Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1195/13.9TBEPS.1.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIQUIDAÇÃO
CASO JULGADO
DECISÃO JUDICIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O incidente de liquidação deduzido ao abrigo do disposto nos referidos artigos 358º n.º 2 e 609º n.º 2 do CPC visa tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento o devedor já foi condenado por prévia decisão judicial e não admite nova discussão sobre a sua existência, nos precisos termos em que tal decisão já a reconheceu, sob pena de violação da autoridade do caso julgado, pelo que a decisão a proferir no incidente de liquidação não pode colocar em causa ou negar a existência da obrigação já antes reconhecida e que apenas carece de liquidação.
II - A decisão judicial constitui um ato jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença.
III) – Na interpretação da decisão judicial não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador, que possa ser entendida na base da determinação de um propósito subjetivo, assente numa determinada expressão verbal descontextualizada da fundamentação, mas sim o correto entendimento do resultado final e objetivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão.
IV) - Na interpretação da decisão judicial deve atender-se não só à parte decisória propriamente dita (ao dispositivo final), mas também aos seus antecedentes lógicos, ao contexto, a toda a fundamentação que a suporta e mesmo à globalidade dos atos que a precederam, bem como às demais circunstâncias que se revelem pertinentes, mesmo posteriores à sua prolação, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e BB, vieram deduzir incidente de liquidação contra CC e DD, peticionando a condenação dos Réus no pagamento da quantia global de €103.911,01.
Alegam para tanto e em síntese que na ação principal de que estes autos são apenso os Réus foram condenados, além do mais, a “b) (…) ressarcirem AA de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagaram-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença”.
Que na sequência das fortes chuvadas dos anos de 2015 e 2016, a água que infiltrou na moradia dos Autores, já que a cobertura não retinha a pluviosidade, encontra-se a destruir os elementos estruturais que constituem a cobertura, os acabamentos, pinturas dos tetos e pinturas das paredes interiores e todos os elementos de carpintaria existentes, designadamente portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores e que estes elementos já apresentam uma degradação tal, que já não é possível a sua reparação.
Mais alegam que se verificou a danificação da instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira, máquina de lavar roupa, todo o mobiliário do 1º andar da habitação, assim como, os respetivos cortinados e roupas de cama e que a situação descrita está a afetar gravemente o interior do prédio urbano e consequentemente a vida dos Autores pois não lhes é possível de todo habitar a sua própria casa.
Regularmente notificados, os Réus contestaram e excecionaram, em primeiro lugar, a incompetência material.
Defendem ainda que o incidente de liquidação não deve configurar uma nova ação, não devendo ser admitida a alegação de factos que, podendo ter sido aleados no decurso da ação, não o foram.
Quanto aos danos não patrimoniais alegam que a liquidação deve cingir-se à matéria que foi alegada na ação.
No mais, impugnam a extensão dos danos, a necessidade da sua reparação e, bem assim, o custo invocado dos mesmos.
Teve lugar audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, julgada improcedente a exceção de incompetência material deduzida e proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova.
Já no decurso do presente incidente, as partes interpuseram recurso da sentença proferida no nos autos para este Tribunal da Relação de Guimarães que proferiu acórdão em 23/01/2020 que decidiu absolver os Réus apelantes do pedido de indemnização por danos patrimoniais, e circunscrever à matéria factual vazada no número 36º dos factos provados a indemnização por danos não patrimoniais atribuída aos apelados, a liquidar ulteriormente.
Deste acórdão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que em 15/09/2022 decidiu revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu os Réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais, condenando os mesmos Réus a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados, pagando-lhes o que se vier a liquidar.”.
Os Autores ampliaram o pedido, para a quantia de €136.608,22, ampliação que foi admitida por despacho de fls. 121 e seguintes.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Pelo exposto, julgo o presente incidente de liquidação parcialmente procedente, por provado e, em consequência condeno os réus/requeridos CC e DD a pagarem aos autores AA o montante global de €115.611,56 (cento e quinze mil, seiscentos e onze euros e cinquenta e seis cêntimos).
Custas pelo decaimento, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC.
Notifique e registe.”
Inconformados, apelaram da sentença os Réus concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“a) - A douta sentença proferida em primeira instância nos autos principais determinou a condenação dos RR. a "ressarcirem os AA de todos os danos que constituem a consequência adequada dos defeitos do mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagarem-lhes a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença. "
b) - No requerimento inicial, os Requerentes alegaram todos os danos que, no seu entender, foram consequência adequada dos defeitos verificados na sua moradia. c) - Nos autos principais, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça alteraram a decisão tomada em primeira instância quanto à indemnização a liquidar em execução de sentença, sendo que a decisão definitiva veio restringir o âmbito dos danos em relação aos quais foi reconhecido aos Requerentes o direito à indemnização.
d) - A decisão final determinou a condenação dos RR. a ressarcir os AA. dos danos patrimoniais decorrentes do ponto 40 dos factos provados e dos danos não patrimoniais circunscritos à matéria factual vazada no ponto 36 dos factos provados.
e) - O Tribunal a quo atendeu a todos os danos alegados, sem levar em conta a restrição operada pelos Acórdãos dos Tribunais Superiores.
f) - Relativamente aos danos patrimoniais só os danos decorrentes das chuvadas ocorridas em Fevereiro de 2016 são indemnizáveis.
g) - Tendo em conta o alegado no requerimento inicial, tais danos circunscrevem¬se ao vertido nos artigos 11 ° e 12°.
h) - Relativamente aos danos e custos elencados no artigo 17° do requerimento inicial apenas está abrangida a reparação geral da instalação eléctrica referida na alínea i).
i) - Quanto aos danos mencionados no artigo 28° do requerimento inicial, apenas estão abrangidos a caldeira referida no ponto F., a máquina de lavar roupa indicada no ponto CC. e o material eléctrico identificado nos pontos N., P., Q., R., S., T., AA. e BB.
j) - O Tribunal a quo dá como provado que todos os danos patrimoniais alegados tiveram origem nas chuvadas ocorridas em Fevereiro de 2016, indo muito para além do que é alegado pelos Requerentes.
k) - Quanto aos danos não patrimoniais, a liquidação apenas se deve circunscrever aos danos referidos no ponto 36 dos factos provados da sentença proferida nos autos principais.
1) - Os únicos danos a considerar são os resultantes do facto de os Requerentes evitarem a vinda a Portugal devido à tristeza sentida por causa dos defeitos da
sua casa.
m) - Os danos alegados nos artigos 33° e seguintes do requerimento inicial não estão abrangidos pela matéria do referido ponto 36 dos factos provados.
n) - O Tribunal a quo condenou os Requeridos a ressarcir danos que não estão abrangidos pela condenação em liquidação de sentença determinada na decisão definitiva proferida nos autos principais.
o) - A restrição operada nos acórdãos dos Tribunais Superiores deveria obrigatoriamente refletir-se no presente incidente, adequando o mesmo ao definitivamente decidido nos autos principais.
p) - Impõe-se que todos os danos não abrangidos por essa condenação não sejam considerados para efeitos do apuramento do montante indemnizatório.
q) - Na sentença proferida nos autos principais, os Requeridos foram ainda condenados a repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel identificado na PI e que resultaram provados e bem assim a nele efetuarem todas as obras necessárias à sua total erradicação ou supressão.
r) - Os Requerentes, no artigo 17° do requerimento inicial, alegam a necessidade de serem executados diversos trabalhos que configuram obras de reparação, pelo que estarão abrangidos pelo disposto na alínea a) da decisão proferida nos autos principais.
s) - Não assiste aos Requerentes o direito de exigir uma indemnização pelo custo de trabalhos de reparação que, por força da decisão proferida nos autos principais, têm de ser executados pelos próprios Requeridos.
t) - A ser assim, os Requerentes obteriam um enriquecimento ilegítimo e injustificado.
u) - o Tribunal a quo condenou os Requeridos a ressarcir danos que já estão abrangidos pela obrigação de reparação determinada na sentença proferida nos autos principais, pelo que estão fora do âmbito da presente liquidação.
v) - Quanto aos danos patrimoniais, deveriam ser excluídos da liquidação, por não caberem no seu âmbito, os valores mencionados nos pontos 27), 28), 29), 30) 31), 32), 33), 34), 36), 37), 38), 39), 40), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 50), 58), 59),60), 61), 65) e 66) dos factos provados.
w) - Relativamente aos danos não patrimoniais, não deve, por extravasar o âmbito da liquidação, ser considerada a factualidade constante dos pontos 102), 103), 104), 105), 106), 107), 108), 109), 110), 111) 112), 113) e 114) dos factos provados.
x) - Os factos que impõem decisão diversa da recorrida são os constantes dos pontos 1),2),3),4),5),6),7),8),9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19),20),21),22),23),24) 25),26),27),28),29),30),31),32),33),34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44) 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 58), 59), 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66), 67), 68), 69), 70), 71), 72), 73) 74), 75), 76), 77) 78) 79), 80), 81), 82), 83), 84), 85), 86), 87), 88), 89), 90), 91), 92) 93) 94), 95), 96), 97), 98), 99), 100), 101), 102), 103) 104), 105), 106), 107), 108), 109), 110), 111), 112), 113) e 114) dos factos provados.
y) - Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são a prova documental, os depoimentos/declarações de parte de ambos os AA. e o depoimento das testemunhas EE, FF, GG, HH, II e JJ.
z) - Não foi feita prova suficiente de que os danos patrimoniais referidos nos pontos 1) a 26) tenham sido consequência das chuvadas ocorridas em Fevereiro de 2016.
aa) - Nenhuma das partes e testemunhas ouvidas em audiência de julgamento descreveu o estado da moradia dos AA. aquando das referidas chuvadas.
ab) - Por outro lado, foi feita referência à existência de danos em momento muito posterior a Fevereiro de 2016, assim como em momento anterior.
ac) - A Requerente BB referiu que os Requerentes vieram a Portugal em Abril de 2016, tendo sido nessa altura que verificaram o estado da casa.
ae ) - A Requerente referiu ainda que em 2012 começou a aparecer água dentro de casa.
ai) - O Requerente AA referiu que anteriormente já havia defeitos na casa.
ag) - A testemunha EE referiu que foi ver a casa quando os Requerentes chegaram a Portugal.
ah) - A testemunha FF referiu que fez um levantamento dos danos em 2019 e que não sabe quando é q ue a humidade entrou na casa.
ai) - A testemunha GG referiu que quando foi à moradia dos Requerentes pela primeira vez, no início de 2019, chovia dentro de casa, tinham de andar de guarda-chuva e pareciam fontanários.
aj) - Acrescentou que não sabe que danos é que a chuva ocorrida em Fevereiro de 2016 provocou e que desconhece o que se passou na casa entre 2019 e 2022.
ak) - A testemunha HH referiu que foi à casa dos Requerentes fazer uma avaliação dos danos em 2022.
aI) - Referiu ainda que não sabe quando é que a humidade entrou na casa, mas pensa que a moradia está afectada desde 2013.
am) - Ambos os Requerentes e a testemunha EE, só foram à moradia em Abril de 2016, ou seja, dois meses depois das referidas chuvas.
an) - A Requerente BB e a testemunha EE afirmaram que nessa altura a água corria pelas escadas, o que, a ser verdade, é de todo improvável que tal água seja a das chuvas ocorridas dois meses antes.
ao) - Dado o interesse directo no desfecho da causa, é legítimo questionar se, em tais depoimentos e declarações, não terá havido uma extrapolação na descrição dos danos verificados em Abril de 2016.
ap) - As demais testemunhas ouvidas, todos técnicos do ramo da construção, referiram só se terem deslocado à casa objecto dos autos em 2019 ou 2022, ou seja, 3 e 6 anos após as aludidas chuvas.
aq) - De realçar, nessa parte, o depoimento da testemunha GG, que referiu que chovia dentro da casa em 2019 ao ponto de terem de aí andarem de guarda-chuva.
ar) - Todas as partes e testemunhas supra mencionadas afirmaram que a moradia padecia de problemas de humidade e infiltrações desde 2013.
as) - Nenhum dos técnicos de construção civil ouvidos pôde garantir que os danos tiveram origem nas chuvas de Fevereiro de 2016.
at) - Resulta da prova produzida que antes de Fevereiro de 2016, já havia infiltrações na casa há cerca de 3 anos; ninguém esteve no local em Fevereiro de 2016; as primeiras pessoas que viram a casa, os próprios Requerentes e a testemunha EE, foram lá em Abril de 2016, sendo que as suas declarações e depoimentos são necessariamente parciais; as pessoas contactadas pelos Requerentes para avaliar os danos só se deslocaram à moradia em 2019 ou 2022, não podendo as mesmas garantir que foram as chuvas ocorridas em Fevereiro de 2016 que causaram todos aqueles danos.
au) - Não existe prova segura de que foi tão só a água que se infiltrou na moradia em Fevereiro de 2016 que causou todos os danos elencados, pelo que deveriam ter sido julgados não provados os factos constantes dos pontos 1 a 26 dos factos provados.
av) - Só uma perícia ordenada pelo Tribunal poderia, com isenção e rigor, verificar quais os danos alegados efectivamente se verificaram e qual o custo da sua eliminação.
aw) - Os orçamentos juntos pelos Requerentes, quer pela sua falta de rigor e fundamentação técnica, quer pelas dúvidas suscitadas quanto à imparcialidade do seu teor, não podiam ter sido valorados como o foram.
ax) - São orçamentos solicitados pelos próprios Requerentes, ou seja, feitos a seu pedido, o que necessariamente lhes retira garantias de imparcialidade.
ay) - Os orçamentos, relativamente aos bens e materiais a substituir, não provam que os objectos e respectivas quantidades fossem efectivamente os que existiam na moradia.
az) - O orçamento de construção civil, da empresa EMP01..., Lda., que apresenta o valor mais elevado, não se mostra fundamentado, sendo omisso quanto a valores unitários, quantidades, custos de materiais e mão-de¬-obra.
ba) - Não existe nos autos qualquer avaliação isenta ou independente quanto aos valores mencionados nos orçamentos.
bb) - Seria expectável, sem que daí resulte qualquer reforço do valor probatório dos documentos, que os autores dos orçamentos viessem corroborar o seu teor e reputar o mesmo de verdadeiro.
bc) - De acordo com o depoimento da Requerente BB, o orçamento dos móveis foi elaborado sem que alguém tivesse ido ver os móveis, não provando assim que os mesmos estivessem na casa, que tivessem sido danificados e que tenham de ser substituídos.
bd) - Os orçamentos referentes às roupas de cama e cortinados também não foram corroborados por nenhuma testemunha, não tendo sequer sido ouvidos os seus autores, desconhecendo-se assim como foram apurados os materiais, quantidades e valores neles indicados.
be) - As insuficiências que aqui se apontam aos orçamentos juntos com o requerimento inicial verificam-se do mesmo modo nos orçamentos que sustentam a ampliação do pedido.
bf) - Tendo em conta o avultado valor dos danos alegados, era imperioso que o Tribunal a quo se sustentasse em meios de prova que conferissem um elevado grau de certeza quanto à existência e quantificação dos danos.
bg) - É substancial o risco de falibilidade de uma decisão que fixa o valor dos danos em mais de 110.000 euros apenas com base no teor de orçamentos solicitados por uma das partes e no depoimento de alguns dos seus autores.
bh) - A testemunha II, enquanto engenheiro civil, pôde analisar criticamente os orçamentos juntos pelos Requerentes, fazendo-o de forma fundamentada e contrapondo os valores que reputava adequados.
bi) - O depoimento desta testemunha não se mostrou menos credível do que os depoimentos dos autores dos orçamentos que foram ouvidos em julgamento.
bj) - Consistindo a prova em meros orçamentos feitos a pedido dos Requerentes e no depoimento de alguns dos seus autores, o depoimento da testemunha II, num registo essencialmente técnico, mostra-se da maior relevância para pôr em dúvida os valores apresentados e permitir um maior esclarecimento do Tribunal.
bk) - Este depoimento serviu para mostrar quão premente e essencial era a realização de uma perícia, a qual até poderia ser oficiosamente determinada pelo Tribunal a quo.
bl) - Este depoimento centrou-se no essencial em questões técnicas, não se vislumbrando qualquer limitação decorrente da sua relação familiar com os Requeridos.
bm) - A afirmação do Tribunal a quo segundo a qual os valores que a testemunha apresentou não são aplicáveis à situação dos autos não tem qualquer suporte na prova produzida.
bn) - O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, não teve em conta que determinados trabalhos de reparação que constam dos factos provados foram já realizados pelos próprios Requeridos.
bo) - No cumprimento da sentença proferida nos autos principais, os Requeridos já iniciaram os trabalhos de reparação, o que foi confirmado pelos Requerentes nas suas declarações.
bp) - Ambos os Requerentes confirmaram que os Requeridos repararam os tectos do 10 andar, o que se mostra corroborado pelas fotografias juntas aos autos pelos Requeridos com o requerimento de 16/02/2023.
bq) - Parte dos trabalhos descritos nos pontos 27) e 28) se mostram já executados pelos Requeridos.
br) - Quanto aos demais, cabe aos Requeridos, por força da decisão proferida na acção principal, proceder à sua realização, não cabendo aos Requerentes receber qualquer montante a esse título.
bs) - Os valores indicados nos pontos 27) a 101) dos factos provados não correspondem aos danos efectivamente sofridos, pelo que deveria tal factualidade ser julgada não provada.
bt) - A referência temporal do ponto 26) dos factos provados da decisão proferida na acção principal- "nos últimos meses" - deve reportar-se à data de instauração da acção principal- 26/1 0/20 13 -, altura em que o facto foi alegado.
bu) - A factualidade descrita no ponto 40) dos factos provados apenas releva, no âmbito desta liquidação, para a questão dos danos patrimoniais.
bv) - O Requerente AA referiu que até 2016 ficavam na casa, o estarem zangados e estarem quase a divorciar-se foi muito depois de 2016, antes de ter entrado água em 2016 vinham regularmente a Portugal e antes de 2016 faziam convívios na casa com a família e estavam contentes - ver página 104 da transcrição anexa.
bw) - No mesmo sentido, a testemunha EE referiu que há mais ou menos três anos os Requerentes estiveram para se divorciar e que foi desde 2016 que deixaram de trazer gente para casa.
bx) - o que resulta destes depoimentos e declarações é que os Requerentes apenas sofreram danos de natureza não patrimonial após a descrita ocorrência de Fevereiro de 2016.
by) - Face à prova produzida, a factualidade constante dos pontos 102) a 114) dos factos provados não tem qualquer correspondência com o teor do ponto 36 dos factos provados da sentença proferida na acção principal, pelo que a mesma deveria ter sido julgada não provada.
bz) - Face aos concretos meios probatórios acabados de enunciar, os concretos pontos de facto supra enunciados, ao serem considerados provados, consubstanciam um julgamento incorrecto e um claro erro da apreciação da prova.
ca) - A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 607°, n° 3 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa.
cb) - Deveriam considerar-se não provados os factos constantes dos pontos 1), 2), 3),4),5),6),7),8),9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19),20),21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39),40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 51), 52), 53), 54), 55), 56), 57), 58), 59), 60), 61), 62), 63), 64), 65), 66), 67) 68), 69), 70), 71), 72), 73), 74), 75), 76), 77), 78), 79), 80), 81), 82), 83) 84), 85), 86), 87), 88), 89), 90), 91), 92), 93), 94), 95), 96) 97), 98), 99), 100), 101), 102), 103), 104), 105), 106), 107), 108), 109), 110) 111) 112), 113) e 114) dos factos provados.
cc) - Devem ser retirados os factos provados que extravasam o âmbito da liquidação nos termos alegados em B);
cd) - Deve proceder a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto de acordo com o alegado em C), devendo, em consequência, ser revogada a douta decisão do Tribunal a quo.”
Os Autores vieram apresentar contra-alegações pugnando pela integral improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

1 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto;
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos:
2.1. Saber se a sentença recorrida ultrapassou o âmbito da liquidação;
2.2. Saber quais os danos patrimoniais sofridos pelos Autores e qual a sua quantificação.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição):
1) A água que se infiltrou na moradia dos autores referida em 40) dos factos provados na ação principal, não retida pela cobertura, encontra-se a destruir os elementos estruturais que constituem a cobertura, …
2) … os acabamentos,
3) … pinturas dos tetos e pinturas das paredes interiores e …
4) … todos os elementos de carpintaria existentes,
5) … designadamente, portas interiores,
6) … aros e guarnições,
7) … roupeiros,
8) … forras de madeira de janelas,
9) … portas das paredes exteriores,
10) … sanefas,
11) … soalho de revestimento do pavimento …
12) … e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores da habitação dos autores.
13) Os elementos referidos em 6) a 8), 9) e 12) apresentam uma degradação tal, que já não é possível a sua reparação.
14) Em virtude da infiltração da água, proveniente das fortes chuvadas de Fevereiro de 2016, referidas em 40) dos factos provados da ação principal, verificou-se ainda a danificação da instalação elétrica, …
15) … dos focos de iluminação,
16) … candeeiros,
17) … Tomadas,
18) … Eletrodomésticos, nomeadamente da caldeira, frigorifico, videoporteiro e máquina de lavar roupa…
19) E a danificação dos sanitários, concretamente torneiras…
20) … lavatórios,
21) … sanitas
22) … Bidés,
23) E banheiras.
24) Sendo certo que desde essa data e durante um período não concretizado, não houve luz na habitação dos autores.
25) Verificou-se ainda a deterioração de todo o mobiliário do 1º andar da habitação,…
26) … assim como, os respetivos cortinados, roupas de cama e têxteis lar.
27) A reparação dos danos referidos em 1) a 12) implicará a remoção de toda a pintura deteriorada de paredes, e tectos do rés-do-chão, andar, garagem e arrumos, remoção de rebocos soltos e fissurados e todo o soalho existente, aros de portas e baguetes, incluindo transporte para vazadouro autorizado, com um custo de €4.951,32, a que acresce o IVA;
28) … A reparação de todos os rebocos de tetos e paredes, incluindo tetos em estuque tradicional, com um custo de € 7.911,82, a que acresce o IVA;
29)  … Emassar todas as paredes, lixar e pintar com aplicação de uma demão de primário e três demãos de tinta para estuque em cor branca em todos os tetos com aplicação anti fungos em instalações sanitárias, lavandaria e garagem, com o custo de € 9.850,00, a que acresce o IVA;
30) … A aplicação de todos os soalhos tem o custo de €3.250,00, a que acresce o IVA;
31) … A colocação de rodapés em madeira de tola, com secção 7.5 x 1.5 cm, incluindo tratamento com verniz meio brilho, com um custo de €2.670,00, a que acresce o IVA;
32) … A colocação de aros e baguetes em madeira de tola nas portas inferiores, e lixar portas existentes e aplicar verniz meio brilho em portas aros e baguetes, com um custo de 4.383,50, a que acresce o IVA;
33) … Decapar e lixar a madeira de todos os vãos de escada interiores sem substituição de madeiras, aplicação de verniz de soalho meio brilho, com um custo de €3.565,00, a que acresce o IVA;
34) … Substituição total dos armários roupeiros tem um custo de €15.430,00, a que acresce o IVA;
35) Para reparação dos danos na instalação elétrica, sanitários e eletrodomésticos referidos em 14 a 23), despenderão os autores a quantia global de €18.899,21 (com IVA),
36) … sendo que em 2 banheiras de hidromassagens, 1,60x75 ..., o valor de € 2.100;
37) … 1 lavatório, starlight 1200, 1,40x60, o valor de € 953,76;
38) …  1 lavatório ... auxiliar ..., 100 ... 1,20x60, o valor de € 716,01;
39) … 1 espelho ..., fronto iluminado, 80 x 80 cm, o valor de € 218,64;
40)   … 1 espelho lavatório ..., 80x70 cm, ar.alum, o valor de € 101,22;
41)  … 1 caldeira a gasóleo, báxi gavina 30 kw, o valor de € 2.064,00;
42) … 1 sanita ..., o valor de € 177,06;
43) … 1 bidé ..., o valor de € 153,60;
44) … 1 autoclismo ..., o valor de € 136,28;
45) … 3 torneiras de esquadrias, o valor de € 39,60;
46) … 3 conjuntos de ferragens de autoclismos, ..., o valor de € 79,20;
47) … 3 conjuntos de toalheiros – inox, o valor de € 224,40;
48) … 2 conjuntos de torneira roca, o valor de € 284,40;
49)  … 1 quadro ited, o valor de € 450,00;
50) … 3 extratores de casa de banho, o valor de € 153,60;
51) …. 27 focos de teto de interiores, 15x15, o valor de € 486,00;
52) … 15 focos de exteriores, de 12 w, o valor de € 248,10;
53) … 7 olhos de boi – exteriores, o valor de € 296,58;
54) … 6 focos, embutidos, 18x18 – 18 w, o valor de € 118,80;
55) … 5 candeeiros de tetos de quarto, o valor de € 418,20;
56) …. 2 armaduras, casa das máquinas, garagem e quarto de arrumos, o valor de €54,00;
57) … 1 programador de rega, 4 estações honter, o valor de € 88,80;
58) …  1 vídeo porteiro duplo, golomar, o valor de € 446,40;
59) …. 3 tampas de sanitas, o valor de € 162,00;
60)  … 2 radiadores toalheiros, toalheiros inox 1x20x45, o valor de € 342,00;
61) … 2 proteções em vidro, 1,20x90 para banheira, o valor de € 372,00;
62) … 32 tomadas legra, o valor de € 274,80;
63) … 12 cometedores, escada legra, o valor de € 113,76;
64) … 1 máquina de lavar roupa, marca branca, o valor de € 450,00;
65) … 1 frigorifico de marca branca, com 2 portas, o valor de € 492,00;
66) E em mão de obra, para colocação dos materiais, o valor de € 3.240,00.
67) Para substituir os móveis danificados referidos em 25), os autores têm de despender € 402,60 numa Cama “Júpiter ref. ....65”…
68) … € 221,80 em duas mesas cabeceira “Ref. ....69”…
69) … € 228,00 num Colchão Nacional Ortopédico 150*195;
70) …€83,15 num Estrado Laminas 150*195;
71) … €240,00 num vestidor 1800 wuengue ref. FT....;
72) … €402,00 numa Cama Júpiter ref. FT....;
73) … € 221,80 em duas Mesas cabeceira, ref. ....69;
74) … € 356,40 numa cómoda, com 3 gavetas, ref. FT....;
75) … € 92,40 numa moldura 1010, cerejeira, ref. ....71;
76) … € 228,00 num colchão nacional ortopédico, 150*195;
77) … € 83,15 num estrado laminas 150*195;
78) … € 303,60 numa cabeceira Duo, 280 esquerdo, ref. 897 DI;
79) … € 463,35 numa banheira plana, 150, ref. ...91...;
80) … € 277,20 em duas mesas de cabeceira, com 2 gavetas, ref. ...62;
81) … € 231,00 num colchão nacional ortopédico 150*195;
82) … €83,15 num Estrado, Láminas 150*195;
83) … €275,90 num camiseiro, com 4 gavetas + 1 contenedor, ref. 2166ª;
84) … € 234,00 uma moldura, 90*200 forrada em napaflex 16;
85) …€ 402,60 numa cama júpitar, ref. ....65;
86) …€ 221,80 em duas mesas de cabeceira, ref. ....69;
87) …€ 356,40 numa cómoda, 3 gavetas, ref. FT....;
88) …€ 92,40 numa moldura 1010, cerejeira, ref. ....71;
89) …€ 231,00 um colchão nacional ortopédico 150*195;
90) …€ 83,15 num estrado laminas 150*195;
91) …€ 774,00 numa consola ....
92) Tudo, no montante global de €6.589,45 (seis mil quinhentos e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos).
93) Para substituir as roupas de cama e têxteis lar referidos em 26), os autores terão de despender em quatro edredões, no valor de € 560,00;
94) … em oito jogos de lençóis, no valor de € 600,00;
95) … em quatro jogos de toalhas de banho, no valor de € 260,00;
96) … em oito almofadas, no valor de € 176,00.
97) … Tudo no montante global de € 1.596,00 (mil quinhentos e noventa e seis euros).
98) E na substituição dos cortinados referidos em 26) terão de despender o montante global de €4.884,00, sendo € 2.640,00 em 88 metros de tecido alinhado;
99) …. €1.400, 00 em 8 varões em inox completos, com 3,70 metros de largura;
100) … €44,00 em 88 fitas decorativas;
101) … E €800 com o trabalho de costura e colocação.
102) O descrito em 1) a 26) afeta gravemente a vida dos autores, já que, durante um período concretamente apurado, não foi possível habitar na casa que adquiriram.
103) Os AA. tinham planeado convidar uns amigos e familiares de ..., para passar férias, na habitação em causa,
104) … porém, já não se afigura possível a estadia dos AA. na sua própria casa, assim como, a estadia dos familiares e amigos.
105) Quando os filhos dos AA. encontravam-se em gozo de férias em Portugal, os mesmos estavam privados de usufruir a casa de habitação, o que causava aos AA. bastante tristeza.
106) Os defeitos existentes na habitação potenciaram e motivaram sucessivas desavenças e discussões entre o casal, e
107) ... resultaram em stress e desgaste mental na pessoa dos AA.,
108) ... e para além disso, abalou a relação conjugal entre os mesmos, ao ponto de o marido A. e esposa A., ponderaram divorciarem-se.
109) - Toda esta situação perturbou o descanso noturno, retirando-lhes várias horas de sono.
110) Os defeitos e danos na casa de habitação resultaram vários incómodos e desconforto por habitarem na casa.
111) Quando os AA. se deslocavam para Portugal, eram obrigados a pernoitar no Hotel ... em ..., e em casa de amigos.
112) Sentem-se constrangidos e incomodados ao receber pessoas amigas e familiares na sua casa, emanando a mesma casa dos AA. um odor intenso a bolor, insuportável, que afecta as vias respiratórias de todos aqueles que lá se encontram.
113) A moradia que adquiriram em estado de novo não lhes têm proporcionado a qualidade de vida que expectaram.
114) Em consequência das patologias que enferma a casa, bem como os danos causados por essas patologias, a autora esposa obrigou-se a tomar calmantes e antidepressivos.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

a) Os elementos referidos em 5), 9) e 12) apresentam uma degradação tal, que já não é possível a sua reparação.
b) Que além dos valores referidos em 35), 49), 62), 63) e 66) para a reparação da instalação elétrica, seja ainda necessário despender a quantia de €6.710,50 para a reparação geral da instalação elétrica.
c) Os AA. obrigavam-se a deslocar-se a Portugal aquando da realização das várias sessões de julgamento, designadas no âmbito deste processo, tendo para o efeito despendido a quantia não inferior a € 4.000,00 (quatro mil euros).
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3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

O recurso interposto pelos Réus visa a reapreciação da decisão de facto.

A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC que dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Os Autores nas contra-alegações sustentam que os Recorrentes não cumpriram o ónus imposto por este preceito, porquanto impugnaram a matéria de facto de forma genérica e ambígua e não impugnam “ponto por ponto”, mas de uma forma generalizada, não sendo admissível impugnar 114 pontos da matéria de facto em 3 blocos; entendem que os Recorrentes se limitam a manifestar a sua discordância de forma genérica, não cumprindo com o ónus imposto no artigo 640º do CPC, pugnando pela rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.
Vejamos.
De acordo com o referido artigo 640º é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique:
i.  Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
ii. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
iii. Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos;
iv. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O legislador impõe de forma expressa ao recorrente tal ónus de especificar, e o seu incumprimento implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, 2014, p. 133) que o Recorrente “deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar).
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, salientando-se ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
Importa também ter presente o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17 de outubro de 2023 (publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 14/11/2023) que uniformizou jurisprudência no sentido de que “[n]os termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa”.
No caso concreto, analisadas as alegações apresentadas pelos Recorrentes ressalta que delas constam os pontos da matéria de facto impugnados, são indicados meios de prova, com menção das passagens da gravação relativamente aos depoimentos, tendo procedido à transcrição dos mesmos e é indicado o sentido da decisão que em seu entender deve ser proferida.
Porém, e nessa parte assiste razão aos Recorridos, os Recorrentes procedem à impugnação da matéria de facto, num total de 114 pontos, em 3 blocos: dos pontos 1 a 26, 27 a 101 e 102 a 114.
Sempre entendemos que não deve determinar a imediata e liminar rejeição do recurso o facto do recorrente proceder à impugnação por “blocos de factos” quando “os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão revelando-se alguns deles incindíveis e o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/04/2023, Processo n.º 2054/21.7T8BRG.G1.S1, Relator Sousa Pinto).
E temos entendido que a Relação, chamada a reapreciar a prova, deve usar de alguma flexibilidade na interpretação da lei e atender ao princípio da proporcionalidade; como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/02/2018 (Processo n.º 440/14.1T8PRT.P1.S1, Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo, disponível em www.dgsi.pt) “[d]e acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Contudo, no caso concreto, entendemos não se poder considerar cumpridos pelos Recorrentes os ónus previstos no artigo 640º do CPC atendendo não só ao número de factos que agrupam em cada bloco, mas também porque dentro de cada bloco não pode afirmar-se que os factos são incindíveis e nem apresentam entre si evidente conexão; é certo que em todos os pontos julgados provados estão em causa danos sofridos pelos Autores, patrimoniais e não patrimoniais, o que não surpreende uma vez que nos encontramos  no âmbito de acidente de liquidação que tem por objetivo a quantificação desses danos. Porém, encontramos no elenco dos factos provados danos patrimoniais de diferente natureza, seja pinturas de paredes e tetos, carpintaria, instalação elétrica, eletrodomésticos, sanitários, mobiliário existente na habitação e roupas de cama, cujos meios de prova, designadamente documental, em que o tribunal a quo baseou a sua convicção são distintos.
 Os Recorrentes poderiam até ter formado “blocos” reunindo os factos respeitantes a cada um dos referidos tipos, como por exemplo, todos os factos respeitantes a mobiliário, ou a carpintarias, ou às roupas de cama; no entanto, optaram por agrupar os danos não patrimoniais, e quanto aos danos patrimoniais formaram dois blocos, concentrando no primeiro 26 pontos da matéria de facto, onde são referidos todos aqueles danos, e num segundo bloco ...4 pontos da matéria de facto onde se especificam e quantificam todos os danos.
Ao impugnarem a matéria de facto na sua totalidade, pois impugnam todos os factos julgados provados, e agrupando os factos dessa forma, acabam por fazer uma impugnação genérica e generalizada da mesma e, embora tenham indicado vários elementos probatórios, fizeram-no em termos de reescrutínio global da factualidade, de forma genérica para 26 e 74 pontos da matéria de facto, quanto aos danos patrimoniais e para 12 pontos da matéria de facto quanto aos danos não patrimoniais, que entendemos não cumprir a exigência legal ínsita na referida alínea b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, que impõe uma indicação precisa dos meios de prova que segundo o recorrente determinam a alteração dos factos concretamente impugnados, pois que a lei obriga à especificação desses concretos meios probatórios em função dos pontos factuais impugnados.
De qualquer forma, relativamente aos danos não patrimoniais nunca seria de reapreciar a matéria de facto impugnada por se revelar a prática de ato absolutamente inútil que a lei não consente (cfr. artigo 130º do CPC); na verdade, apesar da matéria de facto julgada provada em 1ª instância, a decisão recorrida não a teve em consideração na fixação da indemnização, mas apenas a constante do ponto 36) da decisão proferida na ação principal. É o que decorre de forma inequívoca da sentença recorrida onde se afirma:
“No que concerne aos danos não patrimoniais, conforme decorre da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido circunscrever à matéria factual vazada no número 36º dos factos provados a indemnização por danos não patrimoniais.
Ora, no artigo 36º dos factos provados consta que “Os autores têm residência efetiva em ..., vindo a Portugal em gozo de férias mas nos últimos meses evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que a casa dos seus sonhos enferma.”
Assim sendo, neste ponto, acompanhamos o entendimento de que efetivamente não é possível ter em consideração a matéria factual invocada no presente incidente, que invoca outros danos não patrimoniais além dos referidos, circunscrevendo-se a indemnização à matéria factual referida em 36º dos factos provados e supra reproduzida” (sublinhado nosso).
Em face do exposto, e não se mostrando devidamente cumprido pelos Recorrentes o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a matéria de facto deve rejeitar-se nesta parte o recurso, o que ora se decide.
***

3.3. REAPRECIAÇÃO DA DECISÃO DE MÉRITO DA AÇÃO

Importa agora apreciar as demais questões suscitadas pelos Recorrentes e que se prendem com o âmbito da liquidação, concretamente quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais que estão abrangidos pela condenação em liquidação de sentença determinada na decisão definitiva proferida nos autos principais e, consequentemente, com o valor desses danos e o montante global da liquidação em que foram condenados pelo tribunal a quo.

Vejamos.
Sustentam os Recorrentes que o tribunal a quo atendeu a todos os danos alegados pelos Autores no requerimento inicial, apresentado na sequência da sentença proferida e antes do trânsito em julgado da mesma, sem levar em conta as restrições operadas pelos acórdãos proferidos pelo Tribunal da relação de Guimarães e pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Alegam que, quanto aos danos patrimoniais, que a decisão transitada em julgado condenou os Réus a ressarcir os Autores dos danos decorrentes do ponto 40 dos factos provados pelo só os danos decorrentes das chuvadas ocorridas em fevereiro de 2016 são indemnizáveis e que se circunscrevem aos danos alegados nos artigos 11º e 12º do requerimento inicial.
Assim, sustentam ainda que relativamente aos danos e custos elencados no artigo 17° do requerimento inicial apenas está abrangida a reparação geral da instalação elétrica referida na alínea i).
Por sua vez, quanto aos danos mencionados no artigo 28° do requerimento inicial, apenas estão abrangidos a caldeira referida no ponto F, a máquina de lavar roupa indicada no ponto CC e o material elétrico identificado nos pontos N, P, Q, R, S, T, AA e BB, pois em nenhum momento os Autores alegaram que as chuvas ocorridas em fevereiro de 2016 danificaram equipamentos sanitários, frigoríficos ou videoporteiros.
Quanto aos danos não patrimoniais, alegam que a liquidação apenas se deve circunscrever aos danos referidos no ponto 36) dos factos provados da sentença proferida nos autos principais pelo que os únicos danos a considerar são os resultantes do facto de os Autores evitarem a vinda a Portugal devido à tristeza sentida por causa dos defeitos da sua casa, e que os danos alegados nos artigos 33° e seguintes do requerimento inicial - a ocorrência de desavenças e discussões entre o casal, stress e desgaste mental, perturbação do descanso, desconforto constrangimento em receber pessoas em causa, problemas de saúde e recurso a calmantes e antidepressivos - não estão abrangidos pela matéria do referido ponto 36) dos factos provados, não obstante o tribunal a quo ter dado como provados todos estes factos nos pontos 102) a 114) dos factos provados.
Alegam ainda que na sentença proferida nos autos principais, foram também condenados a repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel e que resultaram provados e bem assim a nele efetuarem todas as obras necessárias à sua total erradicação ou supressão, e que constam dos pontos 6 a 25 dos factos provados da mencionada sentença.
Que, por isso, os trabalhos que os Autores alegam no artigo 17° do requerimento inicial, são essencialmente trabalhos de reparação, pelo que já estarão abrangidos pelo disposto na alínea a) da decisão proferida nos autos principais, não lhes assistindo o direito de exigir uma indemnização pelo custo de trabalhos de reparação que, por força da decisão proferida nos autos principais têm de ser executados pelos próprios Requeridos.
Concluem os Recorrentes que o tribunal a quo os condenou a ressarcir danos que não estão abrangidos pela condenação em liquidação de sentença determinada na decisão definitiva proferida nos autos principais e que, por isso, devem ser excluídos da liquidação, por não caberem no seu âmbito, os valores mencionados nos pontos 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 36), 37), 38), 39), 40),42), 43), 44),45),46),47),48),50),58) 59),60) 61),65) e 66) dos factos provados e,  relativamente aos danos não patrimoniais, não deve, por extravasar o âmbito da liquidação, ser considerada a factualidade constante dos pontos 102), 103), 104), 105), 106), 107), 108), 109), 110), 111), 112), 113) e 114) dos factos provados.
Vejamos se lhes assiste razão, começando por tecer algumas considerações sobre o incidente de liquidação.
Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 358º do CPC que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
O incidente de liquidação deduzido ao abrigo do disposto nos referidos artigos 358º n.º 2 e 609º n.º 2 do CPC visa tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento o devedor já foi condenado por prévia decisão judicial e não admite nova discussão sobre a sua existência, nos precisos termos em que tal decisão já a reconheceu, sob pena de violação da autoridade do caso julgado, pelo que a decisão a proferir no incidente de liquidação não pode colocar em causa ou negar a existência da obrigação já antes reconhecida e que apenas carece de liquidação, “neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respetivo” e se “mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida em tal incidente for insuficiente para fixar a quantia devida, deverá o juiz, como última ratio, recorrer à equidade a fim de se lograr fixar aquele quantitativo” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  16/12/2021, Processo n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1, Relator Fernando Baptista, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Não pode, por isso, discutir-se no incidente de liquidação matéria constitutiva do direito que deveria ter sido debatida e demonstrada na ação declarativa e não foi, pois é na “ação declarativa que se definem os danos cuja liquidação é relegada para momento posterior, pelo que não podem ser objeto de liquidação prejuízos que não estão abrangidos pelo âmbito da condenação genérica ou que não resultam da factualidade apurada na ação declarativa” (v. o recente acórdão desta Relação de 08/02/2024, Processo n.º 567/07.2TJVNF.2.G1, Relator            Joaquim Boavida, também disponível para consulta em www.dgsi.pt; também neste sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 417 e Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 9ª edição, Almedina, 2017, p. 234).
No caso concreto o presente incidente de liquidação foi deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, com a particularidade que no momento em que foi deduzido a sentença não transitara ainda em julgado, tendo sido alterada pelo acórdão proferido nesta Relação e, posteriormente, pelo acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Estamos, por isso, no âmbito de um incidente de liquidação pós-sentença, pelo que a factualidade alegada pelos Autores no requerimento inicial terá de harmonizar-se com os factos já apurados na sentença condenatória proferida e transitada em julgado, não podendo liquidar prejuízos que não tenham correspondência na factualidade apurada e definitivamente julgada provada na sentença condenatória.
Na ação de que este incidente é dependência os Réus foram condenados por sentença proferida em 1ª instância, alterada por acórdão desta Relação e por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Importa, dessa forma, precisar a decisão proferida em cada uma das instâncias para determinar as obrigações em que os Réus foram condenados.
Vejamos.
Na sentença proferida em 1ª instância foi decidido:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgando pela procedência da ação, decido:
a) Condenar os RR a repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel identificado na PI e que resultaram provados e bem assim a nele efetuarem todas as obras necessárias à sua total irradicação ou supressão.
b) Mais se condenam os RR a ressarcirem os AA de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagarem-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
c) Mais se julga improcedente a exceção de caducidade invocada pelos RR.
d) Condeno ainda os RR nas custas do processo (527º CPC)”.
O acórdão proferido por este tribunal da Relação de Guimarães foi decidido julgar parcialmente procedente a apelação e:
“- absolver os réus apelantes do pedido de indemnização por danos patrimoniais,
- circunscrever à matéria factual vazada no número 36º dos factos provados a indemnização por danos não patrimoniais atribuída aos apelados, a liquidar ulteriormente,
- manter, no mais, a decisão recorrida”.
No acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi decidido não padecer o acórdão recorrido das invocadas nulidades e, “- concedendo a revista revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu os Réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais, condenando os mesmos Réus a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados; - manter, no mais, o acórdão recorrido.”

Do exposto decorre que os Réus foram condenados, por decisão transitada em julgado na ação de que este incidente é dependência, a:

1) repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel identificado na PI e que resultaram provados e bem assim a nele efetuarem todas as obras necessárias à sua total irradicação ou supressão;
2) ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados;
3) a indemnizarem os Autores por danos não patrimoniais, a liquidar ulteriormente, relativamente à matéria vazada no número 36º dos factos provados.

Analisemos então a questão suscitada pelos Recorrentes quanto ao âmbito do incidente de liquidação e aos danos abrangidos, tratando primeiro da indemnização devida a titulo de danos não patrimoniais.

Assiste sem dúvida razão aos Recorrentes quando sustentam que a liquidação se deve circunscrever apenas aos danos referidos no ponto 36) dos factos provados: é o que decorre inequivocamente do acórdão proferido por esta Relação, e nessa parte mantido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Do referido ponto 36) dos factos provados consta que:
“36º) Os autores têm residência efetiva em ..., vindo a Portugal em gozo de
férias mas nos últimos meses, evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos
defeitos que casa dos seus sonhos, enferma”.

E assiste-lhes também razão quando alegam que os Autores no presente incidente de liquidação invocaram factos que não estão abrangidos pela matéria do referido ponto 36).
Porém, e como já referimos, o tribunal a quo apenas considerou na liquidação da indemnização devida por danos não patrimoniais, que fixou em €5.000,00, a matéria factual do referido ponto 36), conforme decorre de forma linear da sentença recorrida que transcrevemos na parte que aqui releva:
“No que concerne aos danos não patrimoniais, conforme decorre da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido circunscrever à matéria factual vazada no número 36º dos factos provados a indemnização por danos não patrimoniais.
Ora, no artigo 36º dos factos provados consta que “Os autores têm residência efetiva em ..., vindo a Portugal em gozo de férias mas nos últimos meses evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que a casa dos seus sonhos enferma.”
Assim sendo, neste ponto, acompanhamos o entendimento de que efetivamente não é possível ter em consideração a matéria factual invocada no presente incidente, que invoca outros danos não patrimoniais além dos referidos, circunscrevendo-se a indemnização à matéria factual referida em 36º dos factos provados e supra reproduzida.
Quanto aos danos não patrimoniais, dispõe o art. 496º do Código civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” E no nº 4 estabelece-se que “O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal (…)”
No caso, considerando-se a matéria factual em causa: “Os autores têm residência efetiva em ..., vindo a Portugal em gozo de férias mas nos últimos meses evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que a casa dos seus sonhos enferma.”, considera-se adequado uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €5.000”.
Assim, não obstante o tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes dos pontos 102) a 114) dos factos provados, não desrespeitou o decidido por este Tribunal e nem pelo Supremo Tribunal de Justiça, e não condenou os Recorrentes a ressarcir danos não abrangidos pela decisão em liquidação.
Por outro lado, em nada releva para a pretensão dos Recorrentes que sejam retirados da matéria de facto os pontos 102) a 114); não tendo sido considerados para fixar o valor da indemnização, tal constituiria a prática de ato absolutamente inútil que a lei não permite (cfr. artigo 130º do CPC).

Improcede, desde já e nesta parte, a presente apelação.

Analisemos agora a liquidação da indemnização devida por danos patrimoniais.

Como já vimos, para além de condenados a repararem e eliminarem todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel e que resultaram provados e bem assim a nele efetuarem todas as obras necessárias à sua total irradicação ou supressão, foram os Réus condenados, quanto aos danos patrimoniais, a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados (conforme acórdão proferido pelo Supremo tribunal de Justiça).

Do referido ponto 40º consta o seguinte:
“40º) Em fevereiro de 2016, a não retenção pela cobertura, da água das chuvas, penetrou na moradia dos AA..”
Estão aqui em causa, tal como entendem os Recorrentes, os danos provocados em fevereiro de 2016, decorrentes da não retenção pela cobertura da água das chuvas que penetrou no imóvel.
Na sentença recorrida consignou-se a este propósito que “foi expressamente relegado para o presente incidente a “especificação do dano”, conforme supra se deixou exarado, pelo que salvo o devido respeito, em obediência ao doutamente decidido, entende-se a especificação do dano feita nos presentes autos se enquadra no âmbito da condenação dos réus.
Por outro lado, no que concerne à duplicação de condenações, salienta-se que nos presentes autos foi expressamente determinado que se especificassem e liquidassem, em incidente de liquidação, os danos provenientes das chuvas de 2016.
Ora, não havendo dúvida, como não há, em face da matéria de facto provada, que a chuvas provocaram danos nas paredes e tetos, salvo o devido respeito, não se vê que haja qualquer violação do julgado.
Por outro lado, não se oblitera que foi aludido pela prova testemunhal que houve já uma intervenção nos tetos por parte dos réus no âmbito da execução de sentença que pende no Tribunal da Execução.
Todavia, salvo o devido respeito, não foi alegada qualquer matéria factual que permitisse a este Tribunal considerar essa intervenção, desde logo, não houve a alegação de qual foi a intervenção em causa, a sua localização específica, a sua extensão, pelo que, necessariamente não podia este Tribunal dela conhecer.
Considera-se, por isso, que a especificação do dano e a liquidação operadas se enquadram no âmbito do que foi doutamente julgado e decidido”.
Não podemos, contudo, concordar com este entendimento.
A leitura do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça não pode ser dissociada do articulado superveniente apresentado pelos Autores na ação (na sessão da audiência de 21/04/2016), onde alegaram a não retenção pela cobertura da água, que penetrou na moradia dos Autores em fevereiro de 2016, por via da pluviosidade, e que se encontrava a destruir os elementos estruturais que constituem a cobertura, os acabamentos, pinturas dos tetos e pinturas das paredes interiores e todos os elementos de carpintaria existentes, designadamente, portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores (artigos 16 e 17 do articulado superveniente) e que em virtude da infiltração da água proveniente das fortes chuvadas na habitação se verificou a danificação da instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira, máquina de lavar roupa, não havendo luz na casa dos Autores, e a deterioração de todo o mobiliário do 1º andar da habitação, assim como dos respetivos cortinados e roupas de cama (artigos 20, 21 e 22 do articulado superveniente).

Os danos alegados pelos Autores na ação principal, onde foi proferida a decisão que agora liquidam, respeitantes aos danos decorrentes das águas da chuva que a cobertura não reteve em fevereiro de 2016 são, por isso, os seguintes:

- Destruição dos elementos estruturais que constituem a cobertura, os acabamentos, pinturas dos tetos e pinturas das paredes interiores;
- Todos os elementos de carpintaria existentes, designadamente, portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores;
- Danificação da instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira, máquina de lavar roupa;
- Deterioração de todo o mobiliário do 1º andar da habitação, assim como dos respetivos cortinados e roupas de cama.

É a estes danos, alegados no referido articulado superveniente, que se reporta o acórdão Supremo Tribunal de Justiça para alterar, quanto aos danos patrimoniais, o acórdão proferido por esta Relação, entendendo que este, relativamente aos danos patrimoniais fundados nos defeitos da coisa, considerou que os Autores nada mais alegaram do que a existência dos defeitos, circunscritos à reparação/ressarcimento desses defeitos, concluindo pela caducidade e que tal qualificação não era correta, não considerando que os danos peticionados se reportassem apenas à reparação/ressarcimento dos defeitos, e que a ausência na alegação da discriminação dos danos patrimoniais foi colmatada posteriormente com o articulado superveniente onde se invoca que a “má execução da cobertura, pondo em causa a estanquicidade do edifício, deu azo à ocorrência, com as chuvas de FEV2016, de inundação e infiltração de água, o que, para além de agravar as infiltrações nas lajes e paredes do edifício, afetou o interior do mesmo danificando as carpintarias (portas, janelas, sanefas, roupeiros, escada e soalho), mobiliário, cortinados e roupa da cama, e a instalação elétricas”. (sublinhado nosso).
E são os danos decorrentes do defeito, indicados no articulado superveniente, que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça considerou que não podiam ser qualificados como danos inerentes aos defeitos e enquadrou a respetiva indemnização como uma prestação residual, considerando tratar-se de danos sequenciais, provocados pelo defeito, ou seja, “danos colaterais” na terminologia usada por Cura Mariano, na obra ali citada, os quais, estando sujeitos às regras gerais da responsabilidade contratual, não estariam sujeitos à regra da caducidade, mas da prescrição geral.
E mais se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que, no referido articulado superveniente, ao quantificarem o dano patrimonial, os Autores consideraram “quer os custos de reparação dos danos invocados no articulado superveniente quer os custos da reparação dos defeitos. Estes últimos não são consideráveis uma vez que está pedida (e já decretada porquanto nessa parte não impugnada) a obrigação de reparação de defeitos. Mas essa circunstância apenas determina a necessidade de se circunscrever o âmbito dos danos a que se refere o pedido indemnizatório”. (sublinhado nosso).
Entendeu-se, por isso, no acórdão, que o pedido indemnizatório por danos patrimoniais formulado pelos Autores se refere não só à reparação dos defeitos mas também aos danos sequencialmente provocados pelos defeitos (e discriminados no articulado superveniente), não estando estes (e apenas estes) sujeitos ao prazo de caducidade, sendo quanto a estes danos sequenciais ou colaterais que entendeu que o facto das instâncias não terem apurado os danos alegados no articulado superveniente não “redunda em insuficiência factual justificadora da anulação do julgamento” pois a factualidade apurada no ponto 40) dos factos provados  “permite considerar verificado o dano, o que é suficiente para fundar a condenação do pedido, relegando-se especificação do dano para liquidação.” (sublinhado nosso).
Assim, concluímos que a interpretação que deve ser considerada da decisão proferida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir conceder a revista e “revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu os Réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais, condenando os mesmos Réus a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados”, por ser a única possível em face dos fundamentos constantes do mesmo, é que os danos que estão em causa decorrentes do ponto 40) dos factos provados, são os danos sequenciais ou colaterais alegados no referido articulado superveniente apresentado pelos Autores (e já não  os referentes à reparação dos defeitos), ou seja: nas carpintarias (portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores), no mobiliário, cortinados e roupa de cama, e na instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira, e máquina de lavar roupa, sendo a especificação destes danos (quantos portas, roupeiros, focos, quais os móveis, quantos cortinados e que roupa de cama, etc) que foi relegada para liquidação.
Veja-se ainda nesse sentido o teor do sumário elaborado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça onde se refere expressamente que “a deterioração das carpintarias, mobiliário, têxteis e instalação elétrica em virtude de escorrência, em 2016, de água para o interior do edifício, ocasionada na falta de estanquicidade da cobertura, já denunciada em 2012, constitui um dano decorrente do defeito, e não inerente ao mesmo, indemnizável nos termos gerais da responsabilidade contratual”.
A não ser assim, estaríamos desde logo a ir contra a fundamentação constante do acórdão onde expressamente se refere que ao quantificarem o dano patrimonial, os Autores consideraram quer os custos de reparação dos danos invocados no articulado superveniente quer os custos da reparação dos defeitos e que estes últimos não são consideráveis uma vez que está pedida (e já decretada porquanto nessa parte não impugnada) a obrigação de reparação de defeitos.
A consideração desses danos é geradora da duplicação a que se referem também os Recorrentes quando alegam que o tribunal a quo os condenou a ressarcir danos que já estão abrangidos pela obrigação de reparação e sustentam que não assiste aos Autores direito a exigir uma indemnização pelo custo dos trabalhos de reparação que, por força da decisão têm de ser executados pelos próprios Réus. O que acabou por ser reconhecido, de certa forma, pelo tribunal a quo quando afirma que “não se oblitera que foi aludido pela prova testemunhal que houve já uma intervenção nos tetos por parte dos réus no âmbito da execução de sentença que pende no Tribunal da Execução”, embora conclua que não tendo sido “alegada qualquer matéria factual que permitisse a este Tribunal considerar essa intervenção, desde logo, não houve a alegação de qual foi a intervenção em causa, a sua localização específica, a sua extensão, pelo que, necessariamente não podia este Tribunal dela conhecer”, entendendo, contudo, inexistir violação do julgado.

No caso concreto, a questão suscita-se essencialmente porque os Autores deduziram o incidente de liquidação (em setembro de 2019) logo após ter sido proferida a sentença e antes do seu trânsito em julgado, a qual condenara os Réus de forma ampla a ressarcirem os Autores de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagarem-lhe a quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença, decisão que foi posteriormente restringida no seu âmbito primeiro pelo acórdão desta Relação e posteriormente, ainda que em menor grau pois condenou a ressarcir os danos patrimoniais sequenciais, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em  setembro de 2022.
Aliás, mal se compreenderia que tendo sido operada tal restrição relativamente à sentença proferida se estivessem a considerar no presente incidente de liquidação todos os danos inicialmente alegados pelos Autores ao deduzirem o incidente com base na sentença, ainda não transitada em julgado, e na decisão condenatória mais ampla inerente à mesma.
Importa ainda concretizar que, tal como se afirma no acórdão desta Relação de 27/06/2019 (Processo n.º 606/06.4TBMNC-D.G1, Relatora  Cristina Cerdeira, disponível para consulta em www.dgsi.pt), que subscrevemos como 1ª Adjunta e aqui acompanhamos, “(…) a decisão judicial constitui um verdadeiro ato jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos – pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença (artº. 295º do Código Civil). Compreende-se, por isso, que a jurisprudência venha maioritariamente defendendo que a decisão judicial há-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente – artºs 236º, nº. 1 e 238º, nº. 1 do Código Civil (neste sentido vide, entre outros, acórdãos do STJ de 5/11/2009, Rel. Oliveira Rocha, proc. nº. 4800/05.TBAMD-A, de 3/02/2011, Rel. Lopes do Rego, proc. nº. 190-A/1999, de 26/04/2012, Rel. Maria do Prazeres Beleza, proc. nº. 289/10.7TBPTB e de 20/03/2014, Rel. Fernandes do Vale, proc. nº. 392/10.3TBBRG; acórdãos da RC de 22/03/2011, proc. nº. 243/06.3TBFND-B e de 15/01/2013, proc. nº. 1500/03.6TBGRD-B, todos acessíveis em www.dgsi.pt). (…) sendo a sentença um ato jurídico, formal e recetício, subtraído à liberdade negocial, na sua interpretação não se procura a reconstituição de uma declaração pessoal de vontade do julgador (entendida na base da determinação de um propósito subjetivo), mas sim o correto entendimento do resultado final e objetivo de um percurso pré-ordenado à obtenção da dita decisão (cfr. acórdão da RG de 14/06/2017, proc. nº. 426/11.4TBPTL-A, acessível em www.dgsi.pt). (…) de acordo com a jurisprudência anteriormente citada, na interpretação da decisão judicial ter-se-á que atender à parte decisória propriamente dita (ao dispositivo final), aos seus antecedentes lógicos, a toda a fundamentação que a suporta e mesmo à globalidade dos atos que a precederam (quer se trate de atos das partes, ou de atos do tribunal), bem como a outras circunstâncias relevantes, mesmo posteriores à sua prolação (cfr. acórdão do STJ de 8/06/2010, proc. nº. 25.163/05.5YYLSB, acessível em www.dgsi.pt)” e tem de se “aplicar à respetiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (princípio estabelecido para os negócios formais no artº. 238º do Código Civil e que, valendo para a interpretação dos atos normativos – artº. 9º, nº. 2 do mesmo Código - tem identicamente, por razões de certeza e segurança jurídica, de valer igualmente para a fixação do sentido do comando jurídico concreto ínsito na decisão judicial) – cfr. acórdãos do STJ de 3/02/2011 e da RC de 22/03/2011 acima referidos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). Concluindo, sabe-se que para a interpretação do conteúdo de uma sentença, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto (cfr. acórdãos do STJ de 26/04/2012 e da RG de 14/06/2017 acima referidos, ambos acessíveis em www.dgsi.pt)”.
Podemos, assim, concluir que estando em causa um ato jurídico formal, regulamentado pela lei de processo e implicando uma objetivação  da composição dos interesses nela contida, a sua interpretação deve ser feita de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, ou seja, tem de ser interpretada  com o sentido  que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, sendo que para se alcançar o verdadeiro sentido de uma sentença, a sua interpretação não pode assentar exclusivamente no teor literal da respetiva parte decisória, impondo-se também considerar e analisar todos os antecedentes lógicos, que a suportam e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência bem como outras circunstâncias, mesmo posteriores à respetiva elaboração (v. acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 01/07/2021, Processo n.º 726/15.4T8PTM.E1.S1, Relatora Rosa Tching, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Desta forma, considerando o texto decisório do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça ao condenar os Réus a ressarcirem os Autores dos danos decorrentes do ponto 40º do elenco dos factos provados, com a fundamentação constante do mesmo e todos os antecedentes lógicos, designadamente a própria sentença objeto de recurso e o acórdão proferido pela Relação, concluímos que a única interpretação possível do ponto de vista de um declaratário normal, desde logo colocado na situação dos Autores e dos Réus, é a supra referida de que os danos que estão em causa, decorrentes do ponto 40) dos factos provados, são os danos sequenciais alegados no articulado superveniente apresentado pelos Autores referentes às carpintarias (designadamente portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores), ao mobiliário, cortinados e roupa de cama, e à instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira, e máquina de lavar roupa, sendo a especificação destes danos que foi relegada para liquidação e está em causa no presente incidente de liquidação.

Em face do exposto asiste, pois, razão aos Recorrentes (ainda que parcialmente como adiante iremos ver) quando referem que, relativamente aos danos patrimoniais, o tribunal a quo vai além do que foi definido na ação principal, dando factos como provados e considerando-os também para efeitos da liquidação e do valor a ressarcir aos Autores, extravasando dessa forma o âmbito do incidente de liquidação.
No entanto, e salvo melhor opinião, não vislumbramos qualquer interesse ou utilidade neste momento em determinar que sejam retirados os factos provados que extravasam o âmbito da liquidação dos danos patrimoniais, nos termos já referidos, pois o que releva é definir, de entre os factos provados, aqueles que importa considerar, de forma a determinar o valor global que devem os Réus pagar aos Autores a título de danos patrimoniais.
Vejamos então, começando por salientar que há danos a considerar que os Recorrentes pretendem afastar, como é o caso dos danos na carpintaria elencados no artigo 17º do requerimento inicial, os quais, como já vimos, são também danos sequenciais, alegados no articulado superveniente e, como tal, abrangidos na liquidação.

Recordamos aqui que os danos alegados no articulado superveniente, decorrentes da não retenção pela cobertura da água das chuvas em fevereiro de 2016, cuja especificação foi relegada para liquidação e que estão abrangidos no presente incidente de liquidação são os seguintes:

A) Carpintarias (designadamente portas interiores, aros e guarnições, roupeiros, forras de madeira de janelas, portas das paredes exteriores, sanefas, soalho de revestimento do pavimento e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores);
B) Mobiliário;
C) Cortinados e roupa de cama;
D) Instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira e máquina de lavar roupa.

Analisemos agora tais danos e respetiva quantificação, por referência à matéria de facto provada, de forma a apurar o respetivo montante.
           
A) Carpintarias

Resulta da matéria de facto provada que:
1) A água que se infiltrou na moradia dos autores referida em 40) dos factos provados na ação principal, não retida pela cobertura, encontra-se a destruir os elementos estruturais que constituem a cobertura, …
4) … todos os elementos de carpintaria existentes,
5) … designadamente, portas interiores,
6) … aros e guarnições,
7) … roupeiros,
8) … forras de madeira de janelas,
9) … portas das paredes exteriores,
10) … sanefas,
11) … soalho de revestimento do pavimento …
12) … e ainda as tábuas que forram os degraus das escadas interiores da habitação dos autores.
27) A reparação dos danos referidos em 1) a 12) implicará a remoção de toda a pintura deteriorada de paredes, e tetos do rés-do-chão, andar, garagem e arrumos, remoção de rebocos soltos e fissurados e todo o soalho existente, aros de portas e baguetes, incluindo transporte para vazadouro autorizado, com um custo de €4.951,32, a que acresce o IVA;
30) … A aplicação de todos os soalhos tem o custo de €3.250,00, a que acresce o IVA;
31) … A colocação de rodapés em madeira de tola, com secção 7.5 x 1.5 cm, incluindo tratamento com verniz meio brilho, com um custo de €2.670,00, a que acresce o IVA;
32) … A colocação de aros e baguetes em madeira de tola nas portas inferiores, e lixar portas existentes e aplicar verniz meio brilho em portas aros e baguetes, com um custo de 4.383,50, a que acresce o IVA;
33) …Decapar e lixar a madeira de todos os vãos de escada interiores sem substituição de madeiras, aplicação de verniz de soalho meio brilho, com um custo de €3.565,00, a que acresce o IVA;
34) … Substituição total dos armários roupeiros tem um custo de €15.430,00, a que acresce o IVA;

Decorre da matéria de facto provada que a aplicação de todos os soalhos, colocação de rodapés em madeira de tola, com secção 7.5 x 1.5 cm, incluindo tratamento com verniz meio brilho, colocação de aros e baguetes em madeira de tola nas portas inferiores, e lixar portas existentes e aplicar verniz meio brilho em portas aros e baguetes, decapar e lixar a madeira de todos os vãos de escada interiores sem substituição de madeiras, aplicação de verniz de soalho meio brilho e substituição total dos armários roupeiros, tem um custo global de €29.298,50 a que acresce IVA, (€3.250,00+€2.670,00+4.383,50+€3.565,00+€15.430,00).
Mais resulta que será necessária a remoção de todo o soalho existente, aros de portas e baguetes; porém, o valor de €4.951,32 (a que acresce o IVA) constante do ponto 27), que inclui transporte para vazadouro autorizado, reporta-se também a outros trabalhos de remoção: de toda a pintura deteriorada de paredes, e tetos do rés-do-chão, andar, garagem e arrumos e de rebocos soltos e fissurados, sendo que o valor constante do referido ponto 27) corresponde ao do orçamento de fls. 115, onde aparecem elencados rodos os referidos trabalhos.
Assim, e para fixar o valor respeitante apenas à remoção de todo o soalho existente, aros de portas e baguetes, incluindo transporte para vazadouro autorizado, mostra-se necessário apelar à equidade, em conformidade com o previsto no n.º 3 do artigo 566º do Código Civil, onde se estabelece que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Assim, atendendo a que no valor orçamentado de €4.951,32 se mostra englobado o custo de três tipos distintos de trabalhos de remoção (de toda a pintura deteriorada de paredes, e tetos do rés-do-chão, andar, garagem e arrumos e de rebocos soltos e fissurados e de remoção de todo o soalho existente, aros de portas e baguetes) sendo que o transporte para vazadouro autorizado se refere a todos esses materiais removidos, consideramos adequado e equitativo fixar em €1.650,00 o valor para a remoção do soalho existente, aros de portas e baguetes.
Liquida-se, por isso, em €30.948,50 (€29.298,50 + €1.650,00 = €30.948,50), acrescido de IVA no montante de €7.118,15, num total de €38.066,65 o valor necessário para a remoção do soalho existente, aros de portas e baguetes.

b) Mobiliário
Da matéria de facto provada constam, com relevo, os seguintes factos:
25) Verificou-se ainda a deterioração de todo o mobiliário do 1º andar da habitação,
67) Para substituir os móveis danificados referidos em 25), os autores têm de despender € 402,60 numa Cama “Júpiter ref. ....65”,
68) … € 221,80 em duas mesas cabeceira “Ref. ....69”,
69) … € 228,00 num Colchão Nacional Ortopédico 150*195;
70) …€83,15 num Estrado Laminas 150*195;
71) … €240,00 num vestidor 1800 wuengue ref. FT....;
72) … €402,00 numa Cama Júpiter ref. FT....;
73) … € 221,80 em duas Mesas cabeceira, ref. ....69;
74) … € 356,40 numa cómoda, com 3 gavetas, ref. FT....;
75) … € 92,40 numa moldura 1010, cerejeira, ref. ....71;
76) … € 228,00 num colchão nacional ortopédico, 150*195;
77) … € 83,15 num estrado laminas 150*195;
78) … € 303,60 numa cabeceira Duo, 280 esquerdo, ref. 897 DI;
79) … € 463,35 numa banheira plana, 150, ref. ...91...;
80) … € 277,20 em duas mesas de cabeceira, com 2 gavetas, ref. ...62;
81) … € 231,00 num colchão nacional ortopédico 150*195;
82) … €83,15 num Estrado, Láminas 150*195;
83) … €275,90 num camiseiro, com 4 gavetas + 1 contenedo\r, ref. 2166ª;
84) … € 234,00 uma moldura, 90*200 forrada em napaflex 16;
85) …€ 402,60 numa cama júpitar, ref. ....65;
86) …€ 221,80 em duas mesas de cabeceira, ref. ....69;
87) …€ 356,40 numa cómoda, 3 gavetas, ref. FT....;
88) …€ 92,40 numa moldura 1010, cerejeira, ref. ....71;
89) …€ 231,00 um colchão nacional ortopédico 150*195;
90) …€ 83,15 num estrado laminas 150*195;
91) …€ 774,00 numa consola ....
92) Tudo, no montante global de €6.589,45 (seis mil quinhentos e oitenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos).

C) Cortinados e roupa de cama
Da matéria de facto provada constam, com relevo, os seguintes factos:
26) … assim como, os respetivos cortinados, roupas de cama e têxteis lar.
93) Para substituir as roupas de cama e têxteis lar referidos em 26), os autores terão de despender em quatro edredões, no valor de € 560,00;
94) … em oito jogos de lençóis, no valor de € 600,00;
95) … em quatro jogos de toalhas de banho, no valor de € 260,00;
96) … em oito almofadas, no valor de € 176,00.
97) … Tudo no montante global de € 1.596,00 (mil quinhentos e noventa e seis euros).
98) E na substituição dos cortinados referidos em 26) terão de despender o montante global de €4.884,00, sendo € 2.640,00 em 88 metros de tecido alinhado;
99) …. €1.400, 00 em 8 varões em inox completos, com 3,70 metros de largura;
100) … €44,00 em 88 fitas decorativas;
101) … E €800 com o trabalho de costura e colocação.                                                        
Tudo no montante global (em cortinados, roupas de cama e têxteis lar) de €6.480,00.
Porém, na presente liquidação apenas está em causa a roupa de cama, pelo que a este valor temos de retirar o valor de €260,00 dos quatro jogos de toalhas de banho.
Liquida-se, por isso, em €6.220,00 (€1.336,00 + €4.884,00 = €6.220,00) o valor dos cortinados e roupa de cama.

D) Instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira e máquina de lavar roupa.
Resultam provados, com relevo, os seguintes factos:
14) Em virtude da infiltração da água, proveniente das fortes chuvadas de Fevereiro de 2016, referidas em 40) dos factos provados da ação principal, verificou-se ainda a danificação da instalação elétrica, …
15) … dos focos de iluminação,
16) … candeeiros,
17) … Tomadas,
18) … Eletrodomésticos, nomeadamente da caldeira, frigorifico, videoporteiro e máquina de lavar roupa…
19) E a danificação dos sanitários, concretamente torneiras…
20) … lavatórios,
21) … sanitas
22) … Bidés,
23) E banheiras.
35) Para reparação dos danos na instalação elétrica, sanitários e eletrodomésticos referidos em 14 a 23), despenderão os autores a quantia global de €18.899,21 (com IVA),
SENDO:
41)  … 1 caldeira a gasóleo, báxi gavina 30 kw, o valor de € 2.064,00;
49)  … 1 quadro ited, o valor de € 450,00;
51) …. 27 focos de teto de interiores, 15x15, o valor de € 486,00;
52) … 15 focos de exteriores, de 12 w, o valor de € 248,10;
53) … 7 olhos de boi – exteriores, o valor de € 296,58;
54) … 6 focos, embutidos, 18x18 – 18 w, o valor de € 118,80;
55) … 5 candeeiros de tetos de quarto, o valor de € 418,20;
56) …. 2 armaduras, casa das máquinas, garagem e quarto de arrumos, o valor de €54,00;
57) … 1 programador de rega, 4 estações honter, o valor de € 88,80;
62) … 32 tomadas legra, o valor de € 274,80;
63) … 12 cometedores, escada legra, o valor de € 113,76;
64) … 1 máquina de lavar roupa, marca branca, o valor de € 450,00;
66) E em mão de obra, para colocação dos materiais, o valor de € 3.240,00. 

Impõe-se referir que o valor global de €18.899,21 (com IVA) referido em 35) reporta-se a outros danos que, como já decidido, não se encontram abrangidos na liquidação, como é o caso dos sanitários e outros eletrodomésticos que não a máquina de lavar roupa e a caldeira.
Assim, e quanto a materiais, incluindo os focos, a caldeira e a máquina de lavar o valor a considerar é de €5.063,04 (com IVA).
Quanto a mão de obra para colocação de materiais, aí se incluindo a colocação da caldeira e da máquina de lavar roupa, importa da mesma forma apelar à equidade.
Assim, atendendo a que no valor constante do ponto 66) dos factos provados, de €3.240,00 mão de obra, estão incluídos quer os trabalhos de eletricidade, quer os trabalhos de pichelaria, consideramos adequado e equitativo fixar em €1.620,00, com IVA), o valor para a mão de obra.
Liquida-se, por isso, em €6.683,04 (€5.063,04 + €1.620,00 = €6.683,04) o valor necessário para instalação elétrica, focos de iluminação, caldeira e máquina de lavar roupa.

Do exposto decorre dever ser liquidado em €57.559,14 o valor global dos danos patrimoniais, a que acresce o valor dos danos não patrimoniais, no montante de €5.000,00.
Assim, e na parcial procedência da presente apelação, deve revogar-se a sentença recorrida na parte respeitante aos danos patrimoniais, condenando os Réus a pagarem aos Autores a quantia de €57.559,14 a esse titulo, confirmando a sentença recorrida quanto aos danos não patrimoniais.
As custas da presente apelação e do incidente de liquidação são da responsabilidade de Autores e Réus na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º do CPC).
***
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, em:

a) rejeitar a apelação quanto à impugnação da matéria de facto;
b) alterar a sentença recorrida na parte respeitante aos danos patrimoniais que se liquidam no valor global de €57.559,14 (cinquenta e sete mil quinhentos e cinquenta e nove euros e catorze cêntimos);
c) confirmar, no mais, a sentença recorrida.
Custas da apelação e do incidente pelos Recorrentes e pelos Recorridos na proporção do decaimento.
Guimarães, 24 de abril de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Carla Maria de Sousa Oliveira (1ª Adjunta)
Ana Cristina Duarte (2ª Adjunta)