Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
522/20.7T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
LITISCONSÓRCIO
ARRENDATÁRIO
FIADOR
RENDAS VENCIDAS
COMPENSAÇÃO
CRÉDITOS ILÍQUIDOS
INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LAMEGO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 631.º, 634.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 405.º, N.º 1, 635.º, N.º 1, 817.º, 847.º, N.º 1, 848.º, N.º 1, E 851.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A legitimidade para recorrer é reconhecida a quem seja prejudicado pela decisão, ou seja, quem sofra um gravamen com a decisão, legitimidade que é, desde logo, atribuída à parte principal vencida.
II – Por parte principal vencida entende-se a parte, autor ou réu, afectada objectivamente pela decisão, i.e., de harmonia com um critério formal, a parte que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses, á luz do que pediu e do que obteve na decisão impugnada, e, segundo um critério material – só aplicável quando seja impossível comparar a decisão proferida com um pedido de condenação ou de absolvição formulado pela parte – que considera apenas a condenação ou a absolvição da parte e o facto de ser desfavorável à parte.

III – Ainda que exista litisconsórcio no processo, o recurso é livre para cada uma das partes pelo que o litisconsórcio ainda que necessário, não tem que se manter entre os recorrentes, mas no caso de pluralidade de vencidos e de interposição apenas por algum ou alguns deles há que ponderar, por um lado, a questão da comunhão dos meios de defesa entre o recorrente e o não recorrente e, por outro, o problema da eventual extensão dos efeitos – e do julgamento – do recurso o que vincula ao distinguo entre recursos absolutos e relativos, que assenta na eficácia do acto de interposição e de decisão do recurso relativamente aos vencidos não recorrentes.

IV – O arrendatário recorrente não é dotada de legitimidade ad recursum para impugnar a decisão que condenou o fiador, não recorrente, no pagamento das rendas vencidas e da indemnização moratória correspondente, embora o último possa beneficiar da procedência do recurso do primeiro.

V – Por aplicação dos critérios subsidiários de aplicação da lei no tempo, normas contidas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 1041.º do Código Civil, introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não são aplicáveis às rendas vencidas antes da sua entrada em vigor, relativamente às quais não é exigível, para que o fiador fique obrigado, a interpelação do senhorio; mas são-no no tocante às rendas vencidas depois do início da sua vigência.

VI – Se no momento em que o credor compensante pretende opor a compensação não consegue fazer a prova da existência do crédito activo, não há compensação.

VII – No tocante aos créditos ilíquidos, a compensação só poderá actuar depois da liquidação, operando então retroactivamente, mas até essa liquidação do crédito do compensante não há fundamento para suspender o crédito do credor compensado, dado que um tal efeito só pode decorrer da excepção do contrato não cumprido – dada a sua natureza de excepção material dilatória.

VIII – É válida a cláusula pela qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não dão lugar a qualquer indemnização.

IX – Esta convenção, mesmo concluída na sequência de um diálogo negocial, não é imune aos princípios gerais de controlo que decorrem da ponderação dos valores fundamentais do direito em face da situação considerada, dados pela ordem pública, na vertente, designadamente, do equilíbrio contratual, pelos bons costumes e pelo mandamento da boa fé ou pelo fim social ou económico do direito, mas para o exercício desse controlo é indispensável a aquisição dos factos materiais que consubstanciem a contravenção daqueles valores essenciais.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Henrique Antunes
Adjuntos: António Fernando da Silva
Luís Ricardo

                Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

                AA, propôs, no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de BB, contra CC e DD, acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação solidária dos últimos a pagar-lhe, naquela qualidade, a quantia de € 42 884,10 e juros, à taxa legal anual de 4%, desde a citação até pagamento.

                Fundamentou esta pretensão no facto de, naquela qualidade, ter dado de arrendamento, para comércio de café, restaurante e snack-bar, ao réu, de quem a ré é fiadora, com exclusão do benefício da excussão prévia, por 5 anos, com início em 1 de Julho de 2016 e termo em 30 de Junho de 2021, pela renda anual de € 500,00, em 2016, e de € 800,00 a partir de 1 de Janeiro de 2017, a pagar em duodécimos, no início do mês anterior a que respeitar, o prédio urbano sito na Av. ..., em ..., tendo-se convencionado, na cláusula 6.ª, n.º 3, a possibilidade de o arrendatário realizar as obras necessárias à sua instalação e que aquele deveria fazer um uso prudente do arrendado, sendo a seu cargo a manutenção das instalações de água e electricidade e manter em bom estado, exterior e interiormente, as paredes, soalhos e vidros, repondo ou substituindo o equipamento que avarie, tudo entregando limpo e em bom estado, findo o contrato, de o réu ter denunciado o contrato, com efeito a partir de 31 de Julho de 2019, data em que entregou o locado, mas não ter pago as rendas dos meses de Abril de 2018 a Julho de 2019, pelo que lhe assiste o direito à indemnização de 50% das rendas vencidas referentes aos meses de Abril de 2018 a Fevereiro de 2019, e de 20%, no tocante às restantes, o que perfaz o valor de € 6 400,00, tendo provocado deteriorações e danos no imóvel e nos equipamentos, móveis e utensílios, cuja reparação importa em € 15 670,00 e € 4 514,10, respectivamente, degradação do prédio e do recheio que lhe causou um profundo desgosto e grande incomodidade e constrangimentos perante os seus conterrâneos, danos não patrimoniais que computa em € 3 500,00.

                Os réus ofereceram articulados de contestação separados.

                O réu defendeu-se por excepção dilatória, invocando a ilegitimidade do autor, por não estar habilitado à herança, e por preterição de litisconsórcio necessário, por estar desacompanhado dos restantes herdeiros legais, por impugnação, alegando que os factos alegados pelo autor, com excepção dos relativos à conclusão do contrato de arrendamento, são falsos ou grosseiramente deturpados, e por excepção peremptória invocando o benefício da excussão prévia do fiador, a nulidade da cláusula 6.º daquele contrato por constituir um abuso do direito, e a compensação do crédito, pelos prejuízos e falta de requisitos do locado e anomalias, no valor de € 9 600,00.

                Por sua vez, a ré defendeu-se também por excepção dilatória, invocando a ilegitimidade do autor, por impugnação, alegando a ignorância de todos os factos, com excepção dos relativos à conclusão do contrato de arrendamento, alegados pelo autor, e por excepção peremptória, afirmando que não renunciou ao benefício da excussão prévia e que só responde pelas obrigações plausíveis e expectáveis durante o contrato de arrendamento, nomeadamente a ausência de pagamento de rendas, e não pelos danos e prejuízos invocados pelo autor, desenquadrados da responsabilidade e âmbito da fiança, e invocando a caducidade do direito do autor por só ter sido notificada da mora e quantias em dívida em 29 de Outubro de 2019.

                Oferecido o articulado de resposta, por despacho de 8 de Fevereiro de 2022, por virtude do facto lamentável da morte do autor, foi habilitado para seguir a causa, o seu único herdeiro, EE, tendo-se ainda decidido o seguinte: quanto à ilegitimidade passiva invocada pela Ré fiadora, entendemos que o que poderá estar em causa não é a falta de interesse em contradizer, que claramente tem, mas questões atinentes ao mérito da causa, que poderão, eventualmente, levar à sua absolvição do pedido, a apreciar em sede de sentença. Vai, por isso, indeferida essa exceção dilatória; Entendemos igualmente que a compensação, porque não ultrapassa o valor da indemnização peticionada pelo A., não carece de ser deduzida em reconvenção, pelo que será levada em conta nos

temas da prova e nas questões a decidir. O que a lei diz, no art.º 266º do CPC é que o pode ser, mas não que tem de o ser.

                Realizada a audiência de discussão e julgamento – que se estirou por três sessões – a sentença final da causa com fundamento em que estão em dívida as rendas desde Abril de 2018 a Julho de 2019, num total de € 12 800,00, que para além disso é pedida a indemnização pela mora de 50%, ou seja € 6 400,00, e tem o A direito à mesma, que o A. não notificou a fiadora nos 90 dias seguintes à mora, mas não o fez porque não tinha que o fazer, já que a mora existia muito antes desta obrigação legal, que, por conseguinte a Ré é solidariamente responsável com o Réu pelo pagamento das rendas em dívida e da indemnização legal, não tendo o A. direito a quaisquer juros, que o réu aceitou o locado no estado em que estava  e acordou com o senhorio, face à necessidade de obras, que a renda seria reduzida no primeiro ano e ademais ficou expressamente clausulado no contrato que não teria direito a ser indemnizado por qualquer obra ou benfeitoria introduzida, pelo que improcede a excepção peremptória da compensação, que a cláusula 6.ª do contrato não está em si mesma ferida de nulidade, que o arrendatário deve reparar as deteriorações inerentes ao uma prudente utilização e as pequenas deteriorações necessárias para assegurar o conforto e a comodidade antes da entrega do prédio e que o valor a indemnizar é de € 940,00 – julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando-se solidariamente os RR a pagarem ao A., a quantia de 20.140€, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa legal (4%).

                É esta sentença que o réu – e só ele - impugna no recurso, tendo encerrado a sua alegação com as conclusões seguintes:

                (…).

                Na resposta, o apelado – depois de invocar a ilegitimidade do recorrente para se insurgir contra a decisão que julgou improcedente a excepção da caducidade, invocada agora, pelo recorrente, pela primeira vez, em relação à responsabilidade da fiadora, por não ter ficado vencido na parte em que a sentença condenou a ré no pagamento solidário da importância que lhe é devida, o mesmo sucedendo em relação ao abuso do direito no âmbito da responsabilidade solidária da segunda ré, e alegar que o recurso, no segmento em que se impugna a decisão da matéria de facto não pode ser atendido, dado que a Recorrente alega que pretende nomeadamente que sejam alterados a decisão quanto aos factos vertidos nos pontos “o), p) e q)”, no qual, em vez de fazer uma análise individual, apresenta a sua discordância em conjunto, de forma confusa, em que não permite aferir os meios de prova que em concreto e para cada facto são invocados, como nem sequer é feita uma análise critica e fundamentada à motivação da matéria de facto, nem sequer invoca e identifica os factos que pretende dar como provados com a indicação precisa do ponto em que os mesmos são alegados no seu articulado, como não tem sequer a preocupação de, no final, reproduzir a matéria de facto que no seu entender deve ficar assenta – concluiu pela improcedência do recurso.

A Sra. Juíza de Direito admitiu o recurso – mas não se pronunciou sobre a nulidade da sua sentença, por uma omissão de pronúncia, invocada pelo recorrente na sua alegação[1].

2. Matéria de facto.

O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:

2.1. Factos provados.

1) O primitivo Autor, AA, era o cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de sua mulher BB, falecida em ../../2005, com quem era casado no regime supletivo (ao tempo) da comunhão geral de bens – admitido por acordo.

2) Por contrato de arrendamento urbano para comércio com prazo certo, celebrado em ../../2016 esse Autor, na referida qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, NIF nº ...81, intervindo como senhorio, deu de arrendamento ao ora 1º Réu, na qualidade de arrendatário, o seguinte imóvel:

- prédio urbano destinado a comércio, sito na Avenida ..., da atual freguesia ... (... e S...), concelho ..., composto por 3 pisos, inscrito na respetiva matriz urbana sob o artº ...19 (antigo artº ...28 da extinta freguesia ...), com o alvará de licença de utilização nº ...02 emitido pela Câmara Municipal ... em 29 de Janeiro de 2002 - admitido por acordo, certidão matricial e alvará de licença da câmara . docs 2 a 4 da p.i.

3) O arrendamento destinou-se ao comércio de café, restaurante e snack-bar (cfr. cláusula 2ª), atividade comercial que o 1º Réu exerceu no arrendado desde o início do contrato de arrendamento até o mesmo Réu lhe pôr termo, encontrando-se o arrendado devidamente equipado com os respetivos móveis, equipamentos, maquinismos e utensílios, os quais integraram o arrendamento (cf. Cláusula 8ª do contrato e admitido por acordo.

4) O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, sendo convencionado o seu início em 01 de julho de 2016 e o seu termo em 30 de junho de 2021, sendo renovado automaticamente por períodos de um ano enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes, nos termos legais - (cláusula 3ª e admitido por acordo 5) Foi igualmente convencionado no mesmo contrato de arrendamento que a renda anual durante o ano de 2016 fosse do montante de 500,00 € (quinhentos euros), passando a ser de 800,00€ (oitocentos euros) a partir do mês de janeiro de 2017, paga em duodécimos, vencendo-se o primeiro (referente ao mês de julho de 2016) na data da assinatura do contrato e pagando o inquilino juntamente com aquela renda a do mês de Agosto seguinte, o que significava que a renda mensal (duodécimo) devia ser paga no início do mês anterior a que respeitava (cláusula 4ª, nºs 1 e 2) – idem 6) Foi também convencionada a possibilidade do arrendatário, após a vigência do arrendamento durante os seis meses iniciais, revogar a todo o tempo o contrato, avisando por escrito o senhorio com a antecedência mínima de 120 dias em relação à data pretendida para a revogação (cláusula 5ª).- idem 7) Consta ainda do contrato escrito a possibilidade do arrendatário realizar no local arrendado as obras necessárias à sua instalação mas, findo o contrato as mesmas fariam parte integrante do imóvel sem direito a indemnização ou retenção pelo arrendatário, se sem (sic) prejuízo do senhorio ser indemnizado pelos prejuízos que pudessem haver no locado - (cláusula 6ª, nºs 1 e 2).

8) E foi expressamente consignado no mesmo contrato que “O inquilino deve fazer uso prudente do arrendado, sendo a seu cargo todas as despesas de manutenção do bom estado de funcionamento das instalações da rede de distribuição de água, eletricidade, bem como se obriga em manter em bom estado, quer exterior quer interior, as paredes, soalhos e vidros, reparando ou substituindo o equipamento que avarie, tudo entregando limpo e em bom estado, findo o contrato” (cláusula 6ª, nº 3).

9) A 2ª Ré interveio no aludido contrato como fiadora do 1º Réu e garante perante o ora Autor pelo bom e integral cumprimento de todas as obrigações daquele 1º Réu decorrentes do mesmo contrato, com exclusão do benefício de excussão prévia (cláusula 10ª).(a expressão excussão repetida trata-se de evidente e mani 10) (sic) Por carta registada com aviso de receção de 28 de março de 2019 dirigida ao ora Autor, o 1º Réu denunciou o contrato de arrendamento com efeito a partir de 31 de julho de 2019 docs. 5 e 6 (sic)

11) E, na referida data de 31 de julho, o 1º Réu entregou ao Autor o arrendado e as respetivas chaves – confessado no art.º 82º da contestação e em depoimento de parte).

12) O 1º Réu não pagou ao Autor as rendas referentes aos meses de abril de 2018 a julho de 2019, no total de 16 rendas mensais do montante de 800,00 € cada uma, o que perfaz, a este título, a quantia de 12.800.00 € (doze mil e oitocentos euros) – (facto alegado na p.i e não impugnado com a exceção de pagamento, razão pela qual não se coloca o facto na positiva, de que o Réu pagou e confessado, com esclarecimento, em declarações de parte

13) À data da entrega do locado, o imóvel do A., hoje do filho habilitado, EE, apresentava-se com o seguinte aspeto e patologias, e com os seguintes custos de reparação (a que acrescerá o IVA):

a) – degradação do exterior da fachada e da pintura da parede da mesma, com custo de reparação estimável de 850€

b) – dois suportes de candeeiros exteriores danificados e sem abajures no 1º andar. - 85€

c) - reclame luminoso que ostentava os dizeres “...” com frontal partido. – 190€

d)– aposição de elementos publicitários nos vidros da marquise. – 40,00€ (confessado) e) –dobradiças, acessórios de fecho e puxador da porta principal da antecâmara quebrados. – 120.00€

f) - aposição de painéis e elementos publicitários na parede do balcão frigorífico (confessado) – 50,00€

g) -aposição de elemento publicitário no cimo da porta de acesso à cozinha e também na parede do lado esquerdo junto às escadas de acesso ao 1º andar (confessado,- 40,00€ h) -aposição de painel na parede junto às escadas interiores que dão acesso ao 1º andar, no qual inseriu a frase “Não coma a vida com garfo e faca, LAMBUZE-SE” (confessado) – 50,00€

i) -tetos e paredes degradadas em todo o rés-do-chão, a carecer de arranjo e pintura (Confessa negando ser-lhe imputável); - 650,00€

j) - pintura degradada das paredes que ladeiam as escadas que dão acesso ao 1º andar com sinais de humidade por infiltração ( idem). – 200,00€

k) -instalação elétrica apresenta cabelagem exterior desprovida de conectores / terminais e algumas tomadas e componentes elétricos danificados. – 700,00€

l) – o tubo flexível responsável pelo escoamento do banco da louça encontra-se danificado – 30,00 m) As borrachas perimetrais das portas do balcão frigorífico encontram-se danificadas. – 200,00€

n) As cadeiras metálicas do piso 0 estão danificadas, seja a estrutura metálica sejam os tampos plásticos, também partidos (confessa com esclarecimentos). – 400,00€

o) O revestimento e pintura das paredes apresentam-se muito danificado, com sinais evidentes de infiltrações;

p) Os tetos em gesso cartonado, devido ao contacto com a humidade existente por infiltração, encontram-se danificados. Em dois locais verifica-se que partes do teto colapsaram.

q) Os ladrilhos constantes do pilar central e do pavimento, numa área considerável encontram-se partidos.

r) Duas áreas pertencentes as faces do pilar, encontram- se desprovidas do respetivo ladrilho de revestimento.

s) As janelas voltadas para o alçado principal não possuem estores. Tudo – 2100€

t) As calhas inferiores pertencentes às portas do piso 1 voltadas para a varanda, encontram-se soltas e danificadas – 200€

u) O móvel/armário em madeira, existente no piso 1, possui as portas de partidas- 120€

v) As Cadeiras do piso 1 estão partidas ou desarticuladas (confessa, com esclarecimentos). 1200€

x) a nível do 2º andar, todas as paredes e tetos dos diversos compartimentos apresentam danos na pintura (desprendimento de tinta) 1300€

z) O murete lateral da Banca apresenta danos nos azulejos (partidos) 80€ aa) os dois vasos sanitários apresentam danos nos mecanismos de descarga.€90,00 - prova pericial e fotografias juntas

14) À data da realização da perícia o estabelecimento não tinha instalação elétrica. – relatório pericial.

15) À data em que o A, celebrou o contrato, o estabelecimento não tinha a instalação elétrica a funcionar e à data da entrega das chaves ao senhorio, da cessão do contrato, também não – prova testemunhal.

16) Até á celebração deste contrato, teve o 1º Réu hesitações, por falta das condições do locado e mesmo depois da sua celebração do contrato, não pode logo se instalar e exercer a atividade comercial de café, restaurante e snack-bar no locado.

17) O locado objeto do arrendamento, já estava fechado, sem uso algum, há algum tempo, não exatamente determinado, quando foi objeto de negociações entre o Autor e o 1º Reu, para a celebração do arrendamento.

18) Trata-se dum prédio urbano, que foi inscrito na matriz no ano de 1996, portanto com mais de 25 anos.

19) O estado do imóvel, seus equipamentos, mobiliários, à data do contrato de arrendamento, apresentava já necessidade de intervenção e manutenção sobretudo devido a infiltrações e humidades – prova testemunhal e regras da experiência.

20) Perante a necessidade de obras, para se instalar, e atendendo ao estado do imóvel, o A. propôs ao 1º Réu, clausular no contrato de arrendamento, primeiro um valor de renda mais baixo, em relação ao tipo, dimensão (3 pisos), finalidade do imóvel e também ao valor das rendas mensais praticáveis no mercado.

21) E depois, também propôs, que o valor da renda mensal, durante o ano de 2016, seria mais baixo e só subiria a renda mensal, a partir de Janeiro de 2017. – conjugação do contrato, com as declarações de parte e as regras da normalidade.

22) Daí que tenha ficado clausulado, na cláusula 4ª do contrato de arrendamento, designadamente: que a renda anual durante o ano de 2016, fosse do montante de 500,00 euros, passando a ser de 800,00 euros, partir do mês de janeiro de 2017.

23) Nessa sequência, o R. fez obras com vista a instalar o seu estabelecimento, nomeadamente: No R/c: composto por sala e copa, cozinha e duas casas de banho: fez uma pintura geral; substituiu todas as lâmpadas para LED; substituiu todas as torneias de pressão na cozinha e casa de banho, esfregou todo o chão, para retirar manchas e marcas de ferrugem, dos pés das cadeiras metálicas, pelo tempo que estavam ali sem uso e manutenção, arranjou algumas cadeiras; No 1º andar: sala de refeições: revestiu todas as paredes com pladur e pintou; colocou um teto falso em pladur, colocou projetores.

24) Todos estes trabalhos, foram executados, pelo 1º Reu, visto ter já trabalhado na construção civil e na montagem de cozinhas e com ajuda de muitos amigos e familiares.

25) Muitas vezes, durante o contrato, a luz ia abaixo.

26) E chegou a haver inundação na casa de banho

27) O primitivo A. enviou à segunda Ré uma carta registada, datada de 17 de maio de 2019 dando-lhe conta das rendas em atraso, interpelando-a para pagamento e solicitando a sua presença no ato da entrega do imóvel para vistoria dos danos – docs 51 e segs. e confessado

28) Por carta registada com aviso de receção datada de 29/10/2019 dirigida à 2ª Ré e por esta recebida, foi a mesma Ré avisada da carta de denúncia do arrendamento que o 1º Réu enviara ao Autor, das rendas que se encontravam em atraso, cujo pagamento lhe era solicitado, e da necessidade da verificação do estado do arrendado (docs juntos com a p.i. de fls 57 e segs e confessado)

29) Os factos referidos nos pontosa, b), i) a k), n) a s), v) a z) do ponto 13 dos factos provados foram provocados pelo inquilino ou ocorreram durante o período do contato.

2.2. Factos não provados.

a) número de cadeiras deterioradas;

b) Porta de entrada para o exterior para o segundo andar e fechadura deterioradas

c) Ar condicionado avariado;

d) balcão frigorífico sem a respetiva carga de gás;

e) resistência da torradeira avariada;

f) motor ventilador e os puxadores da porta da bancada frigorífica avariados;

g) braços bloqueados da máquina de lavar loiça e as resistências da mesma máquina inutilizadas;

h) vitrine frigorífica sem carga de gás;

i) compressor do armário frigorífico inutilizado;

j) resistências da fritadeira inutilizadas;

k) O 1º Réu, quando deteve como arrendatário aquele imóvel, passou a explorar abusivamente o dito estabelecimento até altas horas da noite e essa exploração noturna e ilícita acarretaram a perda do bom nome do referido estabelecimento, que passou a ser conotado com práticas comerciais mal aceites pela comunidade local e a merecer o seu ostensivo desapreço.

l) Quer a degradação do prédio arrendado e do seu recheio, quer as referidas exploração noturna e atividade ilícita, com a consequente perda da respeitabilidade do mencionado estabelecimento, causaram ao Autor um profundo desgosto e uma grande incomodidade e constrangimento perante os seus conterrâneos, que geralmente sabiam ser o Autor o proprietário do imóvel arrendado e do seu recheio, o que tudo foi e é para ele causa de grande amargura, preocupação e vexame.

m) Estes sentimentos negativos ganharam especial relevo no Autor, causando-lhe um profundo mal estar, constante irritabilidade, intranquilidade e grande perturbação do sono.

n) Quer as rendas em atraso quer as deteriorações e danos acima referidos eram do perfeito conhecimento da 2ª Ré, antes do recebimento das cartas supra aludidas.

o) Se a causa dos problemas elétricos era estrutural ou deficiente potência;

p) se esse problema era conhecido do A que ocultou ao R.;

q) a causa da inundação da casa de banho;

2.3. Abstraindo das indicações, na declaração dos factos provados, da fonte da prova e da reprodução, por súmula, das declarações e dos depoimentos produzidos oralmente na audiência, a Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2.  a motivação seguinte:

(…).

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º n.ºs 2, 1.ª parte, 3 a 5 do CPC).

A sentença impugnada no recurso condenou os demandados solidariamente no pagamento das rendas vencidas e da indemnização de 50% no tocante às relativas aos meses de Abril de 2018 a Fevereiro de 2019 e de 20% relativamente às restantes, como aliás, foi, com correcção, pedido pelo apelado – e não de 50% quanto a todas as rendas, como se lê naquela sentença – e na indemnização das deteriorações causadas pelo arrendatário no imóvel objecto do contrato de arrendamento e, do mesmo passo, julgou improcedentes as excepções peremptórias da nulidade de uma cláusula daquele contrato, da compensação – aliás, deduzida e admitida contra legem dado que a compensação judiciária deve, actual e imperativamente ser deduzida por via da reconvenção – e da caducidade, no tocante ao fiador, do direito ao pagamento das rendas vencidas e da indemnização da mora.

No ver do apelante, esta sentença encontra-se ferida com o desvalor da nulidade substancial, resultante de uma omissão de pronúncia, e com um error in iudicando em matéria de provas, no tocante aos factos o), p) e q), julgados não provados e, relativamente à caducidade, por um erro na subsunção, i.e., na integração dos factos apurados na norma aplicável no caso concreto: o art.º 10141.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil, regulador da exigibilidade ao fiador das rendas vencidas e da respectiva indemnização moratória. O apelado sustenta, todavia, por um lado, que o recorrente não é dotado de legitimidade para impugnar a sentença no segmento relativo à responsabilidade e à consequente condenação do fiador e, por outro, que o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado com fundamento no não cumprimento, pelo apelante, do ónus de impugnação dessa matéria.

Maneira que, tendo em conta os parâmetros da competência funcional ou decisória desta Relação, delimitados pelo modo indicado, as questões concretas controversas colocadas à sua atenção são as de saber se a sentença impugnada se encontra ferida com o valor negativo da nulidade, se o apelante é dotado de legitimidade para a impugnar, no segmento relativo à responsabilidade do fiador, se o recurso, no plano da impugnação da decisão da quaestio facti deve ser rejeitado com fundamento no incumprimento pelo apelante do ónus de impugnação correspondente e, na negativa, se a Sra. Juíza de Direito incorreu, no julgamento daquela questão, num error in iudicando, por equívoco na avaliação ou apreciação das provas, e bem assim, num erro de julgamento de direito, por erro na subsunção dos factos apurados na norma substantiva reguladora da responsabilidade do fiador pelo pagamento das rendas vencidas e da respectiva indemnização moratória.

Dado que a apreciação do problema da legitimidade do apelante para o recurso, no tocante à responsabilidade e à condenação do fiador é susceptível de prejudicar o conhecimento da questão material correspondente, está metodologicamente indicado que a exposição subsequente se abra com a análise e a resolução daquele problema (art.º 608, n.ºs 1 e 2, 1.ª parte, do CPC).

3.2. Legitimidade ad recursum do recorrente no tocante às questões relativas à responsabilidade do fiador.

De modo genérico, tem legitimidade para recorrer quem seja prejudicado pela decisão, ou seja, quem sofra um gravamen com a decisão, legitimidade que é desde logo atribuída à parte principal vencida (art.º 631.º, n.º 1, do CPC). A legitimidade para recorrer, que é uma modalidade do interesse processual, destina-se a delimitar quem pode impugnar uma decisão e é aferida, naturalmente, no momento do proferimento da decisão, dado que é nesse momento que se determina quem é a parte vencida e a parte vencedora. Por parte principal vencida entende-se a parte, autor ou réu, afectada objectivamente pela decisão, i.e., de harmonia com um critério formal, a parte que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses, á luz do que pediu e do que obteve na decisão impugnada, e, segundo um critério material – só aplicável quando seja impossível comparar a decisão proferida com um pedido de condenação ou de absolvição formulado pela parte – que considera apenas a condenação ou a absolvição da parte e o facto de ser desfavorável à parte.

Ainda que exista litisconsórcio no processo, o recurso é livre para cada uma das partes pelo que o litisconsórcio ainda que necessário, não tem que se manter entre os recorrentes (art.º 634.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Assim, tendo ficado vencidos vários litisconsortes, é livre a todos ou a cada um recorrerem ou absterem-se de o fazer, ainda que o litisconsórcio seja necessário. Mas no caso de pluralidade de vencidos e de interposição apenas por algum ou alguns deles há que ponderar, por um lado, a questão da comunhão dos meios de defesa entre o recorrente e o não recorrente e, por outro, o problema da eventual extensão dos efeitos – e do julgamento – do recurso, que vincula ao distinguo entre recursos absolutos e relativos, que assenta na eficácia do acto de interposição e de decisão do recurso relativamente aos vencidos não recorrentes.

                A sucumbência recíproca ou inversa dá ou pode dar lugar aos recursos independente e subordinado. A sucumbência pode, contudo, ser paralela, como sucederá sempre que fiquem vencidos vários réus ou vários autores. No entanto, a pluralidade de vencidos não dá lugar, necessariamente, à pluralidade de recorrentes, bem podendo suceder que apenas algum ou alguns dos vencidos impugnem a decisão (art.º 634.º, n.º 1 do CPC). É neste contexto, que se coloca o problema da extensão do efeito do recurso – tanto da sua interposição como da sua decisão - em relação aos vencidos não recorrentes.

                Se os efeitos da interposição e da decisão do recurso por um dos vencidos se estenderem aos não recorrentes, independentemente de qualquer declaração, expressa ou tácita destes, ou mesmo no caso de renúncia ao recurso por parte dos não recorrentes, o recurso diz-se absoluto; ao contrário, se a eficácia da interposição e a decisão do recurso apenas aproveitarem ao recorrente, o recurso diz-se relativo.

                O litisconsórcio necessário dá lugar ao recurso absoluto: o recurso interposto por um dos litisconsortes aproveita aos demais (art.º 634.º, n.º 1, do CPC). Todavia, esta previsão deve ser convenientemente entendida: para que se possa verificar o aproveitamento pelos demais compartes do recurso interposto por um dos litisconsortes, é indispensável que exista um interesse comum a todos os eles, quer, dizer, que o litisconsórcio seja unitário. De resto, há casos de litisconsórcio necessário em que a regra da extensão dos efeitos do recurso se deve ter por inaplicável: é o caso por exemplo, do litisconsórcio necessário recíproco que vincula os comproprietários na acção de divisão de coisa comum. Neste caso, é impossível que o recurso favorável a um deles possa beneficiar qualquer dos outros litisconsortes não recorrentes; pelo contrário, o que sucede é que essa decisão prejudica esses litisconsortes, dado que quanto maior for a quota do recorrente na coisa comum – menor será evidentemente a dos compartes não recorrentes.

                Não havendo litisconsórcio unitário ou se o litisconsórcio for meramente voluntário, a regra, é a da relatividade do recurso. Regra que é bem fácil de justificar: se a parte não recorrente se conformou com a decisão que o desfavorece ou, apesar se apesar de dela discordar, não esteve para se sujeitar aos incómodos e às despesas do recurso, não seria justo que devesse beneficiar, apesar da sua inércia, dos efeitos recurso interposto pelo comparte.

                Mas esta regra sofre três excepções.

                A primeira prende-se com a adesão ao recurso. Um litisconsorte voluntário pode aproveitar o recurso interposto por outro ou outros, na parte em que o interesse de todos, embora divisível, seja comum, se der a sua adesão ao recurso (art.º 634.º, n.º 2, a), do CPC). Essa adesão pode ser expressa, como sucede no caso de se realizar por meio de requerimento, ou meramente tácita, quando resulta da simples subscrição das alegações do vencido recorrente, e pode ser dada até ao início do prazo para o julgamento sumário do recurso ou, no caso de julgamento ordinário, até ao início do prazo de elaboração do projecto de acórdão (art.º 634.º, n.º 2, c), do CPC). Com a adesão, o aderente faz sua a actividade do recorrente, quer a que este já exerceu, quer aquele que vier a exercer, mas é-lhe lícito passar do papel passivo de aderente para o papel activo de recorrente principal, o que ocorrerá em duas situações: quando, independentemente de qualquer declaração, passar a exercer, naquela qualidade, actividade própria; quando, notificado da desistência do recorrente, declarar, por simples requerimento, no prazo de 10 dias, que quer fazer seguir ou continuar o recurso (art.º 634.º, n.º 4 do CPC).

                A segunda excepção diz respeito ao caso de dependência de interesses: o vencido não recorrente que for titular de um interesse dependente do interesse do recorrente, aproveita igualmente dos efeitos da interposição e da decisão do recurso (art.º 634.º, n.º 2 b), do CPC).

                Por último, os efeitos do recurso aproveitam ao não recorrente que tiver sido condenado como devedor solidário, desde que o fundamento do recurso interposto seja comum (art.º 634.º, n.º 2, c), do CPC). Quer dizer – e para utilizar outra linguagem: a extensão subjectiva do recurso, em caso de sucumbência paralela, mede-se, nalguns casos, pelo princípio da realidade, noutros pelo princípio da relatividade ou da personalidade – os efeitos da sua procedência só aproveitam à parte recorrente[2].

                A extensão da eficácia do recurso absoluto aos não recorrentes é automática. Mas esse efeito deve ser conjugado com a proibição da reformatio in pejus: por força desta proibição, a decisão do recurso não produz os mesmos efeitos quanto ao recorrente e quanto aos nãos recorrentes; quanto aos últimos só produz os efeitos que lhe forem favoráveis e, portanto, aquela decisão não pode prejudicar a sua posição, mas apenas melhorá-la (art.º 634.º, n.º 4, do CPC).

                Em face destes enunciados, julga-se claro, realmente, que o recorrente – que no contrato de arrendamento que serve de causa petendi ocupa da posição jurídica de arrendatário – não é dotado de legitimidade para impugnar a sentença apelada, no segmento em que responsabiliza e condena a codemandada, fiadora daquele, uma vez que, no tocante a essa condenação a única parte que pode reputar-se de vencida, tanto segundo o critério formal como de harmonia o critério material, é só a última e não o recorrente. Solução que, aliás, é coerente com a lei substantiva, dado que o devedor solidário apenas pode defender-se com os meios que competem a todos os condevedores na parte em que sejam comuns e o problema da caducidade do direito do senhorio ao pagamento das rendas e da indemnização moratória no tocante ao fiador é um meio de defesa que só a este compete, não sendo comum ao afiançado (art.º 514.º, n.º 1, do Código Civil). Só ao fiador é que é lícito opor ao credor não só os meios de defesa que lhe são próprios, mas também os competem ao devedor, compatíveis com a sua obrigação de garantia, o que se bem se compreende, considerada a acessoriedade da sua obrigação relativamente à do afiançado (art.º 637.º, n.º 1, do Código Civil).

Dado que na instância de recurso também releva o pressuposto processual geral da legitimidade – que, por ser de conhecimento oficioso constitui, sempre, um objecto implícito do recurso – na sua falta o tribunal ad quem deve abster-se de conhecer do seu objecto ou de parte deste mesmo objecto, se a falta respeitar somente a uma parte, individualizável ou destacável, dele (art.ºs 652.º, n.º 1, h), e 655.º, n.º 1, do CPC).

                Mas – note-se – se o recorrente, arrendatário, ganhar o recurso, esse vencimento, aproveita ao fiador não recorrente (art.º 635.º, n.º 1, do Código Civil). Apesar de não haver, entre o afiançado e o fiador, um litisconsórcio necessário, mas antes um litisconsórcio meramente voluntário, dá-se a extensão ao primeiro do caso julgado, dada a dependência do interesse do litisconsorte não recorrente – o fiador – em relação ao do recorrente – o afiançado (art.º 634.º, n.º 2, b), do CPC).

                Todas as contas feitas, há, efectivamente, que concluir que, por falta de legitimidade do recorrente, não há que conhecer do objecto do recurso relativamente ao segmento da sentença impugnada representada pela condenação do fiador, a demandada não recorrente, no pagamento das rendas não pagas e da indemnização moratória especial correspondente.

                Obiter dicta, não deixa de observar-se que ainda que um tal conhecimento se impusesse, a decisão correcta sempre seria a de julgar improcedente a defesa do fiador, excepto no tocante à renda, não paga, relativa ao mês de Julho de 2019, vencida em Junho do mesmo ano. Não o entendeu, assim, a sentença impugnada que foi peremptória na afirmação de que, no caso concreto, o A. não notificou a fiadora nos 90 dias seguintes à mora, ma não o fez porque não o tinha que o fazer, já que a mora existia muito antes desta exigência legal, estando consolidada antes da sua entrada em vigor. Mas estão conclusão não é inteiramente acertada, considerando, de um aspecto, as regras de aplicação da lei no tempo, e de outro, a circunstância de a obrigação de pagamento da renda que vincula o arrendatário ser uma obrigação periódica, sucessiva ou renovável, circunstâncias que vinculam a que os nºs 5 e 6 do art.º 1041.º do Código Civil, na versão que, por último lhe foi impressa pela Lei n.º 13/2019, de 12 e Fevereiro, não sendo aplicáveis às rendas vencidas no momento da sua entrada em vigor – 13 de Fevereiro de 2019 – são-no, porém, às que se venceram posteriormente a essa data. É, aliás, o que expressamente resulta do Acórdão da Relação do Porto de 24 de Novembro de 2022 (1500/20) – citado na sentença impugnada – de harmonia com o qual a actual redacção a atual redação dos nº 5 e 6 do artigo 1041º do C.C (lei 13/2019) só é aplicável -  mas é aplicável - às rendas vencidas posteriores à data da sua entrada em vigor, 13 de fevereiro de 2019.

                O cumprimento da obrigação reconduz-se a esta proposição simples: a realização da prestação devida, v.g., pagar uma renda. Ontológica e analiticamente, o cumprimento da obrigação traduz-se na concretização do comportamento a que o credor tem direito, no acatamento pelo devedor, da norma de obrigação que o adstringia. O cumprimento – a prestação como conduta devida - é o fim último da obrigação; este fundamento final orienta todas as normas destinadas a instituir e proteger a posição do credor.

Apesar da segurança que disponibiliza o património do devedor – e os diversos instrumentos ordenados para proteger preventivamente o direito de crédito em função da evolução desse património – a verdade é que essa massa de bens pode não ser – ou pode deixar de ser – tranquilizadora para o credor. E pode sê-lo objectivamente – mas o credor não confiar no devedor ou temer uma crise patrimonial deste.

Para proteger e garantir a satisfação do seu crédito, o credor pode recorrer, designadamente, a soluções externas ao vínculo obrigacional e que, portanto, lhe disponibilizam uma tutela mais forte do que a que é oferecida pelo património do devedor. Não raro, a constituição pelo devedor, sobre bem integrado no seu património, não é considerada suficiente pelo credor que, mesmo nesse caso, exige do devedor uma solução externa que lhe disponibilize um meio ágil de satisfaça do seu crédito, para além do património deste, que constitui a garantia geral, e, portanto, que esconjure o perigo ou lhe diminua o risco do não cumprimento do devedor ou de não conseguir, à custa do património deste, a realização coactiva, especifica ou por equivalente, da prestação. Esta atitude defensiva do credor cria uma garantia, através da qual pretende tornar efectiva a satisfação do seu crédito, aumentar a probabilidade da efectiva realização da prestação correspondente.

Esse resultado pode ser conseguido, por exemplo, através da adjunção de novo ou novos devedores que possam responder pelo devedor primitivo pelo cumprimento da obrigação ou pelas consequências do seu não cumprimento. Ainda que a garantia disponibilizada pelo novo devedor seja meramente pessoal, ocorre um alargamento da massa de bens responsáveis e, correspondentemente, um reforço quantitativo da probabilidade de satisfação do crédito. É claro que o valor económico da garantia, quando esta seja meramente pessoal, está na dependência directa da capacidade de cumprimento do terceiro, dador da garantia. Isto explica que seja comum que o credor exija que esse terceiro goze de reconhecida solvabilidade económica.

Seja a garantia meramente pessoal ou real, sempre que ela provenha de terceiro, o credor passa a beneficiar de uma posição jurídica adicional, de um novo meio orientado para a satisfação do seu crédito. A garantia não é, porém, um meio de satisfação do crédito, dado que, evidentemente, a sua constituição não envolve a satisfação do crédito[3]. Esta situação dá, ou pode dar lugar, muitas vezes, a situações de sobregarantia ou de sobrecobertura, portanto, de desproporção, desrazoável ou injustificada entre o valor do crédito garantido e o valor dos bens ou dos patrimónios dados em garantia.

Uma dessas garantias pode bem ser uma fiança.

Fiança é um termo polissémico, que tanto se refere a uma obrigação de garantia pessoal acessória – como ao acto jurídico que é fonte dessa obrigação. O termo fiança pode, realmente, ser usado em vários sentidos e pode, assim, designar um contrato – sendo que no direito português não é incontroverso que tenha de ser um contrato - a obrigação dele emergente e a situação jurídica do fiador.

Como contrato, a fiança pode definir-se como o acordo pelo qual uma pessoa - o fiador – garante, face a outra – o credor – a satisfação do seu crédito sobre uma terceira pessoa – o devedor principal (art.º 627.º, n.º 1, do Código Civil).

Partes no contrato são, portanto, apenas o fiador e o credor: pode, por isso, haver fiança sem o conhecimento ou mesmo contra a vontade do devedor (art.º 628.º. n.º 2, do Código Civil)[4]. Mas o contrato também pode ser celebrado entre o fiador e o devedor – a favor do credor. Neste último caso, em que o contrato é a favor de terceiro, o fiador obriga-se logo perante o credor, que adquire o direito à prestação independentemente da aceitação – embora seja necessário que o contrato seja levado ao conhecimento do credor (art.º 444.º, n.º 1, do Código Civil). A fiança segue a forma requerida para a obrigação garantida[5], devendo resultar das respectivas declarações de vontade a exacta identificação daquela, o seu valor[6], os sujeitos, etc. (artº 628, n.º 1, do Código Civil).

Entre as características distintivas da obrigação do fiador avulta, seguramente, a da sua acessoriedade, genética e funcional (art.ºs 627.º, n.º 2, 628.º, n.º 1, 628.º, n.º 1, 631.º n.º 1 e 651.º do Código Civil). A fiança é um negócio jurídico obrigacional de garantia: o evento que desencadeia a obrigação eventual, do garante, do fiador, consiste no incumprimento de uma obrigação cujo credor é o beneficiário, sendo dela devedor qualquer pessoa diversa do fiador. A obrigação do fiador está na dependência unilateral da obrigação afiançada ou obrigação principal.

O conteúdo da obrigação do fiador tem o conteúdo da obrigação principal (art.º 634.º do Código Civil). O fiador pode opor ao credor os meios de defesa do devedor e ainda os meios de que defesa que lhe são próprios. No perímetro dos meios de defesa específicos do fiador sobressai o benefício da excussão. Por força do benefício da excussão, a obrigação do fiador é subsidiária da obrigação dita principal, dado que o fiador pode recusar o cumprimento da obrigação garantida enquanto o credor não tiver excutido os bens do devedor, sem obter a satisfação do seu crédito (art.º 638.º, n.º 1, do Código Civil e 745.º do CPC). O fiador pode, porém, renunciar a esse benefício, seja directamente, seja assumindo a obrigação de principal pagador (artº. 640.º do Código Civil). Mesmo que se diga que o fiador é o principal pagador, a sua obrigação só se efectiva se o devedor não pagar, o que leva a concluir que a solidariedade é imperfeita, porque apenas se revela após o incumprimento da obrigação pelo devedor. Importa, também, ter presente o regime especial da fiança mercantil do qual resulta a solidariedade – imprópria – do fiador e do devedor, no caso de obrigação afiançada ser mercantil, ainda que o fiador não seja comerciante (art.º 101.º do Código Comercial).

Em qualquer caso, a fiança é um negócio de risco, dado que a prestação do fiador depende de um evento futuro e incerto e, portanto, caracteriza-se pela sua eventualidade.

                Na espécie do recurso é incontroverso que a demandada, não recorrente, se vinculou como fiadora e, portanto, como garante do cumprimento pelo recorrente, arrendatário, de toda e qualquer obrigação que para este resulte da execução e da cessação do contrato de arrendamento – e não apenas da fundamental obrigação de pagamento da renda convencionada[7] – responsabilidade que, por força da sua renúncia ao benefício da excussão, é solidária. A convenção, aliás, desnecessária, relativa ao âmbito da obrigação de garantia do fiador é clara e terminante: este responde pelo bom e integral cumprimento de todas as obrigações daquele 1º Réu decorrentes do mesmo contrato, seja essa obrigação a de pagamento pontual da renda acordada ou, eventualmente, a de indemnizar o senhorio pelas deteriorações patenteadas pelas coisas objecto mediato do contrato de arrendamento no momento da sua devolução àquele.

                Se o arrendatário não fizer cessar a mora no tocante à obrigação de pagamento da renda e existir fiança, o senhorio deve notificar o fiador, nos 90 dias seguintes, dessa mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir daquele a satisfação dos seus créditos, depois de ter procedido a essa notificação (art.º 1041.º, n.ºs 5 e 6 do Código Civil, na redacção que lhe foi impressa, por último, pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, e que, por força do seu art.º 14.º, entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação). É clara a finalidade desta notificação: evitar a ruína do fiador resultante da acumulação de rendas vencidas e da consequente indemnização moratória. Como é claro, uma tal interpelação apenas é exigível no tocante às rendas não pagas e à respectiva indemnização moratória e não quanto a qualquer outra obrigação do arrendatário, v.g. a indemnizar o senhorio dos danos ou deteriorações que causou nas coisas arrendadas. O que não é evidente é a consequência jurídica da omissão daquela notificação ou da sua realização depois do prazo assinado na lei, orientando-se a jurisprudência no sentido de que perime o direito do senhorio de exigir do fiador o cumprimento da sua obrigação de garantia[8].

                De outro aspecto, dado que a renda constitui uma prestação pecuniária periódica sucessiva, relativamente a cada falta de pagamento do seu pagamento, e da respectiva indemnização moratória, dá-se a constituição, também sucessiva, do ónus ou encargo do senhorio, para tornar exigíveis ao fiador, as quantias correspondentes, de proceder, no prazo referido, relativamente a cada renda vencida e respectiva indemnização da mora, à interpelação do último[9]. Ponto que, já se vê, se reveste de particular interesse no caso de uma ou mais faltas de pagamento da renda ocorrerem no domínio vigência temporal de leis que regulem de modo diferente, designadamente no tocante ao fiador, as consequências jurídicas de cada um daqueles actos de falta de pagamento e da respectiva mora.

                Uma vez que a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não se fez acompanhar de qualquer norma de direito transitório, ou intemporal, material – i.e., que institui um regime que não é coincidente nem com o da lei antiga, nem o da lei nova – ou meramente formal – que escolhe, de entre a lei antiga e lei nova, qual a lei aplicável a um certo facto ou situação jurídica - o âmbito da sua aplicação no tempo é determinado com os critérios subsidiários gerais (art.º 12.º do Código Civil). Por aplicação destes critérios entende-se, de um modo geral, que as normas imperativas contidas na Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, são aplicáveis, não apenas aos contratos de arrendamento e às fianças concluídas depois do início da sua vigência, mas igualmente aos contratos e fianças anteriores, que subsistam naquela data, dado que aquelas normas regulam o conteúdo de situações jurídicas, abstraindo dos factos de que emergem, ou seja, abstraindo do seu título constitutivo (art.º 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil)[10]. Nesta hipótese, o título não modela o conteúdo da situação jurídica, pelo que nada obsta à aplicação imediata da lei nova. Mas há que admitir, nalgumas hipóteses, a sobrevigência da lei antiga, o que sucede nos casos em que a lei nova se refira às condições de validade, formal ou substancial, de quaisquer factos ou ao conteúdo de situações jurídicas que não possam abstrair do seu título constitutivo (art.º 12.º, n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil). Se a lei nova dispuser sobre o conteúdo de uma situação jurídica e não abstrair do respectivo facto constitutivo, deve excluir-se a aplicação daquela lei, continuando o conteúdo da situação jurídica a ser regulado pela lei antiga. Dito doutro modo: quando a lei nova incide sobre o conteúdo de situações jurídicas, dá-se a sobrevigência da lei antiga, se o título constitutivo dessas situações tiver um efeito modelador do seu conteúdo: é o que sucede, por exemplo, com os efeitos do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso do contrato, ou da mora no realização de uma qualquer prestação que dele emirja,  que são regulados pela lei vigente no momento da sua celebração, e com os efeitos de uma conduta ilícita que são definidos pela lei em vigor no momento da realização da conduta. Em contrapartida, a lei nova é a aplicável aos efeitos da mora ou do não cumprimento que se produzam depois da sua entrada em vigor: é o que resulta do princípio da aplicação imediata da lei nova, por força do qual são abrangidos por ela os factos que se produzem, ou que se modifiquem ou que extingam, depois do seu início de vigência (art.º 12.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil). A constituição de uma situação jurídica pode decorrer da conjugação de factos que ocorreram na vigência da lei antiga e de factos que que se verificaram na vigência da lei nova. Assim, a responsabilidade do fiador pode resultar de uma fiança que garanta as obrigações do arrendatário, contraída na vigência da lei antiga e da falta de pagamento da renda e da indemnização da mora ocorrida na vigência da lei nova. Neste caso, verifica-se a formação sucessiva de um efeito jurídico, o que, todavia, não impede a aplicação imediata da lei nova, embora apenas no tocante à falta de pagamento da renda e à mora verificada depois do início da sua vigência, pelo que, apesar da fiança ter sido concluída ao abrigo da lei antiga, para que a obrigação do fiador se constitua é necessária a interpelação deste devedor; não assim, no tocante às rendas vencidas antes da entrada em vigor da lei nova, relativamente às quais não é exigível, para que o fiador fique obrigado, aquela interpelação do senhorio.

                Assim, se no momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro – 13 de Fevereiro de 2019 – o arrendatário já se mostrava constituído em mora, não purgada, no tocante à obrigação do pagamento da renda e, por sua vez, o fiador também constituído na sua obrigação de garantia, por não ser exigível, então, que lhe fosse dada notícia, pelo senhorio, em dado prazo de caducidade, da falta de pagamento da renda e da mora correspondente, o conteúdo de qualquer dessas situações jurídicas continuou a ser regulado pela lei vigente ao tempo da ocorrência dos respectivos factos, não sendo aplicável, às rendas vencidas antes da entrada em vigor da lei nova que trouxe consigo, inovatoriamente, a exigência daquela notificação. Solução contrária implicaria, necessariamente, a atribuição à lei nova de eficácia retroactiva, dado que se aplicaria a factos – instantâneos - já ocorridos ou a efeitos já produzidos, também instantaneamente e, portanto, já esgotados, antes da sua entrada em vigor, extinguindo um efeito jurídico produzido, com base num título modelador anterior à sua vigência, consequência que é desarmónica com o princípio da não retroactividade da lei nova (art.º 12.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil). É certo que este princípio não é absoluto, dado que comporta duas excepções: a lei nova pode ter eficácia retroactiva; a lei interpretativa tem, em regra, carácter retroactivo (art.ºs 12.º, n.º 1, e 13.º, n.º 1, do Código Civil). Mas as normas contidas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 1041.º do Código Civil, introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não têm natureza interpretativa[11], e mesmo quando a lei nova tenha eficácia retroactiva, presumem-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que se destina a regular (art.º 12.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Civil). Assim, se a lei retroactiva regular o cumprimento das obrigações decorrentes de contratos já celebrados, ela não afecta os efeitos produzidos pelos cumprimentos já realizados; do mesmo modo, se a lei retroactiva regular de modo inovador os pressupostos da constituição da obrigação do fiador, ela não afecta a obrigação desse garante que já mostre constituída à sombra da lei antiga. Mas afecta essa obrigação no tocante à falta de pagamento da renda que ocorra no domínio da lei nova.

                No caso, em 13 de Fevereiro de 2019, o arrendatário, recorrente, já se mostrava incurso na situação de mora no tocante às rendas relativas aos meses de Abril de 2018 a Março de 2019 pelo que, à data da entrada em vigor das normas contidas nos nºs 5 e 6 do art.º 1041.º do Código Civil – 13 de Fevereiro de 2019 – a fiadora, não recorrente, também já se mostrava constituída na obrigação de garantia que para ela resulta da contracção da fiança, relativamente à rendas dos meses de Abril de 2018 a Março de 2019, dado que, como se apontou, até essa data a lei não exigia que a mora do arrendatário e as quantias em dívida por este lhe fossem comunicadas, sendo certo que, no tocante às rendas dos meses de Abril, Maio e Junho, vencidas nos meses de Março, Abril e Maio desse mesmo ano, o senhorio notificou a fiadora da respectiva falta de pagamento, pelo que só no tocante à renda de Julho de 2019, vencida no mês anterior, é que, realmente, o locador não observou o prazo de interpelação, dado que só a levou a cabo em Outubro desse mesmo ano.

                Portanto, apenas no tocante à renda relativa ao mês de Julho de 2019, vencida em Junho do mesmo ano, é que o direito do apelado de exigir do fiador o pagamento dessa renda e da respectiva indemnização moratória se deveria considerar extinto pela omissão de interpelação tempestiva do fiador e, portanto, pela caducidade correspondente.

                3.3. Nulidade substancial da sentença impugnada.

                Segundo o recorrente, a sentença encontra-se ferida com vício da nulidade substancial, por esta causa precisa: uma omissão de pronúncia.

                O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuando-se a decisão daquelas cujo conhecimento esteja prejudicado pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).  Este corolário do princípio da disponibilidade objectiva impõe ao tribunal o dever de examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos que formularam, com excepção das matérias ou dos pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. Por isso que é nula a decisão na qual o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, portanto, quando se verifique uma omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte do CPC)

A abstenção injustificada de pronúncia verificar-se-ia, no ver do apelante, no tocante à excepção peremptória da compensação: de harmonia com a sua alegação, a Sra. Juíza de Direito não se pronunciou sobre o pedido de compensação, decorrente da execução do contrato de arrendamento, do surgimento das anomalias e da falta dos requisitos mínimos que surgiram e que impediram o uso, gozo, a que a finalidade do arrendamento urbano para comércio se destinada, tendo-se limitado a fundamentar com as pré negociações das partes, que antecederam à celebração do contrato de arrendamento urbano para comércio e ao teor das suas cláusulas.

                A arguição é, de todo, improcedente. Uma leitura ainda que meramente oblíqua da sentença impugnada mostra que esta decidiu – para o caso não interessa se bem, se mal – aquela excepção peremptória, julgando-a improcedente. Omissão de pronúncia é, assim, coisa de que, no caso, em boa verdade, se não pode falar.

                Não há, assim, a mínima razão para, por aquela causa, estigmatizar a sentença contestada com o ferrete da nulidade.

                O sentido da decisão do tribunal depende, evidentemente, dos factos adquiridos para o processo e da análise do cumprimento do ónus da prova (art.º 414.º do CPC e 346.º, 2.ª parte, do Código Civil): se todos os factos que conduzem à aplicação de uma norma jurídica estiverem adquiridos para o processo, o tribunal pode proferir uma decisão favorável à parte onerada com a prova, designadamente uma decisão de mérito; se isso se não se verificar, o tribunal deve proferir uma decisão contra a parte onerada com a prova.

Importa, portanto, desde logo, verificar que factos é que devem ser adquiridos para o processo e sobre que parte é que recai o encargo da sua prova, indagação que importa a análise das normas substantivas que permitem o proferimento de uma decisão de procedência ou de improcedência: as relativas à responsabilidade do senhorio pelos vícios da coisa imóvel arrendada, ao direito de indemnização do arrendatário por benfeitorias, à responsabilidade do último pelas deteriorações dessa mesma coisa, á nulidade de cláusula contratual reguladora desta última responsabilidade e da compensação.

3.4. Responsabilidade do senhorio pelos vícios do imóvel arrendado e do inquilino pela sua deterioração, admissibilidade da convenção relativa ao direito do senhorio de fazer suas as obras realizadas pelo arrendatário, com exclusão do direito de retenção e de indemnização do último, responsabilidade deste pela utilização imprudente da coisa ou coisas objecto mediato do contrato de arrendamento e pressupostos da compensação de créditos.

De harmonia com a definição legal, é de locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art.º 1022.º do Código Civil). São, assim, três os elementos do contrato de locação: a obrigação, para o locador, de proporcionar à outra parte – o locatário – o gozo de uma coisa, ou seja, o aproveitamento das suas utilidades, no âmbito do contrato; a temporalidade desse gozo; a concessão mediante retribuição.

A locação é, assim, um contrato bivinculante, dado que dele derivam obrigações para o locador e para o locatário, obrigações ligadas por uma relação de sinalagma, i.e., de correspectividade. É, portanto, um contrato sinalagmático ou de bilateralidade perfeita, a que se aplicam os princípios gerais próprios dos contratos com esta característica (art.ºs 1022.º e 1038.º do Código Civil).

A locação diz-se arrendamento se versar sobre coisa imóvel, e arrendamento urbano se essa coisa imóvel consistir num prédio urbano (art.º 1023.º do Código Civil). Pode dar-se o caso de o contrato ter uma natureza mista, em que o arrendamento se combina com outro tipo contratual, v.g., o aluguer, combinação amplamente permitida pelo princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do Código Civil). Nesta hipótese, se o nexo que interceder entre os vários tipos contratuais que integram o contrato misto for, no caso concreto, o de sobreposição, é aplicável o regime do tipo contratual dominante que absorve os demais. Trata-se da solução prevista para a hipótese de combinação de várias modalidades de arrendamento, portanto, para o arrendamento com pluralidade de fins, que deve ter-se por simples afloramento de regras gerais, aplicáveis, por isso, não só ao caso a que se refere, mas também, por analogia, ás hipóteses em que o arrendamento se combina, por exemplo, com o aluguer (art.º 1028.º, n.º 3, do Código Civil).

Consoante o fim a que se destina, o arrendamento urbano pode ser, designadamente, para comércio e indústria e para exercício de profissão liberal. Há arrendamento para comércio ou indústria quando o arrendatário toma o prédio de arrendamento para fins directamente relacionados com uma actividade económica de mediação nas trocas ou uma actividade de produção – extracção ou transformação – ou circulação de riqueza. A actividade comercial deve, portanto, ser entendida em sentido económico e não jurídico, quer dizer, como actividade intermediária de mediação nas trocas, relativa à circulação de bens; por actividade industrial deve entender-se a actividade económica, pertencente ao sector secundário, que se destina à produção de riqueza (art.ºs 1108.º e 1110.º do Código Civil)[12].

No contrato de arrendamento, o programa da prestação do senhorio reconduz-se a este núcleo fundamental: proporcionar ao inquilino ou arrendatário o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato. É-lhe, por isso, vedada a prática de actos que impeçam ou diminuam esse gozo, entendida essa diminuição, claro está, segundo um princípio de boa fé (art.º 762.º, n.º 2, do Código Civil).

O senhorio tem, pois, uma obrigação positiva e negativa de manutenção do gozo. A primeira é uma obrigação de facere; a segunda, uma obrigação de non facere.

A esta última obrigação deve assinalar-se o conteúdo seguinte: o senhorio deve abster-se de actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário (artº 1037 nº 1 do Código Civil). É uma regra imperativa que apenas cede nos casos previstos naquele preceito, ou seja, quando qualquer outra solução resulte da lei, dos usos ou do consentimento do inquilino, em cada caso. O senhorio não é obrigado, porém, a assegurar ao inquilino o gozo de prédio contra actos de terceiro (art.º 1037.º, n.º 1 do Código Civil).

A obrigação positiva de assegurar o gozo da coisa arrendada para os fins a que ela contratualmente se destina a que a lei vincula o senhorio pode exigir prestações de facere, como, por exemplo, a realização de obras no prédio arrendado: ressalvada convenção contrária, é o senhorio que está obrigado a executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, exigidas pela lei ou pelo fim do contrato (art.º 1074.º, n.º 1, do Código Civil). Regra que surge repetida nas disposições relativas ao arrendamento para fins não habitacionais: cabe às partes, no âmbito da sua liberdade negocial, definir o regime de realização de obras de conservação ordinária e extraordinária – qualificação que assenta na natureza ou na amplitude da obra - requeridas pela lei ou pelo fim do contrato (art.º 1111.º, n.º 1, do Código Civil). No silêncio das partes, incumbe ao senhorio o dever de realizar as obras de conservação considerando-se, em contrapartida, o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato (art.º 1111.º, n.º 2, do Código Civil).

No contrato de locação as cláusulas de fim, além de desempenharem uma função positiva de subptipificação, atraindo a aplicação de regimes especiais, v.g. de arrendamento para fins não habitacionais, moldam a obrigação positiva de manutenção do gozo pelo do locador, na falta de convenção contrária, no tocante a prestações de facere, necessárias para assegurar o preenchimento da finalidade do contrato: o senhorio deve assegurar o gozo do prédio ao inquilino e, portanto, deve, salvo estipulação contratual contrária, fazer as reparações  para que o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído – aquelas que forem indispensáveis para manter o prédio em estado de corresponder ao seu destino, embora se deve notar que, no rigor das coisas, o Código Civil não o obriga, nomeadamente como a legislação de pretérito, “a conservar o prédio no mesmo estado durante o arrendamento”: a obrigação de proceder a reparações de conservação só vai até onde fique coberta pelo seu dever de “assegurar o gozo” do prédio ao inquilino, para os fins a que se destina, sendo, assim, apenas as que sejam indispensáveis para manter o imóvel em estado de corresponder ao seu destino   (art.º 15.º, n.º 2, do Decreto n.º 5 4111). Ao arrendatário é, todavia, lícito executar quaisquer obras, no caso de locador se encontrar em mora no tocante à obrigação correspondente e as obras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do processo judicial ou, independentemente da mora do locador, quando não consintam sequer dilação: em qualquer dos casos o arrendatário fica investido no direito ao reembolso da despesa correspondente (art.º 1036.º, nºs 1 e 2,  e 22.º- A, 22.º-C e 22-D do Decreto-lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto que aprovou o Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados (RJOPA), na sua redacção actual, ex-vi art.ºs 1074.º, n.º 2 e 1111.º, n.º 2, do Código Civil).

Por obras de conservação, sejam elas de conservação, ordinária ou extraordinária, deve, evidentemente, entender-se as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração, i.e., as obras necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, sendo certo que a lei presume que o local arrendado foi entregue em bom estado de manutenção, presunção que, evidentemente, joga a favor do senhorio (art.ºs 350.º. n.ºs 1 e 2, e 1043.º, n.º  2, do Código Civil, e 2.º, n.º 1, do RJOPA).

Desenvolvimento particular da obrigação de assegurar o gozo da coisa que vincula o locador – não se tratando, assim, de outra obrigação deste – é, realmente, o da sua responsabilidade pelos vícios da coisa ou do direito: o locador é responsável pela frustração, quer dizer, pela privação ou diminuição do gozo da coisa pelo locatário, quando a coisa locada ou o direito do locador apresentem vícios (artºs 1031.º, b), 1032.º e 1034.º do Código Civil).

Quer se trate de vícios propriamente ditos da coisa locada, que não permita, que ela cumpra o seu fim natural, quer da falta das qualidades necessárias para que a coisa realize o fim a que se destina, de harmonia com o contrato, quer, enfim, da falta de qualidades que o locador assegurou ao locatário, o contrato considera-se, por parte daquele, como não cumprido (art.º 1032.º do Código Civil). Responsabilidade que se lhe impõe quer os defeitos anteriores ou contemporâneos da entrega da coisa ou posteriores a esta entrega (art.º 1032.º, a) e b), do Código Civil). De resto, quanto aos primeiros, a lei presume que o locador conhecia o defeito, pelo que a sua responsabilidade apenas é excluída se provar que o desconhecia sem culpa. Mas o mesmo sucede no tocante aos defeitos posteriores à entrega do bem locado. O regime da responsabilidade do locador enquadra-se na figura geral do cumprimento defeituoso ou do mau cumprimento das obrigações: vale, por isso, a fundamental presunção de culpa do devedor, presumindo-se, por isso, que o locador tem culpa sempre que a coisa locada apresente vícios de direito ou defeitos da coisa (art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil). Nesta hipótese, é claro que ao arrendatário cumprirá fazer a prova do vício ou do defeito e do dano, dado que a única coisa que se presume é a culpa do locador (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

No tocante aos vícios do direito do locador, o contrato considera-se igualmente não cumprido, desde que sejam determinantes da privação definitiva ou temporária do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário (art.º 1034.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Se a coisa locada ou o direito do locador se encontrar ferida com qualquer destes vícios – e não se verifique nenhum dos casos de irresponsabilidade dele - ao locatário e lícito, conforme melhor entender, pedir àquele uma indemnização pelo não cumprimento do contrato ou pedir a anulação deste, nos termos gerais, por erro ou dolo, desde que, claro está, se verifiquem os pressupostos correspondentes (art.ºs 798.º, 1033.º e 1035.º do Código Civil).

Por último, ao arrendatário é lícito resolver o contrato, independentemente da responsabilidade do senhorio, se, por motivo estranho à sua pessoa, ou à dos seus familiares, for privado, ainda que só temporariamente, do gozo da coisa (art.º 1050.º, a), do Código Civil). Mas não parece que este caso seja de verdadeira resolução, dado que se pressupõe a falta de culpa do locador, ao passo que, como se notou, resolução tem por fundamento um incumprimento culposo (art.º 801.º, n.º 2 do Código Civil). Trata-se, portanto, de um dos casos excepcionais de resolução por incumprimento sem culpa, de responsabilidade objectiva do locador. A resolução baseada num incumprimento culposo por parte do locador atribuiu ao arrendatário o direito de, em conjunção com a resolução, pedir uma indemnização (art.º 801.º do Código Civil).

Se, porém, a extinção do contrato, que corresponde a uma resolução sui generis, se fundar naquela responsabilidade objectiva do locador, ao locatário não é reconhecido o direito de exigir uma indemnização. Note-se, em todo o caso, que aquela responsabilidade objectiva do locador só tem lugar se o facto determinante da privação do gozo da coisa for estranho à pessoa do arrendatário: para que cesse o direito à resolução, não é necessário que aquele motivo seja imputável ao locatário – basta que a causa da privação lhe não seja estranha.

Caso não opte pela resolução do contrato, se nas mesmas condições, o arrendatário sofrer privação ou diminuição do gazo da coisa imóvel arrendada, por facto imputável ao locador, haverá lugar à redução da renda, proporcional ao tempo da privação ou diminuição daquele gozo (art.º 1040.º, n.º 1, do Código Civil). A privação e a diminuição do gozo da coisa tanto podem ser quantitativas como qualitativas; embora a norma esteja literalmente focada na duração, é fora de dúvida, pelo seu espírito, o seu alargamento directo a privações ou diminuições do gozo puramente qualitativas. A redução da renda no caso de privação ou diminuição do gozo opera à luz do princípio regulativo da proporcionalidade e exige a quantificação daquela privação ou desta diminuição, o que não é decerto, tarefa fácil, no caso de diminuição qualitativa daquele gozo, fazendo incorrer o arrendatário, no caso de o seu cálculo da redução pecar por defeito, nos riscos inerentes ao oferecimento de uma renda inferior àquela que, nestas circunstâncias, é a devida. Se, portanto, o arrendatário pagar a renda, mas o senhorio não proceder às reparações do imóvel a que está obrigado, o arrendatário pode suspender o pagamento da renda - de toda a renda, no caso de o não cumprimento pelo senhorio daquela obrigação de facere excluir totalmente o gozo da coisa; no caso de privação parcial desse gozo, o locatário apenas pode recusar o pagamento de parte da renda, proporcional á redução desse mesmo gozo[13].

O pagamento da renda é, naturalmente, uma obrigação característica do contrato de arrendamento. É a remuneração do gozo que o contrato faculta ao arrendatário e que aparece como elemento essencial dele (art.º 1038.º, a), do Código Civil).

A renda - que constitui uma prestação pecuniária periódica - na falta de convenção contrária, e se estiver em correspondência com os meses o calendário gregoriano, vence-se, a primeira, no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes, no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito (artº 1075.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Esta regra - que é nitidamente excepcional – só se aplica se as rendas estiverem em correspondência certa com o calendário organizado segundo as instruções do Papa Gregório XIII; não se verificando essa correspondência, como, no caso de se convencionar, por exemplo, que o arrendamento se inicia no dia 14 de Junho, rege a regra geral, por força da qual, não havendo convenção ou uso contrário, o pagamento da renda deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que a renda diz respeito (art.º 1039.º, nº 1, do Código Civil).

O arrendatário constitui-se em mora no tocante à obrigação de pagamento da renda sempre que, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artº 804.º, n.º 2, do Código Civil). A mora do arrendatário no tocante à realização daquela prestação pecuniária está, porém, sujeita a um regime marcadamente especial, que se explica pela importância jurídica e social do contrato de arrendamento.

De um aspecto, a mora, apesar da existência de um prazo certo para o cumprimento, só se verifica, tanto para o efeito da indemnização como para o efeito da resolução do contrato de arrendamento, se o arrendatário não cumprir a obrigação de pagamento da renda no prazo de oito dias a contar do seu começo – purgatio morae (art.º 1041.º, n.º 2, do Código Civil); de outro, findo aquele prazo, o arrendatário pode ainda por termo à mora – e, por esse modo obstar à resolução do contrato de arrendamento - oferecendo ao senhorio o pagamento da rendas em atraso, acrescidas de indemnização igual a 50% ou desde ../../2019, igual a 20% do valor devido daquelas rendas, assistindo-lhe o direito, em caso de recusa do seu recebimento pelo senhorio, desses valores, proceder à consignação em depósito (art.º 1042.º, n.ºs 1 e 2, e 1048.º, n.º 1 do Código Civil). Neste último caso, a mora só se considera purgada, para o efeito de excluir a resolução do contrato, se a indemnização, paga ou depositada, compreender 50% ou 20% do que for devido – e devidas são todas as rendas ainda não pagas, que não se mostrem prescritas ou que não se mostrem extintas por qualquer causa extintiva da obrigação correspondente.

No plano dogmático, são figuras distintas, mas compatíveis entre si, a purgatio morae, traduzida na eliminação dos efeitos decorrentes do atraso culposo no cumprimento da obrigação – e a caducidade do direito à resolução do contrato, que é, de certo modo, um dos corolários possíveis da purgação da mora, mas que abrange, num outro aspecto, algumas outras causas possíveis de resolução do contrato, além da purgação da mora[14]. Mas é claro que termo caducidade não está aqui empregue em sentido rigoroso, mas sim na acepção ampla de extinção, dado que o real fenómeno não é da extinção por caducidade, mas de satisfação pelo cumprimento, através da purgatio morae[15]: com a preocupação de preservar o contrato, admite-se o cumprimento retardado, desde que acompanhado do pagamento da indemnização, computada a forfait, destinada a reparar o dano resultante do atraso nesse cumprimento.

A lei, contra a regra geral, dá ao senhorio em alternativa o direito de pedir a indemnização e o de resolver o contrato: se optar pela resolução, o senhorio só pode exigir as rendas em dívida; nesse caso não tem direito a qualquer indemnização pela mora do arrendatário (art.º 801.º, n.º 2, do Código Civil)[16].

Do contrato de arrendamento pode resultar também para o senhorio uma outra obrigação: a de indemnização das benfeitorias efectuadas pelo arrendatário. A regra-base é a da proibição de realização pelo arrendatário de benfeitorias, que resulta, de modo expresso, da sua obrigação de restituir a coisa no estado em que a recebeu (art.º 1043.º, n.º 1, do Código Civil). Mas mesmo quando, no arrendamento urbano, a lei lhe autoriza pequenas deteriorações lícitas para conforto e comodidade, ela impõe a sua reparação pelo arrendatário, antes da restituição do prédio (art.º 1073.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). A regra comporta, no entanto, duas excepções: as reparações e outras despesas urgentes, nos precisos casos em que possam ser levadas a cabo pelo locatário; a estipulação em contrário (art.ºs 1036.º e 1046.º, n.º 1, do Código Civil). Note-se que a mera autorização não chega, dado que apenas torna lícita uma actuação que, de outro modo, seria ilícita: tem de haver um acordo que disponha sobre a natureza e o destino das benfeitorias, sob pena de se manter o regime geral.

Quanto a benfeitorias que haja feito no prédio, o arrendatário é supletivamente equiparado ao possuidor de má fé, sejam as benfeitorias úteis, necessárias ou simplesmente voluptuárias (art.ºs 216.º n.ºs 1 e 3, 1046.º, 2ª parte, 1273.º e 1275.º do Código Civil)[17].

O locatário tem, portanto, direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que haja feito e a levantar as benfeitorias úteis, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa; se o não puder sem detrimento, goza apenas do direito ao valor dessas benfeitorias úteis, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art.ºs 473.º e 1273.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). Relativamente às benfeitorias voluptuárias, o arrendatário não as pode levantar nem tem direito a qualquer indemnização.

Se aquele que tiver realizado a benfeitoria quiser actuar o direito a essa indemnização, deve destrinçar que tipo de benfeitorias realizou e se elas são ou removíveis, pormenorizando a obra que levou a cabo, especificando, designadamente, a sua utilidade e finalidade imediatas[18].

A lei, ela mesma, refere-se, repetidamente, à obrigação de indemnização por benfeitorias (v.g., art.ºs 1273.º, n.º 1, e 1274.º do Código Civil). Mas a verdade é que não se trata de uma verdadeira e própria obrigação de indemnização – mas de uma obrigação de restituição: a de restituir o enriquecimento. Se não houver lugar ao levantamento da benfeitoria e, portanto, se a restituição em espécie não for possível, o benfeitorizante tem direito á restituição seu valor, computado, não segundo as regras da obrigação de indemnização – mas segundo as regras bem distintas do enriquecimento sine causa (art.º 473.º, n.º 1, ex-vi art.º 1273.º, 2ª parte, do Código Civil).

Para o problema de saber se o inquilino goza, nos casos em que haja lugar àquela obrigação de restituição, de direito de retenção, valem as regras gerais, designadamente a que exclui esse direito a favor daqueles que tenha realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito (art.º 756.º do Código Civil). Tudo, dependerá, portanto, da boa ou má fé daquele que realizou a benfeitoria: se provar que o arrendatário realizou as benfeitorias de boa fé, deve reconhecer-se-lhe o direito de retenção sobre o prédio arrendado[19]. De harmonia com o critério apontado de distribuição do ónus da prova, a demonstração da boa fé – que neste contexto tem um sentido marcadamente psicológico[20], devendo, portanto, ser entendida como a consciência da ilicitude da lesão do credor em face da realização da despesa - compete àquele que opõe o direito de reter a coisa (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

É, todavia, frequente e válida a cláusula pela qual as benfeitorias realizadas pelo arrendatário não dão lugar a qualquer indemnização[21]. Na realidade, o locador, quando tenha de pagar as obras, preferirá fazê-las a seu gosto e, por outro lado, as obras realizadas pelo inquilino poderão não ter qualquer interesse para o senhorio, porque, por exemplo, não têm qualquer utilidade para a destinação que pretende dar ao prédio depois de este lhe ser restituído.

Como decorre das considerações expostas, o senhorio e o arrendatário podem, à sombra do princípio da autonomia privada, convencionar que as obras de conservação ou de manutenção do prédio ficam a cargo do último e que o senhorio poderá fazê-las suas, sem que tenha de indemnizar o arrendatário da respectiva despesa e sem que se lhe reconheça o direito de reter a coisa (art.º 405.º, n.º 1, do Código Civil).

Na sua imagem tradicional, esta convenção representa um negócio cujo conteúdo, sendo precedida de uma discussão e negociação entre as partes, pressupostamente iguais, é livremente determinado por estas. Mas a convenção, mesmo concluída nestas condições, não é imune aos princípios gerais de controlo que decorrem da ponderação dos valores fundamentais do direito em face da situação considerada, dados pela ordem pública e pelos bons costumes e pelo mandamento da boa fé ou pelo fim social ou económico do direito (art.ºs 280.º, n.º 2, e 334.º do Código Civil)[22]. Note-se, porém, que a maior ou menor dureza ou onerosidade da convenção para uma das partes não é sinónimo de violação de qualquer daqueles parâmetros de controlo: qualquer contrato pode ser mais ou menos oneroso ou mais ou menos lucrativo para uma das partes, consequência que, em princípio, o direito abandona à lógica do comércio jurídico-económico privado, portanto, à liberdade e responsabilidade de actuação jurígena das partes. Em princípio, dado que há que contar com a relevância com o chamado princípio do equilíbrio contratual ou negocial[23].

O ordenamento jurídico português não é, realmente, indiferente ao pensamento do equilíbrio contratual, que corresponde a um afloramento do princípio da proporcionalidade no Direito dos Contratos, constituindo um dos parâmetros de aferição da congruidade das prestações, expresso, designadamente, na equação económica considerada pelas partes no momento da conclusão do contrato, que exige a razoabilidade do vínculo obrigacional e a necessidade de uma certa correspondência entre as vantagens e desvantagens que daquele emergem. A juridicidade deste parâmetro pode fundamentar-se na cláusula geral de ordem pública, pelo que o princípio do equilíbrio negocial constitui um plus relativamente a outras dimensões do controlo do exercício da autonomia privada, a par da lei injuntiva, da boa fé e dos bons costumes (art.º 280.º. n.º 2, do Código Civil)[24]. Convém, no entanto, ter presente que equilíbrio contratual não é sinónimo de valor igual ou aproximado das prestações que emergem do contrato, sendo, restritamente, um limite ao exercício da autonomia privada, assumindo, como tal, um carácter excepcional, que, enquanto critério de decisão, se concretiza nos parâmetros, quantitativos e qualitativos seguintes: em primeiro lugar, reclama uma assimetria manifesta das prestações contratuais – parâmetro quantitativo; em segundo lugar, exige que essa assimetria prestacional deve ser destituída de um fundamento material bastante, á luz do contrato ou da operação negocial e do Direito (parâmetro qualitativo); em terceiro lugar, a sindicância sobre o carácter injusto da regulação contratual só se justifica, em geral, no tocante a contratos patrimoniais onerosos e comutativos, e que, em regra, instituam, uma relação temporalmente continuada; em último lugar, a legitimidade activa para a invocação do  (des)equílibrio  contratual – genético ou funcional - só deve reconhecer-se, evidentemente, ao contraente afectado por ele.

De outro aspecto, a discussão sobre a validade ou invalidade de uma qualquer convenção não se reveste de qualquer utilidade se ela se limita a reiterar uma obrigação que resulta directa e expressamente da lei: é o que, patentemente, sucede com a convenção que vincule o arrendatário a um uso prudente das coisas arrendadas e a restituí-las em bom estado, findo o contrato de arrendamento, dado que se trata de uma obrigação ex-lege.

                O contrato de arrendamento obriga o inquilino não só a pagar a renda – mas a utilizar o prédio e os bens móveis que, eventualmente, se compreendam no arrendamento – prudentemente, no âmbito e para os fins do contrato o que, ressalvando as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, implicitamente o responsabiliza pelas deteriorações que resultem de uma utilização imprudente (art.ºs 1038.º, c) e d), e 1043.º, n.º 1, do Código Civil).   

                O arrendatário deve, pois, utilizar o imóvel prudentemente, ou seja, como o utilizaria o bom pai de família; essa utilização é imprudente, se, por exemplo, o arrendatário faz obras que alteram substancialmente a estrutura externa do imóvel ou a disposição interna das suas divisões, ou pratica actos que nele causem deteriorações consideráveis; a utilização prudente do prédio permite-lhe, no entanto, fazer pequenas deteriorações que se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade que, porém, salvo estipulação contrária, deve reparar antes da restituição do prédio ao senhorio (art.º 1073.º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

                O arrendatário está vinculado a, findo o contrato de arrendamento, restituir o imóvel e os móveis arrendados no estado em que os recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, sendo certo, com se observou, que a lei presume que o local arrendado lhe foi entregue em bom estado de manutenção (art.ºs 350.º. n.ºs 1 e 2, e 1043.º, n.º  2, do Código Civil).

O inquilino está, pois, adstrito a indemnizar o senhorio por todas as deteriorações que cause no bem arrendado, que não sejam provocadas pelo decurso do tempo ou inerentes a uma prudente utilização desse mesmo bem (art.º 1044.º do Código Civil). O regime é idêntico ao previsto para o possuidor de boa fé, mas a lei presume aqui a culpa do locatário[25], dado que só não responderá por aquelas deteriorações se provar que provieram de causa que não lhe é imputável, nem a terceiro – v.g., empregado – a quem tenha permitido a utilização do prédio (art.º 1269.º do Código Civil)[26].

                Sendo ainda uma responsabilidade ex-contractu é, evidentemente, necessário, como em qualquer forma outra forma de responsabilidade civil, a existência de um dano – entendido, nos termos gerais, como a supressão de uma situação favorável tutelada pelo direito – dano cuja prova compete, por aplicação dos mesmos termos, ao senhorio (art.ºs 342.º, nºs 1 e 2, e 562.º do Código Civil).

                Como é claro, esta responsabilidade do inquilino pode ser-lhe exigida tanto antes do termo do contrato, logo que senhorio tenha sofrido o dano correspondente, como posteriormente, portanto, depois da restituição do prédio, caso em que se verifica uma ultractividade do vínculo contratual de arrendamento ou uma responsabilidade post facto finitum.

                O Código Civil não dá uma noção de compensação. Mas esta omissão não é relevante: o legislador não é perito em matéria de definições e, em geral, em matéria de dogmática jurídica, sendo irrelevantes os seus pontos de vista em tal domínio.

Mas se aquele Código não dá uma definição de compensação, logo lhe indica os requisitos. Da sua leitura pode adiantar-se esta noção: há compensação quando um devedor que seja credor do seu próprio credor se libera da dívida à custa do seu crédito (art.º 847.º do Código Civil). A compensação consiste, com efeito, num meio de o devedor se livrar da sua obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor.

A compensação não é unitária, antes comporta três modalidades: legal, convencional e judicial. A primeira opera ipso iure, desde que se verifiquem os respectivos requisitos; a segunda exige um contrato entre as partes; a última opera por decisão judicial.

O Código Civil actual reclama, para que a compensação legal opere, além da declaração de uma das partes, os seguintes requisitos (art.ºs 847.º, n.º 1, 848.º, n.º 1), e 851.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil): a existência de dois créditos recíprocos, um activo e outro passivo, de que são titulares o devedor compensante e o credor compensado; a exigibilidade judicial do crédito do autor da compensação ou do crédito activo; a fungibilidade e a homogeneidade das prestações; a não exclusão, por lei, da compensação.

A reciprocidade dos implica que a compensação apenas opere relativamente a débitos e créditos de que sejam titulares os mesmos sujeitos: o devedor compensante só pode usar, para a compensação, créditos seus; correspondentemente, a compensação só pode operar sobre dívidas daquele e não de terceiro, excepto se tiver em risco de ser executado por dívida de terceiro (art.º 851.º, n.º 1, do Código Civil).

A exigibilidade judicial do crédito activo resolve-se nisto, e só nisto: para que a compensação tenha lugar, é necessário que o devedor compensante possa impor ao credor compensado a realização coactiva do seu crédito (art.º 817.º do Código Civil). Reclama-se, portanto, que o crédito activo seja válido e eficaz; que não seja produto duma obrigação natural; que não esteja pendente de prazo ou condição; que não seja detido por nenhuma excepção; que possa ser judicialmente actuado e que se possa extinguir por vontade do credor compensante.

Com a fungibilidade e a homogeneidade quer-se significar que as duas obrigações devem ser fungíveis e da mesma espécie e qualidade (art.ºs 207.º e 447.º, n.º 1, b) do Código Civil). Os créditos pecuniários são, naturalmente, homogéneos, seja qual for a sua origem. Se, porém, o crédito activo – aquele de que é titular o credor compensante - só pude ser determinado em prestação de contas, não há fungibilidade, dada a sua diferença qualitativa. Os créditos, activo e passivo, não deixam de ser homogéneos pelo facto de serem quantitativamente desiguais: quando as dívidas não tenham igual montante, a compensação só opera, evidentemente, nos limites da prestação menor (art.º 847.º, n.º 2 do Código Civil).    

A iliquidez da dívida não constitui obstáculo à compensação (art.º 847.º, n.º 3, do Código Civil).

Note-se, porém, que admissibilidade de compensação no tocante a dívidas ilíquidas não dispensa qualquer dos outros requisitos dela, designadamente o da exigibilidade. Sendo, porém, o crédito ilíquido, não é possível determinar a eventual compensação, nem, correspondentemente, a sua eficácia extintiva. Reclama-se, por isso, na compensação de créditos ilíquidos, ou que ela se torne efectiva apenas com a liquidação, ou que ela opere apenas na parte já determinada das prestações recíprocas, podendo, por isso, o exacto montante compensado ser relegado para liquidação ulterior: a dispensa da liquidez da prestação visa simplesmente acautelar o devedor compensante na insolvência do seu credor e, por isso, a suspensão, parcial ou total, da compensação, até à liquidação dos créditos não prejudica essa tutela, dada a eficácia retroactiva que a lei lhe imprime (art.º 854.º do Código Civil). Nestas condições, a compensação só poderá actuar depois da liquidação, operando então retroactivamente. Contudo, até essa liquidação do crédito do compensante não há fundamento para suspender o crédito do credor compensado: um tal efeito só pode decorrer da excepção do contrato não cumprido – dada a sua natureza de excepção material dilatória - mas não da compensação que tem eficácia extintiva, e, portanto, clara natureza peremptória (art.º 428.º, n.º 1, do Código Civil).

Se no momento em que o credor compensante pretende opor a compensação não consegue fazer a prova da existência do crédito activo, não há naturalmente, compensação. Competindo-lhe o ónus da prova da existência desse crédito, a dúvida sobre a realidade dos factos correspondentes é resolvida contra ele (art.ºs 342.º, n.º 2. do Código Civil, e 414.º do CPC). Como se notou, a compensação opera por simples declaração de uma das partes à outra (artº 848.º, n.º 1, do Código Civil).          

                Na espécie do recurso, a sentença impugnada concluiu pela improcedência da excepção peremptória da compensação oposta pelo recorrente ao crédito do autor, emergente, quer da falta de pagamento da renda, e da respectiva indemnização moratória, quer das deteriorações patenteadas pelas coisas objecto do arrendamento, no momento em que foram lhe foram entregues.

Mas esta decisão, sustenta o apelante, só compreende por força do error in iudicando, por erro na avaliação das provas em que, no julgamento dos pontos de facto identificados com as letras  o) - Se a causa dos problemas elétricos era estrutural ou deficiente potência; p) - se esse problema era conhecido do A que ocultou ao R.; q) - a causa da inundação da casa de banho - julgados não provados, incorreu a Sra. Juíza de Direito: segundo o impugnante, numa sã e prudente apreciação das provas, tais pontos de facto devem julgar-se provados.

A resolução deste problema vincula, em princípio, à ponderação dos poderes de controlo da correcção da decisão de facto de que esta Relação dispõe e, previamente, à análise das condições exigidas para o exercício desses poderes de controlo, com destaque para o cumprimento, pelo recorrente, do ónus da impugnação daquela matéria a que está adstrito. Diz-se, em princípio, dado que, no caso, o exercício daquela competência se deve ter excluído por força do princípio da economia processual que, no plano individual, i.e., no plano de cada acto processual, proíbe a prática de actos inúteis, tanto objectiva, como subjectivamente (art.º 130.º do CPC)

3.5. Inutilidade da reponderação da correcção do julgamento da matéria de facto da 1.ª instância.

O exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção ou do recurso, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.º 130.º do CPC)[27]. É o que sucederá sempre que, mesmo que a impugnação deduzida pelo recorrente se deva ter por procedente, ainda assim a solução jurídica da controvérsia permanece inalterada porque, por exemplo, continuam a não estar adquiridos para o processo factos que, segundo a previsão da norma substantiva aplicável, permitem o proferimento de uma decisão favorável ao impugnante. Nesta hipótese, a actuação dos poderes de correcção da decisão da matéria de facto é subjectivamente inútil, dado que nada acrescenta de relevante ao que já está adquirido para o processo e, portanto, pode, com correcção, ter-se por supérflua.

Como se sublinhou, para que o senhorio se constitua num dever de indemnizar, assente num qualquer vício da coisa, não basta a simples existência do vício, sendo ainda indispensável que esse vício prive ou diminua o gozo da coisa que está obrigado a assegurar ao arrendatário e, além disso, que a frustração desse gozo, consequente ao vício da coisa, cause um qualquer dano. Ora, quer da matéria de facto considerada provada – a que não é assacado qualquer erro de julgamento – quer dos enunciados que se reputam de mal julgados, não resulta que o apelante – ao contrário do alega no recurso - tenha sido, num qualquer momento privado, ainda que só parcialmente, do gozo, quer do prédio, quer das coisas móveis também compreendidas no contrato de arrendamento e, o que é mais, que a frustração desse gozo lhe tenha causado um dano e, muito menos, um dano quantificado. Realmente, tanto dos enunciados provados como daqueles que o apelante acha que o devem também ser, não resulta que o apelante tenha em algum momento sido impedido de utilizar as coisas arrendadas para o fim convencionalmente fixado: a exploração do estabelecimento que instalou no prédio – e que esse impedimento ou obstáculo lhe tenha causado um dano, v.g., a diminuição da clientela, o aumento das despesas de exercício e, consequentemente, dos lucros da exploração da empresa que sedeou no imóvel objecto mediato do contrato de arrendamento.

Aliás, é patente que o apelado não ocultou ao apelante o mau estado do prédio, v.g. da instalação eléctrica, dado que, como decorre da factualidade considerada provada, sem erro, à data da celebração do contrato de arrendamento o estabelecimento não tinha a instalação eléctrica a funcionar, vício, que sendo patente ou notório, era fácil perfeitamente apreensível ou cognoscível, pelo apelante, pelo que a alegação de um qualquer dolo do apelado quanto a esse vício não se compreende de todo. Quanto ao enunciado a causa da inundação da casa de banho, o que se salienta é o absurdo da sua formulação, que o torna imprestável para a operação de subsunção à previsão de qualquer norma jurídica: esse enunciado só seria relevante se contivesse a indicação etiologia da inundação, o concreto facto que a determinou. O tema da prova e o objecto da prova é uma afirmação de facto controvertida, ou seja, uma afirmação que admita a desmonstração tanto da sua verdade – como da sua não verdade. Aquele enunciado tal como está formulado é, de todo, inidóneo, para constituir objecto da prova, dado que a afirmação da causa – abstracta – da inundação da casa de banho, não pode, de modo não concretizado, ser verdadeira ou não verdadeira.

                A aferição da correcção do julgamento da matéria de facto, no segmento em que é impugnado pelo recorrente não é, pois, útil. Essa inutilidade prejudica também, evidentemente, a análise do problema do cumprimento pelo recorrente do ónus de impugnação daquela matéria e a que a lei do processo é terminante em vinculá-lo (art.º 608.º, n.º 2, do CPC).

                3.6. Concretização.

De harmonia com os factos adquiridos, definitiva e incontroversamente, para o processo, entre o apelante e o autor, falecido na pendência da causa, actuando como cabeça-de-casal de uma herança indivisa, foi concluído um contrato de arrendamento para indústria dado que o fim que, convencionalmente, lhe foi assinalado foi a actividade de restauração. Trata-se, além disso, de um contrato misto de arrendamento e aluguer que deve ser considerado ou a que é aplicável, de harmonia com o critério da absorção, dada a evidente predominância do primeiro tipo contratual, o regime do contrato de arrendamento.

Está, também, assente que o recorrente não cumpriu, de modo que se presume imputável a uma culpa sua, a fundamental obrigação que para ele emerge desse contrato: a de, pontualmente, pagar a renda convencionada, sendo, por isso, indubitável que se constitui devedor das quantias pecuniárias relativas às rendas não pagas e, bem assim, da indemnização moratória correspondente, computada em 50% ou 20%, consoante a data, de harmonia com sucessão de leis no tempo, reguladora do valor dessa indemnização, em que ocorreu a falta de pagamento daquelas mesmas rendas (art.ºs 799.º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Do mesmo modo, é também indiscutível que o apelante se constituiu no dever de indemnizar o senhorio das deteriorações patenteadas pelas coisas objecto do contrato de arrendamento, no momento em que, na sequência da extinção do contrato, as entregou àquele.

Alega, porém, o recorrente que é manifesto que a cláusula 6.ª do contrato deve ser considerada nula, por flagrante abuso do direito, por ferir claramente a boa fé contratual, porque quis o Autor, avantajar o seu património à custa do 1.º Réu. E isso seria assim, no ver do apelante, porque o Autor conhecia, quer os efeitos estruturais, quer os de construção do seu próprio edifício, e quer da falta de obras imprescindíveis e dos defeitos no sistema eléctrico e de canalização á data da entrega do imóvel para arrendar.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que o problema da validade ou invalidade desta cláusula é inteiramente asséptico para a questão da procedência da excepção peremptória da compensação, dado que – como linearmente decorre da alegação do apelante – o crédito que se arroga relativamente ao senhorio não decorre daquela invalidade, mas da privação do gozo do prédio, em consequência de vícios dessa coisa imóvel, imputáveis, no seu ver, ao locador. É o que irrecusavelmente decorre destes passos da alegação do recorrente: 4- O pedido de compensação do 1º Réu, pelo Autor, por excepção por compensação, diz respeito aos prejuízos: pela falta de requisitos no locado e anomalias, impedido o seu uso normal e assim poder laborar, prejuízos que se traduz, num valor, que o 1º Réu indica como estimativo, de um ano de rendas do locado, designadamente: 800x12- 9.600,00 euros; 15- Nada tem a ver com as obras que este fez no imóvel arrendado e com o aceitar que a renda fosse inferior no primeiro ano do contrato, como decidiu o Tribunal “a quo”; 17- O pedido do 1º Réu, traduz-se no pedido de compensação, decorrente da execução do contrato de arrendamento, do surgimento das anomalias e da falta dos requisitos mínimos que surgiram e que impediram o uso, gozo, a que a finalidade do arrendamento urbano para comércio se destinada.

Ora, a verdade é, irrecusavelmente, que os factos adquiridos, incontroversa e definitivamente para o processo não mostram que o apelante, ao contrário do que alega, alguma vez tenha sido privado, no todo em parte, por mais ou menos tempo, do gozo do prédio e, muito menos, que tenha sofrido um qualquer dano. E sem a prova desse dano, é seguro que não se constitui, na sua esfera jurídica, o direito de crédito de indemnização que pretende ver compensado com o crédito indiscutivelmente titulado pelo senhorio. E como se salientou, sem a prova do contracrédito activo não há lugar, evidentemente, a actuação da compensação. Mas ainda que ex-adverso se devesse concluir pela existência do crédito activo, seria seguro o carácter ilíquido e, como se notou, se a iliquidez do crédito não constitui obstáculo à sua compensabilidade, a compensação só poderia actuar despois da sua liquidação, mas até lá não haveria fundamento para suspender o crédito compensado – efeito que só pode decorrer da exceptio inadimpleti contractus – pelo que sempre se imporia a condenação do apelante na realização da prestação correspondente ao crédito compensado.

Por último – mas não de somenos – ainda que estivesse demonstrado que o recorrente foi privado do gozo do prédio arrendado, por um qualquer vício dele, sempre seria de recusar o direito a qualquer indemnização, dado que o senhorio só constitui nesse dever reparar no caso de violação da sua obrigação positiva de assegurar o gozo da coisa arrendada para os fins a que ela contratualmente se destina se for ele o vinculado a prestações de facere , representadas pela realização de obras no prédio arrendado, se for ele o obrigado a executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, exigidas pela lei ou pelo fim do contrato. Mas, patentemente, não é esse o caso do recurso, dado que quem se vinculou a realizar as obras de conservação do prédio reclamadas pelo fim do contrato – maxime das instalações de electricidade e água – foi o apelante e foi, aliás, este que as levou a cabo, pelo que alegar que foi privado do gozo do prédio por falta de requisitos do locado e anomalias, constitui um verdadeiro venire contra factum proprium, e portanto, uma conduta abusiva, por clara contravenção ao princípio da boa fé – entendida aqui em sentido objectivo ou ético, i.e., enquanto conjunto de regras de conduta socialmente correcta - a que se deveria associar esta consequência jurídica: a paralisação do exercício daquele direito (art.º 334.º do Código Civil).

                A cláusula 6.ª do contrato de arrendamento é complexa, dado que contém disposições contratuais que vão desde o direito do apelante de fazer no prédio as obras necessárias para a sua instalação, ao dever de fazer um uso prudente do arrendado e de suportar as despesas de manutenção do bom estado das redes de distribuição de água e de electricidade e do bom estado das parede, soalhos, vidros e equipamentos e de substituir estes no caso de avaria, ao direito do senhorio de fazer suas as obras realizadas pelo arrendatário, com exclusão do direito de indemnização e de retenção do último. Patentemente, é esta última convenção que o apelante reputa de abusiva e, consequentemente de nula, considerado o fundamento de que extrai o abuso e a invalidade correspondente.

                Quanto à exclusão do direito de retenção do prédio, a apreciação da validade da convenção não tem qualquer utilidade ou justificação, dado que aquele direito pressupõe a posse ou detenção, pelo credor, da coisa, com a obrigação de a entregar e, no caso, o prédio e os bens móveis arrendados já foram – voluntariamente – restituídas ao senhorio (art.º 754.º do Código Civil).

                É certo que o senhorio conhecia, necessariamente, à data da celebração do contrato a degradação, quer do prédio, quer dos equipamentos – mas o mesmo sucede, patentemente, com o apelante. E é essa consciência, reciproca, daquela deterioração e da consequente e irrecusável necessidade de obras e de reparações para tornar o prédio apto para nele ser prosseguida a finalidade acordada no contrato – o exercício da actividade industrial de restauração -  que constitui a causa próxima do reconhecimento ao arrendatário de proceder às obras indispensáveis para a instalação do seu estabelecimento e, sobretudo, da fixação, durante o ano de 2016, de uma renda anual de valor inferior à devida nos anos subsequentes. E é neste contexto que surge a – muito comum - convenção, tal como as demais, produto acabado de uma negociação prévia, segundo a qual o senhorio faria suas as obras realizadas pelo apelante, sem direito a qualquer indemnização.

                Em face da matéria de facto assente, não há mínima razão por ter esta convenção por nula, designadamente, por contrastar com a boa fé objectiva ou ética ou por se resolver num abuso. O contrato – qualquer contrato – tem a virtude de, pelo acordo, de conciliar, sob múltiplas formas, interesses que, podendo ser convergentes e até coincidentes, são a maioria das vezes contrapostos. Não se pode, portanto, esperar que todo o jogo contratual seja aberto e ainda menos que seja solidário ou altruísta. Mas há uma fronteira imposta pela boa fé, seja nas negociações, na conclusão do contrato ou na sua execução, pelo que não há lugar para omissões dolosas do dever de informar ou para deslealdades, devendo os contraentes agir em consonância com as normas e os usos honestos (art.ºs 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil). Simplesmente, a conclusão pela invalidade de uma cláusula contratual por contravenção à boa fé objectiva ou por assumir uma feição abusiva, reclama a prova dos factos quê consubstanciam aquela contrariedade e este abuso e a matéria de facto assente não documenta nem uma coisa nem outra, sendo certo, por um lado, que o apelante tinha inteira consciência do estado do prédio e das obras necessárias e indispensáveis para assegurar a prossecução, nele, da actividade industrial eleita convencionalmente, como finalidade do contrato e, por outro que se desconhece o valor das obras que executou o que impede mesmo qualquer balanceamento sobre o equilíbrio das prestações assumidas por cada um dos contraentes, operação indispensável para se concluir por um desequilíbrio insuportável a que se devesse atalhar com o abuso do direito, em especial, com o princípio da boa fé ou com o princípio do equilíbrio contratual.

                Decerto que o contrato de arrendamento é um contrato patrimonial, oneroso e comutativo que institui uma relação duradoura ou continuada. Mas os factos disponíveis são, comprovadamente, insuficientes, para concluir, no caso, por qualquer desequilíbrio prestacional, seja ele genético ou funcional, tanto quantitativo – por assimetria significativa das prestações do apelante e do senhorio – como qualitativo, i.e., sem fundamento material bastante, á luz do contrato e do Direito, legitimador da declaração de invalidade da apontada convenção contratual, o que impede, decisivamente, o recurso, para se obter esse efeito jurídico negativo, ao argumento ou princípio do equilíbrio contratual.

                De resto, o apelante não extrai da invalidade da cláusula outra consequência jurídica que não seja a declaração dessa invalidade, sendo exacto que este desvalor é desinteressante para a questão da procedência da excepção peremptória da compensação que se funda, por decisão ou escolha do apelante, noutra ordem de fundamentos, pelo que aquela declaração em nada tolhe a sua condenação na realização das prestações de pagamento da renda e da indemnização da mora e de indemnização das deteriorações que causou no prédio e nos móveis, objecto mediato do contrato de arrendamento.

                A declaração de nulidade, por força do seu carácter retroactivo, dá lugar a uma relação de liquidação: tudo o que tiver sido prestado em execução do negócio declarado nulo deve ser restituído, ou, se a restituição em espécie não for possível, o respectivo valor. Essa relação de liquidação pode, afinal, resolver-se numa relação de compensação, como, sucederá, por exemplo, caracteristicamente no caso de nulidade de um contrato de arrendamento: devendo o arrendatário restituir o valor relativo ao gozo da coisa, o que, evidentemente, não é possível, e o senhorio o das rendas – que equivale àquele gozo – ambas as prestações restituitórias devem extinguir-se por compensação, o que., em última extremidade, acaba por excluir a eficácia retroactiva da declaração de nulidade (art.º 289.º, nºs 1 e 2, e 847.º do Código Civil). Esta obrigação de restituição prevalece sobre a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, por força do carácter subsidiário desta última, excepto se, segundo a doutrina que se julga preferível, aquela obrigação não assegurar a devolução de todas as prestações realizadas à sombra do contrato nulo.

No caso, a declaração de nulidade da apontada convenção, teria único por efeito reconhecer ao apelante o direito de ser indemnizado pelas benfeitorias que fez no prédio. Mas uma tal indemnização – que no caso nem sequer foi pedida – exige, como se notou, a destrinça do tipo de benfeitorias realizadas e se elas são ou removíveis, pormenorizando a obra que levou a cabo, especificando, designadamente, a sua utilidade e finalidade imediatas e o seu valor, circunstâncias que a matéria de facto adquirida para o processo não objectiva com o grau de precisão ou concretização exigível.

Em absoluto remate: o recurso não dispõe de fundamento. Cumpre, consequentemente, desampará-lo.

Do percurso argumentativo percorrido extraem-se, com proposições conclusivas conspícuas, as seguintes:

(…).

O apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-o objectivamente responsável pelas respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos:

1. Não se toma conhecimento do recurso no tocante à questão da responsabilidade da demandada, não recorrente, DD, como fiadora, pelo pagamento das rendas vencidas e da indemnização moratória correspondente, devida pelo apelante, AA;

                2. Nega-se, no mais, provimento ao recurso.

                Custas pelo apelante.

                                                                                                                                              2024.03.19

                 

 


[1] Realmente, tendo a nulidade da sentença sido invocada no recurso que dela foi interposto, compete ao seu autor apreciá-la no despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade desse mesmo recurso; como, com melhor detalhe, adiante se justificará dada a manifesta improcedência da arguição, não se considera, porém, indispensável a devolução do processo ao tribunal a quo para proceder àquela apreciação (art.º 617.º, n.ºs 1 e 5, do CPC).
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1984, págs. 293 a 301.
[3] Manuel Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Coimbra, 2000, págs. 46 e 47.
[4] Cfr., sobre o problema de saber se a fiança pode ser prestada por negócio unilateral ou se o deve ser por contrato, cfr., Manuel Januário da Costa Gomes, A Estrutura Negocial da Fiança e Jurisprudência Recente, Estudos de Direito das Garantias, vol. I, Almedina, Coimbra, 2004 págs. 48 a 107, M. Henrique Mesquita, Parecer, CJ, XI, IV, pág. 25 e Vaz Serra, Fiança e Figuras Análogas, BMJ n.º 71 (Separata), Lisboa, 1957, págs. 11 e ss.
[5] A exigência de forma vale, no entanto, apenas para a declaração de vontade do fiador; a do credor não reclama qualquer forma especial. Cfr., os Acs. da RC de 28.02.89 e de 05.07.89 e da RL de 01.10.92, CJ, XIV, II, pág. 45 e IV, pág. 50 e XVII, II, pág. 163, respectivamente.
[6] Sobre a determinabilidade do objecto na fiança omnibus, cfr., o Ac. de Uniformização de Jurisprudência do STJ nº 4/01, DR, I Série, A, nº 57 de 08.03.01 e Manual Januário da Costa Gomes, O Mandamento da Determinabilidade na Fiança Omnibus e O AUJ nº 4/2001, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 49 e ss., Evaristo Mendes, Fiança Geral, RDES XXXVII (1995), pág. 137, e António Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana - Fiança de Conteúdo Indeterminável, CJ, XVII, III, pág. 61.
[7] Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 467. Assim, o fiador responde, por exemplo, pela indemnização devida ao senhorio pelo atraso na entrega do prédio arrendado: Ac. da RL de 13.12.2022 (4433/17).
[8] Acs. da RP de 08.05.2023 (1242/22) e da RL de 04.07.2023 (1202/22); diferentemente Edgar Valente, Arrendamento Urbano, Comentário às alterações legislativas ao regime vigente, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 19.
[9] Isabel Afonso, Sobre as mais recentes alterações legislativas do regime do arrendamento urbano, in Estudos de Arrendamento Urbano, Vol. I, UCP, Porto, 2020, págs. 21 e ss.
[10] Maria Olinda Garcia, Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019, in Julgar, online, Março de 2019, pág. 8, Jéssica Rodrigues Ferreira, Análise das principais alterações introduzidas pela Lei.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, aos regimes de denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, in Revista Electrónica de Direito, Fevereiro de 2020, n.º 1, Vol. 21, disponível em https://cije.up.pt//client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584, e Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues, Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, in Revista de Direito Civil, Lisboa, Ano 4, n.º 2, 2019, pág. 298.
[11] Ac. do STJ de 30.11.2021 (2399/14).
[12] Pereira Coelho, Arrendamento, 1988, pág. 41, Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, cit., pág. 23, Gravato de Morais, Alienação e Oneração de Estabelecimento, cit., pág. 28 e João Espírito Santo, Especificidades dos arrendamentos para comércio ou indústria, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. III, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 437 e 438.
[13] Calvão da Silva,  Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 331.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, revista e aumentada, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 597.
[15] Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 642.
[16] Pereira Coelho, Direito Civil, Arrendamento, Coimbra, 1980, pág. 150.
[17] Antunes Varela, RLJ, Ano 100, pág. 317.
[18] Acs. do STJ de 03.04.1984, BMJ n.º 336, pág. 420, e de 28.05.2006, BMJ n.º 357, pág. 440.
[19] Ac. da RP de 23.07.1987, CJ, 87, IV, pág. 219.
[20] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito Reais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 501 e Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 224 e Ac. do STJ de 07.04.82, BMJ nº 320, pág. 407.
[21] Ac. da RL de 18.01.2007 (8710/2006).
[22] Assim, no tocante às cláusulas da ordem pública e dos bons costumes, Pedro Pais de Vasconcelos, Ordem Pública, Bons Costumes e Validade, in, A Revista, STJ, n.º 2, 2022, págs. 15 e ss.
[23] Rui Pinto Duarte, “O equilíbrio contratual como princípio jurídico”, in Estudos em memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra, 2014, págs. 1331 e ss., Marta Martins da Costa, “Sobre o princípio contratual do equilíbrio negocial no Direito Português, in Cadernos de Direito Privado, Abril-Junho 2023, págs. 32 e ss., Ana Filipa Morais Antunes, “A força maior e o (des)equilíbrio contratual”, in Catolica Talks, Direito e Pandemia, coord. Elsa Vaz Sequeira, UCE, Lisboa, 2022, págs. 9 e ss.
[24] Elsa Vaz Sequeira, Equilíbrio Negocial, UCE, Lisboa, 2024, págs. 93 e ss.
[25] António Menezes Cordeiro, Leis do Arrendamento Urbano Anotado, Coordenação, Almedina, 2014, pág. 80.
[26]  Segundo alguma doutrina – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição revista e aumentada, Coimbra, 1997 – a expressão imputável ao arrendatário utilizada no preceito, significa apenas devida a facto do locatário ou de terceiro, pois, não é necessário que haja culpa do locatário na perda ou deterioração da coisa. Não parece, todavia, que assim deva ser, dado que a imputabilidade do facto é no Código Civil, em geral, imputabilidade a título de culpa, como seria injusto o agravamento excepcional da responsabilidade do locatário a que uma tal interpretação conduziria. Parece, assim, que o inquilino não é responsável se as deteriorações provierem de facto seu – mas de facto não culposo.
[27] Acs. do STJ 09.02.2021 (26069/18.3T8PRT.P1.S1), 30.09.2020 (4420/18.6T8GMR.G2.S1) e 14.03.2019 (8765/16.1T8LSB.L1.S2).