Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
387/23.7T8GMR-A.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
NOVAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Os créditos abrangidos pelo artigo 337.º n.º1 do CT são aqueles que emergem directamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação.
Se o crédito tiver por fonte um acto diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, como um acordo de revogação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal, mas sim o prazo ordinário de prescrição previsto no art. 309.º do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra MUNICÍPIO ..., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a pagar ao A. a quantia de 52.882,59 € (cinquenta e dois mil oitocentos e oitenta e dois euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, desde a data de celebração do acordo de cessação do contrato de trabalho, até efetivo e integral pagamento.

Alega para tanto, e em síntese, que tendo celebrado um contrato de trabalho no dia 04.01.2000 com a Empresa Municipal que identifica (EMP01... – Empresa ....), a qual tinha como única acionista a R., sendo que, na sequência de deliberações da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de ..., de proposta e aprovação, respectivamente, de dissolução daquela Empresa Municipal, em 28 de Fevereiro de 2020 essa mesma Empresa celebrou com o A. um acordo denominado “Cessação do contrato de trabalho por revogação por mútuo acordo”, conforme documento que junta aos autos, e através do qual a mesma Empresa se obrigou a pagar ao A. o valor de 52.882,59 €.
Sucede que embora a ré tenha assumido, por via de actos que praticou/interveio e que o A. também alega, mormente a escritura de liquidação e partilha da mencionada Empresa Municipal, a obrigação de pagar ao autor aquela quantia, não o fez, embora sempre tenha sido transmitido ao A. quer pela comissão liquidatária quer pelo Município, verbalmente, que apesar de no processo de liquidação não existir liquidez para efectuar o pagamento, o mesmo seria efectuado após a liquidação pelo accionista único que é a R..

A ré – malograda a conciliação em sede de audiência de partes - apresentou contestação, articulado em que, para além de impugnar parte da factualidade alegada pelo autor, v.g. que tenha reconhecido e/ou assumido o pagamento do valor reclamado pelo autor, e além de deduzir as excepções que designou de falta de capacidade judiciária do réu, por ausência de representação, da incompetência do tribunal em razão da matéria, e da incompetência material do tribunal, a excepção peremptória da prescrição.
Para fundamento desta última excepção, e chamando à colação o disposto no artigo 337º nº1, do Código do Trabalho alegou, em resumo, que tendo o contrato de trabalho, celebrado entre o Autor e a referida Empresa Municipal, cessado no dia 29.02.2020, o A. tinha o prazo de um ano para intentar judicialmente a respetiva ação, o qual terminou no dia 1 de Março de 2021, não tendo o autor exigido judicialmente o pagamento do seu alegado crédito até esta data.

O autor apresentou resposta em que, no fundamental, rebate as excepções deduzidas pela ré.

Prosseguindo os autos, veio a proferir-se despacho – saneador contendo este, nomeadamente, a seguinte decisão:
“Da prescrição.
Invoca a ré a prescrição do crédito do autor com base no disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho. Importa assim proceder à análise do pedido do autor, uma vez que a causa de pedir é um acordo de cessação do contrato de trabalho que havia sido celebrado entre o autor e a sociedade EMP01..., uma empresa municipal cujo único acionista é o réu. Tal empresa foi objeto de liquidação e partilha, determinando-se em sede de escritura pública, que o passivo seria da responsabilidade do município. Ou seja, aquilo que o autor pretende com a presente ação é o cumprimento do acordo feito com a empresa municipal, pelo qual esta se obrigou a pagar-lhe a quantia de € 52 882,59, e cujo pagamento foi posteriormente assumido pelo município. A este acordo de pagamento não se aplica o disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho, aliás, o município assumiu o pagamento de uma dívida quando não existia qualquer relação laboral com o autor. Com apreciação de uma situação similar confira-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12-09-2018, consultado no endereço eletrónico da dgsi.
Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de prescrição.”

Inconformada com esta decisão – que julgou improcedente a excepção da prescrição -, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

1.º Vem o presente recurso do despacho saneador que julgou improcedente a exceção da prescrição.
2.º
O despacho saneador recorrido considerou não ser aplicável in casu, o disposto no artigo 337º, nº1, do CT, mas, com todo o respeito, esta decisão enferma de erro, porque o alegado crédito do Autor encontra-se efetivamente prescrito.
3.º
Dúvidas não existem que o que está em causa nesta ação são créditos de natureza laboral, diretamente emergentes do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a empresa municipal “EMP01...”, da sua violação ou cessação, e cujo pagamento o Autor reclama ao Réu, alegando ter este assumido o pagamento.
4.º
Apesar do Réu ter negado na contestação ter assumido o pagamento das verbas constantes do acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a “EMP01...” em 28/02/2020, e impugnado essa matéria, a decisão recorrida dá por certo que o Município, ora Réu, assumiu esse pagamento e fundamenta a decisão nesses termos.
5.º
Ora, o Tribunal a quo não podia fundamentar a sua decisão num facto controvertido e que vai ser ainda sujeito a prova, padecendo, assim, esta decisão, e nessa medida, de evidente erro.
6.º
O Tribunal a quo também erra ao fundamentar a sua decisão no acórdão do TRL de 12/09/2018, que diz tratar de uma situação similar à dos presentes autos, quando não o é, porque a situação analisada nesse acórdão é relativa à invocação pelo autor de um erro-vicio na celebração do acordo revogatório do contrato de trabalho, suscetível de conduzir à anulabilidade desse acordo, com aplicação do artigo 252º do C.Civil e não do artigo 337º, nº1, do CT, quando nesta ação não se discute qualquer vicio de vontade.
7.º
Mas o Tribunal a quo erra sobretudo quando recusa a aplicação ao presente caso do disposto no artigo 337º do CT e, consequentemente, considera o crédito laboral em causa não prescrito.
8.º
O nº. 1 do artigo 337º do Código do Trabalho estabelece um prazo especial para a prescrição dos créditos emergentes quer do próprio contrato de trabalho, quer da sua violação, quer da sua cessação, e consagra, de igual modo, uma regra específica para a sua contagem.
9.º
O qual preceitua que “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
10.º
Assim, o prazo extintivo dos créditos é sempre e apenas de um ano, com início de contagem no dia imediato ao da cessação factual da relação laboral, e abarca todos os direitos emergentes da extinção fáctica do vínculo.
11.º
São razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas que impõem que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito, como é entendimento unanime da nossa doutrina e jurisprudência.
12.º
Como lei especial que é, quer no tocante à fixação do prazo prescricional em um ano, quer quanto à determinação do início do curso da prescrição, o n. 1 do citado artigo 337º do Código do Trabalho afasta a aplicabilidade de regras diferentes do Código Civil.
13.º
Este prazo abrange as ações que visem a cobrança de qualquer crédito emergente de contrato de trabalho e esteja ou não esse crédito já definido por acordo particular celebrado entre o trabalhador e a entidade patronal, quando esse acordo não constitui título executivo, como é o caso.
14.º
Na verdade, o novo CPC, entre outras alterações, eliminou do elenco dos títulos executivos os «documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas deles constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto».
15.º
Sendo que àqueles documentos era conferida a característica da exequibilidade pelo artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do anterior CPC, aprovado pelo Dec. Lei nº 44129, de 28/12/1961, que foi revogado pela Lei 41/2013, de 26/06.
16.º
Assim, os documentos particulares, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, deixaram de o ser, como resulta do disposto no artigo 703.º do CPC e do artigo 88º do CPT.
17.º
No caso dos autos, o acordo revogatório do contrato de trabalho - documento particular, que se encontra assinado pelo Autor, enquanto trabalhador, e pelo representante da “EMP01...”, na qualidade de entidade patronal - não está autenticado e é posterior a 2013, pelo que dúvidas não há que não é título executivo.
18.º
Não sendo título executivo não é passível de ser aplicado o disposto no nº1 do artigo 311º do C.Civil (direitos reconhecidos por sentença ou título executivo), e, consequentemente, não é aplicável o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309º do C.Civil.
19.º
É este o entendimento da nossa jurisprudência, que considera ser de aplicar o prazo de 20 anos ao crédito laboral reconhecido por sentença transitada em julgado ou outro título executivo, mas se não existir sentença ou outro título executivo, a prescrição continua a ser a de curto prazo.
20.º
Daí que não constituindo o acordo junto aos autos um título executivo, o prazo prescricional a aplicar ao caso em apreço é o de um ano a que se reporta o n.º 1 do artigo 337º do CT, e não o prazo de vinte anos.
21.º
Ora, o autor sabia ou, não sabendo, o desconhecimento tão pouco lhe aproveita (cfr. o art. 6º do Código Civil) que, desde o dia imediatamente seguinte à cessação contratual, dispunha do prazo de 1 ano para peticionar qualquer crédito relativo àquela relação laboral, sua violação ou àquela cessação contratual, e só veio a fazê-lo volvidos quase 3 anos depois.
22.º
O contrato de trabalho celebrado entre o autor e a empresa municipal, “EMP01...” cessou, por acordo, no dia 29 de fevereiro de 2020.
23.º
Pelo que o prazo de um ano para intentar judicialmente a respetiva ação, nos termos do artigo 337º, nº1, do CT terminou no dia 1 de março de 2021.
24.º
Mesmo que se entendesse que a escritura de liquidação e partilha de 10/03/2021, da empresa municipal, “EMP01...”, na qual, para além da comissão liquidatária, interveio o Município ora Réu, configura um reconhecimento do crédito por parte do Município e interrompeu o prazo de prescrição, o certo é que, nessa data, o crédito já estava prescrito porque já havia decorrido mais de um ano sobre a data da cessação do contrato de trabalho (em 29/02/2021);
25.º
E mesmo que assim não se entendesse, certo é também que na data em que foi interposta a ação (20/01/2023), já tinha decorrido mais de um ano contado desde a data da escritura (10/03/2021).
26.º
Acresce que o Autor poderia ter intentado uma notificação judicial avulsa, para efeitos de interrupção de prazo, o que não fez, pelo que, não se tendo verificado uma qualquer citação ou notificação judicial por parte do Autor que exprimisse, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, na data em que o Réu foi citado encontrava-se já o seu crédito prescrito.
27.º
Verifica-se, assim, que o alegado crédito laboral reclamado pelo Autor se encontra extinto por prescrição, sendo juridicamente inexigível – cfr. artigos 337º nº1 do CT, 298 nº1, 301º, 304º, nº 1, 306º, nº 1, e 311º nº1, do Código Civil e o art. 576º, nºs 1 e 3,do C.P.C.-, pelo que ao assim não entender, o despacho saneador recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nestas disposições legais.”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exm.a Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.

Tal parecer mereceu resposta de ambas as partes, cada uma delas reafirmando, em suma, a respectiva posição.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Questão prévia – rejeição do recurso:
O recorrido diz que o recurso deve ser rejeitado, pois, sustenta, as conclusões apresentadas pela recorrente são uma cópia integral da motivação, com alterações semânticas de pormenor e irrelevantes, pelo que tem o recurso de ser rejeitado por falta de conclusões.
Salvo o devido respeito, não se justifica, por manifestamente desproporcionado, a rejeição do recurso no caso presente pois, embora as conclusões não extravasem muito da fundamentação (mas não constituindo de qualquer forma uma mera cópia, tendo-se tido o cuidado de, além do mais, expurgar das conclusões as normas jurídicas e jurisprudência citadas nas alegações) porquanto, até pela (relativamente pouca) dimensão do recurso, é perfeitamente apreensível a discordância da recorrente, e razão da mesma.

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
- saber se é aplicável in casu o disposto no artigo 337º, n.º 1, do CT

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
Comecemos por dizer que não assiste razão à recorrente quando alega que na decisão recorrida se dá por certo que a ré assumiu o pagamento da quantia nesta acção reclamada, facto esse que impugnou, fundamentando-se assim a decisão num facto controvertido.

Com efeito, à luz das regras que devem reger também aqui a interpretação da declaração (art.s 236.º e ss do CC) no segmento constante do despacho recorrido “e cujo pagamento foi posteriormente assumido pelo município” não está a Mm.ª Juiz a considerar tal facto assente, mas sim como tendo sido alegado pelo autor pois, como bem se alude no mesmo despacho, importa ter em consideração o pedido formulado e a respectiva causa de pedir.

Até porque também se consignou no despacho saneador:
“Por se entender que a seleção da matéria de facto se reveste de simplicidade, ao estar em causa “apenas” o cumprimento do acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o autor e empresa municipal EMP01..., e a assunção dessa dívida pelo réu, e ao abrigo do disposto nos arts. 49.º, n.os 2 e 3 e 62.º do Código de Processo do Trabalho, bem como do art.º 596.º do Código de Processo Civil, para que remete o primeiro normativo citado, dispenso a seleção da matéria de facto assente e a fixação da base instrutória, prosseguindo os presentes autos, por se considerar que a decisão dos mesmos, face ao alegado pelas partes nos seus articulados, carece de prévia produção de prova, com a realização do respetivo julgamento.” (sublinhado/realce nosso)

De qualquer forma, ter sido ou não a – eventual – dívida assumida pela ré é factualidade que não releva para a análise e decisão desta questão (como não releva, diga-se, a existência do próprio acordo que o autor alegou – apesar de a ré não impugnar o acordo em si, sim a sua validade e vinculação ao mesmo -, posto que o alegou, integrando assim a causa de pedir).

Também não concordamos com a recorrente quando diz (conc. 3.ª) Dúvidas não existem que o que está em causa nesta ação são créditos de natureza laboral, diretamente emergentes do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a empresa municipal “EMP01...”, da sua violação ou cessação, e cujo pagamento o Autor reclama ao Réu, alegando ter este assumido o pagamento.

Decerto que o crédito reclamado tem a sua razão última na alegada relação laboral/ execução do contrato e na sua cessação, mas – como decorre da resenha da PI feita no relatório acima - o que o autor directamente invoca para fundamentar o pedido que formula é, abstraindo dessa presumível razão originária, o acordo que diz ter celebrado com a entidade empregadora e o seu incumprimento por parte da ré que, alegadamente, assumiu a obrigação do pagamento da quantia peticionada, sendo estes os factos essenciais que alega/causa de pedir.

Vejamos então se é aplicável in casu o disposto no artigo 337º, n.º 1, do CT.

Esta norma prescreve:
Prescrição e prova de crédito
1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
 
Têm-se aventado várias justificações para a citada norma, assim por ex., e por reporte ao prazo mais curto previsto na lei laboral, como sendo ditado por razões de certeza de direito e de dificuldade de prova[1], ou, com enfoque no momento em que o prazo começa a correr, na inibição e receio do trabalhador face ao empregador/no estado de subordinação jurídica que o contrato de trabalho supõe [2], no entanto, considerando que durante a vigência da relação laboral os créditos são imprescritíveis, tendemos a concordar com Júlio Gomes quando escreve que “o que parece estar em jogo é que as partes não se sintam compelidas a recorrer aos tribunais, durante a vigência do contrato de trabalho sob pena de perderem os seus direitos, já que esse recurso aos tribunais teria frequentemente sequelas sobre a continuação da relação laboral.”[3]

Assinale-se que, como adverte Pedro Romano Martinez, este regime, consagrando um regime excepcional de prescrição, diferente do regime comum estabelecido no Código Civil, “ (…) só vale no estrito âmbito de aplicação previsto na norma. Por isso, nem todos os créditos do trabalhador ou do empregador estão sujeitos a este regime excepcional de prescrição”[4]

Casos existem, pois, em que embora os créditos reclamados manifestem alguma conexão com a relação laboral – entretanto cessada – não emergem directamente desta, sendo então aplicável o prazo de prescrição previsto na lei geral e não o estabelecido no art. 337.º/1 do CT[5].
 
Averiguada a ratio do prazo de prescrição estabelecido na lei laboral, voltemos ao caso concreto.

O recorrido, como se disse já, não peticiona créditos emergentes do contrato de trabalho, mas sim o crédito – alegadamente - emergente do acordo que celebrou com a entidade empregadora.

Entendemos, pois, que não tem aqui aplicação o prazo de prescrição previsto no art. 337.º, n.º 1, do CT.

Com efeito, o que o autor alega é que o valor que peticiona radica no acordo que celebrou com a empregadora (para o encontrar terão as partes tido em consideração tanto a execução do contrato como a sua cessação, mas em que termos não foi alegado nem isso está em discussão nos autos).
O que está em causa na presente acção é a (nova) obrigação supostamente decorrente do invocado acordo.
Estamos, pois, perante a figura da novação objectiva regulada no at. 857.º do CC.
Tal como configurada a acção pelo autor, não há que cuidar da existência ou não de qualquer específico crédito laboral, não alegando o autor qualquer facto ou invocando qualquer norma jurídica nesse sentido. 

Como se discorreu em douto Ac. do STJ de 21-02-2006 (e sendo que o entendimento expendido mantém inteira pertinência dada a similitude da norma citada com o n.º 1 do art. 381.º do CT/2003), “Têm assim razão as instâncias quando referem que este (novo) crédito se autonomiza da relação laboral. Com efeito, o seu fundamento (imediato) deixa de ser o contrato de trabalho para passar a ser outro contrato, um contrato (revogatório) que põe justamente fim àquela relação. O crédito surge como consequência da revogação. O exequente, ao exigir o pagamento daquela concreta compensação, fundamenta-se não no contrato de trabalho mas no acordo que o revogou.
Em bom rigor, ao convencionarem aquela compensação global em substituição de todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato de trabalho ou exigíveis em virtude dessa cessação, as partes mais não fazem do que extinguir todos estes créditos, por meio da criação de uma nova obrigação em lugar deles (artº 857º do CC).”[6]

Perfilhando idêntico entendimento, Ac. da RL de 12-09-2018, em cujo Sumário se escreveu:
I– Os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem directamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um acto diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal.
II– A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos autos.”[7]

A recorrente esgrime com o facto de o acordo invocado pelo autor não constituir título executivo e cair, assim, fora da previsão do art. 311.º/1 (parte final) do CC.
Mas, não é isso que está aqui em causa (ser aplicável no caso o prazo ordinário de prescrição  – 20 anos – em razão de existir título executivo).

O que sucede é que, sendo inaplicável ao caso, pelas razões supra exposta, o prazo (excepcional) de prescrição previsto no n.º 1 do art. 337.º do CT, inexiste qualquer fundamento para afastar, então, a aplicação do prazo ordinário de prescrição (20 anos) previsto no art. 309.º do CC.

E sendo assim as coisas evidente se torna que aquele prazo não decorreu ainda e que, como decidiu o tribunal a quo, tem de improceder a excepção da prescrição.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 18 de Abril de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Veiga


[1] Por ex. Ac. do STJ de 21/02/2006- www.dgsi.pt
[2] A prescrição dos créditos laborais (nótula sobre o rt. 381.º do Código do Trabalho) – João Leal Amado, Prontuário de Direito do trabalho, n.º 71, pág. 69.
[3] Direito do Trabalho, Vol. I – relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 904; sobre o tema e do mesmo autor, Do fundamento do regime da prescrição dos créditos laborais, pág.s 361/362, in
file:///C:/Users/MJ01520/Downloads/11433-Artigo-20521-1-10-20220510%20(2).pdf
[4] Direito do Trabalho, 2010 – 5.ª Edição, Almedina, pág. 873; entendimento este sufragado por por ex. no Ac. RL de 06-02-2013 (Proc. 1494/08.1TTLSB.L1) onde se refere que é “ entendimento da doutrina e da jurisprudência, que os créditos a abrangidos pela regra especial de prescrição - art.ºs º 38.º n.º1, da LCT, 381.º do C.T. 2003 ou 337.º 1, do C.T.2009 - são os créditos directamente emergentes do contrato de trabalho, isto é, os que encontram neste a sua fonte.”
[5] Cf., por ex., sobre o prazo de prescrição do direito à reforma de um trabalhador bancário (20 anos), Ac. do STJ de 18.4.2001, ADSTA, Ano XLI, N.º 482, pág.s 258 e ss. e sobre o prazo de prescrição de créditos derivados de facto ilícito de natureza criminal, ainda que praticados no âmbito de uma relação laboral (já cessada), Ac. do STJ de 24.10.1980, BMJ, n.º 300, pág.s 319 e ss e Ac. STJ de 28-6-2006, Proc. 05S3917, Vasques Diniz, e Ac. do STJ de 14-12-2006, Proc. 06S2448, Maria Laura Leonardo, ambos em www.dgsi.pt
[6] Proc. 05S1701, Maria Laura Leonardo, www.dgsi.pt
[7] Proc. 25940/17.4T8LSB.L1-4, Paula Santos, www.dgsi.pt