Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/05.0TBMGL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RECLAMAÇÃO DA DECISÃO QUE NÃO ADMITIU RECURSO DE REVISÃO
AUTOLIQUIDAÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1.º; 2.º; 13.º, 1 E 14.º, 1, DO REG. DAS CUSTAS PROCESSUAIS
ARTIGO 25.º, DA PORTARIA 419-A/2009
ARTIGOS 139.º; 144.º, 7; 552.º, 7 E 8; 558.º, 1, F); 570.º, 1 E 642.º, DO CPC
Sumário: A taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação dirigida à decisão que não admitiu o recurso de revisão é autoliquidada, não dependendo de qualquer liquidação prévia e comunicação do tribunal à parte devedora para que proceda ao respetivo pagamento.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto……… João Manuel Moreira do Carmo

2.º Juiz adjunto………. José da Fonte Ramos


(…)

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Recorrente …………………..AA

Recorrido…………………… BB e Outros.


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I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto do despacho que determinou o desentranhamento da reclamação apresentada pela recorrente, com fundamento na falta de pagamento da taxa de justiça, reclamação esta respeitante ao despacho de indeferimento do recurso de revisão por si interposto.

O teor do despacho é o seguinte:

«(…) Estabelece o artigo 642.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que “Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.” E em idêntico sentido determina o artigo 145.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que estabelece que “Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício de apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º”.

Prevendo o n.º 2 daquela primeira norma legal que “Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no artigo anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.”

Ora, tendo a recorrente sido notificada nos termos do disposto nos artigos 145.º, n.º 3, e 642.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, e não tendo, como se referiu anteriormente, procedido ao pagamento da taxa de justiça devida nem da multa correspondente, forçosa é a conclusão de que terão que operar as consequências estabelecidas no n.º 2 deste último preceito legal e para as quais a reclamante foi devidamente alertada.

Face ao exposto, determino o desentranhamento da reclamação contra o despacho de indeferimento do recurso de revisão interposto apresentado por AA, deixando-se cópia no seu lugar.

Mais, julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente do seu prosseguimento, considerando que ficam os autos sem objecto, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil.

Custas do incidente pela recorrente, que fixo em 1 UC, nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a este anexa.»

b) As conclusões do recurso são as seguintes:

«1º - A Recorrente apresentou junto do Tribunal a quo pedido de aceitação de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso, alegando omissão do valor correspondente à taxa de justiça na guia de liquidação citius nº 88208548;

2º - Compulsados os autos, verifica-se, efectivamente, que na guia emitida pela secretaria nenhum valor referente à taxa de justiça cujo pagamento não se verificou, ali se encontrava aposto;

3º - Compulsados os autos, verifica-se que a guia de liquidação apenas fez menção ao valor de 500,00€, a título de multa;

4º - A Recorrente efectuou o pagamento da multa no valor de 500,00€. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 642º do Código de Processo Civil sob a epígrafe de “omissão do pagamento das taxas de justiça”, “Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.”

5º - Perante a falta de comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida para o ato, a secretaria deveria notificar a Recorrente do montante a pagar a título de taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante.

6º - A secretaria apenas notificou a Recorrente para pagamento da multa.

7º - O que, consubstancia um lapso por parte da secretaria.

8º - A consequência daqui adveniente é a de se reconhecer que a Recorrente tinha e tem direito à retificação daquele lapso.

9º - Sob pena, de não o fazendo, a Recorrente ver o direito à apreciação do recurso por si apresentado, vedado, por força do desentranhamento da reclamação por si apresentada, como decidido no despacho recorrido.

10º - Em caso de falta de montante do pagamento da taxa de justiça inicial, por falta de menção daquele na guia de liquidação, não devia o Tribunal a quo o juiz decidir pelo desentranhamento da reclamação apresentada, devendo dar-se oportunidade à aqui Recorrente para efectuar o pagamento em falta.

Nos termos do art. 646º do CPC, deve o presente recurso ser instruído com certidão do requerimento apresentado pela recorrente com a ref. Citius nº 5152148 e da guia de liquidação com a referência citius nº 88208548.

Termos em que:

Deve o douto despacho do Tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que ordene o pagamento da taxa de justiça em falta e revogando-se a decisão de desentranhamento da reclamação apresentada pela Recorrente. Como é de justiça!»

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

As questões colocadas pelo recurso são estas:

1 – Saber se, perante a falta de comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo ato, a secretaria devia ter notificado a Recorrente indicando-lhe quer o montante da multa, quer o da taxa de justiça.

E se, tendo a secretaria emitido uma guia apenas com o valor da multa, tal ato padece de erro, porquanto a guia deveria mencionar também o valor da taxa de justiça.

 2 – Sendo a questão anterior respondida afirmativamente, saber se se deve admitir a reclamante a pagar a taxa de justiça em falta, prosseguindo o processo.

III. Fundamentação

a) 1. Matéria processual a considerar

1 – A recorrente AA apresentou nos autos de inventário uma petição de recurso extraordinário de revisão, a qual foi indeferida liminarmente por despacho de 24-11-2020.

2 – Por requerimento de fls. 5 a 13, datado de 14.12.2020, a recorrente apresentou reclamação contra o despacho de indeferimento do recurso extraordinário de revisão por si interposto (constitui o apenso C dos autos).

2 – A requerente pediu apoio judiciário, mas foi-lhe indeferido.

3 – Em 26-04-2021 foi proferido o seguinte despacho:

«(…) b) nos presentes autos notifique a interessada/recorrente AA para que, no prazo de 10 dias, proceda ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida de multa no valor de 5 Ucs, pela interposição do recurso, com a cominação de que caso não proceda a tal pagamento serão desentranhados o requerimento e a alegação de recurso por ela apresentados - arts.145.º, n.º3 e 642.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo.»

4 – De seguida, a secretaria remeteu à recorrente cópia deste despacho e uma guia para pagamento da qual constava no campo relativo à «Descrição»: «Multas e outras penalidades», «Multa - art. 642º CPC», «€ 510,00».

5 – A recorrente pagou esta multa no dia 20-05-2021.

6 – A Recorrente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela reclamação por si apresentada relativa ao despacho de indeferimento do recurso de revisão.

7 –  Em 19-01-2022 foi proferida a decisão sob recurso que ficou acima parcialmente transcrita.

b) Apreciação das questões objeto do recurso

1 – Vejamos se, perante a falta de comprovativo do pagamento da taxa de justiça, devida pela apresentação da reclamação contra o indeferimento do recurso de revisão, a secretaria devia ter notificado a Recorrente indicando-lhe quer o montante da multa, quer o da taxa de justiça e se, tendo a secretaria emitido uma guia apenas com o valor da multa, tal ato padece de erro, porquanto a guia deveria mencionar também o valor da taxa de justiça.

A resposta é negativa, isto é, a secretaria só tinha de notificar a recorrente do montante da multa e emitir guia com este montante, pelas seguintes razões:

(a) Nos termos do artigo 1.º do Regulamento de Custas Processuais, «1. Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento» e «2 - Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»

O n.º 1 do artigo 14.º deste regulamento diz que «O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito (…).

Por conseguinte, quando se inicia o processado, como no caso da reclamação, a taxa de justiça tem de estar paga, juntando-se o comprovativo do pagamento.

Por sua vez, o artigo 13.º. n.º 1, do Regulamento das Custas Judicias dispõe que «A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil…»

Por sua vez, o Código de Processo Civil dispõe no artigo 552.º, nos seus n.º 7 e 8, que «7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.

8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.»

E na al. f), do n.º 1, do artigo 558.º do mesmo código determina-se que «São fundamentos de rejeição da petição inicial os seguintes factos: (…); f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, exceto no caso previsto no n.º 9 do artigo 552.º»

Ou seja, retira-se destas normas o seguinte procedimento: quando a parte instaura a ação deve fazer acompanhar a respetiva petição de documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou, nos casos de urgência, por se encontrar iminente a prescrição, comprovativo do pedido de apoio judiciário.

O mesmo ocorre com a apresentação da contestação, como se vê pelo disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código de Processo Civil, onde se diz que «É aplicável à contestação, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.º 7 e 8 do artigo 552.º, podendo o réu, se estiver a aguardar decisão sobre a concessão do benefício de apoio judiciário, comprovar apenas a apresentação do respetivo requerimento.

E o mesmo ocorre com a omissão do pagamento das taxas de justiça relativa ao requerimento de interposição do recurso, como resulta do disposto no artigo 642.º do Código de Processo Civil:

«1. Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

2 - Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.

3 - A parte que aguarde decisão sobre a concessão do apoio judiciário deve, em alternativa, comprovar a apresentação do respetivo requerimento.»

 Retira-se destas normas, como já se deixou acima dito, que o pagamento da taxa de justiça é um ato que a parte pratica sem que exista qualquer intervenção do tribunal, seja notificando a parte para a informar do respetivo quantitativo, quer emitindo a respetiva guia para pagamento.

Compreende-se que assim seja porque a taxa de justiça devida pela prática dos atos tem um quantitativo fixado por lei (ainda que seja variável), isto é, encontra-se publicado o respetivo montante e o modo como se paga, através do documento único de cobrança.

Quando a taxa de justiça tem um quantitativo variável, o artigo 6.º, n.º 6, do Regulamento de Custas Processuais determina que «Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.»

(b) O que fica referido em relação à taxa de justiça não se aplica, em regra, às multas processuais, muito embora existam casos em que é a própria parte que autoliquida e paga a multa, como se vê pelo disposto no artigo 25.º (Pagamento de multas e penalidades) da Portaria n.º 419-A/2009, onde se diz:

«1. Nos casos legalmente previstos de pagamento imediato de multa consentâneo com a prática de acto processual, o pagamento deve ser autoliquidado juntamente com a taxa de justiça devida, utilizando para cada um dos pagamentos o correspondente DUC.

2 - Incumbe ao apresentante, quando representado por mandatário, o pagamento por autoliquidação, de modo autónomo, das multas previstas nos artigos 139.º do Código de Processo Civil e 107.º-A do Código de Processo Penal.

3 - Nos restantes casos de aplicação de multas e penalidades, são emitidas guias pelo tribunal e remetidas à parte ou partes responsáveis.»

Por conseguinte, exceto nos casos aqui previstos, relativos aos artigos 139.º do Código de Processo Civil e 107.º-A do Código de Processo Pena, as multas são pagas após previa emissão de guias pelo tribunal.

O que se compreende, porquanto as multas, em regra, dependem de decisão do tribunal, quer quanto à sua fixação (existência), quer quanto ao seu montante.

(c) Face ao exposto, conclui-se que as taxas de justiça devidas como contrapartida dos atos processuais praticados pelas partes, como as petições, contestações, recursos ou reclamações, são autoliquidadas. Como o seu montante está fixado na lei (nos anexos ao Regulamento das Custas Processuais), não dependem, por não ser necessário, de qualquer liquidação prévia e comunicação do tribunal à parte devedora para que proceda ao respetivo pagamento.

Quanto às multas, a regra é serem fixadas e liquidadas pelo tribunal e, por ser assim, são pagas após a emissão de guias pelo tribunal e respetivo envio à parte para esta proceder ao respetivo pagamento (n.º 3, do artigo 25.º da Portaria n.º 419-A/2009, acima transcrito).

(d) Resulta do exposto que tendo a secretaria notificado a recorrente para pagar a taxa de justiça devida e emitido e remetido à reclamante guia com o montante da multa, mas não com o montante da taxa de justiça, a secretaria procedeu corretamente.

2 – Face à conclusão a que se chegou, e passando agora para a segunda questão, isto é, saber se se deve admitir a reclamante a pagar a taxa de justiça em falta, prosseguindo o processo, a resposta é negativa.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente.


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Coimbra, …