Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1385/22.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: GERMANA FERREIRA LOPES
Descritores: INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DE INDICAÇÃO COM EXATIDÃO DAS PASSAGENS DA GRAVAÇÃO EM QUE SE FUNDA A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CRITÉRIOS DE AFERIÇÃO DA LEGALIDADE DO DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO/EMPREGAR INSERIDO NUM GRUPO DE EMPRESAS
Nº do Documento: RP202403041385/22.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – No caso de impugnação da matéria de facto com base em depoimentos gravados deverá também o recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC).
II – Tendo o recorrente indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelo recorrente como relevantes para o julgamento do recurso, impõe-se concluir que o recorrente não cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, na medida em que, nessas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extremamente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pela recorrida, a determinar a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto.
III – A legalidade do despedimento por extinção do posto de trabalho deve ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao julgador unicamente verificar a exatidão ou veracidade dos motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais que foram invocados e a existência de nexo causal entre esses motivos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que aqueles eram idóneos a justificar a decisão de extinção do posto de trabalho e, portanto, o despedimento com esse fundamento.
IV – O cumprimento dos critérios previstos no artigo 368.º, n.º 2, do Código do Trabalho, bem como o requisito previsto nos n.ºs 1 alínea b) e 4 do mesmo preceito [inexistência de posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador] estão circunscritos à estrutura empresarial do empregador, ainda que esteja este inserido num grupo de empresas, a menos que exista alguma causa justificativa do levantamento da personalidade jurídica, o que, no caso, não se verifica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação/Processo n.º 1385/22.3T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, Juiz 3

4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha
2ª Adjunta: Rita Moreira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
Por requerimento (início de processo) de 18-02-2022, refª 31421689, AA (Autor) apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento operado com invocação de extinção do posto de trabalho contra A..., SA (Ré), manifestando oposição ao seu despedimento, juntando decisão escrita do alegado despedimento [consigna-se que se designa o trabalhador por Autor, tendo em conta que é o mesmo que impulsiona o processo apresentando o formulário com vista a ver declarada a ilicitude ou irregularidade do seu despedimento e, por sua vez, designa-se a entidade empregadora por Ré, uma vez que a mesma, ainda que apresentando o primeiro articulado, contesta o impulso tendente à sobredita declaração].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado a motivar o despedimento, pugnando pela licitude do mesmo e juntando o procedimento de extinção do posto de trabalho.
Defendeu, em substância, que o despedimento do Autor por extinção do posto de trabalho observou todos os requisitos e formalidades legais e, bem assim, que são verdadeiros e procedentes os fundamentos que justificaram a extinção do posto de trabalho do Autor e consequente cessação do seu contrato de trabalho, nos termos explicitados no respetivo articulado.

O Autor contestou, pugnando pela pela ilicitude do despedimento de que foi alvo, com as legais consequências.
Sustentou, em síntese, que: não foi colocada à sua disposição a totalidade da compensação devida; na comunicação efetuada pela empregadora faltam três anexos, não cumprindo assim com a fundamentação exigida pela lei; existe um trabalhador com contrato de trabalho temporário para as mesmas funções -Delegado de Informação Médica (DIM), havendo possibilidade de subsistência da relação laboral porque existe outro posto de trabalho disponível e compatível com a categoria profissional do Autor; foi prejudicado em termos de avaliação; os critérios presentes no artigo 368.º, n.º 2, do Código do Trabalho são cumulativos, não se tendo seguido o critério de verificar cumulativamente os requisitos essenciais para ser promovido este tipo de despedimento.

Foi realizada audiência prévia nos termos que se alcançam da ata refª citius 438789166.

Realizada a audiência de discussão e julgamento (sessões de 20-09-2022, 21-09-2022, 18-10-2022, 9-05-2023 – refªs citius 440197064, 440243528, 441249962 e 448142092, respetivamente), foi proferida sentença (refª citius 448782430), concluindo com a decisão seguinte:
“Pelo exposto, julgo a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento totalmente improcedente, por não provada, pelo que:
a) declaro a licitude do despedimento do A. AA e absolvo a R., A..., S.A., do pedido contra a mesma formulado;
b) absolvo o A. do pedido da sua condenação como litigante de má-fé;
c) condeno o A. e a R. nas custas do processo, na proporção de noventa por cento para o primeiro e de dez por cento para a segunda.
Registe e notifique”.

Inconformado com esta decisão o Autor interpôs recurso de apelação (refª citius 36051314), formulando as seguintes CONCLUSÕES [que se transcrevem]:
“A) Violação dos artigos 368º ns 1 e 2 do CT, e do artigo 359.º, n.º 2, a) e b) ex.vi artigo 367.º, n.º 2, para justificar o despedimento por extinção do posto de trabalho;
B) Não foi cumprido o disposto no n.º 1 do art. 369.º do CT, pelo que o despedimento da Requerente, por extinção do seu posto de trabalho, foi ilícito, por não cumpridas todas as formalidades legais no despedimento;
C) Violação do artigo 368º nº 2 al. a). do Código do trabalho, pela não existência do critério de avaliação;
D) Reapreciação dos pontos de facto dos artigos: 47), 49), 50), 52), 54), pois que os mesmos terão que ser dados como não provados, dado que, não resultou provado dos depoimentos, acima identificados, da representante legal BB, e das duas testemunhas CC e DD que a R. no seu exercício de 2022, e logo no ano após o despedimento, tivesse prejuízos ou redução do volume do negócio de um qualquer valor efetivo e concreto, e que nos depoimentos ou em documentos não indicassem a existência de um real desequilíbrio económico-financeiro, já que a sua falta de determinação efetiva e concreta não podem configurar um motivo estrutural, para servirem de justificação para o despedimento por extinção do posto de trabalho, por violação e nos termos do artigo 359.º, n.º 2, a) e b) ex.vi artigo 367.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho;
E) Reapreciação do facto dado como provado do artigo 91) tendo em conta que a testemunha EE afirmou, no seu depoimento, acima identificado, que só passou a ser trabalhador da R. no ano de 2020, pelo que não poderia ter sido avaliado comparativamente com o R, no ano de 2020, logo terá que ser dado como não provado tal facto do artigo 92), inviabilizando assim como facto não provado, o critério do artigo 368º nº 2 al. a). do Código do trabalho para justificar o despedimento do A.;
F) Reapreciação do facto dado como provado do artigo 92) tendo em conta que não resultou provado dos depoimentos, acima identificados, da representante legal BB, e das duas testemunhas CC e DD da demonstração que sobre o R. pendia de provar da inexistência de que não dispunha de outro lugar compatível com a categoria do trabalhador despedido por extinção do posto de trabalho, como era seu ónus, tal como se determina, nos termos do artigo 384.º, alínea a), pelo que terá que ser dado como não provado o artigo 92), dado que não poderia justificara licitude do despedimento que se operou, e de que decorrerão, por consequência, os efeitos previstos nos artigos 389.º e 390.º, do C.T. inviabilizando assim o critério para justificar o despedimento do A.;
G) E a falta de proporcionalidade entre a motivação apresentada e decisão de despedir, e bem, a racionalidade dessa medida, face à necessidade de ponderar os dois valores constitucionais em jogo o da iniciativa económica privada contra a real segurança no emprego - artºs 61.° e 53.° da C.R.P..”

Terminou, pugnando pela procedência total do recurso e, como tal, ser o despedimento considerado ilícito, e em consequência ser a R. condenada a reintegrar o A.

A Recorrida/Ré contra-alegou (refª citius 36279071), finalizando com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. Nenhuma censura ou reparo merece a douta sentença recorrida, atenta a cuidada análise, fundamentação e decisão quanto à matéria de facto provada, o mesmo sucedendo em relação à interpretação e aplicação do direito a essa matéria.
B. A Recorrida oferece o merecimento dos autos, devendo a douta sentença recorrida ser integralmente confirmada, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal.
C. O presente recurso deve ser imediatamente rejeitado na parte em que peticiona a reapreciação da matéria de facto, uma vez que o Recorrente, que pretende impugnar a matéria de facto, não indica concretamente as passagens da gravação em que se funda o recurso (como lhe impunha o art. 640.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do CPC, ex vi art. 1.º, n.º 2, al. a) do CPT), limitando-se a indicara data e hora de início e termo dos depoimentos, o que compromete gravemente o exercício do contraditório pela Recorrida e, bem assim, o exame do recurso pelo Tribunal ad quem.
D. Quanto ao alegado erro de apreciação da prova produzida, e sem prejuízo do supra exposto quanto à violação do ónus processual da Recorrente, refira-se que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente mantida.
E. Quanto aos pontos 47), 49), 50), 52) e 54) da Matéria de Facto Provada, e sem prejuízo de, neste particular, o Recorrente confundir a impugnação da matéria de facto com a discordância quanto ao sentido da decisão de fundo, diga-se que a decisão recorrida deverá ser integralmente mantida, pois que a factualidade em causa resultou provada à exaustão, de acordo com os depoimentos de [i] FF (20.09.2022, com início às 09:54:33 e fim às 10:55:10), [ii] CC (20.09.2022, com início às 14:56:17 e fim às 16:01:13), [iii] DD (20.09.2022, com início às 16:02:24 e fim às 16:47:38), GG (21.09.2022, com início às 10:06:30 e fim às 10:47:33) e com [iv] as pp. 4 ss. do Doc. 1 junto com o Articulado Motivador, em particular, pp. 6-8.
F. Nos termos do art. 607.º, n.º 5, do CPC, o Tribunal a quo apreciou livremente as provas, inexistindo norma legal que imponha, para a prova dos factos referidos, meio de prova diverso.
G. Quanto aos Pontos 91) e 92) da Matéria de Facto Provada, também a sentença deverá ser mantida, já que a avaliação do A. e de EE resulta provada do Doc. 1 junto com o Articulado Motivador, pp. 38-39, não impugnado pelo A..
H. O facto de EE ter sido alegadamente admitido em 2020 – o que não foi sequer alegado e, por isso, nunca poderia ter considerado provado – nunca impediria que fosse avaliado para aquele período, como veio a suceder.
I.Quanto à inexistência de posto de trabalho disponível compatível com a categoria do A., a mesma resultou provada do depoimento da representante da R., FF (20.09.2022, com início às 09:54:33e fim às 10:55:10), assim como dos factos provados sob os pontos 93) e94) da Matéria de Facto Provada, que o A. não impugnou.
J. Quanto aos alegados erros na interpretação e aplicação do Direito, não assiste também razão ao Recorrente.
K. Os motivos invocados pela R. para o despedimento do A. foram corretamente enunciados e são subsistentes, como se considerou na sentença recorrida, assentando em motivos estruturais, associados a uma situação de crise e desequilíbrio económico-financeiro, que gerou a necessidade de uma reorganização da estrutura produtiva, motivada pela absorção de uma outra organização e da perda de dois produtos muito relevantes para a R. em termos de faturação. Tudo isso se provou (cfr. os pontos 39) a 85) da Matéria de Facto Provada, em particular, os pontos 56) a 58), nem sequer impugnados pelo Recorrente), sendo evidente a racionalidade da decisão.
L. Resultou provado, pois, que a Recorrida perdeu a comercialização de dois produtos com um impacto negativo de 10 milhões de euros anuais na sua faturação, o que, aliada também à absorção de uma outra estrutura, gerou uma situação de desequilíbrio económico-financeiro efetivo, que colocou em risco a viabilidade da empresa e os demais postos de trabalho, que forçou a R. a promover uma redução de custos e a cessação de diversos contratos de trabalho, incluindo o do A..
M. O que a segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa (art. 53.º da CRP) visa acautelar é a ilegitimidade dos despedimentos arbitrários ou motivados por conduta culposa do empregador, o que não se verifica no caso vertente, no qual o despedimento se ficou a dever a uma justa causa objetiva, associada à reestruturação levada a cabo pela R. no circunstancialismo descrito, como forma de fazer face a uma situação de crise, salvaguardando a sua viabilidade e os postos de trabalho dos demais trabalhadores.
N. A medida adotada foi, pois, proporcional, atenta a necessidade de a Recorrida se manter competitiva e ativa, sendo condição da subsistência da R. e de garantia da generalidade dos postos de trabalho.
O. Assim, deverá concluir-se pela correta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 367.º, n.º 1, e 359.º, n.º 2, do CT.
P. A Recorrida cumpriu igualmente o disposto no art. 368.º, n.º 2, al. a), do CT, como se decidiu na sentença recorrida, pois que circunscreveu a seleção dos trabalhadores à “secção ou estrutura equivalente” – região Beira-Douro, território Porto/Gaia, na qual se verificava a existência de um posto de trabalho excedentário, adotando o primeiro critério da ordem sucessiva e hierarquizada do art. 368.º, n.º 2, do CT, a saber, a avaliação de desempenho do Recorrente e EE (al. a)) – cfr. os pontos 79) a 90) e 96) da Matéria de Facto Provada.
Q. A sentença recorrida também não enferma de erro na interpretação e aplicação do art. 368.º, n.º 1, al. b) e n.º 4, do CT, já que a Recorrida provou a inexistência de posto de trabalho disponível compatível com a categoria do A. – cfr., designadamente, os pontos 92), 93) e 94) da Matéria de Facto Provada.
R. Conclui-se, por isso, que os fundamentos invocados para o despedimento – razões de natureza objetiva, essencialmente de natureza conjuntural e estrutural, inerentes à evolução da atividade da R. e que levaram à necessidade de promover a reestruturação implementada – são verdadeiros e procedentes, não se devendo a conduta culposa da R. ou do A. (arts. 367.º e 368.º, n.º 1, al. a), do CT), e que foram integral e escrupulosamente cumpridos todos os requisitos substantivos e procedimentais aplicáveis.
S. Provou-se ainda que não existe outro posto de trabalho disponível e compatível com a categoria profissional do Recorrente (art. 368.º, n.º 1, al. b), e n.º 4, do CT), nem contratos de trabalho a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto (art. 368.º, n.º 1, al. c)), não se aplicando, no caso vertente, o procedimento de despedimento coletivo (art. 368.º, n.º 1, al. d)), tendo sido posta à disposição do Recorrente a compensação legal e demais créditos devidos (art. 368.º, n.º 5).
T. Em face de todo o exposto, conclui-se pela necessária improcedência do recurso interposto, devendo a decisão do Tribunal a quo ser integralmente confirmada, mantendo-se a absolvição da Recorrida de todo o peticionado.”

Terminou, pugnando para que seja negado provimento ao recurso, sendo, em consequência, integralmente confirmada a sentença recorrida.

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo (refª citius 451448468) a admitir o recurso interposto pelo Autor e a determinar a respetiva subida, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (refª citius 17295715 - artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho) no sentido do não provimento do recurso, pronunciando-se, no essencial, como se segue:
« (…)
Impugna o Recorrente a decisão sobre a matéria de facto e subsequente decisão de direito.
1-Na verdade, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes – art.º 640º, n.º 2, alínea a) do C.P.C.
Neste caso o Recorrente, remete para o depoimento de certas testemunhas que identifica com indicação do início e fim da gravação, de todo o seu testemunho, o que se entende não ser suficiente.
Na verdade, pretende-se com a previsão destes ónus, quer a garantia do contraditório, quer a rigorosa delimitação do objecto do recurso, (Abrantes Geraldes, Luis Filipe Pereira e Paulo Pimenta, C.P.C. anotado, Almedina, Coimbra, p. 831), não se admitindo recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, pelo que deveriam ser minimamente cumpridos.
2. Quanto à decisão da matéria de direito, a sentença recorrida analisa de forma exaustiva todas as questões suscitadas, os requisitos de que depende a validade da extinção do posto de trabalho do Recorrente.
Assim, levando em conta os factos assentes, não competindo ao tribunal apreciar a bondade da decisão de extinguir o posto de trabalho, em termos de gestão empresarial, deve confirmar a verificação dos motivos invocados para o despedimento.
Ou seja, como ensina Pedro Romano Martinez (Código do Trabalho, anotado, 13ª edição, Almedina, Coimbra, p. 869), o critério empresarial que substituiu um critério legal rígido, deve, contudo, assentar em regras objectivas e não discriminatórias.
Para isso, deverão ser alegadas e demonstradas pela empresa, as razões invocadas, o que, atenta a matéria de facto dada como provada, se entende ter acontecido, também, neste caso.
Com efeito, resultou provado que a Recorrida perdeu a comercialização de dois produtos, com um impacto negativo de cerca de 10 milhões de euros anuais na sua faturação, e absorveu uma outra estrutura que gerou uma situação de desequilíbrio económico-financeiro e colocou em risco a viabilidade da empresa e demais postos de trabalho, obrigando a Ré/Recorrida a reduzir custos e fazer cessar o contrato de trabalho do A.
*
Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser confirmada a douta sentença recorrida.”

O Autor apresentou resposta (refª citius 372373) ao referido parecer, reiterando a sua posição no sentido da procedência do recurso e revogação da sentença, com a consideração do despedimento como ilícito e, em consequência, a Ré condenada a reintegrar o Autor.

Tendo-se constatado que não foi fixado o valor da causa, no uso dos poderes previstos nas alíneas b) e d) do artigo 652.º do Código de Processo Civil, foi determinada a devolução/baixa do processo ao Tribunal a quo para o efeito da fixação do valor da causa – refª citius 17379168.

Nessa sequência, o Tribunal a quo proferiu o despacho refª citius 453783600, fixando o valor da causa em € 2.000,00.
Tal despacho foi notificado às partes e não mereceu oposição, tendo os autos sido novamente remetidos a este Tribunal da Relação.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.
*
III – Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras[artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho]
Assim, as questões a apreciar e decidir são:
(1) Impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos 47), 49), 50), 52), 54), 91) e 92) - conclusões D), E) e F) -, o pressupõe a análise prévia da admissibilidade do recurso sobre a matéria de facto;
(2) Juízo sobre o mérito no que se refere ao despedimento – questão frulcral da licitude ou ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho do Autor.
*
III – Fundamentação
1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):
“Os factos provados:
Atenta a prova produzida, considero assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
1) Em 5 de janeiro de 2022 a R. enviou ao A. comunicação, nos termos da qual foi o A. informado, por escrito, da necessidade de a R. extinguir o respetivo posto de trabalho e, assim, proceder ao seu despedimento;
2) O A. é Delegado Sindical do SITE-CN – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Tranformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Centro Norte;
3) Em 5 de janeiro de 2022 a R. comunicou a intenção de extinguir o posto de trabalho do A. ao SITE-CN;
4) O A. recebeu a comunicação inicial em 7 de janeiro de 2022;
5) O SITE-CN recebeu a comunicação em inicial em 6 de janeiro de 2022;
6) Em 14 de janeiro de 2022 o A. requereu a intervenção da Autoridade para as Condições de Trabalho, nos termos do disposto no art.º 370.º, n.º 2, do Código do Trabalho;
7) Em 18 de janeiro de 2022 a A.C.T. notificou a R. para enviar diversa documentação, a saber: 1 - Documentação comprovativa de que não existem na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho a extinguir; 2 - Listagem dos trabalhadores da empresa, respetiva categoria profissional, tipo de contrato de trabalho, data de admissão e avaliação de desempenho de 2020 e 2021; 3 - Registos demonstrativos de que não se verifica a aplicabilidade do regime previsto para o despedimento coletivo, nomeadamente, indicando a forma de cessação de contratos de trabalho promovida por essa entidade empregadora nos últimos três meses; 4 - Indicação dos critérios subjacentes à presente extinção do posto de trabalho; 5 - Informação sobre se existem no local de trabalho outros postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico e se existem, 5.1 - Qual a pior avaliação de desempenho; 5.2 - Qual o que tem menores habilitações académicas e profissionais; 5-3 - Qual a maior onerosidade para a manutenção do vínculo laboral; 5.4 - Quem tem menor experiência na função; 5.5 - Quem tem menor antiguidade na empresa; 6 - Registo do trabalhador AA nos termos do art.º 127, n.º 1, al. j) do Código do Trabalho; 7 - Cópia e comprovativo da receção por parte do trabalhador, da comunicação da intenção da empregadora proceder à extinção do seu posto de trabalho;
8) Em 19 de janeiro de 2022 a R. enviou à A.C.T. a documentação em causa;
9) Em 21 de janeiro de 2022 o A. apresentou parecer;
10) Em 19 de janeiro de 2022 o Sindicato apresentou parecer;
11) Em 21 de janeiro de 2022 a A.C.T. remeteu à Empresa o Ofício n.º ..., da mesma data, contendo o relatório elaborado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 370.º, n.º 3, do C. do Trabalho;
12) No relatório referido a A.C.T. pronunciou-se nos seguintes termos: “Após a análise dos documentos remetidos pela empregadora em 19/01/2022 – 17h24m, foi possível apurar o seguinte: 1 - O trabalhador visado pela extinção do posto de trabalho é AA, admitido em 23/09/1999, com contrato de trabalho sem termo, com a categoria profissional de delegado de informação médica, prestando serviço na região da Beira-Douro, nas subáreas do Porto-Gaia, tendo tido na avaliação de desempenho de 2021 – 95,7%; 2 - Os motivos da extinção alegados pela entidade empregadora, prendem-se com motivos estruturais e económicos; 3 - Quanto à verificação dos requisitos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 368.º do Código do Trabalho: 3.1 - Não se verificou a existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho a extinguir; 3.2 - Não se aplica o regime previsto para o despedimento coletivo; 3.3 - Na concretização do posto de trabalho extinto foi dado cumprimento ao n.º 2 do art.º 368.º do Código do Trabalho, de acordo com a documentação analisada”;
13) Em28 de janeiro de 2022 a R. proferiu e remeteu ao A., através de correio registado com aviso de receção, decisão de despedimento do A., por extinção do respetivo posto de trabalho;
14) Em 31 de janeiro de 2022 a R. enviou cópia da comunicação final da decisão de despedimento, acompanhada de cópia da comunicação remetida ao A., ao SITE-CN;
15) Em 31 de janeiro de 2022 a R. enviou cópia da comunicação final da decisão de despedimento, acompanhada de cópia da comunicação remetida ao A., à A.C.T.;
16) Não tendo reclamado a missivaenviadaem28 de janeiro de 2022, o A. recebeu a decisão final de despedimento, por mão própria e correio eletrónico, em 10 de fevereiro de 2022;
17) O contrato de trabalho do A. cessou em 26 de abril de 2022, decorrido o aviso prévio (75 dias);
18) A compensação devida pela cessação do contrato, no valor de € 32 239,67, foi paga ao A. em 11 de fevereiro de 2022, o que foi comunicado ao A. através de carta enviada por correio registado e correio eletrónico;
19) Em 14 de fevereiro de 2022 o A. devolveu a quantia de € 32 239,67;
20) A R. A... é uma empresa do Grupo B... (em diante, “Grupo”, “Grupo B...” ou “B...”);
21) As empresas do Grupo fabricam e comercializam produtos farmacêuticos para uso humano e veterinário;
22) As atividades de fabrico, promoção e distribuição de medicamentos estão fundamentalmente orientadas para as áreas da Clínica Geral, Pneumologia, Cardiologia, Gastrenterologia, Reumatologia e Dermatologia;
23) O Grupo B... também desenvolve atividades nas áreas de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de saúde, nomeadamente suplementos alimentares e cosméticos e na área dos dispositivos médicos e equipamentos de diagnóstico e medicamentos veterinários;
24) As empresas do Grupo são juridicamente autónomas e encontram-se constituídas sob a forma de sociedades comerciais de responsabilidade limitada e de sociedades anónimas, a saber: A... S.A. (ora R.); C..., Ld.ª (C...), que tem como objeto a prestação de serviços de promoção de produtos farmacêuticos; D..., Ld.ª (D...) que tem como objeto a prestação de serviços de promoção de produtos farmacêuticos; E..., Ld.ª (E...), que tem como objeto a importação, exportação, produção e comercialização de produtos químicos, farmacêuticos e cosméticos; F..., Ld.ª (F...), que tem como objeto a prestação de serviços de fármaco-vigilância, formação, aprovisionamento, logística e distribuição à indústria farmacêutica; G..., S.A., (G...), que tem como objeto o fabrico, comercialização, importação, exportação, distribuição, promoção e publicidade de produtos farmacêuticos e cosméticos; H..., Ld.ª (H...),que tem como objeto a importação, exportação, comercialização e promoção de produtos farmacêuticos, dermatológicos e cosméticos; I..., S.A., (I...), que tem como objeto o fabrico, importação, exportação, comercialização, distribuição e promoção de produtos veterinários e de equipamentos clínicos e outros dispositivos médicos;
25) As empresas do Grupo B... dedicam-se às seguintes áreas de negócio: o negócio J... – prescrição de medicamentos sujeitos a receita médica; o negócio K... – comercialização de produtos não sujeitos a receita médica; o negócio dos genéricos; o negócio da dermatologia; o negócio hospitalar medicamentos; o negócio dos dispositivos médicos; o negócio internacional; o negócio da veterinária;
26) A R. tem como objeto social o comércio, importação, exportação, expansão, fabrico, armazenagem e distribuição de produtos químicos e farmacêuticos, cosméticos, produtos dietéticos, suplementos alimentares, alimentos para fins medicinais específicos e outros produtos de limpeza e conservação e comércio, importação, exportação, armazenagem e distribuição de equipamentos, utensílios e produtos médicos e paramédicos, através da área comercial J... do Grupo B...;
27) A R. é responsável pela promoção de MSRM (Medicamentos sujeitos a receita médica), estando a sua atividade centrada na promoção de produtos em duas áreas, disponibilizando soluções inovadoras na área Respiratória – tratamento de DPOC e Asma, e na área Cardiometabólica – tratamento da diabetes, obesidade, hipertensão e colesterol. Neste âmbito, os produtos são promovidos juntos das especialidades médicas de Medicina Geral e Familiar, Pneumologia, Imunoalergologia, Endocrinologia, Medicina Interna e Cardiologia;
28) Em dezembro de 2020 a R. adquiriu a unidade de negócio L..., parte da empresa sueca M...;
29) Antes da aquisição da L..., a área comercial J... da B... contava com os seguintes elementos: um diretor de marketing e vendas, dois elementos de apoio ao MKT/Vendas (Assistant), dois Técnicos de Marketing (Brand Manager) – um com as áreas da diabetes e obesidade, e outro com a área respiratória, três Chefes Regionais de Vendas (Area Sales Managers), divididos por três zonas geográficas – Norte, Lisboa centro e o Sul – e trinta e oito Sales Representative/DIM (Delegados de Informação Médica);
30) A estrutura J... do Grupo B..., antes da aquisição da L... (sem equipa de Marketing), era a que consta do art.º 39.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
31) A estrutura J... do Grupo B..., antes da aquisição da L... (com equipa de Marketing), era a que consta do art.º 40.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
32) Com a aquisição, passaram a integrar a B... mais 44 trabalhadores, que transitaram da L..., conforme listagem e organograma vertidos no art.º 41.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzidos;
33) Na L... a distribuição dos Sales Representative/DIM pelos ASM (Area Sales Manager)/Outros era feita da seguinte forma: a) ASM HH: II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP; b) ASM QQ: RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY; c) ASM ZZ: AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH; d) NSM DD: III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN; e) MM OOO: PPP, QQQ, RRR, SSS;
34) Somando os 44 trabalhadores que transitaram da L... aos 46 do Grupo B..., constata-se que a organização ficou com 90 pessoas ao todo;
35) Não obstante a dimensão revelar-se excessiva relativamente às necessidades da Empresa e do Grupo e apesar do contexto no setor ser, de forma genérica, de redimensionamento e reestruturação, com várias empresas a promover cessações de contratos de trabalho em grande número, a R. e o Grupo procuraram manter todos os trabalhadores que já tinham, assim como os trabalhadores da L...;
36) A R. e o Grupo assumiram a preocupação e o propósito de manter todos os postos de trabalho existentes, na expectativa de uma melhoria no setor e na sustentabilidade do modelo existente;
37) Em consequência da reorganização ditada pela transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores da L..., o Grupo B... passou a adotar a seguinte estrutura: a) B...-J... e L...: numa primeira fase, de dezembro 2020 a março 2021, operaram duas Equipas, associadas a duas unidades de negócio geridas por direções diferentes (mantendo ainda a equipa transitada da L... alguma autonomia): b) EQUIPA 1 - Equipa B...-J..., com negócio baseado no [i] Ambulatório e [ii] Hospitalar, cujo Diretor era TTT, num total de 47 elementos. Por motivos de natureza operacional, a trabalhadora MMM transitou da equipa L... para a equipa B...-J...; c) EQUIPA 2 - Equipa L..., com negócio baseado apenas em Ambulatório, cujo Diretor era CC, sendo a mesma integrada por um total de 43 elementos;
38) O Grupo manteve uma força de vendas constituída por 72 trabalhadores com função de DIMs (Ambulatório e Hospitalar) e 18 elementos da Equipa de Gestão (chefes de vendas, técnicos de marketing e assistentes comerciais);
39) Desde a aquisição da L..., a B... passou a debater-se com o excesso de trabalhadores, tendo sempre procurado reorganizar-se com o propósito de aumentar a sua eficiência e garantir o máximo número de postos de trabalho possível;
40) Entre março e abril de 2021 foram celebrados três acordos de revogação de contratos de trabalho pela R., com DIMs, concretamente, com os trabalhadores NNN, AAA e JJJ;
41) Nessa altura, a trabalhadora UUU (também DIM) denunciou o seu contrato de trabalho;
42) A partir de abril de 2021 o Grupo B... operacionalizou a junção das duas equipas, B...-J... e L..., numa só;
43) O propósito estratégico dessa reorganização foi a criação de sinergias entre os portfólios das duas unidades de negócio, concretamente no tocante à visitação de clientes e à reestruturação/otimização dos custos;
44) Nessa operação de reorganização o Diretor da equipa B...-J..., TTT, celebrou com a R. um acordo de revogação do seu contrato de trabalho;
45) Na sequência da reorganização referida no ponto anterior, a R. passou a operar apenas com uma estrutura de vendas, tendo adotado a designação “J...”;
46) Na sequência desta reorganização, a B... passou a estar organizada da seguinte forma:
Direção MKT e Vendas
CC
Equipa MarketingAssistentes
OOOZZZ
VVVGina Rodrigues
WWWFátima Oliveira
XXXOlga Meneses
YYY
Equipa de Vendas
DD
HH GGQQ
ZZ UUUU YYYY
NorteBeira DouroCentroEstremaduraSul e IlhasHospitalar
AAAAMMSSPPPPVVVVZZZZ
KKAAKKKKTTRRRAAAAA
BBBBEELLLLQQQQGGGBBBBB
CCCCFFFFMMMMRRRRHHHCCCCC
DDDDGGGGNNNNSSSSQQQDDDDD
EEEEHHHHWWBBBWWWWEEEEE
IIIIIIIPPPTTTTXXXXFFFFF
IIJJJJOOOOEEECCCGGGGG
JJNNUURRDDDHHHHH
LLOOSSSFFFIIIII
KKKPPYYVVJJJJJ
LLLXXKKKKK
MMM

47) Entre os produtos que a R. promove e comercializa encontram-se os produtos ... e ..., que em 2020 representavam cerca de 50% do negócio J...;
48) Em julho de 2021 a R. foi informada que o contrato de licença para comercialização dos produtos referidos em 47), com data de término a 31 de dezembro de 2021, não iria ser renovado, pelo que a promoção e comercialização dos produtos ... e ... terminaria nessa data;
49) Nesse contexto, em 2022 e em relação ao negócio J... ocorreu uma redução do volume de negócios em 22%, em resultado do impacto negativo da perda da promoção dos produtos ... e ...;
50) Concretamente, a R. deixou de faturar cerca de 10 milhões de euros anuais, já com impacto no início do ano 2022;
51) A relevância dos valores em causa conduziu à necessidade de reponderação do modelo atualmente existente e de reorganização dos recursos alocados à atividade de promoção e venda de medicamentos;
52) Mostra-se necessária a redução da força de vendas da Empresa, sob pena de, não o fazendo, comprometer a viabilidade da R. e colocar em causa a subsistência da mesma e, consequentemente, de todos os postos de trabalho nela existentes;
53) Neste quadro de crise e perante a emergência de uma reorganização, a Empresa decidiu reestruturar-se, tendo, contudo, a preocupação de preservar o maior número de postos de trabalho possível;
54) Tendo em conta o impacto da saída dos produtos ... e ... do portfolio da B... no valor de 10 milhões de euros, a primeira medida adotada foi a redução dos custos de marketing em cerca 30%, equivalente a € 650 000;
55) Atento o contexto do mercado e do Grupo em que se insere e as alterações supra descritas na grelha promocional, a R. teve de adotar medidas, promovendo uma reorganização da sua estrutura e organização, como condição para se manter competitiva e ativa;
56) A adoção de tais medidas constitui uma condição necessária para a R. e o Grupo subsistirem e manterem a sua operação, garantindo a generalidade dos postos de trabalho;
57) Para fazer face à situação de redução da atividade, foram já adotadas pela R. diversas medidas, nomeadamente diversos acordos de revogação de contratos de trabalho, com vista a adequar a estrutura da empresa às necessidades de produção existente;
58) Face à atual situação do setor e às medidas de reorganização entretanto adotadas pelo Grupo, verifica-se existir atualmente mão-de-obra excedentária na R.;
59) A determinação das medidas de reestruturação a implementar no Grupo e, em particular, na R. foram o resultado de um trabalho de avaliação interno que teve como finalidade adequar a dimensão da R. à sua atual atividade em contexto de crise;
60) Essa reestruturação, que teve repercussões a partir de setembro de 2021, pressupõe a redução de dez colaboradores do Grupo B... e uma reorganização da equipa de chefias;
61) A Equipa de Gestão ao nível da chefia de vendas (NSM/ASM) foi reduzida de sete para seis elementos, sendo que o elemento excedentário (QQ) passou a laborar como DIM na Equipa Hospitalar;
62) Em consequência dessa alteração, a Equipa Hospitalar passou de treze para catorze elementos;
63) Em resultado da reestruturação referida, constatou-se a necessidade de reduzir: a) a equipa de Ambulatório, com 55 DIMs, para 46 DIMs; b) a equipa de assistentes comerciais, com 3 elementos, para 2;
64) A reestruturação visa a redução de dez colaboradores na totalidade, nove DIMs e uma assistente comercial;
65) Paralelamente, a B... reorganizou a área geográfica de atuação da equipa J..., de forma a otimizar a atividade desenvolvida e os custos associados;
66) Previamente a essa reestruturação, o Grupo atuava em vinte zonas/territórios distintos, que compunham a sua estrutura geográfica de vendas em Ambulatório, de acordo com o mapa vertido no art.º 79.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
67) No âmbito da reestruturação descrita, o número de regiões foi reduzido de cinco (Norte/Beira Douro/Centro/Estremadura/Sul e Ilhas) para quatro (Norte/Beira Douro/Estremadura/Sul e Ilhas), conforme resulta do mapa vertido no art.º 81.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
68) Em consequência dessa reorganização, o número de zonas/territórios passou, em Portugal Continental, de vinte para quinze;
69) Essa redução teve como consequência o alargamento geográfico de cada território/zona, tendo todas as Zonas adquirido novos concelhos/territórios Health market research (hmR);
70) Como novo mapa pretendeu-se evitar o desperdício das várias deslocações que tinham de ser realizadas pelos colaboradores na tarefa de promoção de produtos;
71) Por outro lado, a R. procurou assegurar que cada delegado passe a estar focado no seu painel médico com os seus produtos, aumentando, desta forma, o número de médicos a visitar;
72) A estrutura geográfica de vendas na Madeira e nos Açores não foi alterada;
73) Em resultado da reestruturação referida, na Região Beira Douro passaram a estar compreendidas as seguintes subáreas: a) Porto/Gaia: i. Porto; ii. Vila Nova de Gaia; iii. Espinho; iv. Santa Maria da Feira; b) Aveiro: i. Santa Maria da Feira; ii. Ovar; iii. São João da Madeira/ de Azeméis; iv. Arouca; v. Vale de Cambra; vi. Estarreja/Murtosa; vii. Sever do Vouga; viii. Albergaria-a-Velha; ix. Aveiro; x. Águeda; xi. Ílhavo; xii. Vagos; xiii. do Bairro; xiv. Anadia; xv. Cantanhede; xvi. Mealhada; xvii. Mira; c) Beira Alta: i. São João da Pesqueira/Armamar/Sernancelhe/Penedono/Tabuaço; ii. Moimenta da Beira/Vila Nova de Paiva; iii. Castro Daire/Tarouca; iv. São Pedro do Sul; v. de Frades/Vouzela; vi. Tondela; vii. Mortágua/Santa Comba Dão; viii. Penacova/Vila Nova de Poiares; ix. Carregal do Sal/Nelas; x. Tábua; xi. do Hospital; xii. Seia; xiii. Gouveia/Manteigas; xiv. Guarda; xv. Sabugal/Almeida; xvi. Viseu; xvii. Vila Nova de Foz Côa/Mêda; xviii. Trancoso; xix. Mangualde; xx. Penalva do Castelo/Sátão; xxi. Celorico da Beira/Fornos de Algodres/Aguiar da Beira; d) Centro: i. Figueira da Foz; ii. Pombal; iii. Soure; iv. Condeixa-a-Nova; v. Coimbra; vi. Montemor-o-Velho; vii. Lousã/Miranda do Corvo/Penela; viii. Figueiró dos Vinhos/Pedrógão Grande/Castanheira de Pêra; ix. Sertã/Vila de Rei; x. Proença-a-Nova/Oleiros/Vila Velha de Ródão; xi. Castelo Branco; xii. Fundão; xiii. Covilhã/Belmonte; xiv. Idanha-a-Nova/Penamacor;
74) A reorganização da Região Beira Douro, na sequência da reestruturação referida, é ilustrada pela imagem que consta do art.º 89.º do articulado motivador do despedimento, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
75) Em consequência do processo de reestruturação descrito, nos territórios em que existia excesso de mão de obra, a R. promoveu a cessação do contrato de prestação de serviços com a empresa N... para essa área, o que resultou na diminuição de cinco pessoas afetas à força de vendas, a saber: Assistente: LLLLL; DIMs: WW, LL, KK e YY;
76) Além disso, no Grupo B... foram celebrados três acordos de revogação de contrato de trabalho, com efeitos a 31 de outubro de 2021, concretamente: KKKK, trabalhadora da R.; OO, trabalhadora da C...; LLLL, trabalhador da R.;
77) Antevê-se ainda a cessação do contrato de trabalho com o DIM RR, o que será avaliado após a cessação da suspensão do respetivo contrato de trabalho;
78) Não obstante o supra referido, contata-se ainda a existência de um DIM excedentário na equipa da R. afeta à região Beira Douro, concretamente, no território de Porto/Gaia;
79) Tendo em conta a divisão territorial das linhas promocionais adotada pelo Grupo, cada área geográfica de cada região encontra-se dividida em três subáreas geográficas;
80) A manutenção desse modelo implica a redução de um DIM (responsável por uma subárea) no território Porto-Gaia, onde atualmente existem quatro (e não três) subáreas;
81) Tendo em conta a operação e o seu retorno, não é possível manter a subdivisão do território Porto/Gaia em quatro subáreas, sendo imperioso reduzir o número de subáreas a três, em coerência com o modelo adotado a nível nacional, impondo-se, assim, em face das regras de visitação existentes, a eliminação de um posto de trabalho da R. neste território;
82) Atualmente existem dois DIMs da R., EE e o A., AA, afetos à região Beira Douro, concretamente, ao território de Porto/Gaia:


TrabalhadorÁrea geográficaEmpregador
EEPorto-GaiaLab. Medinfar (R.)
AAPorto GaiaLab. Medinfar (R.)
GGGGPorto-GaiaEtifar
PPPorto-GaiaEtifar
MMMMMAveiroMedinfar - Sorológico
IIIIAveiroQuorum
PPPPAveiroEtifar
FFFFBeira AltaEtifar
JJJJBeira AltaLab. Medinfar (R.)
LLLBeira AltaQuorum
FFFCentroLab. Medinfar (R.)
NNNNNCentroMedinfar - Sorológico
EEECentroEtifar

83) Sucede que, de entre os colaboradores identificados, não se justifica a manutenção de um posto de trabalho, porquanto, atenta a alteração da grelha acima referida e o demais circunstancialismo descrito, a cobertura da zona pode ser realizada por apenas três trabalhadores, na lógica de otimização e aumento de economias de escala já mencionada;
84) Assim e já depois das ações de redução descritas, a equipa de Ambulatório mantém atualmente um posto de trabalho excedentário;
85) Depois das alterações promovidas e descritas acima, na equipa Beira Douro, no território Porto/Gaia passarão a prestar atividade como DIM os seguintes trabalhadores da R.: AA (ora A.); EE;
86) Um dos instrumentos utilizados para diferenciar os colaboradores da B...-J... é a Avaliação de Desempenho;
87) O instrumento tem como objetivo indicar as fraquezas e os pontos fortes dos colaboradores, relativos ao exercício da função;
88) A metodologia utilizada nestas avaliações é executada através do preenchimento de uma ficha própria com três momentos/etapas distintas, a saber: primeira etapa, autoavaliação do colaborador; segunda etapa, avaliação pela chefia direta; terceira etapa, “negociação” entre a chefia direta e o colaborador para fixação da nota final;
89) Os trabalhadores, incluindo o A. AA e EE, têm conhecimento dos parâmetros da avaliação efetuada;
90) A avaliação de desempenho dos colaboradores da equipa J... apresenta uma escala com cinco níveis de avaliação, a saber: supera claramente: indica que o colaborador apresenta um desempenho acima dos 110%, muito bom; supera: indica que o colaborador apresenta um desempenho entre os 105 e os 110%, bom; cumpre as expectativas: indica que o trabalhador apresenta um desempenho médio entre os 90% (Negativo) aos 105% (Positivo); a desenvolver: indica que o colaborador apresenta um desempenho fraco, entre o 0 e os 90%; insuficiente: indica que o trabalhador tem um desempenho muito fraco;
91) Em 2020 a avaliação dos trabalhadores da R. na região Porto/Gaia foi a seguinte: EE: C – Cumpre as expectativas (101.4%); AA: C – Cumpre as expetativas (95.70%);
92) Na R. não existe outro posto de trabalho disponível e compatível com a categoria profissional do A.;
93) A R. vem tentando, ao longo dos últimos meses, encontrar uma ocupação compatível com a categoria profissional do A., para garantia da manutenção do seu posto de trabalho;
94) Sucede que, terminado o ano de 2021 e decorridos já mais de quatro meses da implementação da reestruturação descrita, verifica-se que a mesma se apresenta como a mais adequada ao desenvolvimento do negócio, e, por outro lado, não surgiu nenhum posto de trabalho que o A. possa ocupar;
95) Não se verifica a existência de contratos a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
96) Os critérios de avaliação de desempenho são os mesmos para todos os trabalhadores da R.;
97) Em setembro de 2021 a R. dirigiu ao Sindicato uma comunicação, esclarecendo o âmbito e alcance das negociações encetadas com o A., referindo o seguinte: “[…] na reunião ocorrida no dia 08.09.2021 foi abordada a possibilidade de, face à reestruturação que a empresa terá que implementar, ser celebrado um acordo de revogação do contrato de trabalho tendo sido apresentada uma proposta concreta para o efeito (proposta esta escrita e entregue em mão nesse mesmo dia ao trabalhador AA). Mais, foi concedido um período de tempo para o Trabalhador AA refletir, tendo naturalmente sido dispensado da prestação efetiva de trabalho sem perda de quaisquer direitos ou regalias”;
98) Em 27 de outubro de 2021 a R. dirigiu ao Sindicato nova comunicação, esclarecendo que: “Quanto à situação laboral do trabalhador e Delegado Sindical AA, a mesma está a ser tratada e será sempre tratada de acordo com as regras legais em vigor, pelo que nenhuma preocupação deverá existir a este propósito”.

Os factos não provados:

Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:

a) Em regra, em cada zona/território referido em 66) operassem três comerciais (com exceção dos arquipélagos), como segue: a) Região Norte, coordenada pelo CRV (Chefe Regional de Vendas), designado por ASM (Area Sales Manager), HH: 1 - Alto Minho (II, AAAA e CCCC); 2 – Minho (DDDD, JJ e KK); 3 – Litoral Norte (EEEE e LL); 4 – Trás-os-Montes (III, KKK e BBBB); b) Região da Beira-Douro, coordenada pelo ASM GG: 1 – Vale do Sousa (MM, NN e GGGG); 2 – Porto-Gaia (AA, HHHH e OO); 3 – Aveiro (IIII, EE e PP); 4 – Beira Alta (LLL, JJJJ e FFFF); c) Região Centro, coordenada pelo ASM ZZ: 1 – Coimbra (PPPP, EEE); 2 – Leiria (TT, SSSS e RR); 3 – Médio Tejo (BBB, FFF e QQQQ); 4 – Oeste-Estuário (RRRR, TTTT e VV); d) Região da Estremadura, coordenada pelo ASM QQ: 1 – Linha de Vila Franca de Xira (NNNN, SS e UU); 2 – Linha de Sintra (SSS, KKKK e WW); 3 – Linha de Cascais (LLLL, PPP e YY); 4 – Margem Sul (MMMM, XX e OOOO); e) Região do Sul e Ilhas, coordenada pelo ASM UUUU: 1 – Alentejo (CCC, WWWW e GGG); 2 – Algarve (HHH, DDD e XXXX); 3 – Madeira (QQQ e VVVV); 4 – Açores (RRR);
b) As zonas referidas em 82) integrem as seguintes áreas geográficas: Porto-Gaia compreende os Concelhos do Porto, Vila Nova de Gaia, Espinho e as Freguesias norte do Concelho de Santa Maria da Feira; Aveiro compreende os Concelhos de Santa Maria da Feira (Cidade da Feira e Freguesias do sul do Concelho), Ovar, São João da Madeira, de Azeméis, Castelo de Paiva, Arouca, Vale de Cambra, Sever do Vouga, Estarreja, Murtosa, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Ílhavo, Vagos, do Bairro, Águeda, Anadia, Mealhada, Mira e Cantanhede; Beira Alta compreende os Concelhos de São João da Pesqueira, Armamar, Sernancelhe, Penedono, Tabuaço, São Pedro do Sul, Castro Daire, Tarouca, Vila Nova de Paiva, Moimenta da Beira, de Frades, Vouzela, Viseu, Mangualde, Penalva do Castelo, Sátão, Carregal do Sal, Nelas, Mortágua, Santa Comba Dão, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Aguiar da Beira, Trancoso, Vila Nova de Foz Côa, Mêda, Seia, Gouveia, Manteigas, Guarda, Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo, Sabugal, Almeida, Penacova, Vila Nova de Poiares, Tábua e do Hospital; Centro compreende os Concelhos da Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Coimbra, Lousã, Miranda do Corvo, Penela, Soure, Condeixa-a-Nova, Sertã, Vial de Rei, Proença-a-Nova, Oleiros, Vila Velha do Rodão, Covilhã, Fundão, Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor, Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande, Castanheira de Pêra, Ansião e Pombal;
c) O A., a partir de 2015, tenha sido mudado para a região do Porto;
d) O âmbito geográfico da atuação do trabalhador fosse Vila Nova de Gaia, Gondomar, Rio Tinto, Paredes, Penafiel Castelo de Paiva, São Martinho de Mouros, Resende, Cinfães, Baião, Amarante, Marco Canaveses, Lousada, Vila das Aves, Santo Tirso, Paços de Ferreira, Paredes, Trofa;
e) O A., após o ano de 2019, tenha sido mandado realizar a sua atividade num projeto novo sob a alçada do chefe TTT, numa microrregião na zona do Porto Oriental que contemplava as zonas de ..., ..., ... e ...;
f) Nessa zona a percentagem de vendas dos produtos que agora o R. iria promover e dava a conhecer fosse muito baixa em relação às médias pretendidas e esperadas, isto é, a prescrição médica não atingia os valores mínimos pretendidos pela R.;
g) De tais vendas ou percentagens de implementação nessa zona da cidade o A. não tivesse qualquer conhecimento, pois pelos seus chefes não lhe eram identificados números de penetração nessa zona, mesmo como referência;
h) O A. tivesse um plano de ação limitado a cinquenta médicos e também tivesse que desenvolver a sua atividade junto de farmácias nessa zona;
i) Antes desse novo projeto, a média de médicos que estava atribuída ao A. fosse de duzentos e dez a duzentos e cinquenta médicos;
j) Motivado por essa alteração para o novo projeto, o A. tenha tido de estudar novos produtos para dar a conhecer ao seu novo painel médico, bem como avaliar a forma de dar a conhecer esses produtos;
k) Não lhe tenham sido dadas informações sobre a hierarquia dos produtos que comercializava, pelo que o A. desconhecia o que era pretendido com a sua nova função;
l) O A. não tivesse mais nenhum trabalhador da R. que consigo fizesse parceria nesse novo projeto;
m) O A. tenha tido de iniciar e aprender novos procedimentos sobre o novo painel de médicos;
n) O A. haja deixado de poder participar nas reuniões de ciclo da empresa, pois era sempre convocado para participar nas reuniões através de email, mas logo a seguir recebia um email para desconvocar a sua presença nessa reunião pelo seu chefe TTT;
o) O A. tenha deixado de ter formação;
p) O A. não soubesse os objetivos propostos sobre os vários tipos de medicamentos, os quais eram da sua responsabilidade promover a respetiva informação;
q) A R. não lhe tenha dado a conhecer, no novo projeto, os objetivos dos seguintes medicamentos, a saber: ..., ..., ..., ..., ... e ...;
r) O A. tenha tido de promover, desde o início desse novo projeto, a identificação de todos os médicos com quem tinha de iniciar os seus novos contactos;
s) E tenha tido de fazer um levantamento de todas a Unidades de Saúde, Unidades de Cuidados de Saúde e Unidades Hospitalares para poder proceder em conformidade, e um levantamento dos horários dos médicos e das horas que lhe permitiam a sua comunicação junto deles;
t) Hajam sido diminuídos os plafonds do A. para jantares com os médicos, para os workshops a promover junto dos médicos e para os congressos médicos;
u) Na avaliação referente ao ano 2019 as respostas do A. para a sua avaliação não tenham dado entrada normal no sistema, pelo que aquele precisou de reclamar junto do seu chefe GG de que havia uma deficiência no sistema, só tendo conseguiu enviar a sua avaliação por email;
v) Na avaliação de 2020 o A. haja mostrado desacordo com a avaliação que lhe foi proposta pelo seu chefe GG, tendo este justificado que estava limitado nas avaliações que promovia, por ordens internas;
w) Com a saída do seu chefe TTT da empresa, o A. tenha sido novamente integrado numa nova equipa do Porto, com uma nova zona geográfica que abrangia o Porto, Gaia todo o concelho, e Espinho todo o concelho;
x) Na nova equipa PORTO-GAIA fizessem parte os seus colegas HHHH e OO;
y) Nessa nova zona geográfica o A. não pudesse contar com os números das vendas dos produtos também promovidos pelos colegas, sendo que tinha um menor conhecimento da zona que estava a partilhar;
z) Nessa zona geográfica a R. tivesse um menor investimento junto dos médicos;
aa) No ano de 2020 o A. tenha tido de reaprender novo painel de médicos, novos horários do painel de médicos que tinha de visitar, novos medicamentos;
bb) A R. haja mudado os medicamentos que o A. tinha de dar a conhecer aos novos médicos, pelo que o segundo tenha tido de iniciar novo estudo sobre os novos medicamentos que agora tinha que dar a conhecer;
cc) E nessa mudança o A. tivesse de promover novos medicamentos, a saber: ..., ..., ... e ... nasal;
dd) O colega EE comercializasse outros produtos, noutra zona, partilhasse a zona com outros colegas mais experientes e com mais informação da zona, com mais tempo na zona e com o mesmo painel médico há muitos anos;
ee) No decurso de 2021 a R. haja trocado novamente os seus colegas OO e HHHH;
ff) No ano de 2021 a R. tenha criado uma nova zona geográfica onde o A. haja passado a desenvolver a sua atividade com três novos colegas, EE, PP e GGGG;
gg) Pelo que tenha tido que reaprender um novo painel de médicos, novos horários dos médicos, novas Unidades de Saúde;
hh) Haja neste momento vagas para preencher nas áreas geográficas de Aveiro e Porto-Gaia;
ii) Desde 2019 que o A. tenha tentado dar seguimento à sua qualidade de delegado sindical, mas a R. nunca o haja deixado promover a sua atividade, nunca tenha colocado à sua disposição as medidas necessárias para promover a sua atividade;
jj) Sempre tenha sido necessário socorrer-se do sindicato para dar força às suas pretensões, e só após muita insistência e tempo era possível dar um pequeno passo;
kk) GGG, XX, III, KKK, KK e LLL tenham sido ou sejam trabalhadores da R.”
***
2) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
O Recorrente veio impugnar a decisão relativa à matéria de facto, pugnando pela reapreciação da matéria de facto provada sob os pontos 47), 49), 50), 51), 52), 54), 91) e 92) que, no seu entender, devem ser dados como não provados.
Na resposta ao recurso, defende a Recorrida/Ré que o recurso deve ser imediatamente rejeitado no que respeita a tal impugnação da decisão sobre a matéria de facto, uma vez que o Recorrente não dá cumprimento ao disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil (adiante CPC), ao não indicar concretamente as passagens da gravação em que se funda o recurso, limitando-se a indicar a data e hora de início e termo dos depoimentos, o que compromete gravemente o exercício do contraditório pela Recorrida e, bem assim, o exame do recurso pelo Tribunal ad quem. Também o Ministério Público considera não ser suficiente para dar cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, remeter para o depoimento de certas testemunhas que identifica com indicação do início e fim da gravação de todo o seu testemunho.
Preliminarmente, importa enquadrar os termos em que está prevista a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, já que haverá desde logo que aferir se foram observados os ónus estabelecidos pelo legislador a cargo da parte recorrente.
Vejamos.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes [in “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.
Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023 [processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator António Luís Carvalhão - acessível in www.dgsi.pt, site onde também se encontram disponíveis os restantes Acórdãos/Decisões infra a referenciar)] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».
O artigo 640.º, n.º 1, do CPC, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:
a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);
b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);
c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Por sua vez, e no que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:
a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;
b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
O citado artigo 640.º impõe, pois, um ónus rigoroso ao recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso [Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., Revista e Atualizada, Almedina, p. 157, nota (333)].
Importa consignar que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ) de 6-02-2024 [processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Nelson Borges Carneiro] e de 23-01-2024 [processo n.º 2605/20.4.L1.S1, Relator Pedro de Lima Gonçalves]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023 [processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, Relator Nelson Fernandes e no qual interveio como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Rita Romeira]. Tal entendimento é também defendido por António Santos Abrantes Geraldes, na obra citada, pág. 199.
Assim, e como também evidencia António Santos Abrantes Geraldes (obra citada pág. 200 e 201), a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):
a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];
b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];
c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.
No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023 [publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:
«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».
Como sublinha António Abrantes Geraldes, as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador (obra citada, págs. 201 e 202).
O STJ teve já oportunidade de se pronunciar sobre o artigo 640.º do CPC, em inúmeros arestos, como seja o Acórdão de 30-11-2023 (processo n.º 556/21.4T8PNF.P1.S1, Relator Manuel Capelo), que refere:
Como tem sido enunciado pela jurisprudência deste STJ - ver por todos o ac. De 29.10.2015 no processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1 in dgsi.pt – este regime consagra um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. O ónus primário é integrado pela exigência de concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas als. a), b) e c) do nº1 do citado art.640º, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. O ónus secundário traduz-se na exigência de indicação das exatas passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na al. a) do nº 2 do mesmo art. 640 tendo por finalidade facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência.
De acordo com esta delimitação entende-se que, não sendo consentida a formulação ao recorrente de um convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, deverá ter-se atenção se as eventuais irregularidades se situam no cumprimento de um ou outro ónus uma vez que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1 do referido art. 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, enquanto a falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, al. a) terá como sanção a rejeição apenas quando essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo do tribunal de recurso – vd. Abrantes Geraldes in “ Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2018, 5ª ed. , págs. 169 a 175.
A leitura interpretativa do art. 640 do CPC processa-se seguindo a ideia base de no cumprimento dos ónus, reportando sempre a um caso concreto, preferir o mérito e a substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, não esquecendo nunca que estes requisitos de forma devem ser respeitados de forma a permitirem, sem necessidade de serem completados por qualquer esforço interpretativo da responsabilidade do julgador (e do recorrido), um acesso fácil e direto ao objeto da impugnação: aos concretos factos que se impugnam; aos concretos meios de prova e razões que impunham decisão diversa; e a decisão que diversamente se protesta dever ser proferida.
Não se extraindo diretamente do enunciado do art. 640 do CPC que o recorrente quando impugne a matéria de facto tenha de replicar uma fundamentação igual ou semelhante à que deve ser observada pelo julgador nos termos do art. 607 nº4 primeira parte do CPC - que reporta à análise crítica da prova e à especificação dos fundamentos decisivos para a convicção -, a aparente inexistência desta obrigação apenas pode ser entendida como advertência para que a impugnação que realize deva ser precisa, clara e completa, de acordo com o que a lei lhe exige e a finalidade a que se destina. Deve indicar quanto a cada facto impugnado os concretos meios de prova em que baseia a sua discordância, sendo que “concreto meio de prova” no que se refere às testemunhas não é a transcrição de todo o depoimento, mas apenas o segmento decisivo e relevante quanto ao facto singular impugnado, do mesmo modo que, quanto aos documentos, não é apenas a identificação do mesmo. Podemos então ver como contrapartida à obrigação de o tribunal fazer a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), aquela outra que impende sobre o recorrente ao ter de enunciar sobre cada concreto facto os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa – não esquecendo a necessidade de o julgador perceber das alegações a análise (necessariamente crítica) que o recorrente faz não bastando reproduzir um ou outro segmento dos depoimentos.
Sendo mais ou menos exigível, segundo o caso, que o recorrente explicite a sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considere incorretamente julgados, certo é que as insuficiências, discrepâncias ou deficiências da prova produzida têm de resultar do que e como se alegue e conclua, no confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. (…)”.
Um outro aresto do STJ, paradimático nesta matéria, é o Acórdão de 19-02-2015 [processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Relator Tomé Gomes] no qual consta o seguinte:
“(…) a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.
Já no que respeita à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a sua inobservância não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respetivos suportes magnéticos, com o indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento. Acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensam o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respetivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento.
Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexatidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.
Outra problemática consiste em saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se bastará incluí-los no corpo alegatório.
Segundo certo entendimento, a lei não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC. Outro entendimento vai no sentido de que, constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC.
Nesta segunda linha de entendimento, não parece que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam figurar da síntese conclusiva, já que não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória.”.
Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente.
Analisando o recurso do Recorrente, verifica-se o seguinte:
- refere-se que o “recurso pretende ver alterada a decisão-Sentença proferida relativamente ao despedimento ser considerado lícito” – pág. 2 das alegações;
- transcrevem-se integralmente os factos provados e os factos não provados constantes da sentença recorrida (ou seja, os factos provados sob os pontos 1 a 98 e os factos não provados sob as alíneas a) a kk) – págs. 3 a 12 das alegações;
- de seguida conclui-se que não estão preenchidos os critérios presentes no artigo 368.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho – pág. 12 das alegações;
- após, percebe-se que as alegações entram na impugnação da matéria de facto, tecendo considerações no que respeita a alguns factos constantes do elenco dos factos provados, sendo certo que no meio dessas considerações relativas à matéria fáctica são também incluídas considerações jurídicas sobre o ónus de prova e os requisitos legais para a licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho – ou seja, mistura-se aqui a impugnação dos pontos da matéria de facto aí indicados com as razões da discordância quanto à decisão de fundo - págs. 13 a 16 das alegações ;
- as conclusões versam também sobre a impugnação da matéria de facto, ficando claro e delimitado pelas respetivas alíneas D) a F) quais são os concretos pontos da matéria de facto que o Recorrente entende incorretamente julgados – factos provados sob os pontos 47), 49), 50), 52), 54), 91) e 92) – e a forma como entende deverem ser julgados – deverão segundo o Recorrente ser dados como não provados – págs. 16 e 17 das alegações, referentes à formulação das conclusões do recurso.
Mostra-se, pois, cumprido o ónus quanto à indicação dos concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados - factos provados sob os pontos 47), 49), 50), 52), 54), 91) e 92) e pretende sejam reapreciados - e, bem assim, à especificação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto impugnadas – devem ser considerados não provados.
A questão é saber se o Recorrente especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, com indicação concreta quanto aos meios probatórios indicados que tenham sido gravados das passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do CPC).
Constitui facto incontornável que o Recorrente, no que respeita à prova gravada a que alude para suportar o seu entendimento de que a factualidade impugnada deveria ser dada como não provada, se limita a indicar a data e a hora de início e fim de cada depoimento, sem nunca especificar a concreta passagem da gravação da prova em causa que impõe a distinta decisão que visa, sendo ainda certo que também não procede à transcrição de qualquer excerto que considere relevante.
De facto, atente-se no que consta das alegações do Recorrente a propósito da prova gravada:
● “Pelo que tais factos [reportando-se aos factos 47) e 49)], conjugados com os documentos e depoimentos da legal representante BB e das testemunhas CC e DD, não se pode inferir que tais factos possam ser dados como provados” – pág. 13 das alegações;
● “Não resulta da prova testemunhal qualquer prova sobre o sentido ou demonstração de prejuízos ou eventual falta de vendas” [reportando-se aos sobreditos factos 47) e 49) e ainda ao facto 50)].
“E tendo em conta alguns dos depoimentos, nomeadamente:
- Do depoimento da legal representante BB, dia 20-09-2022, registado no programa Citus e em CD Início da gravação 09:54:34 / Fim da gravação: 10:55:10;
- Do depoimento de CC dia 20-09-2022, registado no programa Citius e em CD Início da gravação: 14:56:18 / Fim da gravação: 16:01:13;
- Do depoimento de DD, dia 20-09-2022, registado no programa Citius e em CD Início da gravação: 16:02:25 / Fim da gravação: 16:47:38;
Pelo que os artigos dados como provados, os artigos 47), 49), 50), 52), 54), terão que ser dados como não provados – págs. 13-14 das alegações;
Pelo que tais factos, conjugados com os documentos e depoimentos da legal representante BBedas testemunhas CC eDD, não se pode inferir que tais factos possam ser dados como provados” – pág. 14 das alegações;
O facto provado do artigo 92) não pode ser dado como provado.
Também não se aceita que tal facto tenha sido dado como provado, pois não resultou demonstrada a factualidade da sua inexistência, através das testemunhas e dos documentos. Pelo que tais factos, conjugados com os documentos e depoimentos da legal representante BB e das testemunhas CC e DD, não se pode inferir que tais factos possam ser dados como provados” – pág. 15 das alegações;
De igual modo, não pode ser dado como provado o artigo 91) pois no decurso do seu testemunho, EE, afirmou que só passou a ser trabalhador da R. no ano de 2020. (…) Pelo que o artigo 91), dos factos dados como provados, não pode ser dado como provado, pelo que terá de ser dado como não provado, tal como decorre do seu depoimento:
- Do depoimento de EE, dia 21-09-2022, registado no programa Citius e em CD Início da Gravação: 11:50.54/Fim da Gravação: 12:05:15”.
“Pelo que o artigo 91) dos factos dados como provados, não pode ser dado como provado, pelo que terá que ser dado esse facto como não provado, tal como decorre do depoimento da testemunha.” – págs. 15 e 16 das alegações.
Relembre-se, por outro lado, o que consta das conclusões do recurso no que se refere a esta matéria:
D) Reapreciação dos pontos de facto dos artigos: 47), 49), 50), 52), 54), pois que os mesmos terão que ser dados como não provados, dado que, não resultou provado dos depoimentos, acima identificados, da representante legal BB, e das duas testemunhas CC e DD que a R. no seu exercício de 2022, e logo no ano após o despedimento, tivesse prejuízos ou redução do volume do negócio de um qualquer valor efetivo e concreto, e que nos depoimentos ou em documentos não indicassem a existência de um real desequilíbrio económico-financeiro, já que a sua falta de determinação efetiva e concreta não podem configurarum motivo estrutural, para servirem dejustificaçãopara o despedimento por extinção do posto de trabalho, por violação e nos termos do artigo 359.º, n.º 2, a) e b) ex.vi artigo 367.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho;
E) Reapreciação do facto dado como provado do artigo 91) tendo em conta que a testemunha EE afirmou, no seu depoimento, acima identificado, que só passou a ser trabalhador da R. no ano de 2020, pelo que não poderia ter sido avaliado comparativamente com o R, no ano de 2020, logo terá que ser dado como não provado tal facto do artigo 92), inviabilizando assim como facto não provado, o critério do artigo 368º nº 2 al. a). do Código do trabalho para justificar o despedimento do A.;
F) Reapreciação dofactodado como provadodo artigo 92)tendo emconta que não resultou provado dos depoimentos, acima identificados, da representante legal BB, e das duas testemunhas CC e DD da demonstração que sobre o R. pendia de provar da inexistência de que não dispunha de outro lugar compatível com a categoria do trabalhador despedido por extinção do posto de trabalho, como era seu ónus, tal como se determina, nos termos do artigo 384.º, alínea a), pelo que terá que ser dado como não provado o artigo 92), dado que não poderia justificara licitude do despedimento que se operou, e de que decorrerão, por consequência, os efeitos previstos nos artigos 389.º e 390.º, do C.T. inviabilizando assim o critério para justificar o despedimento do A.” – págs. 16 e 17 das alegações, referentes à formulação das conclusões do recurso.
Daqui decorre que o Recorrente, em relação à prova gravada que aponta como relevante para a alteração da decisão pretendida, indica sempre a totalidade da gravação referente a cada depoimento no seu todo (referindo os momentos de início e fim da gravação) e não as concretas passagens da mesma, sendo ainda certo que também não transcreve a parte de tais depoimentos que considera relevante. Ou seja, o Recorrente não menciona na “fundamentação/corpo” da alegação de recurso ou nas respetivas “conclusões” (entendendo-se que seria suficiente a indicação/concretização na respetiva fundamentação), quaisquer passagens da gravação tidas como relevantes para a pretendida modificação da matéria de facto, limitando-se a indicar a totalidade da gravação dos depoimentos (início e fim) e a emitir o seu juízo conclusivo no sentido de que perante esses depoimentos os factos em causa deviam ser dados como não provados (ao invés de provados, como o foram na decisão recorrida), sendo que, e tratando-se de um procedimento facultativo, também não procede à transcrição de qualquer excerto desses depoimentos que tivesse por relevante.
O Recorrente invoca, pois, as gravações em bloco e sem proceder a qualquer transcrição (nem global, nem parcial).
Estamos perante extensos depoimentos, que abarcaram matéria bastante diversificada, sendo ainda certo que decorre da fundamentação de facto da sentença recorrida (sob o item “Convicção”) que tais depoimentos serviram para alicerçar a convicção do Tribunal a quo não só quanto à matéria dos factos provados colocados em crise pelo Recorrente como em relação a muita outra factualidade que foi considerada provada (não se olvide que no elenco dos factos provados constam 98 pontos).
A referida invocação em bloco (global) da prova gravada não corresponde ao ónus legal de indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o que nem sequer pode ter-se de algum modo por compensado com uma eventual transcrição de excertos (segmentos selecionados) relevantes.
Por outro lado, o Recorrente, em determinadas situações refere “conjugados com os documentos e depoimentos… não se pode inferir que tais factos possam ser dados como provados”, sendo certo que não especifica minimamente a que documentos constantes do processo se está a reportar…
Não especifica, pois, o Recorrente os concretos meios probatórios em termos de prova documental, ou seja, não especifica os documentos que conjugados com os depoimentos que refere conduziriam a que a matéria fáctica impugnada fosse dada como não provada.
Ora, sempre ressalvando o devido respeito por entendimento contrário, perante o descrito regime jurídico, verifica-se no caso em apreciação ostensivo desrespeito das exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na medida em que o Recorrente refere discordar do decidido, mas omite a indicação das passagens tidas por relevantes (“passagens da gravação em que se funda o seu recurso”), não especificando também os documentos que conjugados com os depoimentos impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, dificultando, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e o exame por parte do tribunal de recurso da impugnação sobre a matéria de facto.
A Recorrida isso mesmo aponta à impugnação da matéria de facto efetuada pelo Recorrente, referindo que “tal forma de alegação compromete gravemente o exercício do contraditório pela Recorrida e, bem assim, o exame do recurso pelo Tribunal ad quem, que se veriam ambos na necessidade de ouvir todos os depoimentos, de forma a confirmar se os mesmos imporiam – e não imporiam, diga-se, desde já – decisão diversa. Tal conduta, além de criticável, viola os requisitos legais que se impõem em matéria de impugnação da decisão de facto em sede de recurso”.
Não se desconhece a voz da jurisprudência que se pode dizer consolidada do STJ, de que é exemplo o Acórdão do STJ de 28-04-2016 (processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1, Relator Abrantes Geraldes) no sentido de que «é necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640 do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspetos de ordem material», cfr. ainda, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ citados por António Santos Abrantes Geraldes, in obra citada, págs. 202 a 208.
No entanto, como se evidencia no recente Acórdão do STJ de 16-01-2024 (processo n.º 818/18.8STB.E1.S1, Relator Luís Espírito Santo), tais princípios gerais de proporcionalidade e razoabilidade «têm essencialmente uma função moderadora da rigidez e do exacerbado formalismo na análise do cumprimento do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, funcionando como uma espécie de filtro de segurança do sistema, sem que, em circunstância alguma, devam servir como forma de desculpabilização, panaceia ou manto (ilimitado) de cobertura e salvaguarda de falhas ou omissões, quando é evidente o não acatamento de cada uma das obrigações processuais aí especificamente exigidas, com o inerente prejuízo para o exercício do contraditório que assiste à outra parte».
No caso, as apontadas omissões/falhas na impugação da matéria de facto (com indicação apenas do início e termo da globalidade de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos dessas declarações e depoimentos tidos pelo recorrente como relevantes para o objeto do recurso), não permitiu que a Recorrida pudesse exercer eficazmente o contraditório (como se alcança, aliás, das contra-alegações apresentadas, em que a Recorrida acaba por se limitar também a indicar o início e o termo dos depoimentos em causa, concluindo em sentido contrário da Recorrente e pela manutenção da decisão recorrida quanto a esses pontos), e dificultando extremamente (ou mesmo inviabilizando) ao tribunal de recurso a determinação dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para sustentar o invoado erro de julgamento).
Não se olvide que não havendo sequer qualquer transcrição de quaisquer excertos dos depoimentos que fossem considerados como relevantes para sustentar o recurso quanto à matéria impugnada, mesmo a audição integral dos depoimentos não permitiria ao tribunal de recurso identificar as passagens em que o Recorrente terá fundamentado o seu recurso quanto aos concretos pontos impugnados – isto porque o Recorrente não indicou/localizou quaisquer passagens, nem fez qualquer transcrição!
No presente caso, verifica-se desde logo um claro incumprimento das obrigações processuais especificamente exigidas no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2., alínea a), do CPC, a determinar a rejeição do recurso.
Com efeito, não foi cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes para fundamentar o recurso, nos termos prescritos no artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC, para além de não terem sido identificados os documentos constantes dos autos que conjugados com os depoimentos impusessem distinta decisão quanto aos pontos da matéria de facto impugnada.
Admitir um recurso quanto à impugnação da matéria de facto nestas condições (sem a indicação das razões da discordância e da relevância de determinadas passagens da gravação, com a mera remissão para a integralidade da prova – sem indicação das passagens em que funda o recurso e referência a conjugação com documentos que sequer são identificados) «equivaleria a admitir a possibilidade de uma impugnação generalizada (que se pretende evitar), sem a dedução de quaisquer argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, desse modo se abrindo a porta a recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto» [cfr. Acórdão do STJ de 19-12-2023, processo 3054/16.4T8LRA.C2.P1, Relator António Magalhães].
No sentido aqui sufragado e numa situação reconduzível à dos presentes autos decidiu inequivocamente o Acórdão do STJ de 3-10-2019 (processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, Relatora Rosa Tching), podendo ler-se a este respeito, no respetivo sumário, o seguinte:
“(…)
IV – Tendo os recorrentes indicado, nas suas alegações de recurso, apenas o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte, sem acompanhar essa indicação de qualquer transcrição dos excertos das declarações e depoimentos tidos pelos recorrentes como relevantes para o julgamento do objeto do recurso, impõe-se concluir que os recorrentes não cumpriram o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no art. 640º, nº 2, al. a), do CPC, na medida em que, nestas circunstâncias, a falta de indicação das passagens concretas de tais excertos torna extremamente difícil, quer a respetiva localização por parte do Tribunal da Relação, quer o exercício do contraditório pelos recorridos.”
Ainda no sentido da rejeição do recurso no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação similar à dos presentes autos, veja-se o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 5-03-2018 [processo n.º 1683/11.1TT.PRT.P2, Relator Rui Penha, que por sua vez intervém como 1º Adjunto no presente recurso].
Neste último Acõrdão pode ler-se o seguinte:
“(…) Resulta desta enumeração exaustiva que a recorrente indica sempre a totalidade da gravação referente a cada depoimento na sua totalidade (início e termo) e não as concretas passagens da mesma, embora transcreva a parte que considera relevante, mas que resultam com frequência em várias páginas de transcrições, para cada “quesito”.
Ou seja, no caso presente, citando o já referido acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015, perante os extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada, a omissão da indicação das passagens tidas por relevantes dificulta, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e o exame por banda do tribunal de recurso da impugnação sobre a matéria de facto.
Embora a jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal, seja bastante tolerante quanto a esta questão, também se tem entendido que a omissão da obrigação referida não pode impor ao tribunal uma tarefa manifestamente difícil, no caso quase impossível, de determinação dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento (conforme além do já citado acórdão do STJ de 19 de Fevereiro de 2015, os acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 29 de Outubro de 2015, processo 233/09.4TBVNG.G1.S1, e de 8 de Novembro de 2016, processo 2002/12.5TBBCL.G1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Efectivamente, a aceitar-se a impugnação conforme foi formulada, impunha-se que se procedesse à audição integral de todos os depoimentos das testemunhas em relação a cada um dos factos cuja decisão foi impugnada, a fim de descortinar nos mesmos as passagens concretas transcritas, assim se suprindo a incúria da recorrente, numa tarefa verdadeiramente hercúlea, sendo certo que a mesma não foi desenvolvida pela recorrida, o que não merece censura, assim ficando irremediavelmente afastada a possibilidade do contraditório da mesma, violação do contraditório que a recorrida expressamente veio alegar.
(…)
Ao indicar apenas o início e termo dos depoimentos na sua integra, a recorrente não cumpre a exigência do art. 640º, nº 2, al. a), do CPC. Essa indicação de nada vale e não tem qualquer valor processual, uma vez que já consta da acta de julgamento, ou dos documentos complementares do registo da audiência, sendo perfeitamente dispensável. O que interessa é a indicação dos concretos pontos do depoimento que possam justificar a diferente decisão. Esta é indispensável, uma vez que se impõe ao tribunal a comprovação do que consta da transcrição. Sem ela inviabiliza-se o trabalho do tribunal de recurso.”.
Em suma, no caso dos autos, dada a essencialidade da prova pessoal que se invoca expressamente [depoimentos das testemunhas e declarações de parte indicados – porquanto, aludindo-se, ainda a documentos não são estes minimamente identificados e nada se explicita quanto à sua “alegada” conjugação com os demais meios de prova] e perante o incumprimento do núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, com grave comprometimento do exercício do contraditório pela Recorrida e do exame do recurso por este Tribunal ad quem, impõe-se a total rejeição do recurso da decisão da matéria de facto alicerçado nessa alegada prova.
Sublinhe-se ainda que, ao contrário do que o Recorrente parece pressupôr na sua impugnação quanto aos factos 47), 49), 50), 52) e 54) (em matéria de prejuízos, redução de volume de negócios) de que se tratariam de factos que apenas poderiam ser demonstrados por documentos que não teriam sido juntos (v.g. prova contabilistica – a julgar pela resposta apresentada pelo Recorrente ao parecer do Ministério Público, já que em sede de recurso de impugnação da matéria de facto nem essa explicitação foi feita), o certo é que os factos em causa não estão sujeitos a prova vinculada, mormente documental.
De facto, não decorre de preceito algum que os factos em causa apenas possam ser provados documentalmente e/ou que o não possam ser por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal e declarações de parte. Estão, pois, tais factos sujeitos a qualquer meio de prova, designadamente testemunhal e/ou declarações de parte, valendo quanto a esta prova a livre convicção do julgador, sendo certo que o Mmº Juiz a fundamentou nos depoimentos das testemunhas e da legal representante da Ré que indica na motivação da decisão da matéria de facto.
Assim, e não podendo haver por parte deste Tribunal de recurso reapreciação dos meios de prova testemunhal e declarações de parte indicados (já que o Recorrente não observou nos termos sobreditos o ónus de impugnação que sobre si recaía quanto a essa prova gravada, implicando a rejeição da impugnação com esse fundamento), o certo é também que quanto aos factos que foram objeto de impugnação por parte do Recorrente [47), 49), 50), 52), 54), 91) e 92) dos factos provados] não estão em causa factos relativamente aos quais existissem regras de prova vinculada, como seja aquelas que impõem a apresentação de prova documental e, portanto, não existe no caso qualquer violação dessas regras de prova vinculada a reclamar a intervenção oficiosa da Relação para a desconsideração de qualquer um desses factos com esse fundamento.
Por último, e ainda em sede da impugnação da matéria de facto, admitindo por mera hipótese de raciocínio quanto à impugnação do ponto 91) dos factos provados que se pudesse considerar suficiente a menção pela Recorrente nas alegações que “no decurso do seu testemunho, EE, afirmou que só passou a ser trabalhador da R. no ano de 2020” “pelo que não se pode dar como provado algo que ainda não poderia ter acontecido, pois a testemunha em 2020, no início do ano, ainda não trabalhava para a R., pelo que não poderia ser comparado com o A.” – suficiência com a qual não se concede, de todo –, nunca essa linha de argumentação imporia que o facto em causa fosse dado como não provado. Atente-se que no artigo 97. da própria contestação do Recorrente o mesmo admite que na sua avaliação de 2020 foi comparado com o colega EE, referindo é que nessa avaliação “tendeu-se a comparar de forma abusiva por parte da empresa, pois foram comparadas zonas diferentes a hierarquia de produtos diferentes, período de tempo do DIM nessa zona” e, bem assim, nos artigos 98. a 100. desse mesmo articulado “e bem ainda ser comparado com colegas que se mantinham na mesma zona geográfica há vários anos”, “o que não pode ser comparável na avaliação de desempenho, dado o número de diferenças”, “pois que o seu colega EE comercializava outros produtos, outra zona, partilhava a zona com outros colegas muito mais experientes e com mais informação da zona, com mais tempo na zona e com o mesmo painel médico há muitos anos”.E, mesmo admitindo que EE apenas começou a trabalhar para a Ré no ano de 2020 – na ata da sessão de julgamento de 21-09-2022 em que foi inquirida a testemunha EE verifica-se que a mesma “aos costumes” terá dito que “é delegado de informação médica e que trabalha na empregadora desde fevereiro de 2020” e, bem assim, nos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas juntos pela própria Recorrida com o respetivo articulado motivador consta na resposta da Recorrida à ACT de 19-01-2022 e elementos juntos com essa resposta que a antiguidade de EE se reportava à data de 17-02-2020 (cfr. doc. 1- fls. 97 a 99 desse documento) -, o certo é que, como é evidente, tal não invalida que o mesmo pudesse ser avaliado em 2020 e, portanto, não pode afirmar-se que essa circunstância impusesse decisão diversa no que respeita a tal ponto da matéria de facto. Acresce que se atentarmos na fundamentação da matéria de facto em termos da temática da avaliação de desempenho dos trabalhadores da Ré, e concretamente do Autor e de EE, verifica-se que para alicerçar a sua convição o tribunal a quo não apelou tão-só ao depoimento da testemunha EE, mas também aos depoimentos da legal representante da Ré e das testemunhas CC, GG, TTT, DD, IIII e ainda ao documento que foi junto aos autos pela Ré com o respetivo articulado motivador relativamente à avaliação de desempenho do Autor e do trabalhador EE e que consta do doc. 1 junto com esse articulado a fls. 38 a 39 (a menção a processo disciplinar na fundamentação deve-se a mero lapso material, o mesmo acontecendo com a numeração das folhas aí indicada).
Por todo o exposto, haverá que atender à factualidade dada como provada em 1ª instância para saber se estão ou não verificados os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho.
***
3) Juízo sobre o mérito no que se refere ao despedimento – questão frulcral da licitude ou ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho do Autor.
Pugna o Recorrente pela revogação da sentença recorrida que declarou a licitude do despedimento, por entender que não se verificam os pressupostos legais do despedimento por extinção do posto de trabalho, violando aquela, ao ter afirmado essa verificação, os artigos 359.º, n.º 2, alíneas a) e b) ex vi artigo 367.º, n.º 2, o artigo 368.º, n.ºs 1, 2, alínea a), e 4, todos do Código do Trabalho e, bem assim, por considerar inexistir proprocionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de despedir face à necessidade de ponderar os valores constitucionais em jogo da iniciativa económica privada contra a segurança no emprego (artigos 61.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa).
Aduz, no essencial, os seguintes fundamentos:
- não cumprimento de todas as formalidades legais no despedimento, com incumprimento do disposto no artigo 369.º, n.º 1, do Código do Trabalho;
- erro na interpretação e aplicação do artigo 359.º, n.º 2, alíneas a) e b), ex vi artigo 367.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho, por a Ré não ter conseguido demonstrar a “existência de um real desequilíbrio económico financeiro” que possa configurar um motivo estrutural para o despedimento;
- violação do artigo 368.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, por a seleção do trabalhador a despedir ter assentado na aplicação ao Autor e ao trabalhador EE do critério da avaliação de desempenho, não estando preenchido o requisito da avaliação/não existência do critério da avaliação;
- erro na interpretação e aplicação do artigo 368.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 do Código do Trabalho, por não ter ficado demonstrada a inexistência de posto de trabalho disponível compatível com a categoria do Autor;
- falta de proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de despedir, assim como da racionalidade dessa medida, perante a colisão de direitos constitucionais à liberdade de iniciativa económica e ao direito ao trabalho e segurança no emprego – artigos 53.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa.
Em sentido contrário se posiciona a Recorrida, defendendo o acerto da decisão do Tribunal a quo e a respetiva confirmação, no que é acompanhada pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu.
Vejamos então.
3.1. Enquadramento atinente ao regime jurídico aplicável
Considerando que o despedimento se consumou em 26-04-2022 (num procedimento iniciado em janeiro de 2022), a questão em análise terá que ser apreciada à luz do Código de Trabalho de 2009 [diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso], aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro de 2009, e com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 23/2012 de 25 de junho, 27/2014 de 8 de maio e 93/2019 de 4 de setembro nos artigos que relevam para o caso – cfr. artigo 7º, nº 1, da citada Lei nº 7/2009.
O regime jurídico do despedimento por extinção do posto de trabalho consta dos artigos 367.º a 372.º.
O artigo 367.º, n.º 1, considera “despedimento por extinção do posto de trabalho a cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”.
De acordo com o nº 2 desse mesmo normativo, “entende-se por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos os como tal referidos no nº 2 do artigo 359º”.
Nos termos do artigo n.º 2 do artigo 359.º, consideram-se, nomeadamente:
“a) Motivos de mercado – redução da atividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais – desequilíbrio económico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos – alterações nas técnicas ou processo de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.
Por força do n.º 1 do artigo 368.º o despedimento por extinção do posto de trabalho só pode ter lugar desde que (cumulativamente) se verifiquem os seguintes requisitos:
a) Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b) Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento coletivo.”
Por sua vez, face ao disposto no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, haverá também que atender que “[h]avendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, a decisão do empregador deve observar, por referência aos respetivos titulares, a seguinte ordem de critérios relevantes e não discriminatórios: a) Pior avaliação de desempenho, com parâmetros previamente conhecidos pelo trabalhador; b) Menores habilitações académicas e profissionais; c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa; d) Menor experiência na função; e) Menor antiguidade na empresa.
Acresce que, como decorre do n.º 4 do mesmo preceito, “[p]ara efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador.”
O despedimento por extinção do posto de trabalho está ainda sujeito a um procedimento, regulado nos artigos 369.º a 371.º, em que se insere, desde logo, a necessidade de cumprimento do n.º 1 do artigo 369.º - “No caso do despedimento por extinção do posto de trabalho, o empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva: a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita; b) A necessidade de despedir o trabalhador afecto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional; c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir” – para efeitos do disposto no artigo 370.º
Sobre o juízo de (i)licitude do despedimento, constando do artigo 381.º a menção às causas gerais (aplicáveis a todas as causas de despedimento) geradoras da ilicitude do despedimento - “a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; c) Se não for precedido do respetivo procedimento; d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres” -, prevê ainda expressamente o artigo 384.º que o despedimento por despedimento por extinção do posto de trabalho é ainda ilícito se o empregador: “a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º; b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º; c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º; d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho.”.
Prevê o n.º 3 do artigo 387.º que na ação de apreciação judicial de despedimento o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.
Revisitada a lei aplicável ao caso, importa ter presente que o despedimento por extinção de posto de trabalho se traduz num despedimento individual fundado em motivo de natureza não disciplinar. Está em causa um despedimento fundado em causas objetivas.
Por outro lado, conforme entendimento sedimentado na jurisprudência, máxime do STJ, a legalidade do despedimento terá de ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao julgador unicamente verificar a exatidão ou veracidade dos motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos que foram invocados e a existência de um nexo causal entre esses motivos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que aqueles eram idóneos a justificá-lo [nesse sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ de 06-04-2017 (processo n.º 1950/14.2TTLSB.L1, Relator Ferreira Pinto), de 17-03-2022 (processo n.º 333/10.8TTLRS.L2.S2, Relatora Paula Sá Fernandes) e de 2-11-2022 (processo n.º 10764/18.0T8SNT.L2.S1, Relator Mário Belo Morgado); no mesmo sentido, veja-se o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2018 (processo n.º 512/17.7.T8VFR.P1, Relator Nelson Fernandes)].
Como se dá nota neste último Acórdão, “[i]mpendendo assim sobre o tribunal o dever de proceder ao controlo da veracidade dos motivos invocados em concreto pelo empregador para o despedimento e ainda de verificar se existe ou não afinal nexo de causalidade entre esses motivos e o despedimento, de tal modo que possa assim concluir, com base em juízos de razoabilidade, se esses motivos eram ou não adequados a justificar o despedimento, daí não resulta, porém, como aliás se dá nota na decisão recorrida, que nessa verificação se incluam as decisões técnico-económicas ou gestionárias que estejam a montante da extinção do posto de trabalho, por estarem aquelas a coberto da liberdade de iniciativa que assiste ao empregador. Dito de outro modo, não compete ao julgador (Tribunal), substituindo-se à entidade empregadora, envergando as vestes de gestor, impor àquela a decisão que, na sua perspetiva (seguindo os seus critérios pessoais) deveria ter sido tomada em termos empresariais, existindo antes, diversamente, sem prejuízo de se impor concluir de acordo com um juizo de equidade pela verificação de uma motivação clara e portanto sustentável – ainda, salvaguardando casos de gestão absolutamente inadimissível/grosseiramente errónea, por forma a evitar despedimentos patentamente arbitrários ou fundados em motivos manifestamente falsos ou inconsistentes -, tal como é salientado pela doutrina e jurisprudência, uma ampla margem de decisão, consentida ao empregador, que assume afinal os riscos, suportando também os encargos, da sua empresa [18]”. [Atente-se que na nota de rodapé [18] deste Acórdão estão referenciados Bernardo Xavier, “O regime dos despedimentos coletivos e as modificações introduzidas pela Lei n.º 32/99 de 18/05”, in Estudos do IDT, vol. I, Alm., pág. 409; Mário Pinto e Furtado Martins (“Despedimentos coletivos: liberdade e empresa e ação administrativa”, in RDES, ano XXXV, n.ºs 1-2-3-4, Jan.-Dez. 1993, págs. 38 e ss), Maria do Rosário Palma (“Direito do Trabalho”, Parte II – Situações laborais individuais, Coimbra, 2006, p. 884) e Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 15ª edição, pás. 628-629)]. Continua o citado Acórdão da Relação do Porto, apelando por sua vez ao Acórdão do STJ de 19-11-2015 e com base nos ensinamentos de Monteiro Fernandes, expondo: «(…), a apreciação da justa causa incidirá “no nexo sequencial estabelecido entre a extinção do posto de trabalho e a decisão de extinguir o contrato, tendo de permeio o insucesso de diligências tendentes à recolocação do trabalhador”, sendo “em relação a esse nexo e a cada um dos seus elementos que deve fazer-se a verificação dos requisitos fundamentais do artigo 368º/1, em especial a da impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho”. Ou seja, em suma, como se afirma mais à frente no mesmo Aresto, “não deve o julgador, na apreciação dos factos, desrespeitar os critérios de gestão da empresa (na medida em que sejam razoáveis e consequentes), não lhe competindo substituir-se ao empregador e vir a concluir pela improcedência do despedimento, por entender que deveriam ter sido outras as medidas a tomar perante os motivos económicos invocados”, o que não invalida, como se adiante mais à frente, o dever “que incumbe ao tribunal relativamente quer ao controlo da veracidade dos motivos invocados para o despedimento, quer à verificação quanto à existência de nexo de causalidade entre os motivos invocados pelo empregador e o despedimento, de modo a que se possa concluir, segundo juízos de razoabilidade, que tais motivos são adequados a justificar a decisão de redução de pessoal.”
Por outro lado, ainda, sublinhe-se que os critérios de seleção estabelecidos no n.º 2 do artigo 368.º, como decorre sem margem para dúvidas do preceito, são sucessivos e hierarquizados, existindo “uma ordem legal de precedência para o despedimento” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 550], isto é, só é aplicável o critério seguinte se o anterior não se verificar ou se os trabalhadores visados reunirem os mesmo requisitos relativamente a esse critério [Acórdão do STJ de 13-10-2016, processo n.º 314/15.5T8BRR.L1.S1, Relator Ribeiro Cardoso].
Por último, conforme entendimento pacífico na jurisprudência incumbe ao trabalhador alegar e provar a relação laboral e o despedimento, recaindo por seu turno sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos desse despedimento que se consideram suscetíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho, estando o tribunal adstrito aos factos que foram invocados pelo empregador no procedimento como motivadores da extinção do posto de trabalho.
*
3.2. Isto posto, importa agora incidir a análise sobre o caso dos autos, tendo em conta as questões suscitadas pelo Recorrente no recurso apresentado, visando a pretendida revogação da sentença recorrida e declaração de ilicitude do respetivo despedimento.
3.2.1. Assim, e vistas as conclusões do recurso, verifica-se que o Recorrente na conclusão B) afirma que “[n]ão foi cumprido o disposto no n.º 1 do art. 369.º, n.º 1, pelo que o despedimento da Requerente, por extinção do seu posto de trabalho, foi ilícito, por não cumpridas todas as formalidades no despedimento”.
O Recorrente limita-se a fazer esta afirmação meramente conclusiva no segmento das conclusões, sendo certo que lidas as alegações de recurso constata-se que não adianta qualquer razão/fundamento jurídico, ou sequer linha argumentativa que de algum modo a sustente.
O artigo 369.º, n.º 1, reporta-se ao procedimento a que está sujeito o despedimento por extinção do posto de trabalho, prevendo as comunicações escritas que têm que ser efetuadas pelo empregador nos termos já transcritos supra, sendo que o artigo 384.º, alínea c), estabelece que tal despedimento é ilícito se o empregador não tiver feito essas comunicações.
A sentença recorrida considerou que mostrava preenchido o pressuposto de índole formal da validade do despedimento por extinção do posto de trabalho no que respeita às comunicações a que alude o artigo 369.º do Código do Trabalho.
Nessa matéria lê-se na decisão recorrida o seguinte:
«No que concerne às comunicações a que alude o art.º 369.º do C. do Trabalho, o A. alega que à comunicação a si dirigida pela R. faltaram três anexos. No entanto, não especifica minimamente a que anexos se refere, sendo certo que não provou a falta dos mesmos. Ainda que assim não fosse, diremos que acompanhamos aqui as palavras de Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 2017, págs. 369 a 370): “Na decisão final deve-se explicar os elementos relevantes para aferir do cumprimento do critério utilizado: por exemplo, deve identificar-se que trabalhadores foram tidos em consideração e os resultados da avaliação ou, tendo-se utilizado o segundo factor de escolha (artigo 368.º, 2, b)), as habilitações de cada um dos trabalhadores em causa. Mas já não nos parece razoável exigir que se juntem ao processo os documentos ou outros elementos probatórios que comprovem os dados indicados pelo empregador. Naturalmente, em caso de impugnação do despedimento, o empregador poderá ter de fazer essa demonstração.”
(…)
No caso presente verifica-se que os motivos pelos quais a R. concluiu pela necessidade da extinção do posto de trabalho do A. foram concreta e exaustivamente enunciados, quer na primeira comunicação que foi feita ao A. em 7 de janeiro de 2022, quer na decisão final proferida.».
Concorda-se com estas considerações expendidas na sentença, sendo ainda certo que perante a matéria de facto provada sob os pontos 1) a 12) e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas a que aludem os artigos 98.º-J e 98.º-I do Código de Processo do Trabalho juntos pela Empregadora/Recorrida com o respetivo articulado motivador (constantes do documento 1 junto com o referido articulado), é de concluir que a Empregadora/Recorrida deu cumprimento ao formalismo previsto no artigo 369.º, n.º 1.
Ademais, como se disse, no recurso não é partilhado o motivo pelo qual se afirma que não foi cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 369.º, n.º 1.
Ora, como é commumente afirmado e se dá conta no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 30-10-2023 [processo n.º 284/21.0T8AVR.p1, Relator Nelson Fernandes], «impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC)».
Nada disso fez o Recorrente na matéria em análise.
Por decorrência do exposto, e sem necessidade de outras considerações, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso.
3.2.2. Invoca ainda o Recorrente erro na interpretação e aplicação do artigo 359.º, n.º 2, alíneas a) e b), ex vi artigo 367.º, n.º 2, ambos do Código do Trabalho, por a Ré não ter conseguido demonstrar a “existência de um real desequilíbrio económico financeiro” que possa configurar um motivo estrutural para o despedimento – conclusões A) e B).
Refira-se que este fundamento do recurso estava desde logo intrinsecamente ligado à impugnação da matéria de facto, particularmente à pretendida alteração para factualidade não provada dos pontos 47), 49), 50), 52) e 54) dos factos provados, alteração que não ocorreu como resulta do atrás decidido.
Na sentença recorrida, a propósito da subsistência dos motivos invocados para o despedimento, foi referido o seguinte:
«(…) Por outro lado, consideramos, face à matéria de facto tida por assente, que os motivos invocados são subsistentes. Realmente, provou-se, com relevo, o seguinte: a R. está integrada num grupo empresarial, denominado Grupo B..., do qual também fazem parte outras sete sociedades comerciais juridicamente autónomas daquela. Em dezembro de 2020 a R. adquiriu a unidade de negócio L..., o que levou a que tivessem transitado para a aqui entidade empregadora quarenta e quatro trabalhadores até então afetos àquela unidade de negócio. A R. passou, então, a contar com um universo de noventa trabalhadores (setenta e dois DIM’s e dezoito elementos da Equipa de Gestão), excessivo relativamente às necessidades da empresa e do Grupo. Não obstante os recursos humanos estarem acima das necessidades, a R. procurou manter todos os postos de trabalho e lançou mão de revogações e de uma denúncia de contratos de trabalho, ficando reduzida a um total de oitenta e seis trabalhadores. Em abril de 2021 foi decidido juntar as duas equipas (a B...-J... e a L...) numa só – incluindo na área das vendas –, no sentido de criar sinergias entre os portefólios das duas unidades de negócio, concretamente no que toca à visitação de clientes e à reestruturação/otimização dos custos. Não obstante a descrita reorganização tendente à contenção de custos e à otimização de procedimentos com vista à manutenção de todos os postos de trabalho, a R., por comunicação escrita que lhe foi dirigida em julho de 2021, ficou a saber que, com efeitos a partir de 31 de dezembro de 2021, deixaria, como deixou, de poder promover e comercializar dois produtos que em 2020 representavam cerca de cinquenta por cento do negócio J..., o que, a partir do ano de 2022, inclusive, acarretou uma quebra de faturação na ordem dos dez milhões de euros anuais. A relevância deste valor conduziu à necessidade de reponderação do modelo atualmente existente e de reorganização dos recursos alocados à atividade de promoção e venda de medicamentos, mostrando-se necessária a redução da força de vendas da empresa, sob pena de, não o fazendo, comprometer a viabilidade da R. e colocar em causa a subsistência da mesma e, consequentemente, de todos os postos de trabalho nela existentes. Neste quadro de crise e perante a emergência de uma reorganização, a empresa decidiu reestruturar-se, tendo, contudo, a preocupação de preservar o maior número de postos de trabalho possível. Para o efeito e como primeira medida de contenção, a R. reduziu os custos de marketing em cerca de trinta por cento, o equivalente a seiscentos e cinquenta mil euros. A acrescer, firmou diversos acordos de revogação de contratos de trabalho, com vista a adequar a estrutura da empresa às necessidades de produção existente. Não tendo sido estas medidas suficientes, a R., após realizar uma avaliação interna, teve de se reestruturar, o que pressupôs a redução de dez colaboradores (nove DIM’s e um assistente comercial). A apontada reestruturação também teve de passar por uma reorganização da área geográfica de atuação da equipa J... (com redução do número de zonas de intervenção de vinte para quinze e o alargamento geográfico destas últimas), de forma a otimizar a atividade desenvolvida e os custos associados. Por outro lado e nos territórios em que existia excesso de mão-de-obra, a R. promoveu a cessação do contrato de prestação de serviço que tinha com a empresa N.... Apesar desta cessação contratual e de entretanto terem sido firmados mais três acordos de revogação de contratos de trabalho, constata-se ainda a existência de um DIM excedentário na equipa da R. afeta à região Beira Douro, mais concretamente no território de Porto/Gaia. Tendo em conta a divisão territorial das linhas promocionais adotada pelo Grupo, cada área geográfica de cada região encontra-se dividida em três subáreas geográficas. A manutenção desse modelo implica a redução de um DIM (responsável por uma subárea) no território Porto/Gaia, onde atualmente existem quatro (e não três) subáreas. Tendo em conta a operação e o seu retorno, não é possível manter a subdivisão do território Porto/Gaia em quatro subáreas, sendo imperioso reduzir o número de subáreas a três, em coerência com o modelo adotado a nível nacional, impondo-se, assim, em face das regras de visitação existentes, a eliminação de um posto de trabalho da R. neste território. Sem olvidar que de entre os colaboradores identificados (quais sejam e por referência à área geográfica Porto/Gaia, os DIM’s EE, o A., GGGG e PP, estes dois últimos trabalhadores da C..., Ld.ª), não se justifica a manutenção de um posto de trabalho, porquanto, atenta a alteração da grelha acima referida e o demais circunstancialismo descrito, a cobertura da zona pode ser realizada por apenas três trabalhadores, na lógica de otimização e aumento de economias de escala já mencionada.
Vistas as considerações factuais tecidas no parágrafo que imediatamente antecede, conclui-se que ocorre fundamento para o despedimento por extinção do posto de trabalho (art.º 359.º n.º 2 b), aplicável por força do disposto no art.º 367.º n.º 2, ambos do C. do Trabalho).».
Este segmento da sentença contém um sumário da matéria de facto provada relevante nesta matéria, resultando inequivocamente da matéria de facto provada (cfr. máxime os pontos 20 a 84) que a necessidade da extinção do posto de trabalho se deveu a uma modificação estrutural (artigo 359.º, n.º 2, alínea b)), enquanto reestruturação da organização produtiva. As razões económicas subjacentes resultam, com clareza dos factos provados (cfr. nomeadamente os pontos 47) a 56), 65), 70), 71), 81), 83)). Resultou provada a perda de dois produtos com uma significativa relevância na estrutura de vendas da Empregadora/Recorrida, com um impacto negativo de cerca de 10 milhões de euros anuais na sua faturação, o que tornou necessário o reajustamento da estrutura à nova realidade. A reestruturação promovida mostrou-se necessária em face da absorção de uma outra estrutura e da perda de produtos relevantes para a organização, com implicações negativas ao nível da redução do volume de negócios e da facturação. Depois dessa reestruturação da organização produtiva e da implementação de outras medidas no sentido de redução de mão de obra, constatou-se ainda a existência de um posto de trabalho excedentário na equipa da Ré afecta à região Beira Douro e concretamente no território Porto-Gaia, tendo em conta a operação e o seu retorno e o facto de ser necessário reduzir o número de subáreas nesse território a três, em coerência com o modelo adotado a nível nacional (cfr. pontos 78) a 81) dos factos provados que também não foram impugnados pelo Recorrente).
Importa relembrar que a decisão de reetruturação empresarial que implique extinção de posto de trabalho é uma decisão de gestão que os tribunais podem sindicar em termos muito limitados, no sentido de que a legalidade do despedimento terá de ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo ao julgador unicamente verificar a exatidão ou veracidade dos motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais que foram invocados e a existência de nexo causal entre esses motivos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir que aqueles eram idóneos a justificar a decisão de extinção do posto de trabalho.
No caso, a Recorrida provou os factos que fundamentaram a sua decisão de gestão, decorrendo ainda da factualidade apurada que os critérios de gestão observados são razoáveis e consequentes em termos de racionalidade económica, encontrando a medida de gestão tomada justificação no processo de reestruturação organizacional operado no âmbito da empresa e do próprio grupo de empresas em que se integra e, bem assim, verifica-se um nexo causal entre os motivos invocados para a reestruturação operada e a extinção do posto de trabalho e aquela reestruturação é apta a justificar esta extinção.
Em suma, da factualidade apurada decorre por forma inequívoca que a cessação do contrato de trabalho promovida pela Empregadora foi fundamentada na extinção do posto de trabalho e, por sua vez, esta extinção deveu-se a motivos estruturais, integráveis na alínea b) do n.º 2 do artigo 359.º, aplicável ex vi artigo 367.º, n.º 2, e não a qualquer conduta culposa do empregador ou do trabalhador (cfr. artigo 368.º, n.º 1, alínea a)).
Improcedem assim, nesta parte, as conclusões do recurso.
3.2.3. – Invoca ainda o recorrente violação do artigo 368.º, n.º 2, e especificamente do n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, por a seleção do trabalhador a despedir ter assentado na aplicação ao Autor e ao trabalhador EE do critério da avaliação de desempenho, não estando preenchido o requisito da avaliação/não existência do critério da avaliação (cfr. conclusões A), C) e E)).
Este fundamento do recurso estava assente no pressuposto de que a matéria constante do ponto 91) [Em 2020 a avaliação dos trabalhadores da R. na região Porto/Gaia foi a seguinte: EE: C- Cumpre as expectativas (101,4%); AA: C – Cumpre as expectativas (95,70%)] fosse dada como não provada, o que, como decorre do decidido supra, não se verificou.
De facto, se atentarmos na argumentação constante das alegações, a mesma assenta na circunstância de, não se provando esse facto, inexistia o critério da avaliação para justificar o despedimento do Recorrente.
No entanto, esse ponto 91) mostra-se provado, o mesmo acontecendo com a factualidade contida nos pontos 78) a 90.
Perante tal factualidade, forçoso é concluir pela existência e verificação do critério de avaliação de desempenho a que alude o artigo 368.º, n.º 2, alínea a), primeiro dos critérios de seleção sucessivos e hierarquizados previsto no artigo 368.º, n.º 2.
Tal critério foi o aplicado pela Empregadora e nenhuma censura pode também ser feita no que respeita à sua aplicação.
A Empregadora tinha que circunscrever a seleção aos seus trabalhadores na “secção ou estrutura equivalente” – no caso, na equipa da Ré afeta à região Beira-Douro, concretamente, no território Porto/Gaia, na qual, por força da reestruturação da organização produtiva operada, se verificava a existência de um posto de trabalho de DIM excedentário – cfr. pontos 78) a 85) dos factos provados que nem sequer foram impugnados pelo Recorrente. E impunha-se à Empregadora que tal seleção, de entre os Delegados de Informação Médica ao seu serviço no território Porto-Gaia – precisamente, o Recorrente e EE – fosse feita de acordo com a ordem sucessiva e hierarquizada de critérios do artigo 368.º, n.º 2, devendo ser aplicado, em primeiro lugar o critério da avaliação de desempenho, como sucedeu, tendo em conta que existia na empresa um sistema de avaliação de desempenho com parâmetros uniformes, conhecidos dos trabalhadores, que compreende várias fases, incluindo a participação dos avaliados – cfr. pontos 86) a 90) e 96) dos factos provados que também não foram sequer impugnados pelo Recorrente. Da aplicação de tal critério, e tendo o Recorrente tido pior avaliação de desempenho do que EE – cfr. ponto 91) dos factos provados – foi o trabalhador selecionado.
O que o Recorrente aduz nas conclusões C) e D), não tem, pois, respaldo na decisão da matéria de facto provada.
Por outro lado, não passou despercebido a este Tribunal, que o Recorrente, a dado passo das suas alegações, afirma:
A aplicação do artigo 368.º, n.º 2, do CT, requer a demonstração fáctica prévia da identidade dos contéudos funcionais da pluralidade de postos de trabalho existentes, no presente caso, nas várias sociedades que constituíam o grupo B....
Sucede que no presente caso todos os trabalhadores são de categoria profissional idêntica e estão em toda a estrutura organizativa do grupo, logo não se provou a estrutura organizativa de cada uma das outras sociedades do grupo B..., da qual a Ré é só uma das sociedades”.
O Recorrente não o diz claramente (e inequivocamente não o faz nas conclusões do recurso), mas parece nas alegações querer sustentar que a ordem dos critérios de seleção do trabalhador a despedir deveria ter sido feita também por referência a todas as empresas que constituíam o Grupo B... e por reporte a todos os trabalhadores que compunham a estrutura organizativa do mesmo Grupo.
Se for essa de facto a intenção do Recorrente (e já sem entrarmos nas questões atinentes à novidade da questão e ao facto de não figurar nas conclusões do recurso), o certo é que essa linha de argumentação também está votada ao insucesso.
A despeito da Recorrida se enquadrar num grupo de empresas, a referência expressa ao empregador no texto legal (artigo 368.º, n.º 2) torna claro que o legislador se quer reportar à pessoa jurídica com quem o trabalhador estabeleceu o vínculo laboral. Não resulta da lei a obrigatoriedade de uma empresa em relação de grupo proceder à comparação do trabalhador a despedir com os trabalhadores das demais empresas que compõem o grupo, que não são seus trabalhadores [neste sentido, veja-se o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023, processo n.º 9990/19.9T8PRT.P1, Relatora Paula Leal de Carvalho]
Sublinhe-se que no caso não foi invocada, nem aliás, se prefigura nos autos qualquer situação de pluralidade de empregadores, nem a justificar a desconsideração da personalidade jurídica da Empregadora.
Improcedem, assim, e também nesta parte, as conclusões do recurso.
3.2.4. – O Recorrente invoca erro na interpretação e aplicação do artigo 368.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4 do Código do Trabalho, por não ter ficado demonstrada a inexistência de posto de trabalho disponível compatível com a categoria do Autor;
Este fundamento do recurso estava ligado à impugnação da matéria de facto, concretamente no que se refere à pretendida alteração para não provado da matéria vertida sob o ponto 92), no que o Recorrente, como se viu, não teve sucesso.
Assim, e perante a matéria que resultou provada sob os pontos 92) a 94), inexiste qualquer violação do disposto nos citados artigos, tendo sido demonstrado pela Empregadora não existir outro posto de trabalho disponível e compatível com a categoria profissional do Recorrente.
Também nesta sede, do requisito seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, ao contrário do que parece sustentar o Recorrente (ao afirmar nas alegações de recurso que não pode aceitar que tenha sido demonstrado esse requisito «(…) tendo em conta que todos os trabalhadores têm o mesmo tipo de categoria e que não foram comparáveis em qualquer critério dentro do grupo a que a R. pertence, mas sim só um trabalhador do grupo serviu de critério de valorização»), a respetiva apreciação ocorre no plano concreto do contrato de trabalho que vincula o trabalhador e o empregador (pessoa jurídica a que o mesmo se vinculou). Também aqui a referência expressa ao empregador no texto legal torna claro que o legislador se quis reportar à pessoa jurídica com quem o trabalhador estabeleceu o vínculo contratual laboral – “uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador” - negrito e sublinhado nossos.
Considera-se, pois, que a avaliação da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, por não dispor o empregador de posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador, está circunscrita à estrutura empresarial do empregador, ainda que este esteja inserido num grupo de empresas [Neste sentido, veja-se: o citado Acórdão desta Secção de 17-04-2023 e os Acórdãos do STJ de 29-10-2013 (processo n.º 298/07.3TTPRT.P3.S1, Relator Mário Belo Morgado) e de 30-03-2022 (processo n.º 9989/19.5T8PRT.P1, Relator Júlio Gomes – ao salientar que o grupo não é o empregador); Maria do Rosário Palma , in Grupos Empresariais e Societários, Incidências Laborais, Almedina, págs. 604 e seguintes].
Como se disse supra, não foi invocada, nem se prefigura nos autos qualquer situação de pluralidade de empregadores, nem a justificar a desconsideração da personalidade jurídica da Empregadora.
Em conclusão, no caso em apreço, perante a matéria de facto provada, terá de considerar-se comprovada a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho.
Termos em que são também improcedentes, nesta parte, as conclusões de recurso.
3.2.5. O Recorrente invoca também para defender a ilicitude do despedimento a falta de proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de despedir, assim como da racionalidade dessa medida, perante a colisão de direitos constitucionais à liberdade de iniciativa económica e ao direito ao trabalho e segurança no emprego – artigos 53.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - cfr. conclusão G).
Dispõe o artigo 53.º da CRP que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos politicos e ideológicos.
Decorre do artigo 61.º, n.º 1, da CRP, que a iniciatia económica privada se exerce livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
O despedimento por extinção do posto de trabalho, como já acima se referiu, consubstancia uma forma de cessação do contrato de trabalho fundado em causas objetivas.
Como se assinala no citado Acórdão desta Secção de 17-04-2023, «[a] questão da constitucionalidade do mencionado tipo de despedimento, por justa causa objetiva, está desde há muito ultrapassada.
Com efeito, e como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional 602/2013 de 24-10-2013 [que se pronunciou sobre a (in)constitucionalidade do art. 368º, nºs 2 e 4, do CT, na redação da então Lei n.º 23/2012, de 25 de fevereiro e que veio a ser substituído pela redação da Lei 27/2014, de 08.05] na densificação do conceito constitucional de justa causa, o Tribunal Constitucional tem entendido, desde o Acórdão n.º 64/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 11 de abril de 1991) - este aresto inverteu o entendimento mais restritivo que havia sido vertido no Acórdão n.º 107/88 -, que tal conceito "é suscetível de cobrir factos, situações ou circunstâncias objetivas, não se limitando à noção de justa causa disciplinar". [sublinhado nosso].
Isto é, verificados que sejam os requisitos legais do despedimento por extinção do posto de trabalho, o mesmo é dizer, com justa causa objetiva, não viola ele os mencionados preceitos constitucionais de segurança no emprego e que proíbem o despedimento sem justa causa, não havendo, por consequência, que dar primazia ao direito à segurança no emprego em detrimento do direito de proceder ao despedimento.».
No caso, em apreço, face às considerações já anteriormente tecidas, resulta inequívoco que o despedimento se ficou a dever a uma justa causa objetiva, resultando da factualidade apurada a veracidade e exatidão dos motivos estruturais invocados, o nexo causal entre esses motivos e o despedimento e, bem assim, a proporcionalidade e racionalidade entre a motivação apresentada e subsistente e o despedimento.
Mostram-se, pois, verificados os pressupostos de licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho.
São, pois, também nesta parte, e sem necessidade de considerações adicionais, improcedentes as conclusões do recurso.
3.2.6. Por último, importa dizer que nenhuma censura se impõe fazer ao juízo efetuado na decisão recorrida no sentido da licitude do despedimento do Recorrente por extinção do posto de trabalho.
Na verdade, nos autos ficou comprovada a veracidade e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento, que não se ficou a dever a conduta culposa da empregadora ou do trabalhador, tendo sido cumpridos os requisitos substantivos e procedimentais aplicáveis. A extinção do posto de trabalho do Recorrente, decorre, pois, de razões de natureza objetiva, essencialmente de natureza conjuntural e estrutural, inerentes à evolução da atividade da Recorrida e com razões económicas subjacentes que conduziram à necessidade de reestruturação da organização produtiva implementada, conforme decorre detalhadamente da matéria de facto provada (artigos 367.º e 368.º, n.º 1, alínea a)). Para além disso, verificam-se os requisitos previstos no artigo 368.º, n.º 1, alíneas b) a d), foi observado e cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 368.º e foi posta à disposição do Recorrente, em tempo, a compensação legal e demais créditos vencidos ou exigíveis para efeitos do n.º 5 do mesmo normativo (esta última questão quanto à compensação foi, aliás, decidida na decisão recorrida e não foi colocada em crise no presente recurso).
Assim, e tendo em consideração o demais particularizado a propósito das questões/fundamentos de recurso invocados pelo Recorrente, impõe-se concluir tal como a sentença recorrida no sentido da licitude do despedimento do Autor por extinção do posto de trabalho.
Improcede, pois, a apelação.
Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do recurso ficam a cargo do Recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
*
IV – Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da Recorrente.
Notifique e registe.
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 4 de março de 2024
Germana Ferreira Lopes
Rui Penha
Rita Moreira