenas à sentença final (8), tem Anselmo de Castro (9) (10) , pois que, estando a infracção processual coberta, directa ou implicitamente por um qualquer despacho, a reacção contra ela volver-se-á então contra o próprio despacho do Juiz . Ora, acrescenta então Anselmo de Castro, “ (…) o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (artº 677º, nº1) , por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional ( artº 666º ).
Chegados aqui, imperioso é concluir que, considerando os apelantes ( como consideram ) que, de alguma forma, o Juiz a quo, aquando da sua decisão de 05/11/009 , alegadamente cometeu uma nulidade porque nela conheceu de questão que não devia conhecer, violando assim o principio do contraditório e consubstanciando tal decisão, em rigor, uma decisão-surpresa , estando a pretensa nulidade cometida sancionada/coberta por uma decisão judicial , só através de interposição do competente recurso pode ela ser alterada, o que tudo decorre do disposto no artº 666º, do Cód. de Processo Civil, quanto mais não seja revogada para que o contraditório seja então respeitado.(11)(12)
Tendo da referida decisão interposto os apelantes o competente recurso, só lhes resta aguardar pela respectiva decisão.
O que aos apelantes está vedado é, em simultâneo , atacar uma decisão judicial, quer arguindo a respectiva e pretensa nulidade ( para que seja o próprio Juiz que a proferiu a revogá-la, em violação ao disposto no artº 666º, nº1, do CPC), quer da mesma interpondo outrossim o competente recurso ( para que seja o tribunal ad quem a revogá-la ).
Em face do acabado de expor, deve portanto a apelação interposta improceder (porque em rigor incide sobre decisão da primeira instância que incidiu sobre reclamação de nulidade, o que consubstancia como vimos já a utilização pelos apelantes de meio processual inadequado), porque em rigor mostra-se prejudicado o conhecimento da questão suscitada na instância recursória respectiva e atinente ao eventual cometimento pelo tribunal a quo de nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório.
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3.2.- Sumário
a) A violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do Cód. de Proc. Civil, integrando a violação do princípio do contraditório, é susceptível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a subjacente irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa.
b) A apontada nulidade não é susceptível de ser conhecida oficiosamente, razão porque se tem por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de 10 dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo ( cfr. artigos 201º, 203º, nº 1 e 205º, nº 1, do CPC).
c) Estando todavia a nulidade decorrente da violação do principio do contraditório coberta por uma decisão judicial, a respectiva arguição deverá porém verificar-se em sede de impugnação/recurso interposto desta mesma decisão, e caso relativamente à mesma se mostrem reunidos os necessários pressupostos recursórios do artº 678º do CPC ;
d) O que à parte está vedado é, relativamente a uma mesma decisão judicial que, pretensamente e em violação ao princípio do contraditório, conheceu de questão que não deveria conhecer, através de requerimento autónomo invocar/reclamar a sua nulidade ( e interpondo eventualmente recurso da respectiva decisão) e , concomitantemente, da mesma interpor recurso de apelação.
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4. Decisão.
Em face de todo o supra exposto,
acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa , em não conhecer do recurso de apelação apresentado pelos expropriados A e B, porque em rigor de uso de meio processualmente inadmissível se trata in casu .
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Custas pelos apelantes.
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(1)Cfr. Carlos Lopes do Rego, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, 2004, págs. 835 e segs.
(2) Cfr. Parecer da Comissão Constitucional nº 18/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17º-14 e segs..
(3) Cfr. ainda José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pág. 9.
(4) Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 379/381.
(5 Cfr. Ac. do STJ de 13/1/2005, in www.dgsi.pt.
(6) In ob. citada, pág. 183 .
(7) In Comentário ao Código de Processo Civil, II, 507.
(8) O que se nos afigura inquestionável em face do disposto no nº 3, do artº 666º do CPC, preceito este que remete inclusive para o nº 3, do artº 668º, do CPC, resultando desta última disposição legal que a nulidade decorrente do conhecimento de questões de que o Juiz não podia tomar conhecimento pode ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário.
(9) In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134.
(10) Cfr. ainda Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393, referindo que “ Se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
(11) Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional de 23 de Março de 2004, proc. nº 742/03, acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acórdãos e citado no Ac. do STJ de 18/10/2006 , in www.dgsi.pt, e voto de vencido do ilustre Conselheiro do S.T.J. , aposto no Ac. do STJ, de 4/7/2002, in www.dgsi.pt.
(12) Cfr. Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 4/6/2009, in www.dgsi.pt, precisamente relacionado com o conhecimento, em sede de instância recursória, da preterição pelo tribunal a quo do principio do contraditório, considerando-se que o desrespeito do referido principio é cometido com o prolação da própria decisão recorrida.
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Lisboa, 11 de Janeiro de 2011

António Santos (Relator)
Folque de Magalhães (1º Adjunto)
Maria Alexandrina Branquinho (2º Adjunto)