Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3135/05.0TVLSB.L1-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Quando o TOC informa o cliente a quem presta serviço sobre qual o regime tributário que deve ser seguido, está a exercer uma actividade que se integra dentro das suas funções, quer a prevista na al. a) do nº 1 do art. 6º do ECTOC, quer a de consultadoria prevista na al. a) do nº 2 do mencionado artigo, não as extravasando, para as quais tem qualificação técnica e profissional, não invadindo as actividades de outros profissionais, não estando em causa uma actividade meramente facultativa ou contratual, mas legal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

A A… intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros …, S.A., pedindo que se condene a R. a considerar incluídos no “Âmbito de Cobertura” do seguro de responsabilidade civil profissional contratado com a A. os danos patrimoniais causados a clientes dos segurados (associados da A.) por os segurados não os terem alertado para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
A A., nos termos do seu Estatuto, subscreveu, em 7.11.2000, com a R. um seguro de responsabilidade civil profissional, de acordo com o qual, a A. era a tomadora do seguro e os segurados os TOC nela inscritos obrigados a subscrever “um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de valor nunca inferior a 50.000”.
O contrato tinha por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, na qualidade ou exercício da actividade de TOC, cobrindo, entre outras, as indemnizações que legalmente sejam exigidas ao segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes ou terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de TOC.
A A. teve conhecimento que a R., depois de ter indemnizado diversos sinistros a ela participados por TOCs, por causa do não exercício atempado por clientes daqueles da opção pelo regime geral de tributação em sede de IRC, se tem recusado a fazê-lo alegando que, após uma reapreciação técnico-jurídica, concluiu não terem enquadramento nas coberturas do contrato de seguro os sinistros participados.
O que está em causa é saber se os prejuízos sofridos por clientes de TOCs - em virtude de terem sido tributados em sede de IRC pelo regime simplificado de determinação de lucro tributável, quando para eles seria mais vantajoso serem tributados pelo regime geral – por aqueles profissionais, associados da A., não os alertarem atempadamente para a necessidade de exercer a opção prevista no nº 7 do art. 53º do CIRC, estão ou não cobertos pelo seguro negociado com a A.
São os associados da A. quem prepara, elabora e recolhe a assinatura dos respectivos clientes nas declarações fiscais destes últimos, que neles depositam a sua confiança, requerendo as áreas fiscal e contabilística uma preparação técnica específica, que a maioria dos clientes não tem.
Só porque os associados da A., por erro profissional, não prepararam as necessárias declarações de alteração para o exercício da opção pelo regime geral, é que os clientes daqueles não as apresentaram e tiveram de pagar um IRC mais gravoso daquele que teriam de pagar se tal erro profissional não tivesse sido cometido.
Citada, a R. contestou, suscitando questão prévia quanto à espécie de acção (de simples apreciação e não de condenação), por excepção, invocando a ineptidão da P.I. (por ininteligibilidade) e a ilegitimidade das partes, e por impugnação, alegando, em síntese, que os alegados sinistros não estão cobertos pelo contrato de seguro, e termina propugnando pela improcedência da acção.
A A. replicou, propugnando pela improcedência da questão prévia e excepções invocadas, e ampliou o pedido, em termos subsidiários para o caso de improceder o pedido principal, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a importância de € 330.784,00, acrescida de juros de mora, desde a data de notificação da R. para contestar este pedido e até efectivo pagamento.
Alega, em síntese, que:
Aquando da subscrição do seguro, a A. negociou com a R. uma cláusula de participação de resultados, segundo a qual a R. pagaria à tomadora do seguro, durante a vigência do contrato, uma participação de resultados em função da rácio de sinistralidade apurada.
O que aconteceu nos anos de 2002 e 2003.
Quando em 2003 e 2004, os associados da A. começaram a receber queixas dos respectivos clientes por estarem a ser tributados pelo regime simplificado do IRC e accionaram o seguro, a R. começou por pagar as indemnizações solicitadas, como alegado na P.I., e pediu à A. que restituísse a parte da participação em lucros que lhe havia pago relativamente àqueles 2 anos, no montante global de € 330.784,00, o que a A. fez, em 4 prestações.
Se as referidas factualidades não forem consideradas como sinistro, como a R. sustenta e confessa na contestação, a A. tem, então, direito a receber da R. aquela importância.
Treplicou a R., propugnando pela improcedência do pedido ampliado.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa, estar em causa uma acção de simples apreciação positiva e verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir da A. e, em consequência, absolveu-se a R. da instância relativamente ao pedido principal, declarando-se prejudicada a apreciação do pedido subsidiário.
Deste despacho agravou a A., tendo-lhe este Tribunal da Relação negado provimento. Interposto agravo para o STJ, foi proferido acórdão que revogou o acórdão recorrido e determinou o prosseguimento da acção, proferindo-se despacho que reconheça a legitimidade processual e o interesse em agir da A.

Devolvidos os autos à 1ª instância, foi proferido novo despacho saneador que julgou improcedentes as excepções invocadas, e seleccionou matéria de facto assente e B.I., as quais sofreram reclamações, em parte atendidas.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, proferindo-se despacho sobre a B.I.
Produzidas alegações de direito, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e decidiu considerar incluídos no âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil profissional contratado com a Autora, os danos patrimoniais decorrentes de os segurados e associados da A., no exercício das respectivas funções, não terem alertado os seus clientes para a necessidade de opção pelo regime geral, referente à determinação do lucro tributável, como forma de evitar a respectiva tributação em IRC pelo regime simplificado.

Não se conformando com a decisão, apelou a R., tendo no final das respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
a) A sentença em recurso deverá ser revogada e a presente acção deve ser julgada totalmente improcedente pelas seguintes razões: em primeiro lugar, a decisão judicial tem de julgar a questão que lhe foi formulada pela Autora e não outra qualquer, com base na situação fáctica descrita por esta na sua petição inicial;
b) Ora, a situação fáctica que a Autora descreveu na sua petição inicial não foi atendida na sentença em recurso e o que interessava perguntar (e em consequência decidir) era se, face aos factos alegados pela Autora, os técnicos oficiais de contas “erraram” e se esse erro deve ou não ser enquadrado na apólice de seguro dos autos;
c) Ora, o que a Autora alegou foi que alguns dos seus associados elaboraram e assinaram conjuntamente com os seus clientes declarações de início de actividade, nas quais foram estimados para o primeiro ano de actividade proveitos superiores a € 149.639,37, tendo aposto uma cruz na quadrícula destinada à menção da opção pelo regime geral;
d) E fizeram-no na convicção de que face a tal declaração os seus clientes permaneceriam inseridos no regime geral por um período de três exercícios;
e) Contudo os proveitos de alguns desses clientes (contribuintes) relativos ao primeiro ano de actividade ficaram aquém dos proveitos estimados e indicados nas declarações de início de actividade;
f) Os TOCs, associados da Autora, relativamente a esses seus clientes, não prepararam as declarações de alteração para o exercício da opção pelo regime geral e em outros casos não os alertaram para a necessidade de exercerem a opção pelo regime geral;
g) Nem tinham de o fazer, nem violaram qualquer dever por não o terem feito: é que, nos termos do disposto no nº 7 do art. 53º do CIRC (inicialmente art. 46º-A), a opção pode realizar-se na declaração de início de actividade;
h) E sendo realizada nessa declaração de início de actividade, é válida por um período de três exercícios (inicialmente, cinco): nº 8 do citado preceito;
i) “Deve por isso ter-se por ilegal a tributação do sujeito passivo pelo regime simplificado efectuado pela AF que desconsiderou a opção infringindo assim o n.º 1 do artigo 53º do CIRC, sendo que nos termos do n.º 8 do mesmo preceito essa opção é válida pelo período de três exercícios” – cfr., entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, 2ª Secção de 03-07-2008, in www.dgsi.pt;
j) não resulta da situação de facto dos autos, quando interpretada por aquela forma, que os técnicos oficiais de contas tenham incumprido o dever de actuação conscienciosa e diligente previsto na alínea a) do nº 1 do art. 54º do ETOC, o que vale dizer, que tenham incorrido, por acção ou omissão, em ilícito contratual;
k) o que equivale a dizer que o contrato de seguro dos autos não pode permitir a cobertura destas situações em que não existe dever de indemnizar para os técnicos oficiais de contas;
l) Em segundo lugar, na esteira do que tem sido a orientação seguida pelos nossos Tribunais superiores que têm entendido que este tipo de aconselhamento e actuação cabe nas funções de um técnico oficial de contas (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2008), há que realçar que se tem entendido que só com acordo prévio o técnico oficial de contas se pode considerar obrigado à prestação de conselho ou à prática do correspondente acto de optar por um regime de tributação;
m) Isto é, o que se tem entendido é que o técnico oficial de contas não está obrigado a exercer funções de consultoria mas ... pode exercê-las desde que acordado com o seu cliente;
n) Ora, a sentença em recurso descurou este aspecto fundamental pois deveria ter analisado separadamente os casos em que tenha havido acordo prévio para exercício destas funções de consultoria e de mandato para exercício de opções e os casos em que tal acordo prévio não tenha existido pois isso é crucial para se saber se o técnico oficial de contas é responsável ou não face ao seu cliente e, consequentemente, para se saber se a apólice de seguro dos autos cobre ou não tais eventos;
o) Até porque, nos termos da alínea l) do nº 1 do artigo 4º das mesmas Condições Gerais do contrato de seguro dos autos prevê-se que ficam sempre excluídos os danos decorrentes de acordo ou contrato particular, na medida em que a responsabilidade que daí resulte exceda a que o segurado estaria obrigado na ausência de tal acordo ou contrato;
p) Neste ponto, há que rebater as bases do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2008, relatado pela Exma. Snra. Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, apelando à boa fé na execução dos contratos, uma vez que as mesmas ampliam desmesurada e até, de alguma forma, incontrolavelmente o âmbito das obrigações de um técnico oficial de contas;
q) Comparando com outras profissões, nomeadamente com a de advogado, não se pode razoavelmente admitir nem a boa fé exige que um mandatário judicial num processo de divórcio esteja obrigado a aconselhar o seu cliente num assunto relativo a uma sociedade de que ele seja sócio ou gerente;
r) Nem a um advogado de um arguido em processo crime a razoabilidade ou a boa fé exigem que preste conselho ou mesmo pratique actos relativos à situação jurídicolaboral deste, a menos que para tanto seja contratado;
s) Daí que não se possa produzir uma resposta tão vaga, tão abstracta e tão genérica como a que foi produzida na sentença em recurso: haveria que particularizar;
t) E daí que a questão que se aborda nesta acção deva ser analisada em função dos factos que a Autora trouxe à mesma;
u) Por outro lado, a apólice dos autos não abrange qualquer responsabilidade decorrente da prática de qualquer acto ou exercício de qualquer actividade que não se enquadre na actividade a que, por lei, os técnicos oficiais de contas estão habilitados a exercer, o que nos leva a ter de determinar os riscos decorrentes do exercício da profissão para a qual o técnico oficial de contas esteja habilitado e à análise das funções legalmente consagradas no art. 6º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas;
v) Do art. 6º do “ECTOC” resulta claro que o cerne e conteúdo fundamental da actividade a que os técnicos oficiais de contas estão habilitados a prosseguir está concentrado na alínea a) do citado preceito;
w) Tudo gira à volta de “planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada” – note-se: planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade;
x) É de execução da contabilidade que se trata e de tudo quanto tenha a ver com planificar, organizar e coordenar essa tarefa de execução: no elenco das funções legalmente atribuídas aos técnicos oficiais de contas enquadra-se apenas e só tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, ao que se acrescenta a planificação da execução dessa actividade com prestação de consultoria nessa área;
y) Não lhe cabe proceder ao exercício de opções de natureza jurídico – fiscal ou ao aconselhamento dessa natureza;
z) O entendimento de que aos técnicos oficiais de contas é permitido o exercício da actividade aconselhamento jurídico – fiscal representa a primeira apropriação que aqui se denuncia: é que a questão que se discute nestes autos (opção ou conselho de opção por um ou outro regime de tributação) envolve uma actividade de aconselhamento jurídico – fiscal, pois trata-se aqui de emitir um juízo opinativo para fundamentar uma resolução da administração tributária que pressupõe a interpretação e aplicação de normas jurídicas;
aa) Porém, ao contrário do que a Autora pretende neste processo, a responsabilidade  que está a pretender assacar aos técnicos oficiais de contas é uma responsabilidade que se enquadra, não na actividade dos “TOC”, mas na dos advogados e solicitadores habilitados à prática de actos jurídicos e à consulta jurídica – fiscal, reservada a estes profissionais nos termos da Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto (cfr. também os artigos 53º e 56º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março e pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro e o artigo 358º, b) do Código Penal);
bb) É por esta mesma razão que o art. 3º, nº 2 do Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas dispõe que “os Técnicos Oficiais de Contas devem eximir-se da prática de actos que não sejam da sua competência profissional ou quando os mesmos, nos termos da lei, sejam da competência de outros profissionais.”;
cc) Este mesmo entendimento foi consagrado no Parecer nº E-57/04, emitido pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, de 17 de Dezembro de 2004 (acessível em www.oa.pt, “pareceres do conselho geral”): “Os pareceres elaborados pelos técnicos oficiais de contas em matéria fiscal, bem como a preparação, elaboração, auxílio e entrega de reclamações de actos tributários, conexos com a profissão, sendo estas assinadas pelos respectivos sujeitos passivos, constituem actos próprios dos advogados e solicitadores”;
dd) Existe ainda uma ideia – simplista e errada, a nosso ver – de que o técnico oficial de contas “devendo servir para mais que fazer contas”, está obrigado a invadir outras áreas da gestão económico-financeira e do planeamento fiscal das empresas (e empresários) seus clientes;
ee) Há que recordar o regime legal: a opção por um ou outro dos regimes de tributação, grosso modo, deve ser feita até 31 de Março de cada ano (art. 28º do CIRC);
ff) Ora, essa opção tem a ver com o volume de negócios (proveitos e despesas) gerados em cada ano, bem podendo suceder que o dito “regime simplificado” seja mais favorável que o dito de “regime geral de tributação pelo lucro tributável”: mas, a 31 de Março de cada ano é impossível a qualquer pessoa que não seja o próprio empresário/contribuinte prever qual vai ser a evolução da sua actividade;
gg) O facto é que o técnico oficial de contas não está obrigado a prever esta evolução e a
assumir este risco – até porque não tem habilitações académicas e profissionais para tanto;
            hh) Esta previsão, típica da actividade do empresário, cai no domínio da gestão económica e financeira e do planeamento fiscal da empresa: não cabe ao técnico oficial de contas, que é responsável apenas pela boa execução da contabilidade;
ii) Nas funções de um técnico oficial de contas cabe apenas a responsabilidade pela planificação e organização da execução da contabilidade e a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações fiscais (isto é, a comunicação ao Estado dos factos tributários ou com repercussão na situação tributária do contribuinte);
jj) Não cabe nessas funções o exercício de faculdades e direitos e não cabe a planificação do regime fiscal ou consultadoria nessa área que envolve pura consultadoria no plano do direito fiscal;
kk) Como foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão datado de 30 de Outubro de 2008 (Apelação nº 5637/02, 2ª Secção) e relatado pelo Juiz Desembargador Borges Carneiro (acessível em www.dgsi.pt): “O seguro profissional obrigatório não garante uma actividade contratada entre um contribuinte e um técnico oficial de contas, em termos de se obrigar a prestar-lhe consultadoria na área do direito fiscal, pois o que lhe compete é planificar, organizar e coordenar a execução da sua contabilidade ou prestar-lhe funções de consultadoria nessa área. Tais funções de consultadoria dos T.O.C. são relativas à planificação, organização e execução da contabilidade e não a consultadoria na área fiscal, isto é, a opção por um determinado regime de tributação”;
ll) Tal entendimento foi adoptado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Março de 2009, pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Exmo. Snr. Desembargador José Ferraz (3ª Secção, Processo nº 3035/07.9TBPVZ.P1) e também pelo Tribunal da Relação de Guimarães, com o acórdão datado de 3 de Novembro de 2009, proferido no âmbito da apelação nº 4810/06.7TBBCL.G1, da 2ª Secção Cível;
mm) Também a recente evolução legislativa de que se deu conta no corpo das alegações, que tem de ser analisada em face da lei de autorização legislativa (Lei nº 97/2009, de 3 de Setembro) permite concluir a justeza deste entendimento: é que, como se pode ler por esta lei de autorização, o governo ficou autorizado a legislar no sentido de “clarificar as funções dos técnicos oficiais de contas no sentido de aquelas passarem a enquadrar:” (...) “que as funções de consultoria atribuídas aos técnicos oficiais de contas se referem a matérias contabilísticas, fiscais e relacionadas com a segurança social”;
nn) Assim, o novo art. 6º do Estatuto dos técnicos oficiais de contas passou a abranger “funções de consultoria nas áreas da contabilidade, da fiscalidade e da segurança social”;
oo) Houve uma evolução, passando a prever-se o que antes não se poderia considerar previsto e aquilo que agora podemos ler na al. a) do nº 2 do art. 6º (assim como na al. d) do nº 1 e b) do nº 2) é o reconhecimento do que não existia e o reconhecimento do que não existia corresponde à razão da aqui Apelante;
pp) Repisa-se o entendimento do legislador: clarificar as funções dos técnicos oficiais de contas no sentido de aquelas passarem a enquadrar;
qq) Nem contra o que se acaba de alegar pode valer o disposto no art. 11º do “Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas” pois, como resulta facilmente da leitura do mesmo preceito, só existe dever de informar relativamente a condicionalismos de ordem legal relacionadas exclusivamente com o exercício da profissão: O dever de informar pressupõe, por isso, que estejamos a falar de condicionalismos que afectam o exercício da profissão do técnico oficial de contas, não de condicionalismos legais que possam afectar os clientes destes;
rr) De qualquer das formas, também o art. 11º do novo “Código Deontológico” saído da recente alteração legislativa confirma este entendimento: é que caiu a alínea c) que previa justamente aquela citada obrigação;
ss) Fica assim claro que tem de improceder o pedido principal e, como tal, ter-se-á de proceder à apreciação e decisão do pedido subsidiário, mas também no sentido da sua total improcedência;
tt) Neste ponto, o que se deve discutir, em face da cláusula constante do contrato de seguro que atribuía à tomadora (a aqui Autora) o direito ao recebimento de uma participação nos resultados, é se se verificam os pressupostos do invocado direito a receber essa participação nos resultados;
uu) A Autora teria que ter alegado e provado os factos constitutivos do direito a que se arrogou (art. 342º, nº 1 do Código Civil): era essencial que a Autora tivesse alegado e demonstrado a matéria inerente à factespecies da norma contratual que consagra o direito a que se arroga;
vv) E tal factespecies é constituída pelos seguintes elementos de factos que teriam de ser alegados e demonstrados: montante dos sinistros pagos ao abrigo da apólice; reservas de sinistros pendentes; prémios comerciais pagos; e tudo isto em relação a cada um dos períodos anuais de vigência da apólice;
ww) Ora, apesar de a Apelante ter alegado bastante factualidade sobre esta matéria na sua tréplica, a Autora não quis levá-la à Base Instrutória pelo que, neste momento, não estão provados tais factos e, portanto, o Tribunal não pode utilizar qualquer factualidade pertinente, razão pela qual está o Tribunal impedido de atribuir qualquer cobertura à pretensão deduzida pela Autora;
xx) Ainda que assim não fosse, a verdade é que a Autora falhou na prova de um elemento fundamental: a existência de um nexo de causalidade entre a existência de sinistros relativos à opção e a devolução da participação de resultados;
yy) Tal nexo de causalidade estava perguntado no “quesito” 5º da Base Instrutória, mas a
Autora não o logrou demonstrar;
            zz) Com efeito, a Autora não provou a existência do nexo de causalidade entre um conjunto de factos (pedido de devolução da participação e devolução dessa participação) e o outro facto que a Autora erigiu em fundamento do seu arrogado direito: que esse pedido de reembolso e essa devolução da participação de resultados seja consequência directa e necessária do facto de a Apelante ter alterado a sua posição quanto à consideração dos sinistros estarem ou não incluídos no âmbito de cobertura da apólice dos autos;
aaa) Pelo que se provou, o pedido de devolução que consta da resposta ao “quesito 5º” já não surge por causa do que se descreve na alínea B) da Matéria Assente mas apenas e só porque a Apelante “pagou indemnizações de diversos sinistros”;
bbb) O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a decisão recorrida, pois assim o impõem a boa interpretação e aplicação do art. 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, art. 6º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, Lei nº 97/2009, de 3 de Setembro, a Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto e também os artigos 53º e 56º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março e pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, que foram incorrectamente aplicados e consequentemente violados pela decisão recorrida,
ccc) Do mesmo modo, deverá ser julgado improcedente por não provado o pedido subsidiário, pois a isso obriga a correcta interpretação e aplicação dos factos provados ao disposto nos arts. 562º e seguintes do Código Civil.
A A. contra-alegou, propugnando pela improcedência do recurso, e manutenção da decisão recorrida, ou, caso assim não se entenda, deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de € 330.784,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de notificação da réplica até efectivo pagamento.

QUESTÕES A DECIDIR.
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) as questões a decidir são:
a) da cobertura do contrato de seguro;
b) da devolução da participação de resultados.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1.A Autora subscreveu em 7/11/2000 com a companhia de Seguros …S.A. um seguro de responsabilidade civil profissional a que coube a apólice … que se rege pelas seguintes:
«Condições Particulares
1. TOMADOR DO SEGURO Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC)
2. SEGURADO
Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo nº 4 do artº 52º do ECTOC, nos termos e condições do regulamento elaborado pela CTOC.
3. ÂMBITO DE COBERTURA
Para além do que se expressa nas condições gerais da Apólice, o âmbito de cobertura da mesma, compreende:
As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes ou a terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas.
As indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado, decorrentes do pagamento de Coimas, Fianças, Taxas administrativas e Juros compensatórios ou de mora (de natureza não penal), aplicados aos seus clientes em consequência de erro ou omissão profissional do Segurado.
Danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a clientes ou a terceiros, na qualidade de proprietário ou arrendatário do imóvel ou fracção onde o segurado exerce a sua profissão, bem como os causados por objectos que integram as citadas instalações.
1. EXCLUSÕES
Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais, fica ainda excluída a responsabilidade:
Emergente de actos dolosos do segurado, que constituam violação da legislação em vigor.
Resultante de actos ou omissões intencionalmente praticados, pelo Segurado, para efeito de obtenção de benefícios ou redução de custos de natureza fiscal.
Por danos causados aos sócios, gerentes e legais representantes do Segurado, com ressalva do sub-limite estabelecido.
Por danos resultantes da prática de actos e/ou do exercício da actividade profissional para os quais o Segurado não esteja legalmente habilitado.
Pelo pagamento de Taxas, Fianças, Coimas e Multas de qualquer natureza, aplicadas ao segurado.
Decorrente da perca ou extravio de dinheiro ou quaisquer outros valores confiados à guarda do segurado.
Decorrente da violação do sigilo profissional.
Por reclamações apresentadas fora do território nacional com excepção das apresentadas no Tribunal Europeu, assim como as derivadas da actividade exercida no estrangeiro.
Por danos causados por trabalhos de construção, transformação ou ampliação de imóveis e/ou instalações, ou ainda, os resultantes de acção ou omissão dolosa do Segurado, relacionados com medidas necessárias para a reparação e/ou segurança dos mesmos imóveis ou instalações.
1. ÂMBITO TEMPORAL
A garantia da apólice está limitada aos erros, actos ou omissões geradoras de responsabilidade ocorridas após a data de início do contrato e antes do respectivo termo, reclamadas até ao período de 4 (quatro) anos subsequentes ao termo do contrato, desde que o facto gerador dos danos tenha ocorrido antes do referido termo.
2. LIMITES DA RESPONSABILIDADE
Por danos materiais e/ou corporais, por sinistro e período de vigência da apólice:
50.000 euros / Aderente
- Extensão de cobertura para os trabalhos efectuados para entidades onde o segurado detenha participação igual ou superior a 20% (vinte por cento), desde que não resultem benefícios para si ou para o cliente, estabelece-se um sub-limite de:
5.000 Euros
1. FRANQUIA
Por cada sinistro abrangido pela apólice, fica a cargo de Segurado uma franquia correspondente a 10% do valor da indemnização, no mínimo de ESC 10.000$00.
2. CESSAÇÃO DOS EFEITOS DO CONTRATO
O respectivo contrato de seguro cessa automaticamente os seus efeitos, na data em que o segurado deixe de estar legalmente habilitado para o exercício da profissão de Técnico Oficial de Contas, nos termos do Regulamento do Seguro de Responsabilidade Civil aprovado pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.
3. PRÉMIO
O prémio anual total por aderente é de ESC 3.815$00.
Quanto à subscrição facultativa de capitais excedentários, os prémios a cobrar serão os seguintes:
Para 50.000 Euros - ESC 4.200$00
Para 200.000 Euros - ESC 8.000$00 (..)
" ... 1. CLÁUSULA DE PARTICIPAÇÃO DE RESULTADOS
A Apólice vigorará com uma cláusula de participação de Resultados (Anual), com os valores que a seguir se indicam, em função do rácio de sinistralidade apurado:
Rácio de Sinistralidade (1)           Rácio de Resultados (2)
<10%                                                 40%
10-30%                                              25%
30-40%                                              15%
40-50%                                              10%
50-60%                                                5%
(1) Por rácio de sinistralidade entende-se a razão entre [Sinistros pagos + Reservas de Sinistros Pendentes + IBNR's (8% dos Prémios Comerciais)]/ Prémios Comerciais pagos.
(2) A percentagem indicada incidirá sobre o valor dos Prémios Comerciais pagos.».
2. A Ré depois de ter indemnizado diversos sinistros a ela participados por TOCs, por causa do não exercício atempado por clientes daqueles da opção pelo regime geral de tributação em sede de IRC, tem-se recusado a indemnizar os sinistros participados por diversos TOCs, consubstanciados nos prejuízos sofridos pelos clientes destes, decorrentes de terem sido tributados em IRC pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável, quando para eles seria mais vantajoso serem tributados pelo regime gera1 – al. B) dos Factos Assentes.
3. A Ré pagou à Autora, durante a vigência do contrato de seguro, participações em lucros ao abrigo da cláusula transcrita em A) – al. C) dos Factos Assentes.
4. A Autora devolveu à Ré a importância de € 330.784,00, que aquela lhe havia pago a título de participações em lucros, em quatro prestações mensais e sucessivas, sendo a primeira de € 58.614,85 paga em 30.09.2004 e as restantes, todas de € 82.696,00, pagas respectivamente em 29.10, 30.11 e 28.12.2004 – al. D) dos Factos Assentes.
5. A Ré recebeu todas as importâncias referidas no ponto 4. e emitiu o respectivo recibo de quitação em 30.01.2005. – al. E) dos Factos Assentes.
6. Alguns dos associados da Autora que elaboraram e assinaram conjuntamente com os seus clientes declarações de início de actividade, nas quais foram estimados para o primeiro ano de actividade proveitos superiores a €149.639,37, apuseram uma cruz na quadrícula destinada à menção da opção pelo regime geral – art. 1º da Base Instrutória.
7. E fizeram-no na convicção de que face a tal declaração os seus clientes permaneceriam inseridos no regime geral por um período de três exercícios – art. 2º da Base Instrutória.
8. Contudo os proveitos de alguns desses clientes (contribuintes) relativos ao primeiro ano de actividade ficaram aquém dos proveitos estimados e indicados nas declarações de início de actividade – art. 3º da Base Instrutória.
9. Os TOCs, associados da Autora, relativamente a esses seus clientes, não prepararam as declarações de alteração para o exercício da opção pelo regime geral e em outros casos não os alertaram para a necessidade de exercerem a opção pelo regime geral, o que redundou no referido na al. B) – art. 4º da Base Instrutória.
10. A quantia referida na al. C) reporta-se à participação nos resultados relativa, pelo menos, ao ano de 2002 – art. 4º-A da Base Instrutória.
11. A partir do momento em que a Ré pagou indemnizações de diversos sinistros, relativos a situações referidas em 4º, a Ré pediu também à Autora a restituição das importâncias que lhe havia pago a título de participação em resultados, pelo menos, com referência ao ano de 2002 – art. 5º da Base Instrutória.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A questão fulcral suscitada pela apelante concerne à decisão do tribunal recorrido no que respeita à cobertura do contrato de seguro.
Escreveu-se na sentença recorrida que, “…, não poderá deixar de concluir-se que a função de aconselhamento que determina a opção por certo regime de tributação em sede de IRC está compreendia dentro das competências funcionais pertinentes ao Técnico Oficial de Contas, e, consequentemente, a omissão dos segurados da Ré que se consubstancia em não ter alertado os seus clientes para a necessidade de efectuarem a opção pelo regime geral de tributação, evitando a
tributação pelo regime simplificado, mais desvantajosa, nos casos em que os proveitos são inferiores à importância” de € 149.639,37. E continua, “Destarte não sendo aquela função alheia à actividade dos segurados e associados da Autora, a inelutável conclusão a que se chega não poderá deixar de ser a de que a cláusula 3. das condições particulares do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos Técnicos Oficiais de Contas, compreende no seu âmbito a omissão de informação aos clientes dos segurados como facto gerador de responsabilidade civil profissional, …”.
Discorda a apelante deste entendimento, assentando a sua discordância em 3 pontos, a saber:
- face à materialidade fáctica que a A. carreou para a acção, não é possível assacar qualquer erro, não é possível concluir pela culpa ou sequer pela prática de acto ilícito (ou pela omissão ilícita de comportamento devido) imputáveis aos técnicos oficiais de contas segurados;
- em todo o caso, não faz parte das funções e obrigações de um TOC prestar aconselhamento jurídico fiscal, aconselhar sobre o planeamento fiscal do contribuinte e exercer direitos em seu nome, excepto se tal prestação de serviços de consultadoria fiscal foi acordada;
- considerar que o TOC pode e deve exercer ou aconselhar o exercício de uma opção é permitir-se uma invasão da actividade de outros profissionais.
Analisemos cada um dos mencionados pontos, pela ordem indicada.
Sustenta a apelante que, face à matéria de facto carreada para a acção não é possível assacar qualquer erro imputável aos TOC, não ocorrendo qualquer ilícito contratual, pelo que não podem os mesmos ser responsabilizados pelos danos sofridos pelos seus clientes, não cobrindo, em consequência, o contrato de seguro tais situações.
Depois de fazer a análise das disposições do CIRC, alteradas pela L. nº 30-G/2000 de 29.12 - que criou o regime simplificado de tributação, introduzindo profundas alterações na forma de determinação da matéria colectável, e permite aos contribuintes a opção pelo regime dito normal (o geral assente na contabilidade organizada), sob pena de ficarem no regime simplificado por um determinado período de tempo, renovável automaticamente – concluiu a apelante que, face à factualidade provada sob os pontos 6 a 9 da fundamentação de facto supra, não é imputável aos TOC associados da A. qualquer erro, por omissão, porque não era necessário efectuar qualquer opção pelo regime geral em detrimento do regime simplificado, tendo a administração fiscal interpretado e aplicado incorrectamente a lei.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que, na presente acção, não cabe aquilatar de tal questão, não estando em causa quaisquer casos concretos [1], nem a interpretação da lei tributária, mas saber se, no âmbito de cobertura do seguro contratado, estão ou não incluídos os danos causados “pela não opção pelo regime geral da determinação do lucro tributável pelos clientes ou entidades patronais dos TOC, por estes terem omitido o seu dever de informação ou de aconselhamento, o que originou a tributação em IRC daqueles clientes e entidades patronais pelo regime simplificado em montantes superiores aos que decorreriam da tributação pelo regime geral”, nas palavras da apelada.
Atente-se que o pedido formulado foi o de condenação da R. “a considerar incluídos no “Âmbito de Cobertura” do seguro de responsabilidade civil profissional contratado com a A. os danos patrimoniais causados a clientes dos segurados (associados da A.) por os segurados não os terem alertado para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado”  [2].
Atentando no teor da P.I., verifica-se que a A. intentou a presente acção pela simples razão da R. ter passado a entender (depois de, numa primeira fase, ter pago as indemnizações peticionadas) que a omissão do dever de informação ou aconselhamento no que respeita à opção pelo regime de tributação em sede de IRC não se insere nas funções do TOC e, nessa medida, não estarem os danos daí resultantes abrangidos no âmbito de cobertura da apólice.
E foi precisamente com esse alcance que o tribunal recorrido decidiu “considerar incluídos no âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil profissional contratado com a Autora, os danos patrimoniais decorrentes de os segurados e associados da A., no exercício das respectivas funções, não terem alertado os seus clientes para a necessidade de opção pelo regime geral, referente à determinação do lucro tributável, como forma de evitar a respectiva tributação em IRC pelo regime simplificado”.
Não colhe, pois, o primeiro argumento aduzido pela apelante, estando em causa, na presente acção, aquilatar se faz ou não parte das funções e obrigações de um TOC prestar aconselhamento jurídico fiscal ao seu cliente ou entidade patronal quanto à possibilidade de exercício de opção pelo regime geral e consequências do seu não exercício [3], o que nos leva à 2ª e 3ª questões colocadas pela apelante.
Cumpre sublinhar que a questão colocada ao tribunal na presente acção é muito concreta: não está em causa saber se se insere dentro das funções do TOC todo e qualquer aconselhamento jurídico fiscal, mas, apenas, o aconselhamento (sob a forma de informação) sobre a necessidade de fazer opção pelo regime geral, referente à determinação do lucro tributável, como forma de evitar a respectiva tributação em IRC pelo regime simplificado (que será mais desvantajoso para o cliente), não estando, sequer, em causa aquilatar se, dentro daquelas funções, se insere a de exercer aquela opção.
É ao cliente, como sujeito passivo da relação tributária, que cumpre, depois de informado, exercer (ou não) a opção perante a administração fiscal, o que, a nosso ver, não afasta a questão sob análise.
Esta clarificação do concreto objecto da acção, e que resulta evidente do pedido e da condenação, é fundamental para a análise que se passa a fazer.
De acordo com as Condições Particulares do seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a A., como tomadora, e a R., como seguradora (e de que são segurados “o técnico oficial de contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo nº 4 do art. 52º do ECTOC, nos termos e condições do regulamento elaborado pelo CTOC”), o âmbito de cobertura do seguro compreende, para além do expresso nas Condições Gerais da apólice, e no que ora importa, “As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes ou a terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidos durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas”.
Estando excluída, nos termos das referidas Condições Particulares, e no que ora importa, a responsabilidade “Por danos resultantes da prática de actos e/ou do exercício da actividade profissional para os quais o Segurado não esteja legalmente habilitado”.
E nos termos do art. 4º, nº 1, al. l) das Condições Gerias ficam sempre excluídos os danos “Decorrentes de acordo ou contrato particular, na medida em que a responsabilidade que daí resulte exceda a que o Segurado estaria obrigado na ausência de tal acordo ou contrato”.
O âmbito de cobertura do seguro é, pois, referente aos danos causados a clientes ou terceiros resultantes de actos ou omissões cometidos pelo TOC segurado no exercício das suas funções legais.
De acordo com o disposto no art. 6º do DL nº 452/99 de 5.11 que aprovou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas [4], “1- São atribuídas aos técnicos oficiais de contas as seguintes funções: a) Planificar, organizar e coordenar a execução da contabilidade das entidades sujeitas aos impostos sobre o rendimento que possuam ou devam possuir contabilidade regularmente organizada, segundo os planos de contas oficialmente aplicáveis, respeitando as normas legais e os princípios contabilísticos vigentes, bem como das demais entidades obrigadas, mediante portaria do Ministério das Finanças, a dispor de técnicos oficiais de contas; b) Assumir a responsabilidade pela regularidade técnica, nas áreas contabilística e fiscal, das entidades referidas na alínea anterior; c) Assinar, conjuntamente com o representante legal das entidades referidas em a), as respectivas declarações fiscais e seus anexos, fazendo prova da sua qualidade, nos termos e condições definidos pela Câmara, sem prejuízo da competência e das responsabilidades cometidas pela lei comercial e fiscal aos respectivos órgãos. 2- Compete ainda aos técnicos oficiais de contas o exercício de: a) Funções de consultadoria, nas áreas da respectiva formação; b) Quaisquer outras funções definidas por lei, adequadas ao exercício das respectivas funções, designadamente as de perito nomeado pelos tribunais ou outras entidades públicas ou privadas”.
Escuda a apelante o seu entendimento de que não faz parte das funções do TOC o aconselhamento jurídico-fiscal, nos seguintes argumentos:
- Do artigo acabado de referir resulta que o TOC não está obrigado a exercer funções de consultadoria, mas pode exercê-las, desde que tal seja acordado com o seu cliente, só neste caso sendo responsável perante o cliente, sendo certo, porém, que tal responsabilidade está excluída do âmbito do seguro nos termos do art. 4º, nº 1, al. l) das Condições Gerais;
- Resulta, também, daquele artigo que “no elenco das funções legalmente atribuídas aos técnicos oficiais de contas enquadra-se apenas e só tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, classificação de documentos e seu lançamento nos respectivos livros contabilísticos e no sistema informático e apuramento de impostos a pagar, ao que se acrescenta a planificação da execução dessa actividade com prestação de consultoria nessa área”;
- Entender que ao TOC é permitido o exercício de actividade de aconselhamento jurídico-fiscal é assacar-lhe uma responsabilidade que pertence aos advogados e solicitadores, permitindo-lhe exercer funções para as quais não tem qualificação técnica nem profissional, como, alias, foi considerado em Parecer da AO;
- E é permitir a invasão de áreas de gestão económica-financeira e de planeamento fiscal das empresas clientes – sendo certo que o TOC não está obrigado a prever a evolução da actividade da empresa e a assumir esse risco, até porque não tem qualificação técnica nem profissional para isso;
- A evolução legislativa, tendo em conta a lei de autorização legislativa, vem confirmar esse entendimento.
Concorda-se, em parte, com a apelante de que não deve ter-se a visão de que o empresário português “é info-excluído, iletrado e totalmente inábil para as contas”, mas já não se concorda com a visão redutora que aquela tem do TOC referindo que o mesmo serve “para fazer contas e declará-las ao Estado em conformidade”.
Como é referido no Parecer junto aos autos pela apelante com a contestação, cada vez mais se exige dos contribuintes, para além das prestações pecuniárias, uma série de actos não pecuniários que visam dotar a administração fiscal de elementos fiscalmente relevantes.
A par de um reforço dos direitos de participação dos contribuintes, verifica-se uma, consequente, maior responsabilidade pelos actos que aqueles praticam ou deixam de praticar perante as autoridades fiscais, sendo certo que se os empresários portugueses não são iletrados [5], o que não é menos certo é que, consabidamente, necessitam de apoio de técnicos familiarizados com a área fiscal [6] para actuarem da forma que lhes seja mais vantajosa, ou, pelo menos, de forma que não lhes seja, injustificadamente, gravosa, adoptando as soluções que, do ponto de vista contabilístico e fiscal, sejam mais adequadas.
E se os técnicos oficiais de contas “devem ser vistos como parceiros da Administração fiscal”, concorrendo para os seus objectivos, também devem ser vistos como “auxiliares” dos seus clientes, enquanto prestadores de informações relevantes e determinantes para as opções que os clientes, esclarecidamente, tenham de tomar.
Não está em causa a emissão de pareceres sobre interpretação de leis fiscais, o que está em causa é o esclarecimento sobre as possibilidades/opções previstas na lei fiscal e as consequências resultantes de uma ou outra opção.
O que está em causa é dar a conhecer as opções que a lei consagra (em sede de IRC e para efeito de determinação da matéria tributável), para que situações, quais as vantagens e desvantagens, e quais os actos a praticar para as exercer.
Cada vez se exige dos TOC maior preparação técnica.
Para além dos candidatos a TOC deverem possuir “licenciatura, bacharelato ou curso superior equivalente, com duração mínima de três anos, ministrados por estabelecimento de ensino superior público, particular ou cooperativo, criados nos termos da lei e reconhecidos pela Câmara como adequados para o exercício da profissão”, devem, ainda, “fazer prova de frequência, com aproveitamento, de cadeiras ou cursos de contabilidade geral, analítica e fiscalidade portuguesa ministrados por estabelecimentos de ensino reconhecidos pela Câmara” – art. 16º, nºs 1 e 2 do ECTOC.
Por outro lado e de acordo com o art. 11º do Código Deontológico aprovado em 1999 e que entrou em vigor em 1.1.2000, “Os Técnicos Oficias de Contas devem prestar a informação necessária às entidades onde exercem funções, sempre que para tal solicitados e por iniciativa própria, nomeadamente: a) Informá-los das suas obrigações contabilísticas, fiscais e legais relacionadas exclusivamente com o exercício das suas funções; b) …,; c) Informá-los dos condicionalismos de ordem legal susceptíveis de as afectar relacionadas exclusivamente com o exercício da profissão”.
Acresce que, no âmbito dos deveres dos TOC se insere o dever geral “de contribuir para o prestígio da profissão, desempenhando consciente e diligentemente as suas funções” (art. 52º, nº 1 o ECTOC), e o dever de, nas suas relações com as entidades a que prestem serviços, “desempenhar conscienciosa e diligentemente as suas funções” (art. 54º, nº 1, al. a) do ECTOC).
Como se escreveu no Ac. do STJ de 21.06.2011, P. 1065/06.7TBESP.P1.S1, rel. Cons. Gregório Silva Jesus, in www.dgsi.pt, “… quando os clientes, as entidades sujeitas aos impostos, contratam um TOC esperam dele competência e diligência no exercício das respectivas funções, que passam pelo pagamento ao Estado dos impostos sobre o rendimento que têm de pagar, por uma aplicação judiciosa e consciente das normas fiscais e contabilísticas, e por deles exigirem um especial dever de informação sobre a forma como as suas obrigações fiscais devem ser cumpridas. E compreende-se que assim seja já que se trata de profissionais com uma especial habilitação técnica, capaz de melhor interpretar e executar as normas que regulam aquelas matérias e de perspectivarem as consequências da sua aplicação aos clientes, que na grande maioria dos casos não têm essa habilitação, nem sequer a possibilidade de os acompanhar, que a eles recorrem para os auxiliar na tomada de decisões, e neles confiam que, no rigoroso cumprimento das regras contabilísticas e fiscais, tudo façam para defesa dos seus interesses patrimoniais. Neste contexto, se não consente dúvidas que é o contribuinte que tem a faculdade de fazer a opção enquanto acto de gestão da sua empresa, é do TOC, conhecedor dos dados económicos e financeiros da mesma, que ele espera a informação ou aconselhamento sobre os regimes em função dos quais pode ser executada a sua contabilidade fiscal, do modo que entenda ser-lhe mais favorável. Essa opção depende de factores variáveis como os elementos concretos de exploração, volume de negócios, estrutura de custos, e evolução esperada, dados que são do particular conhecimento do TOC cuja informação e conselho, por isso mesmo, assume especial importância para tal tomada de decisão pelo cliente face aos prejuízos ou benefícios que daí lhe advirão”.
Do que se deixa dito conclui-se que, quando o TOC informa o cliente a quem presta serviço sobre qual o regime tributário que deve ser seguido, está a exercer uma actividade que se integra dentro das suas funções, quer a prevista na al. a) do nº 1 do art. 6º do ECTOC, quer a de consultadoria prevista na al. a) do nº 2 do mencionado artigo, não as extravasando, pois, para as quais tem qualificação técnica e profissional, não invadindo as actividades de outros profissionais, nomeadamente advogados e solicitadores, cujo campo de actividade se exercerá noutras áreas de interpretação jurídico-fiscal, na elaboração de pareceres e na preparação, elaboração, auxílio e entrega de reclamações de actos tributários [7], não estando em causa uma actividade meramente facultativa ou contratual, mas legal.
E, salvo o devido respeito por opinião contrária, a evolução legislativa em matéria de ECTOC (agora EOTOC), não aponta no sentido sustentado pela apelante.
A lei da AR que autorizou o Governo a alterar o ECTOC (L. 97/2009 de 3.09), esclareceu que se pretendia alterar aquele estatuto “mantendo as suas principais linhas caracterizadoras, mas introduzindo-se alterações ao regime vigente, no sentido de adequação da forma de exercício da profissão à nova realidade que lhe subjaz, com o sentido e a extensão seguintes: … c) Clarificar as funções dos técnicos oficiais de contas no sentido de aquelas passarem a enquadrar: i) Ser da responsabilidade dos técnicos oficiais de contas a supervisão dos actos declarativos para a segurança social e para efeitos fiscais relacionados com o processamento dos salários dos contribuintes por cuja contabilidade seja responsável; ii) Clarificar o alcance e a definição da responsabilidade pela regularidade técnica contabilística e fiscal no sentido de esta se referir ao cumprimento das disposições constantes das disposições legais e regulamentares aplicáveis à contabilidade e em matéria tributária; iii) Clarificar que as funções de consultadoria atribuídas aos técnicos oficias de contas se referem a matérias contabilísticas, fiscais e relacionadas com a segurança social; iv) Consagrar que, no âmbito da fase graciosa do procedimento tributário, os técnicos oficiais de contas podem representar os sujeitos passivos por cujas contabilidades sejam responsáveis, perante a administração fiscal, na medida das suas competências específicas; v) Clarificar que as funções de perito atribuídas aos técnicos oficiais de contas, nomeados pelos tribunais, por entidades públicas ou por entidades privadas, podem compreender a avaliação da conformidade da execução contabilística com as normas e directrizes legalmente aplicáveis, bem como a correcta representação, pela informação contabilística, da realidade patrimonial que lhe subjaz; vi) Clarificar que os técnicos oficiais de contas, na execução dos registos contabilísticos pelos quais sejam responsáveis, podem solicitar às entidades públicas ou privadas as informações necessárias à verificação da conformidade da contabilidade com a verdade patrimonial que lhe subjaz; …”.
Não obstante a redacção do proémio da al. c) supra reproduzida [8], o que resulta da leitura e análise da mesma é que as alterações a introduzir no artigo respeitante às funções dos TOC deveria clarificar as mesmas, no sentido espelhado na lei de autorização, alargando/inovando o seu âmbito, nalgumas casos.
E na sequência desta lei, o DL 310/2009 de 26.10 veio a alterar o art. 6º do ECTOC, alterando a redacção das als. a) e c) do nº 1 e aí introduzindo a al. d), alterando as als. a) e b) [que passou a c)] do nº 2, ao qual aditou outra alínea, agora a b), e introduzindo os nºs 3 e 4.
E da comparação dos regimes, o que resulta é que, nalguns caos, apenas houve clarificação do que já se dispunha e, noutros, houve inovação ou clarificação e inovação, o que, em nosso entender, se passa com a al. a) do nº 2, em que se clarificou que o exercício de consultadoria era nas áreas da contabilidade e fiscalidade, passando a enquadrar, também a área da segurança social.
De tudo o que se deixa dito, afigura-se-nos, portanto, que o aconselhamento, na questão concretamente em análise, faz parte das funções legais do TOC, ao contrário do sustentado pela apelante, incluindo-se, pois, no âmbito de cobertura do seguro contratado, os danos causados a clientes dos segurados (associados da A.) por os segurados não os terem alertado para a opção pelo regime geral como forma de evitar a sua tributação pelo regime simplificado, nada havendo a censurar à sentença recorrida, que se mantém.

Fica prejudicada a apreciação da 2ª questão suscitada pela apelante e que se prendia com o pedido subsidiário formulado pela A. de devolução da participação de resultados, caso o pedido principal fosse julgado improcedente.

DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
            Custas pela apelante.
                                                           *
Lisboa, 17 de Janeiro de 2012

Cristina Coelho
Maria João Areias
Luís Lameiras
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[1] Que já foram, aliás, objecto de apreciação em diversas acções cíveis, sendo nestas, e perante o caso concreto, que haverá que aquilatar se se mostram preenchidos os requisitos determinantes da responsabilidade de indemnizar.
[2] Daí que tenha sido reconhecido à A. interesse em agir.
[3] Como, correctamente, entendeu o tribunal recorrido.
[4] Revogando o DL. 265/95 de 17.10. O DL 452/99 de 5.11 veio a sofrer alterações introduzidas pelo DL. 310/2009 de 26.10, que não se aplicam ao caso sub judice, atenta a data dos factos.
[5] O que, salvo o devido respeito, também não é possível concluir em relação a todos, sendo certo que o que está em causa é a literacia num campo altamente especializado.
[6] Cuja linguagem não é completamente acessível ao cidadão ou empresário comum.
[7] Cfr. o Parecer do Conselho Geral da AO referido pela apelante.
[8] Que não brilha pela clareza desejada.