Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3609/19.5T8ALM.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
ACORDO DE HONORÁRIOS
VALIDADE
FORMA ESCRITA
LAUDO DE HONORÁRIOS
VALOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 – A convenção prévia sobre honorários de advogado está sujeita à forma escrita, que constitui formalidade ad substantiam.
2 – A qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da Ordem dos Advogados que elaboram o laudo de honorários faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, da adequação do montante dos honorários em causa, pelo que a sua credibilidade apenas deve ser colocada em causa quando se verifiquem factos suficientemente fortes que a inquinem.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, com domicílio na Rua …, n.º …., 4.º dto, 1070-292 Lisboa intentou contra B, residente em Rua …, n.º …., N Verdizela, Corroios a presente acção de honorários pedindo a condenação da ré no pagamento ao autor da quantia de 75.476,71€ (setenta e cinco mil e quatrocentos e setenta e seis euros e setenta e um cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até integral e efectivo pagamento.
Alegou para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 22894035):
=> É advogado, titular da Cédula Profissional n.º …, com escritório em Lisboa, tendo-lhe a ré pedido que tratasse, no âmbito da sua profissão, de vários assuntos em que era parte e interessada, o que aceitou;
=> A ré pediu-lhe que a aconselhasse e patrocinasse no âmbito de diversos processos judiciais e junto do cartório, tendo-a informado que cobraria, a título de honorários, a importância de 150,00€ à hora, o que aquela aceitou, tendo despendido múltiplas horas de trabalho, reunido com a cliente durante, pelo menos, 150 horas, das quais contabilizou apenas 50, pedindo o pagamento de um total de 400 (quatrocentas) horas de trabalho realizado, no valor de 60.000,00€, acrescidos de IVA à taxa legal.
=> Apesar das interpelações feitas, a ré nada pagou.
A ré contestou impugnando os factos alegados, designadamente, quanto ao valor hora dos serviços prestados pelo autor, que não lhe foi comunicado e, bem assim, quanto aos serviços prestados e número de horas alegadamente despendido; mais alegou ter entregado ao autor a quantia de 10 mil euros a título de honorários e conclui pela sua absolvição do pedido (cf. Ref. Elect. 24105219).
Em 18 de Maio de 2020 foi proferido despacho que dispensou a realização da audiência prévia, foi efectuado o saneamento dos autos, aferindo-se positivamente todos os pressupostos processuais relevantes, foi fixado o objecto do litígio e elenco de factos já assentes e foram enunciados os temas da prova (Ref. Elect. 396164094).
Em 29 de Janeiro de 2021, foi proferido despacho a ordenar que se oficiasse ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, com envio de certidão da carta dirigida pelo autor à ré com indicação dos honorários[1], para que fosse emitido parecer sobre a sua qualificação como nota de honorários e elaborado o respectivo laudo (cf. Ref. Elect. 402468201).
Realizada a audiência de julgamento, em 17 de Setembro de 2023 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 426785099):
“a) Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de €66.420,00 (sessenta e seis mil quatrocentos e vinte euros), já com IVA incluído à taxa legal de 23%, à qual acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento, tendo por base a taxa legal vigente de 4% ao ano;
b) Absolvo a Ré do restante pedido formulado pelo Autor;
c) Custas a cargo do Autor e Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao Autor.”
Inconformada com esta decisão, a ré veio interpor o presente recurso, cuja motivação conclui do seguinte modo (Ref. Elect. 37401205):
1. É por demais evidente que o presente recurso merecerá o devido provimento, por manifesta existência de vício de violação de lei, por preterição de formalidades essenciais e devida nulidade da decisão proferida, tudo cfr. supra melhor se deixou alegado e demonstrado.
2. Pois que na imediatividade de não ter efeito suspensivo, o recorrido certamente irá interpor uma de duas acções, ou uma acção executiva, com penhora de bens, penhora de eventuais saldos bancários e quiçá, penhora de saldos bancários com pedidos de entrega ao exequente ou, pior dos cenários, acção de insolvência de pessoa singular, sobretudo esta última, sendo processo urgente, decorrerá certamente de forma mais célere que a decisão que vier a ser proferida no âmbito do presente recurso.
3. Assim, uma vez que a decisão favorável obtida nos presentes autos, só posteriormente a qualquer outra decisão virá a ser proferida, implica a total e absoluta inutilidade da mesma, com o prejuízo agravado na esfera da ora recorrente, assim se dignificando a douta aplicação da JUSTIÇA através do deferimento do efeito suspensivo ao presente recurso, o que respeitosamente se requer.
4. Vem a ré recorrente, condenada pela sentença ora em crise, ao pagamento da quantia total de €66.420,00 (sessenta e seis mil quatrocentos e vinte euros), já com IVA incluído à taxa legal de 23%, à qual acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento, tendo por base a taxa legal vigente de 4% ao ano.
5. Porém e conforme supra melhor se alegou, padece a sentença ora em crise de erros e vícios vários, que impõem e melhor impõe a JUSTIÇA a sua revogação através da procedência do presente recurso.
6. Determina claramente o disposto no artigo 515.º CPC, que “Incumbe ao autor fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, que sejam constitutivos do seu direito…”, pelo que caberia a autor recorrido fazer prova, entre outros, do “tempo” despendido.
7. A douta sentença é clara, conforme supra transcrito, incluindo tal matéria de facto na secção de, “II.2 - Discutida a causa não resultaram provados os seguintes factos:” todos os factos alegados pelo autor recorrido no quanto diz respeito ao número de horas, i e, o autor recorrente NÃO PROVOU o número de horas, o “tempo”, despendido no trabalho que alega ter efectuado no interesse e para o interesse da ré recorrente.
8. Lê-se ainda na douta sentença proferida: “Ao considerar como não provados os factos constantes dos pontos 01 a 06 o Tribunal entende que não foi efectuada prova suficiente da qual seja possível retirar em concreto o número de horas despendido em cada processo.”
9. “III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»” in Ac. STJ, Proc. 6 60/1999.P1.S1, lendo-se ainda no supra citado acervo jurisprudencial: “I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.”
10. Ora, transpondo a douta jurisprudência para o caso concreto, é inegável que a decisão se encontra em manifesta oposição com os fundamentos, isto porquanto, o autor recorrido, não logra provar questão de facto essencial à procedência do seu Direito, nomeadamente, o número de horas que despendeu com cada processo.
11. O douto Tribunal a quo, com a douta sentença proferida, criou contradições entre a matéria de facto que deu como provada e a decisão que profere no final, violando normas de direito probatório, as quais não foram observadas e preenchidas pelo autor recorrente.
12. Termos em que perante o supra exposto e devidamente aplicando a lei ao caso concreto, dever-se-á considerar que a douta sentença proferida se encontra enferma de vício que determina a nulidade da mesma, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
13. Mutatis mutandis, a realidade material dos factos supra melhor alegada, mantém-se e fundamenta que a decisão proferida, sempre terá de ser declarada nula para todos os devidos efeitos legais, por força de erro de julgamento: “III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.” In Ac. STJ, Proc. 157/17.8T8VFX.L1.S1.
14. No quanto ao Laudo diz respeito, atente-se que, salvo o devido respeito por aquele douto Tribunal a quo, não poderia o mesmo ter “instrumentalizado” o Laudo junto aos autos, como forma de suprir a ineptidão do pedido do autor recorrido.
15. O “laudo” da Ordem dos Advogados reveste a natureza de “parecer técnico”, destinado a esclarecer o julgador e, como tal, encontra-se sujeito à sua livre apreciação, porém e como parecer técnico, não é apto a suprir uma deficiência de forma e conteúdo na posição activa do autor aqui recorrido o que determina que o seu valor probatório será sempre limitado e não apto a suprir deficiências imputáveis ao autor recorrido.
16. E que o aqui importa é o caso concreto, até porque, desconhecendo ao autor do laudo a competência técnica do autor recorrido, como poderá alegar que o mesmo terá usado mais ou menos horas, pois que o aqui está em causa e que fundamenta a condenação da ré recorrente nos exactos termos em que vem condenada, é o número de horas que foi reconhecido pelo douto Tribunal a quo, sem que prova alguma se tenha feita nos autos sobre essa mesma questão controvertida.
17. É que nem mesmo o Laudo poderia servir de instrumento orientador (o que não se concebe), porquanto na acção NÃO SE PROVOU qualquer número de horas.
18. Com efeito, o tempo despendido não é apenas "um critério", outrossim é um facto consubstanciador do direito - é, aliás, o único critério que beneficia da possibilidade de ser efectivamente computado, pois assiste-lhe uma concreta unidade de medida - a "hora" - de que se arroga titular o autor recorrido e, que por essa mesma razão, deveria ter sido provado nos autos, e como resulta claramente da douta sentença proferida, assim o não é.
19. A afirmação da supremacia deste critério está proclamada, sem pejo de dúvida, por jurisprudência clara da Ordem dos Advogados no Acórdão do Conselho Geral de 28 de Outubro de 1988, publicado em "Revista da Ordem dos Advogados", 1989, Ano 49, página 279.
20. Tudo o que não existe provado nos autos.
21. Acresce também que nunca foi junta aos autos, nota de honorários, devidamente elaborada e enviada à recorrente: “II. Na ação em que é pedido o pagamento dos honorários apenas os actos identificados na nota de honorários integram a causa de pedir.”
22. Ora, nos presentes autos foi impugnada a recepção da nota de honorários, na verdade, o documento junto pelo autor recorrido não prova que a recepção existiu.
23. Assim a montante, o autor recorrido não veio provar, por meio de forma documental a existência de uma nota de honorários que tenha interagido na esfera jurídica da ré recorrente e, que por assim o não provar, não poderá ser reconhecida a existência de uma nota de honorários válida juridicamente para o fim pretendido pelo autor recorrido.
24. A jusante, porém, a ré recorrente, provou por meio de prova documental, que o alegado documento junto pelo autor recorrido, não poderá nunca produzir os efeitos jurídicos pelo mesmo pretendido.
25. “4- A conta de honorários é enquadrável no conceito de documento essencial referido no art.º 590º nº 3 do CPC, ou seja, documento que por imposição legal é indispensável à prova de um facto ou factos que constituem pressuposto essencial da pretensão deduzida (ou da excepção invocada), impondo-se que o juiz, em acção de honorários, convide o autor a juntar aos autos essa conta de honorários.” In Ac. TR de Lisboa, Proc. 56285/17.9YIPRT.L1-6.
26. Demonstrando-se assim de forma cabal, autónoma e individualizada ou de forma conjunta, que mal andou a douta sentença proferida, impondo-se a sua revogação, só assim se fazendo a tão douta e costumada JUSTIÇA!
Termina pugnando pela procedência do recurso e pela consequente revogação da sentença recorrida.
O autor/recorrido contra-alegou sustentando a inadmissibilidade do recurso quanto à impugnação da matéria de facto e pela sua improcedência.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil , é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art.º 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
De notar, contudo, que a restrição do objecto do recurso pode ser tácita quando se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, apesar da amplitude decorrente da motivação do recurso, o recorrente acaba por restringir o seu objecto através das questões identificadas nas respectivas conclusões. De igual modo, em sentido inverso, devem também ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação da ré/apelante, o objecto do presente recurso consiste em apreciar as seguintes questões:
a) Nulidade da sentença;
b) Admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) Alteração oficiosa da matéria de facto apurada;
d) Fixação da quantia devida a título de honorários.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) O Autor é advogado, titular da Cédula Profissional nº …, com escritório na Rua …, nº ……, 4º dtº, Lisboa.
B) Na sequência de contactos mantidos em Maio de 2016, a Ré pediu ao Autor que tratasse, no âmbito da sua profissão, de vários assuntos em que aquela era parte interessada, o que o Autor aceitou.
C) O Autor patrocinou a Ré no âmbito dos seguintes autos: proc. nº 18727/16.3T8LSB, Juízo de Comércio de Lisboa, J1; proc. nº 12646/17.3T8LSB, Juízo de Comércio de Lisboa, J5; proc. nº 16973/16.9T8LSB, Juízo de Comércio de Lisboa, J5; proc. nº 16971/16.2T8LSB, Juízo de Comércio de Lisboa, J2; proc. de inventário nº 582/17, que correu termos pelo Cartório Notarial da Dr.ª R.
D) Aquando da solicitação da prestação dos serviços de advocacia por parte da Ré ao Autor, este comunicou àquela que cobraria, a título de honorários, a importância de €150,00 à hora pelos mesmos, o que a Ré aceitou.
E) No âmbito do acompanhamento e patrocínio dos assuntos que deram origem e foram objecto do Proc. n.º 18727/16.3T8LSB, o Autor prestou serviços da sua profissão que a seguir se indicam:
• Estudou o assunto e definiu a estratégia e a actividade processual e negocial a desenvolver;
• Requereu, recebeu e analisou certidões;
• Preparou e elaborou a petição inicial, a resposta à contestação e outros requerimentos que se encontram juntos aos autos do referido processo;
• Promoveu o registo da referida acção judicial na Conservatória do Registo Comercial;
• Preparou e realizou as sessões da audiência de julgamento;
• Negociou com o mandatário da parte contrária com vista a tentar a obtenção de uma solução consensual para o litígio que opunha a Ré ao ex-marido;
• Através do registo da referida acção, o Autor logrou, conforme pretendido pela Ré, que o ex-marido desta não conseguisse vender o património da sociedade AroeiraPark à revelia da Ré.
F) No âmbito do acompanhamento e patrocínio dos assuntos que deram origem e foram objecto do Proc. n.º 12646/17.3T8LSB, o Autor prestou serviços da sua profissão que a seguir se indicam:
• Estudou o assunto e definiu a estratégia e a actividade processual e negocial a desenvolver;
• Participou em representação e no interesse da Ré em reuniões da Assembleia Geral da sociedade em causa nos autos;
• Requereu, recebeu e analisou certidões;
• Preparou e elaborou a petição inicial, a resposta à contestação e outros requerimentos que se encontram juntos aos autos do referido processo;
• Promoveu o registo da referida acção judicial na Conservatória do Registo Comercial;
• A referida acção judicial foi julgada totalmente procedente.
G) No âmbito do acompanhamento e patrocínio dos assuntos que deram origem e foram objecto do Proc. n.º 16973/16.9T8LSB, o Autor prestou serviços da sua profissão que a seguir se indicam:
• Estudou o assunto e definiu a estratégia e a actividade processual e negocial a desenvolver;
• Requereu, recebeu e analisou certidões;
• Preparou e elaborou a petição inicial, a resposta à contestação e outros requerimentos que se encontram juntos aos autos do referido processo;
• Promoveu o registo da referida acção judicial na Conservatória do Registo Comercial;
• Preparou e participou na audiência prévia, bem como nas várias sessões da audiência de julgamento;
• A referida acção judicial foi julgada totalmente procedente.
H) No âmbito do acompanhamento e patrocínio dos assuntos que deram origem e foram objecto do Proc. n.º 16971/16.2T8LSB o Autor prestou serviços da sua profissão que a seguir se indicam:
• Estudou o assunto e definiu a estratégia e a actividade processual e negocial a desenvolver;
• Requereu, recebeu e analisou certidões;
• Preparou e elaborou a petição inicial, a resposta à contestação e outros requerimentos que se encontram juntos aos autos do referido processo;
• Promoveu o registo da referida acção judicial na Conservatória do Registo Comercial;
• A referida acção judicial foi julgada totalmente procedente.
I) No âmbito do acompanhamento e patrocínio dos assuntos que deram origem e foram objecto do Processo de Inventário com o n.º 582/17, que correu pelo Cartório da Dra. R, o Autor prestou serviços da sua profissão que a seguir se indicam:
• Estudou os assuntos e analisou extensa documentação;
• Preparou, elaborou e apresentou vários requerimentos;
• Efectuou deslocações ao Cartório Notarial para conferenciar com a Notária e seus funcionários.
J) O Autor reuniu com a Ré por diversas vezes.
L) A Ré solicitou ainda ao Autor o acompanhamento em processo judicial de natureza penal com um dos seus filhos.
M) Pelos serviços prestados, o Autor pediu o pagamento de 400 (quatrocentas) horas de trabalho realizado e, em conformidade com o acordado, o Autor solicitou, verbalmente e por escrito, à Ré o pagamento de honorários no montante de €60.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, o que perfaz o total de €73.800,00 (setenta e três mil e oitocentos euros).
N) Em resposta, a Ré propôs ao Autor o pagamento em dinheiro da importância de €20.000,00 (vinte mil euros), alegando que era o único montante que tinha disponível e que, apesar de ter acordado as partilhas em conformidade com o por ela pedido ao Autor, o seu ex-marido ainda não lhe havia pago, pelo que se fosse mais teria de pedir ao seu ex-marido.
O) O Autor não aceitou a proposta de pagamento da Ré.
P) Apesar das interpelações feitas pelo Autor, a Ré até à presente data nada pagou.
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O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
1 - Com os serviços a que alude a alínea E) o Autor despendeu, pelo menos, 96 (noventa e seis) horas de trabalho.
2 - Com os serviços a que alude a alínea F) o Autor despendeu, pelo menos, 68 (sessenta e oito) horas de trabalho.
3 - Com os serviços a que alude a alínea G) o Autor despendeu, pelo menos, 86 (oitenta e seis) horas de trabalho.
4 - Com os serviços profissionais a que alude a alínea H) o Autor despendeu, pelo menos, 60 (sessenta) horas de trabalho.
5 – Com os serviços profissionais a que alude a alínea I) o Autor despendeu, pelo menos, 40 (quarenta) horas de trabalho.
6 – As reuniões a que alude a alínea J) ocorreram desde Maio de 2016, sendo que na sua totalidade na realização dessas reuniões o Autor despendeu, pelo menos, 150 (cento e cinquenta) horas.
7 – A Ré pagou ao Autor num primeiro momento a quantia de €4.500,00 e num segundo momento o valor de €5.500,00, o que perfaz o montante total de €10.000,00 a título de honorários, sem que o mesmo tenha emitido qualquer factura.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da nulidade da sentença
As alegações da recorrente não primam por uma estrutura organizada e encadeamento lógico das questões que pretende submeter à apreciação deste Tribunal superior, mas, se bem se percebe, vem aquela suscitar a nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão, o que fundamenta na circunstância de ali se ter dado como não provados os factos atinentes ao número de horas de trabalho despendido pelo autor em cada processo em que interveio em sua representação, o que, sendo essencial ao mérito da causa, deveria ter determinado a improcedência desta, o que não aconteceu, daí que identifique o referido vício de contradição.
O autor pronunciou-se nas suas contra-alegações refutando que se verifique tal nulidade, pois que, apesar de não se terem provado as concretas horas de trabalho alegadas na petição inicial, o tribunal baseou-se no laudo de honorários para concluir pelo número de horas passíveis de terem sido despendidas com os mencionados processos.
A senhora juíza a quo proferiu despacho admitindo o recurso interposto[2], mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, n.º 1 e 617º do CPC (admitindo-se que tal se possa ter ficado a dever à falta de identificação cabal das questões suscitadas).
A omissão de despacho do juiz a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito, cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 215.
Tendo presente a natureza da matéria em causa e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC.
Dispõe o art.º 615º, n.º 1 do CPC o seguinte:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência.
Conforme impõe o n.º 3 do art.º 607º do CPC, o juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, observando o disposto quer nesse normativo, quer no respectivo n.º 4, ou seja, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, o que fará em conformidade com a sua livre apreciação (princípio da liberdade de julgamento – cf. n.º 5 do art.º 607º do CPC).
É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737.
A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a “uma «construção viciosa», ou seja, como esclarece Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 370-371:
“[…] um vício lógico da sentença: o juiz elegeu deliberadamente determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio para extrair uma dada conclusão; só que esses fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a um resultado oposto a esse, isto é, existe contradição entre os fundamentos e a decisão (por ex., toda a lógica fundamentadora da sentença apontaria para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, na sentença, decreta, de modo contraditório, a absolvição do réu do pedido). Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendia – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que não se confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstracta, vício este só sindicável em sede de recurso jurisdicional.”
Com efeito, a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão não pode ser confundida com um erro de julgamento, que ocorrerá quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impunha uma solução jurídica diferente. Quando, ainda que mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, estar-se-á perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; já se tratará de nulidade se o raciocínio expresso na fundamentação indicar uma determinada consequência jurídica e a conclusão levar a outra – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 738; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, p.p. 736-737.
Na decisão recorrida, a senhora juíza a quo considerou provados os serviços prestados pelo autor – cf. alíneas C) a I) dos factos provados – e, por outro lado, deu como não provado o número de horas alegadamente despendidos em cada um dos processos em que interveio – cf. pontos 1. a 6. dos factos não provados.
Não obstante isso, reconhecendo que o autor não tinha conseguido demonstrar o número de horas despendido no exercício do mandato, o Tribunal não deixou de considerar que este estava demonstrado, designadamente por referência aos processos judiciais em que aquele interveio enquanto advogado, pelo que tal serviço implicava o pagamento por parte da ré de uma contrapartida monetária (honorários). Assim, com base no laudo de honorários junto aos autos, entendeu que, na ausência de demonstração do número de horas alegado, havia que se atender ao valor/hora acordado (150,00€) e ao número de horas que no laudo são mencionadas como as tidas por adequadas para o desempenho daquele trabalho e, assim, consideraram-se 10 horas ocupadas em reuniões e contactos telefónicos e 350 horas com as restantes tarefas, daí que se tenha concluído pela condenação da ré no pagamento de 54.000,00€, acrescidos de IVA.
Perante isto, não se vislumbra em que assenta a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão a que o Tribunal recorrido chegou, pois que é totalmente perceptível o raciocínio seguido, no sentido de, na falta de demonstração concreta do número de horas despendido, se ter lançado mão do tempo que foi considerado adequado à execução das tarefas, tal como resultaram demonstradas, condenando-se a ré em conformidade.
Se esta conclusão se encontra em consonância com a prova produzida ou se o tribunal se baseou em prova não atendível ou até se desatendeu os critérios do ónus da prova, serão questões que contendem com o acerto ou desacerto da decisão e têm que ver com eventual erro de julgamento, mas não integram o vício de contradição nem conduzem à respectiva nulidade.
Improcede a apontada nulidade da decisão e improcedem as conclusões 6. a 12. do recurso.
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3.2.2. Admissibilidade da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito, afere-se que em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que é exigido no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
António Abrantes Geraldes, in op. cit., pág. 201 refere: “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. B));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art.º 640º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.”
É conhecida a divergência jurisprudencial quanto a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no normativo legal supra transcrito devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. art.ºs 635º, n.º 2 e 639º, n.º 1 do CPC).
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1[3] refere-se de modo esclarecedor:
“[…] a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.”
A especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, sem que, porém, a especificação dos meios de prova e, menos ainda, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.
É, assim, identificado um ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. A ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação conduzirá, por regra, à rejeição liminar do recurso quanto à matéria de facto; o incumprimento do ónus secundário importa uma avaliação, em termos proporcionais, da sua repercussão no conhecimento do objecto do recurso: se a escassa indicação das partes relevantes dos depoimentos ou meios de prova não dificultar a localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se fundou, será de admitir a impugnação – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1.
Seguro é que, nas conclusões do recurso deve ser incluída a questão relativa à impugnação da matéria de facto, aí indicando sinteticamente “os fundamentos por que pede a alteração (ou anulação) da decisão” (art.º 639º nº 1), o que servirá para o recorrente afirmar que matéria de facto pretende ver reapreciada, indicando os pontos concretos que considera como incorrectamente julgados, face aos meios probatórios que indica nas alegações – cf. acórdão de 31-5-2016, processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1.
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.
Ora, como se retira do acima expendido, os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso - cf. alínea a) do n.º 2 do art.º 640º do CPC.
Acresce que, não obstante as exigências inerentes à impugnação da matéria de facto deverem ser apreciadas “à luz de um critério de rigor”, enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, não se deve interpretá-las a um nível de exigência tal que seja violado o princípio da proporcionalidade, com a consequente denegação de reapreciação da decisão da matéria de facto – cf. neste sentido, António Abrantes Geraldes, op. cit., pp. 202-203.
O autor/recorrido pugnou pelo reconhecimento da inobservância pela recorrente do ónus impugnatório, por não terem sido especificados os pontos de facto que a ré pretendia impugnar, nem indicados os concretos meios probatórios ou a decisão pretendida.
Analisando as alegações apresentadas pela ré/apelante, verifica-se que esta começa, desde logo, por não indicar de forma clara, escorreita e inquestionável quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, tecendo considerações a propósito de diversas alíneas do elenco da matéria de facto provada, sem assumir uma assertiva intenção de reapreciação do decidido à luz de meios de prova que convoque e que tão-pouco identifica ou explicita, no sentido de permitirem conduzir a decisão diferente.
Veja-se, a propósito das alíneas B) e I) dos factos provados, que a recorrente apenas se insurge contra a expressão “assuntos” utilizada no primeiro, quando é seguro que na alínea C) são concretamente identificados os processos em que o autor prestou os seus serviços e, no segundo, quanto à qualificação “extensa”, sem fazer qualquer alusão a meios de prova que devessem conduzir a decisão diversa, que tão-pouco indica.
No que diz respeito às alíneas J) e P) dos factos provados, refere apenas que não resultou provado o que nelas se consignou, sem ser feita qualquer menção sobre quais os meios de prova em que a apelante se basearia para visar alcançar a modificação do que ali ficou demonstrado.
Quanto ao vertido nas alíneas D), E) e F) a ré/recorrente vem sustentar, respectivamente, que a prova revela que não lhe foi comunicado o valor/hora dos honorários cobrados, que o autor não tentou qualquer solução negocial com o mandatário da parte contrária e que nunca participou em reunião de assembleia geral, o que faz, porém, sem indicar, quanto à primeira alínea, os meios de prova em que se baseia para obter a alteração do juízo probatório formulado pelo tribunal recorrido e, quanto aos restantes, remetendo genericamente para depoimentos de testemunhas, sem qualquer indicação ou transcrição das passagens que seriam relevantes para o fim visado.
Por outro lado, relativamente a todos estes pontos a apelante absteve-se de indicar qual a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de factos impugnadas.
Se isto não fosse bastante para se ter por incumprido o ónus impugnatório que sobre a recorrente recaía, nos termos do art.º 640º do CPC, sempre se teria de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, porquanto, transcorridas as conclusões do recurso, não se identifica, em qualquer delas, qualquer indicação ou síntese, sobre aquilo que pretende a recorrente em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, sendo totalmente omissas quanto aos factos impugnados, o que sempre determinaria a sua rejeição – cf. art.ºs 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, b) do CPC.
Com tais fundamentos, impõe-se rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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3.2.3. Da alteração oficiosa da matéria de facto
Sob a alínea D) dos factos provados o Tribunal recorrido deu como provado o seguinte:
D) Aquando da solicitação da prestação dos serviços de advocacia por parte da Ré ao Autor, este comunicou àquela que cobraria, a título de honorários, a importância de €150,00 à hora pelos mesmos, o que a Ré aceitou.
O que fundamentou do seguinte modo:
“Ao considerar como provados os factos vertidos na alínea D) o Tribunal estribou a sua convicção nos depoimentos prestados pelas testemunhas RR, JA e MO.
De modo unânime as testemunhas RR e MO afirmaram que o valor hora cobrado a título de honorários era comum a todos os advogados do escritório, no qual se incluía o Autor, ou seja, €150,00/h. Este valor hora cobrado estava afixado em local visível a todos os clientes, bem como estava afixado no interior do gabinete do Autor.
A testemunha JA, cliente do Autor, disse que o valor hora cobrado era de €150,00/h e esse valor era visível dado que estava afixado de modo visível para todos os clientes.
Do modo claro e isento como as testemunhas depuseram, as quais demonstraram conhecimento directo dos factos, o Tribunal considerou como provados tais factos.”
O art.º 662º, n.º 1 do CPC permite à Relação que, mesmo a título oficioso, proceda à supressão de patologias que afectem a decisão da matéria de facto, podendo também modificá-la quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, designadamente quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de cero meio de prova, ou quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo ou ainda quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente, situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da rega de direito probatório material (cf. art.º 364º, n.º 1 do Código Civil).
“Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1.ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo, neste caso, da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.” – cf. art.ºs 663º, n.º 2 e 697º, n.º 4 do CPC; António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 336.
Na petição inicial, o autor invocou a celebração de um acordo prévio entre as partes quanto à fixação dos honorários, ou seja, que teria comunicado à ré que cobraria 150,00€/hora pelos seus serviços, o que esta aceitou.
A propósito da existência de convenção prévia, tem-se referido que os critérios estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do art.º 105º do EOA para a fixação de honorários não são aplicáveis quando exista convenção prévia quanto ao respectivo montante, o que resultaria do n.º 2 do normativo em referência, dado que os advogados podem validamente ajustar previamente com os clientes a fixação de uma verba certa como remuneração dos serviços a prestar.
A ora signatária já teve oportunidade de sustentar que o ajuste prévio não tem de ser necessariamente reduzido a escrito ou constitui formalidade ad substantiam, sendo que a existência de acordo verbal quanto ao montante de honorários isentaria o advogado de apresentar ao cliente uma conta por escrito, em conformidade com o que resulta do art.º 105º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados[4] [5].
Todavia, após melhor ponderação e análise do estado da jurisprudência mais recente, que maioritariamente vem sustentando que a redução a escrito do eventual acordo prévio sobre honorários corresponde a uma forma especial, constituindo uma formalidade ad substantiam, crê-se não ser aquele entendimento que se vinha seguindo o mais ajustado.
Na verdade, o art.º 105.º, n.º 1 do EOA estatui que os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa, acrescentando o n.º 2 de tal preceito que, na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
Nos termos do disposto no art.º 393.º, n.º 1 do Código Civil, se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.
Por sua vez, o art.º 364º do Código Civil prescreve que, quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, sendo que, destinando-se o documento a prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto, no último caso, que conste de documento de igual ou superior valor probatório.
A validade da declaração negocial não depende, em regra, da observância de forma legal, mas a lei pode exigi-la, sendo nula a declaração que a não observe – cf. art.ºs 219º e 220º do Código Civil
A exigência de forma escrita pode respeitar à prova da declaração negocial -caso em que o documento é exigido ad probationem - ou à sua validade - caso em que o documento é exigido ad substantiam, referindo José Lebre de Freitas, em anotação ao art.º 364º, ser hoje difícil “dar um exemplo de documento exigido por lei apenas para a prova do negócio jurídico” – cf. Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, Ana Prata (Coord.), pág. 488; cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 322 – “A regra é a de que os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substantiam. Daí o princípio da nulidade consagrado no artigo 220.º Só quando a lei se refira, pois, claramente à prova do negócio, é que é aplicável o regime do n.º 2 deste artigo.”
De todo o modo, em qualquer dessas situações, está afastada a possibilidade de fazer uso da prova testemunhal para fazer prova da declaração negocial.
Assim, a redução a escrito do eventual acordo prévio sobre honorários corresponde, efectivamente, a uma forma especial, pelo que, independentemente da controvérsia jurisprudencial sobre se o requisito é exigido como formalidade ad substantiam ou meramente probatória, há que reconhecer a inadmissibilidade da sua prova por testemunhas, pois que ainda de formalidade ad probationem se tratasse, o documento só pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, o que, no caso, não se verifica.
Neste sentido, aceita-se, como se refere no acórdão desta Relação e secção de 30 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 12197/18.9YIPRT.L1-7, que:
“[…] quer a letra do preceito em apreço (nº 2 do art.º 67º do EOA), quer o seu espírito sustentam a conclusão de que a referência a acordo escrito traduz uma exigência de forma especial da declaração que configura uma formalidade ad substantiam.
Uma tal interpretação apoia-se em duas circunstâncias:
- Por um lado, trata-se de uma matéria que importa rodear de particulares cautelas, até por necessidade de segurança e certeza.
- Por outro lado, a prova testemunhal sempre se revestiria de dificuldades especiais, na medida em que muito dificilmente tal acordo seria presenciado por terceiros.
Nesta conformidade concluímos que o acordo sobre honorários a que se reporta o art.º 67º, nº 2 do EOA está sujeito a forma escrita, e que tal exigência corresponde a uma formalidade ad substantiam, razão pela qual não pode provar-se por testemunhas – arts. 219º, 2ª parte, 220º, e 393º, nº 1 do CC.”
Vejam-se ainda no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020, processo n.º 83436/18.3YIPRT-A.L1-7 e de 19-12-2019, processo n.º 56285/17.9YIPRT.L1-6; do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-06-2023, processo n.º 227/20.9T8VRL.G1.
Em consonância, o facto atinente à alegada convenção para liquidação dos honorários, que está subjacente ao vertido na alínea D) dos factos provados, deve considerar-se abrangido pela restrição de prova que emerge do disposto nos art.ºs 364.º, e 393.º, n.º 1 do Código Civil.
Neste caso, não existe nos autos qualquer documento que faça prova do acordo invocado pelo autor, nem o tribunal recorrido o identificou, porquanto convocou tão-somente prova testemunhal para fundamentar a sua convicção.
Na ausência da prova necessária para a demonstração da convenção prévia reduzida a escrito sobre a fixação dos honorários, há que retirar dos factos provados o que consta da alínea D), que assim transita para os factos não provados.
Para evitar contradições entre os factos apurados importa subtrair da alínea M) a referência a “acordado”, pelo que a sua redacção passa a ser a seguinte:
M) Pelos serviços prestados, o Autor pediu o pagamento de 400 (quatrocentas) horas de trabalho realizado e solicitou, verbalmente e por escrito, à Ré o pagamento de honorários no montante de €60.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal, o que perfaz o total de €73.800,00 (setenta e três mil e oitocentos euros).
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3.2.4. Fixação da quantia devida a título de honorários
Cristalizada a matéria de facto provada e não provada em conformidade como o supra expendido, impõe-se agora aferir se merece provimento a pretensão da ré de ver modificada a decisão no que concerne à solução jurídica do caso.
A apelante sustenta que na presente acção de honorários era facto essencial demonstrar o número de horas de trabalho despendido pelo autor, o que este não logrou provar, tal como resulta da matéria de facto não provada, pelo que a acção teria necessariamente de improceder; mais sustenta que, ao condenar a ré no pagamento da mencionada quantia, o tribunal violou as regras de direito probatório, pois que não poderia ter utilizado o laudo de honorários junto aos autos para suprir a falta de prova por parte do autor quanto ao número de horas a serem remuneradas, pois que, tratando-se de parecer técnico, está sujeito à livre apreciação do tribunal, mas não supre a falta de prova do autor quanto a um facto consubstanciador do seu direito.
O autor/apelado argumenta, por seu lado, que o laudo de honorários tem a força de uma perícia e que o número de horas pode ser calculado por estimativa, pelo que nada obstava a que o Tribunal atendesse ao nele mencionado como sendo o tempo razoável a despender para a execução das tarefas apuradas.
Elemento essencial do contrato de mandato regulado no artigo 1157º e seguintes do Código Civil é que o mandatário esteja obrigado, por força do contrato, à prática de um ou mais actos jurídicos - cf. M. Januário Gomes, Contrato de Mandato (Apontamentos das aulas teóricas e elementos para as aulas práticas), AAFDL 1983/84, págs. 7 e 11.
Outro dos elementos essenciais do contrato de mandato é que o mandatário actue por conta do mandante, o que significa que os efeitos jurídicos do acto se repercutem ou devem repercutir-se na esfera jurídica do mandante e não do agente, para além de que isso implicará que o acto será efectuado à custa de outrem.
De acordo com o disposto no art.º 1158º, n.º 1 do Código Civil, o mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, pois que aí se presumirá oneroso.
O n.º 2 desta disposição legal esclarece que “Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta delas, pelos usos; e, na falta de umas e de outros, por juízos de equidade”.
Na falta de convenção das partes quanto à remuneração do mandatário, caberá ao intérprete fixar o valor da remuneração ou avaliar a remuneração unilateralmente fixada pelo mandatário, para o que se socorrerá de três critérios: tarifas profissionais, usos e juízos de equidade – cf. Maria Helena Brito, Maria de Lurdes, Vargas, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), pág. 1487.
Quanto ao mandato judicial, exercido por advogado, os estatutos da respectiva Ordem contêm regras próprias que delineiam a fixação dos honorários pelos advogados, sendo que, no caso, o art.º 105º, n.º 3 do EOA, determina que os advogados devem, na fixação dos honorários, atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.
Os honorários serão pagos em dinheiro, podendo o advogado exigir, a título de provisão, quantias por conta dos honorários - cf. art.º 1167º, b) do Código Civil e art.ºs 103º e 105º, n.º 1 do EOA.
O art.º 1161º do Código Civil enumera nas suas diversas alíneas as obrigações do mandatário, entre as quais figura a prestação de informações sobre o estado da gestão (alínea b)) e a prestação de contas (alínea d)).
Por sua vez, o art.º 1167º do C. Civil reporta-se às obrigações do mandante, que deverá, nomeadamente, pagar a retribuição que ao caso competir e fazer provisão ao mandatário por conta dela segundo os usos, bem como reembolsá-lo das despesas feitas que tenham sido consideradas, fundadamente, indispensáveis (na aferição da justeza dessas despesas haverá que lançar mão de um juízo de razoabilidade) - alíneas b) e c).
A procedência de uma acção de honorários pressupõe a alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado pelo mandatário relativamente aos serviços que prestou ao cliente, fixados de harmonia com os mencionados critérios e a falta do seu pagamento – cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 2-05-2019, processo n.º 819/08.4TBLGS-B.E1; do Tribunal da Relação do Porto de 10-11-2015, processo n.º 7302/08.6TBMTS.P1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2018, processo n.º 19516/17.3YIPRT.L1-7 – “Neste contexto, constituem factos essenciais ou estruturantes da petição a celebração do contrato de mandato forense e a descrição dos serviços efetivamente prestados em execução do mesmo.”
Nos termos do disposto no art.º 342º, n.º 1 do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, no caso presente, cabia ao autor demonstrar a prestação dos serviços no âmbito de mandato judicial, a remuneração fixada e a falta de pagamento.
Os factos apurados sob as alíneas A) a C) e E) a L) revelam a relação contratual que se estabeleceu entre o autor e a ré, a contratação por esta dos serviços do autor, enquanto advogado, serviços por este prestados no âmbito da sua actividade profissional, que se presumem, assim, onerosos.
É evidente que, quanto ao número de horas de trabalho prestado, o autor/recorrido não logrou demonstrar a execução das 400 horas cujo pagamento reclamou.
Todavia, a argumentação da recorrente quanto à inviabilidade de o tribunal recorrido lançar mão da prova emergente do laudo de honorários para fixar, em termos de razoabilidade, o número de horas necessárias para a execução do trabalho efectivamente prestado, não viola qualquer regra de direito probatório material, nem, por outro lado, coloca em crise as regras sobre o ónus da prova.
Atente-se que, tal como resulta do disposto no art.º 411º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
O juiz pode, assim, no domínio da investigação de factos, determinar quaisquer diligências probatórias que não tenham sido solicitadas pelas partes, desde que se destinem a incidir sobre factos essenciais por elas alegados, tanto mais que o não uso, pelo juiz, dos poderes instrutórios que a lei lhe confere pode integrar uma nulidade processual, nos termos do art.º 195º, n.º 1 do CPC – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 207-208.
Por outro lado, tal como decorre do disposto no art.º 413º do CPC, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las. Trata-se da consagração do princípio da aquisição processual.
Assim, uma vez produzida a prova constituenda ou admitida a prova pré-constituída, ela tem de ser considerada na decisão.
No caso em apreço, o pedido de elaboração de laudo de honorários foi oficiosamente formulado pelo Tribunal e incidiu sobre factos essenciais que integram a causa de pedir e fundamentam o pedido deduzido na acção.
Nos termos do art.º 2º do Regulamento dos Laudos de Honorários n.º 40/2005 OA (2.ª série), de 29 de Abril de 2005[6] “O laudo sobre honorários constitui parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável e o presente regulamento.”
Seguro é que os laudos emitidos pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados não têm um valor vinculativo e constituem meios de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.
Com efeito, enquanto parecer técnico, o laudo exprime o testemunho de pessoa que, solicitada extrajudicialmente para verificar determinados factos, narra o que viu e observou; a sua eficácia probatória não pode ser superior ao da prova pericial ou ao da prova testemunhal, mas, não constituindo prova documental com força probatória plena, não deixa de integrar o contexto da prova produzida, devendo ser livremente apreciado pelo tribunal – cf. art.º 426º e 607º, n.º 5 do CPC e art.º 366º do Código Civil; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pág. 503.
Contudo, ainda que não seja vinculativo para o tribunal, um tal laudo deve merecer a máxima atenção do julgador, dada a particular qualificação profissional e experiência dos membros que integram o Conselho Superior da Ordem dos Advogados e que o elaboram e as regras deontológicas que presidem à sua actividade, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre a justeza ou adequação do montante dos honorários em causa – cf. neste sentido, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15-04-2015, processo n.º 4538/09.6TVLSB-B.L1.S1; e do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-02-2021, processo n.º 974/14.4TBBRG.G1.
Consequentemente, a credibilidade que deve merecer o laudo de honorários só deve ser colocada em crise, posto que se verifiquem factos suficientemente fortes que a inquinem – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020, processo n.º 83436/18.3YIPRT-A.L1-7.
Não é esse, seguramente, o caso dos autos, onde o resultado do laudo de 6 de Julho de 2022, emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no processo de laudo n.º 31/2021-CS7L, junto ao processo em 27 de Setembro de 2022[7], notificado às partes[8], não foi sequer por estas impugnado.
Mas a discordância da ré/recorrente incide, sobremaneira, sobre a circunstância de, não tendo o autor logrado demonstrar o número de horas de trabalho prestado que pretendia cobrar, tal impedia que o tribunal recorrido considerasse verificado o facto essencial, qual seja, a quantidade de trabalho a remunerar.
Ou seja, em rigor, não é o laudo em si que a recorrente coloca em causa, mas a atendibilidade do tempo aí considerado como sendo o necessário para a prestação dos serviços, que, no seu entender, não poderia ser contabilizado.
Sucede que estão demonstrados os serviços efectivamente prestados pelo autor à ré – cf. alíneas C), E), F), G), H), I), J) e L) da matéria de facto provada - e foram esses mesmos serviços que foram considerados e atendidos como efectivamente prestados para efeitos de elaboração do laudo, como, aliás, nele claramente se explicita (cf. folhas 25 e 26 do laudo de honorários).
Parece decorrer da argumentação da apelante que, relativamente à consideração do tempo despendido para a realização desses serviços, não tendo sido dado como provado o tempo concretamente alegado pelo autor, tal quantidade não poderia ser demonstrada com base no laudo.
Contudo, aquilo que se deu como não provado foi a concreta quantidade de tempo gasto na execução dos trabalhos realizados tal como alegado pelo autor, não a existência desse tempo. Ou seja, é evidente que para a execução dos serviços que resultaram comprovadamente prestados, o autor despendeu um determinado tempo, que, porém, o autor não logrou demonstrar ter sido aquele concretamente alegado.
Tal resulta, aliás, da fundamentação das respostas negativas sob os pontos 1. a 6. da matéria de facto não provada, onde se refere: “Ao considerar como não provados os factos constantes dos pontos 01 a 06 o Tribunal entende que não foi efectuada prova suficiente da qual seja possível retirar em concreto o número de horas despendido em cada processo.”
Assim, como é evidente, não se negou que para a realização dos serviços prestados fosse necessário despender tempo, como é notório – cf. art.º 412º do CPC. Apenas não se logrou determinar, em concreto, esse tempo.
Não tendo sido provada a quantidade de horas que foram necessárias para a realização dos serviços, há que utilizar para o efeito a equidade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 400º do Código Civil.
Já se viu que a credibilidade que merece o laudo em causa, não foi minimamente beliscada, sendo que a ré recorrente apenas o sindicou porque entende que o tempo aí considerado como necessário para a prestação dos serviços não pode ser contabilizado, argumento que supra se afastou.
Por outro lado, da leitura do laudo nada permite concluir que nele não se tenha feito aplicação dos critérios que devem assistir na fixação dos honorários, tal como emergem do estatuído no art.º 105º, n.º 3 do EOA, aliás, expressamente referenciados e analisados, ponto por ponto, no relatório (cf. ponto 7. do laudo).
Não se descortinam, assim, razões para afastar a sensatez e o merecimento do concreto tempo identificado como sendo o razoável, adequado e proporcional à execução daquelas que foram as tarefas realizadas pelo autor no exercício do mandato conferido pela ré, ou seja, um total de 360 horas (10 horas em reuniões e 350 horas com as restantes tarefas).
Além disso, aduz-se, o laudo baseou-se na enunciação das tarefas executadas, tal como apresentadas pelo autor e, mais do que isso, tomou por bom o documento apresentado como titulando a apresentação da nota de honorários à ré e que foi junta por requerimento de 13 de Junho de 2020, sendo certo que a sua apresentação à ré se encontra demonstrada na alínea M) dos factos provados.
Por outro lado, não estando demonstrado o acordo prévio quanto à fixação do valor dos honorários, há que recorrer, uma vez mais, ao conteúdo do laudo, onde, a propósito do valor horário, se consignou que, atendendo à localização do escritório do senhor advogado, em Lisboa, à prática seguida na aludida comarca e aos demais critérios já enunciados, se tinha por adequado um valor horário não superior a 120,00€, fazendo ainda referência aos usos profissionais, tendo em conta o escritório se situar em Lisboa, grande centro urbano, o que implica custos elevados de funcionamento e manutenção do escritório.
Em conformidade com o atrás explanado, será, pois, com base no laudo de honorários que, em face da prova dos serviços prestados, importa fixar a remuneração devida ao autor, tendo em conta as 360 horas de trabalho prestado e o valor horário de 120,00€, pelo que é devida ao autor a quantia global de 43.200,00€, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.
Procede parcialmente a apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A apelante obteve parcial provimento quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o autor.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, alterar a decisão recorrida, quanto à alínea a) do dispositivo, e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 43.200,00€ (quarenta e três mil e duzentos euros), acrescida de IVA calculado à taxa legal de 23%, a que acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, mantendo no mais o decidido.
As custas ficam a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
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Lisboa, 23 de Abril de 2024
Micaela Marisa da Silva Sousa
Edgar Taborda Lopes
Diogo Ravara
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[1] Constante de fls. 56 e 57, junta com o requerimento de 13 de Junho de 2020, com a Ref. Elect. 26397648.
[2] Cf. Ref. Elect. 431145988.
[3] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[4] Aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, adiante designado pela sigla EOA.
[5] Acórdão proferido em 13 de Novembro de 2018, no processo n.º 775/10.9T2SNT-AB.L1, em que foi relatora; voto de vencida, no acórdão proferido em 30 de Junho de 2020, no processo n.º 12197/18.9YIPRT.L1-7, em que foi segunda adjunta.
[6] In Diário da República. – S.2 N.º 98 (20 Maio 2005).
[7] Cf. Ref. Elect. 33695508.
[8] Por expediente com data certificada de 30 de Setembro de 2022 – cf. Ref. Elect. 419253083 e 419253090.