Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
350/23.8T8GMR.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO (PEAP)
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTO
RECUSA OFICIOSA
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O plano de pagamentos apresentado no âmbito de um PEAP, no qual se prevê o pagamento dos créditos em prestações mensais de valor superior aos rendimentos do devedor, sem que nele se mencionem quaisquer outros bens ou rendimentos que permitam o pagamento do valor diferencial, contém uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo e, por isso, pode ser objeto de recusa oficiosa, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 195º, nº 2, al. c), 215º e 222º-F, nº 5 do CIRE.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA veio, nos termos dos arts. 222º-A e ss do CIRE, instaurar processo especial para acordo de pagamento.
*
Foi nomeado administrador judicial provisório.
*
Foi junta a lista provisória de créditos, no valor total de € 161 906,59 de capital e € 1 779,86 de juros.
*
Concluída a fase de negociações, foi junta proposta de plano de pagamentos (requerimento de 1.8.2023, ref. Citius 14917996), cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, na qual consta que:

- o devedor é solteiro e não tem filhos;
- aufere o vencimento de € 1 000,00;
- tem dificuldade em aceder ao crédito bancário e, atualmente, apenas dispõe dos seus recursos próprios para efetuar o pagamento das suas obrigações, sendo que tais recursos têm vindo paulatinamente a revelar-se insuficientes;
- espera poder obter rendimentos do seu trabalho e da ajuda da família que permita cumprir o plano proposto, agora com consolidação e calendarização das responsabilidades;
- o plano apresentado consiste no perdão de 50% do capital em dívida e da totalidade de juros e pagamento de 50% do capital no prazo de 84 meses, em 60 prestações mensais, com período de carência de 24 meses.
*
O plano foi submetido a votação e foi aprovado pelos credores.
*
Em 4.1.2024 foi proferido despacho (ref. Citius 188322137) que, na parte que aqui releva, tem o seguinte teor:

“Como se sabe, no prazo de 10 dias subsequentes à receção da documentação referida no nº1 e nº4 do art. 222º-F, o juiz profere decisão de homologação ou de recusa de homologação do acordo de pagamento - art. 222º-F, nº5 do CIRE.
No presente caso, daquele plano (Ref.ª ...96 de 01.08.2023) resulta que, a partir do ano de 2026, o devedor se propõe a pagar 50% do valor em dívida em 84 prestações mensais sucessivas, isto é, propõe-se a pagar, 80.953,30€ (oitenta mil, novecentos e cinquenta e três euros e trinta cêntimos) em 84 prestações de 963,73€ cada.
Sucedendo que, é inverosímil que, com um rendimento mensal de 1.000,00€, se consiga pagar 963,73€.
Segundo o Ac. da RC de 10/12/2020 (Maria João Areias) "sendo os rendimentos mensais dos devedores largamente inferiores ao valor das prestações mensais previstas no plano de pagamento, a ausência de indicação sobre como serão obtidos os meios de satisfação dos credores, se através da liquidação de algum bem, se à custa de rendimentos suplementares e quais, constituirá violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano (art. 2215º do CIRE).
Neste termos, ao abrigo do disposto no art. 222º-F, nº5 do CIRE recusa-se a homologação do plano de pagamento.
Custas pelo devedor.
Registe e Notifique.”
*
AA não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. O tribunal a quo não pode recusar a homologação do acordo de pagamento por considerar inverosímil que, com um rendimento mensal atual de 1.000.00 Euros o devedor conseguisse pagar – A PARTIR DE 2026 - prestações no montante de 963.73 Euros
2. A sentença recorrida não indica quais são as normas procedimentais ou de conteúdo que considera não negligenciavelmente violadas.
3. O plano aprovado pelos presentes autos não contém a violação de quaisquer normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza, de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores.
4. O Acórdão invocado na sentença recorrida retrata uma realidade oposta à dos presentes autos
5. Não compete ao Tribunal mas sim aos credores sindicar a verosimilhança do cumprimento do plano.
6. “Essa é matéria que, excluída inexequibilidade pura e simples, não compete ao tribunal sindicar. A viabilidade e a aptidão do plano para evitar a situação de insolvência dos devedores, em PEAP (única finalidade possível, dada a natureza dos devedores, pessoas físicas) são a ponderar pelos credores para saber se votam favorável ou desfavoravelmente o plano.” Ac. Da Relação de Lisboa prolatado em 18.10.2022 no processo n.º 28316/21.5T8LSB-A.L1-1
7. Auferindo o devedor – como aufere – atualmente rendimentos suficientes para pagar as prestações mensais do plano e tendo os credores do devedor aceite o conteúdo do mesmo, não pode o Tribunal recusar a sua homologação com fundamento meramente conjectural, traduzido no facto de considerar inverosímil que o obrigado – DAQUI A DOIS ANOS – consiga cumprir cumpra as obrigações a que ficou adstrito.
8. “A homologação do plano de insolvência destina-se a controlar a legalidade do plano e não o mérito do seu conteúdo que, como escrevemos, é livremente moldado pelos credores (...). Por exemplo, o juiz não pode recusar a homologação do plano de recuperação, ainda que esta lhe pareça manifestamente inviável.” Acórdão da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 3236/12...., em 23.11.2023,
9. Na douta sentença recorrida mostram-se violadas, além do mais, a normas do artigo 215.º e 222.º F do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que homologue o plano aprovado pelos credores.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
*
Foi fixado à causa o valor de € 5 000,01 (despacho de 8.3.204 ref. Citius 189572850).
*
Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se, no caso, existe fundamento legal para ser oficiosamente recusada a homologação do plano, ao abrigo do disposto no art. 222º-F, nº 5, do CIRE.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes a considerar são os que se mostram descritos no relatório e resultam da consulta do iter processual.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como referimos, a questão a dilucidar no presente recurso consiste em saber se existe fundamento legal para ser oficiosamente recusada a homologação do plano, ao abrigo do disposto no art. 222º-F, nº 5, do CIRE.

O processo especial para acordo de pagamento (PEAP) é um dos processos especialíssimos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), o qual foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017, mediante o aditamento dos artigos 222º-A a 222º-J.
Este novo processo veio possibilitar ao devedor que não seja uma empresa o recurso a um processo idêntico ao Processo Especial de Revitalização (PER), regulado pelos artigos 17º-A a 17º-J, do CIRE, ficando este último reservado para as empresas.
O PEAP surge, assim, como um “PER específico” dos devedores que não sejam empresas sendo que a principal diferença quanto aos pressupostos de aplicação do regime do PER e do PEAP reside na qualidade dos devedores abrangidos, sendo o conceito nevrálgico de distinção entre o âmbito de aplicação dos dois regimes o de empresa (comercial ou não comercial) e não o de personalidade singular ou o de personalidade coletiva (cf. Ana Alves Leal e Cláudia Trindade, O processo especial para acordo de pagamento (PEAP): o novo regime pré́-insolvencial para devedores não empresários, in RDS IX (2017), 1).
Pese embora se trate de processos autónomos e distintos, existe uma tão grande similitude entre o PER e o PEAP que se justifica que se afirme que “o PEAP não é, na verdade, outra coisa senão “o PER dos não empresários”, configurando-se o seu regime como o regime do antigo PER deslocado para outra parte do Código” (cf. Acórdão do STJ, de 04.07.2019 in www.dgsi.pt).
Outro elemento distintivo essencial dos dois regimes é o facto de o PER também pressupor a recuperabilidade do devedor, diversamente do que sucede no regime do PEAP que não pretende alcançar tal desiderato, mas tão só obter um acordo de pagamento entre o devedor e os credores.
Excecionando estes elementos distintivos, os dois regimes são no essencial tão idênticos que as impressivas semelhanças entre ambos devem levar a que os princípios aplicáveis ao PER, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efetuar, encontrem acolhimento no PEAP (cf. Acórdão da Relação de Évora, de 22.02.2018, in www.dgsi.pt).

O PEAP carateriza-se por ser tendencialmente extrajudicial, sobretudo na fase das negociações, “em que a intervenção do julgador é pontual em homenagem aos valores da celeridade, da informalidade e da eficácia” (Ac. da Relação do Porto, de 05.11.2018, in www.dgsi.pt).
Essa intervenção judicial ocorre em momentos cruciais, como seja a nomeação do administrador judicial provisório (art. 222.º-C, n.º 4 do CIRE), a decisão das impugnações da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório (art. 222.º-D, n.º 3 do CIRE), a decisão sobre a computação, no cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano, de créditos impugnados, e a decisão de homologação ou não homologação do acordo de pagamento (art. 222.º-F, n.º 5 do CIRE). A intervenção judicial é, assim, necessária para garantir ao processo a sua natureza concursal, ou seja, a vinculatividade do acordo de pagamento face a todos os credores do devedor, incluindo aqueles que não participaram nas negociações ou não tiveram qualquer intervenção no processo (art. 222º-F, n.º 8 do CIRE) (cf. Acórdão da Relação de Guimarães, de 6.2.2020, in www.dgsi.pt).

O art. 222º -F, do CIRE (diploma ao qual pertencem as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) com a epígrafe “conclusão das negociações com a aprovação de acordo de pagamento”, estabelece no seu nº 5 que o juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º
O art. 215º trata da não homologação oficiosa e o art. 216º da não homologação a solicitação dos interessados.
Para a economia do presente recurso apenas importa a primeira situação, porquanto a não homologação teve lugar de forma oficiosa, pelo que apenas sobre esta nos deteremos.

Dispõe o art. 215º que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.

A lei não contém a noção de violação não negligenciável, tendo o legislador optado pelo uso de um conceito indeterminado o que tem dado azo a “discussões acaloradas desde a entrada em vigor do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e que ainda hoje suscita dúvidas, não obstante as tentativas de densificação desenvolvidas, entretanto, pela doutrina e pela jurisprudência portuguesas. Tentando colmatar a indeterminação do conceito, é razoável entender que violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro a violação pode ser negligenciada” (Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed. pág. 473).

Quanto à 2ª parte da norma do art. 215º, nº 1 “deve entender-se que as “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes. Ou seja, as primeiras são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente” (Ac. do TRC, de 27.06.2017, P 8389/16.3T8CBR.C1, in www.dgsi.pt).

No caso em apreço, a decisão recorrida não homologou o acordo por considerar que é inverosímil que, com um rendimento mensal de 1 000,00€ se consiga pagar 963,73€, invocando ainda o decidido no acórdão da Relação de Coimbra, de 10.12.2020, no sentido de que a ausência de indicação sobre como serão obtidos os meios de satisfação dos credores, se através da liquidação de algum bem, se à custa de rendimentos suplementares, constituirá violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano.

O recorrente defende, no essencial, que “[n]ão compete ao Tribunal mas sim aos credores sindicar a verosimilhança do cumprimento do plano” e, “[a]uferindo o devedor – como aufere – atualmente rendimentos suficientes para pagar as prestações mensais do plano e tendo os credores do devedor aceite o conteúdo do mesmo, não pode o Tribunal recusar a sua homologação com fundamento meramente conjectural, traduzido no facto de considerar inverosímil que o obrigado – DAQUI A DOIS ANOS – consiga cumprir cumpra as obrigações a que ficou adstrito.”

Em primeiro lugar, importa salientar e esclarecer que existe um equívoco, quer na decisão recorrida, quer nas alegações, pois o plano não contempla o pagamento de 84 prestações mensais no valor de € 963,73€.
O plano apresentado consiste no perdão de 50% do capital em dívida e da totalidade dos juros e no pagamento de 50% do capital no prazo de 84 meses, em 60 prestações mensais, com período de carência de 24 meses.
Uma vez que, de acordo com a lista provisória, os créditos têm o valor global de € 161 906,59 de capital, o valor a pagar será de € 80 953,30, correspondente a 50% do capital (€ 161 906,59 x 50%), o que significa que cada prestação tem o valor de € 1 349,22 (€ 80 953,30 : 60).

Do plano de pagamentos apresentado consta que:
- o requerente é solteiro e não tem filhos;
- aufere o vencimento de € 1 000,00;
- tem dificuldade em aceder ao crédito bancário e, atualmente, apenas dispõe dos seus recursos próprios para efetuar o pagamento das suas obrigações, sendo que tais recursos têm vindo paulatinamente a revelar-se insuficientes;
- espera pode obter rendimentos do seu trabalho e da ajuda da família que permita cumprir o plano proposto, agora com consolidação e calendarização das responsabilidades.

Ora, se o devedor não tem acesso ao crédito, se só conta com os seus recursos próprios para efetuar os pagamentos das suas obrigações e se o seu rendimento é de apenas € 1 000,00, não resulta do plano como poderá pagar prestações mensais de € 1 349,22.
É certo que essas prestações só se iniciarão após o decurso do prazo de carência de 24 meses e que no plano consta que o devedor espera obter rendimentos do seu trabalho e ajuda da família que lhe permita proceder ao pagamento; porém, nada está minimamente concretizado quanto a esta matéria, designadamente qual o aumento previsível do seu rendimento e qual a concreta e efetiva ajuda da família que conseguirá obter.
Assim, sendo o rendimento auferido insuficiente para o pagamento das prestações mensais acordadas, o plano baseia-se numa mera expectativa de aumento de rendimentos e de ajuda de familiares, sem um mínimo de concretização factual.

O conteúdo do plano encontra-se referido no art. 195º, o qual é aplicável, com as devidas adaptações, por via da remissão constante do art. 222º-F, nº 5 para o título IX, onde aquele normativo se enquadra.
Uma das regras relativas ao conteúdo do plano consta da al. c) do nº 2 do artigo 195º, segundo o qual o plano de insolvência deve indicar as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a realizar, e todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente a indicação sobre como serão obtidos os meios de satisfação dos credores, se através da liquidação de algum bem, se à custa de rendimentos e quais, uma vez que, no caso em apreço, os rendimentos mensais são inferiores ao valor das prestações previstas no plano.

Não está em causa efetuar o controlo da exequibilidade do plano de pagamentos do ponto de vista do seu mérito intrínseco, como refere o recorrente, mas sim definir com que rendimentos ou bens vai ser efetuado o pagamento aos credores das prestações mensais acordadas, se o único rendimento mensal atualmente auferido é inferior ao valor dessas prestações, sendo que a exigência dessa indicação é feita no art. 195º, nº 2, al. c) relativamente ao conteúdo do plano.
Não constando estes elementos do plano, tal constitui uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo; e, por isso, permite a recusa oficiosa do plano de pagamentos, ao abrigo do disposto no art. 215º.

O que significa que improcede o recurso.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida de recusa de homologação do plano de pagamentos, embora com fundamentação não integralmente coincidente.
Custas da apelação pelo recorrente.
Notifique.
*
Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

O plano de pagamentos apresentado no âmbito de um PEAP, no qual se prevê o pagamento dos créditos em prestações mensais de valor superior aos rendimentos do devedor, sem que nele se mencionem quaisquer outros bens ou rendimentos que permitam o pagamento do valor diferencial, contém uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo e, por isso, pode ser objeto de recusa oficiosa, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 195º, nº 2, al. c), 215º e 222º-F, nº 5 do CIRE.
*
Guimarães, 4 de abril de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas
(2º/ª Adjunto/a) Maria João Marques Pinto de Matos