Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1324/09.7TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA
EFEITOS
CLÁUSULA
Data do Acordão: 02/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 227.º/1, 432.º, 433.º E 762.º/1 DO CC
Sumário: 1. Além da resolução fundada na lei, o art. 432.º/1 do C.Civil admite a resolução fundada em convenção, a que se dá o nome de cláusula contratual resolutiva expressa.

2. Na cláusula resolutiva expressa têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo não cumprimento dará direito à resolução.

3. As partes podem estabelecer no contrato cláusula que, enquanto disposição especial permitida pelo art.433.º do C. Civil, fixe os efeitos da resolução (p. ex. fixação antecipada do montante indemnizatório em caso de cumprimento), devendo respeitar o princípio da boa fé.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A..., S.A.”, com sede na ..., Matosinhos, intentou a presente acção declarativa, com processo sumário, contra B..., viúvo, comerciante, residente na Rua ..., Vieira de Leiria, pedindo que este “(…) seja condenado a pagar-lhe a quantia global de € 17.624,84 – sendo € 3.666,67, pela indemnização prevista no nº 3 da cláusula 9ª; € 8.538,75, pela devolução da contrapartida concedida, deduzida da parte proporcional correspondente à quantidade de café adquirida pelo R. (537 kg); € 5.419,42, referente aos juros vencidos sobre € 8.538,75, contados à taxa de 13%de 13.09.2004 até 31.07.2009 – acrescida de juros à taxa de 13%, sobre a quantia de € 8.538,75, computados desde 31/07/2009, e de juros à taxa para as dívidas comerciais, que actualmente é de 8 %, sobre a quantia de € 3.666,67, computados desde a citação da R., ambos até à data do efectivo e integral pagamento.”

Alegou, em síntese, que, em 06 de Agosto de 2004, celebraram um contrato denominado de compra exclusiva, nos termos do qual o Réu – enquanto dono do “Restaurante C... ”, sito na Praia da ... – se comprometeu, durante um período até 5 anos, a comprar-lhe e a consumir no seu estabelecimento (em exclusivo, não vendendo café doutras marcas) 40 kg por mês e um total de pelo menos 2.400 kg de café torrado da marca “X...” e lote “Selection”, tendo recebido da Autora, como contrapartida, a quantia de € 13.090,00 (sendo € 2.090,00 de IVA), sucedendo, porém, que a Ré apenas consumiu 537 kg daquele café até ao início de Julho de 2009; razão pela qual a Autora – concedendo-lhe o contrato a faculdade de o resolver caso o Réu não atingisse o volume mensal de 40 kg durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados – resolveu o contrato por carta que lhe enviou em 07/07/2009; vindo pois aqui solicitar as indemnizações previstas no contrato para o incumprimento contratual por parte do Réu.

O Réu contestou, alegando que não acordaram ou negociaram o que consta do contrato; que comunicou à A. que não tinha hipótese de atingir o volume de vendas mensal previsto na cláusula 3ª; que a A. não lhe deu qualquer hipótese de negociar a referida cláusula, referindo-lhe, contudo, que não se deveria preocupar com a mesma, já que passados 5 anos poderia assinar outro contrato; que, ao fazerem constar na cláusula 7ª do contrato a obrigatoriedade de promoção pelo R., pretenderam ambas as partes, tão só, que o R. ficasse com a obrigação de publicitar os produtos de café da primeira, o que o R. cumpriu escrupulosamente, ostentando, durante mais de 5 anos, em vários locais do seu estabelecimento, os produtos comercializados pela A., publicidade que justifica a quantia por si recebida, já que o seu estabelecimento está situado na parte mais central da Praia da .... Concluiu pois pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu, dizendo que todo o conteúdo contratual foi bem combinado e explicado, tendo sido acordados todos os seus elementos essenciais através de negociação individual, nomeadamente, o âmbito de exclusividade, os montantes e modalidades das contrapartidas, a duração e volume das vendas, mensal e total. Manteve assim a totalidade do alegado na PI e concluiu do mesmo modo.

Foi proferido despacho saneador – que declarou a instância totalmente regular, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que a Exma. Juíza proferiu sentença em que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou o Réu no pedido formulado pela Autora.

Inconformada com tal decisão, interpôs o R. recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que julgue a acção totalmente improcedente e que o absolva do pedido.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Foi o R. condenado no pedido formulado pela A, no total de 17.624,84 € sobre as verbas detalhadas no artigo 17º da pi. e que em síntese se cingem a uma compensação indemnizatória por incumprimento contratual e devolução de uma contrapartida paga na assinatura do contrato causal, ao que acrescem juros.

2. A decisão ora em apreço não pode manter-se porque violou as mais elementares regras de interpretação dos contratos, julgou a matéria de facto relativamente ao conteúdo do contrato contra o texto expresso no mesmo e acabou por permitir a utilização abusiva dos meios processuais através de um esquema negocial orquestrado e redigido pela A. com sofisma e o objectivo de conseguir uma vantagem patrimonial injustificada.

3. Funda-se a parte indemnizatória do pedido a quantia de 3.666,67 €, na cláusula 3ª do contrato, e aqui está a primeira razão deste impugnação na medida em que foi entendido que nos termos dessa cláusula o R. ficou obrigado a consumir 40 Kg de café por mês quando a cláusula diz textualmente que o revendedor se obriga a comprar café ao fornecedor mas que visa com essas compras atingir 40 Kg por mês.

4. Em defesa da sua leitura do contrato o R. acrescenta que a expressão "obriga-se" consta das cláusulas 3ª, 4º e 6ª mas não na parte que se refere aquele consumo onde conta "visa atingir".

5. Ora, se a R. não se obrigou a gastar aquele volume mas antes quiseram as partes estabelecer um objectivo óptimo, pelo menos o R. - e esta é a leitura possível para um declaratário normal colocado na situação dele - não pode falar-se em incumprimento contratual e muito menos culposo, donde se justifica já uma revisão da decisão.

6. Mas, ainda que pudesse falar-se que tenha sido estabelecida validamente aquela obrigação, sempre se verifica também que o contrato de compre e venda em regime de exclusividade agora em análise foi proposto pela A. ao R e assinado depois de ela ter feito um estudo de mercado para ajuizar das previsões de vendas; e, ou ela fez mal essas contas ou usou de ostensiva má fé ao colocar aquele volume de vendas no contrato o que tudo conduz sensivelmente à mesma conclusão: "sibi imputat".

7. Foi até referido pelas testemunhas arroladas pelo R., com grande relevo, que a A solicitou e conferiu a facturação anterior do estabelecimento para fazer os seus cálculos o que poderia levantar dúvidas sobre se não teria sido induzida em erro pelo R.

8. Mas, a verdade é que esse facto, as tais dúvidas, que poderia interessar à A, não foi alegado, nem indiciado nem tem qualquer suporte factual e antes pelo contrário.

9. Ora, se foi a A que propôs este contrato ao R. porque há-de ser o R a pagar pelo erro se a ele não deu causa…

10. Só se fosse por causa da redacção da cláusula 3ª nº 2 quando diz que "“no caso de as compras ao Revendedor não atingirem durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados a quantidade prevista no número anterior, poderá o fornecedor resolver o contrato (destaques nossos) com efeitos imediatos ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos artigos 2, 3 e 4 da cláusula 9ª".

11. Porém esta cláusula que atribui ao revendedor o poder de resolver o contrato remete para a figura jurídica da "resolução contratual" ou seja declaração unilateral de uma parte por incumprimento culposo e definitivo da outra parte.

12. Se não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil contratual a cláusula não pode actuar e parece que aqui é o caso na medida em que, primeiro não se verifica a condição: expressão inequívoca da obrigação de atingir um volume de vendas; depois porque não se verifica a culpa no incumprimento à míngua de qualquer facto que possa fazer um juízo de imputação ao R pela não venda do café.

13. Aliás se a prestação do R fosse essa de vender um volume certo de café seria uma prestação de validade muito duvidosa por se tratar de factos fora do seu domínio, como seja o comportamento de mercado e consumidores, a qualidade do café que não é dele mas sim da A ou seu fornecedor etc.

14. Parece-nos pois, que no trecho daquela cláusula 3ª nº 2 subentende-se, por força da formulação legal, o inciso: " se por culpa sua", no caso das vendas ao revendedor não atingirem …

15. Na cláusula 7ª refere-se que a A paga uma contrapartida ao R pelas assumidas obrigações de compra, promoção e venda de café, em regime de exclusividade, acrescentando ainda a cláusula 10ª que essa fidelização seria pelo período de 5 anos.

16. Pensou o R. que iria receber uma contrapartida pelos referidos ónus e serviços a que se sujeitou mas acabou surpreendido pela acção da autora onde agora alega que afinal essa verba não foi contrapartida da exclusividade, promoção do produto, longevidade do contrato e outros mas antes um desconto em função da quantidade de café a adquirir.

17. Temos aqui um efeito surpresa que parece absurdo, foi acolhido na decisão "a quo" mas, na nossa má opinião e com todo o respeito por outras melhores, terá de ser revogado porque contraria uma menção expressa e inequivocamente assumida pelas partes que é aquela formulação da Clª 7ª.

18. No final parece-nos inequívoco que a sentença "a quo" permitiu uma descarada utilização abusiva dos meios legais e processuais na medida a procedência da acção não pode deixar de constituir um incentivo a um agente económico de continuar a utilizar ardilosos e ambíguos esquemas negociais destinados a ludibriar a justiça e extorquir dinheiro a terceiros.

19. A acção devia ser julgada totalmente improcedente com fundamento no artigo 334º do Cod. Civil, ou por falta de fundamentos legais, uma vez que não se podem considerar provados o objecto do contrato nem os pressupostos da responsabilidade contratual que ilumina a pretensão da A.

20. Foram violados os comandos dos artigos 236º, 238º, 227º, 334º, 798º do Código civil que deveriam ter a interpretação que se defende nas partes I a X e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para evitar repetições perturbadores da boa leitura: art.º 238 – Parte I; Artigo 237º -Partes II, V e IX; art.º 798º -Parte VI e art.º 334º -Parte X

21. Pelo que deve a ser revogada a sentença e substituída por outra que julgue a acção

procedente e condene a A por litigância de má fé.

A A. respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente, as referidas pelo R/recorrente, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de Facto

A) - Quanto à decisão de facto:

É este o momento – antes do alinhamento dos factos provados – para a apreciação de quaisquer questões cujo desfecho se repercuta sobre a decisão de facto; alterando-a e, em consequência, introduzindo alterações nos factos provados.

1 - É o caso da questão da impugnação da decisão de facto.

No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados, constando, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto.

Porém, para modificar a decisão da 1.ª instância, por enfermar de erro de julgamento, necessário se torna, sob pena de rejeição, que se especifiquem os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa. - cfr. art. 685.º-B/2, do CPC.

Significa isto, como é evidente, que para impugnar a decisão da matéria de facto – proferida com base em depoimentos prestados – é necessário indicar quais os quesitos/pontos que, segundo o recorrente, foram incorrectamente julgados. E, além de tal indicação, é ainda absolutamente indispensável, sob pena de rejeição do recurso, que se enumerem e identifiquem os concretos meios probatórios, constantes de registo ou gravação realizada – por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C – que impõem decisão diversa sobre os quesitos/pontos em causa[1].

Não foi isto que o R/recorrente fez.

Como as respectivas conclusões – que demarcam, implicitamente (cfr. 684.º, n.º 3, do CPC), o objecto do recurso – supra transcritas o espelham, o recorrente não exprime – omite mesmo de todo em todo – qualquer divergência em relação a um qualquer ponto da decisão de facto.

É certo que a dado momento da alegação refere que os quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º da BI deviam ter tido resposta negativa, porém, para além de efectuar tal menção meramente “en passant” – a propósito do que designa como “errada interpretação das clausulas 3.ª e 9.ª do contrato” e sem se concentrar em momento algum sobre a impugnação da decisão de facto – a verdade é que omite, repete-se, qualquer alusão explícita ou implícita à questão da impugnação da decisão de facto nas respectivas conclusões.

O recorrente parece, salvo o devido respeito, laborar no erro de pensar que basta juntar a transcrição do julgamento – que faz num anexo com 89 páginas – para meter a Relação a reapreciar genericamente a prova – porventura até toda a prova – produzida em 1.ª Instância.

Não é, porém, assim.

Os art. 712.º e 685.º-B impõem a quem pretenda a reapreciação da prova, por parte da Relação, que fundamente a sua discordância em relação ao decidido na 1.ª Instância, que identifique onde estão os concretos erros de julgamento da 1.ª Instância, que indique os concretos meios probatórios que foram grosseiramente apreciados e que, apreciados do modo pretendido, devem conduzir a decisão diversa da proferida na 1.ª Instância; e, evidentemente, que não omita nada disto – e, muito menos, tudo isto – das conclusões.

Foi justamente isto que o R/recorrente não fez, razão pelo qual se rejeita e não se procede ao escrutínio da decisão de facto, não havendo assim lugar a qualquer reapreciação/alteração à matéria de facto fixada pela 1.ª Instância.


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2 – Também com possível repercussão sobre a decisão de facto, diz o R/recorrente que há contradição entre os factos constantes dos pontos 8 e 22 da sentença a quo; que correspondem à cláusula 7.ª 1 do contrato (transcrito na alínea C)) e à alínea K) deste acórdão.

Não há a nosso ver qualquer contradição.

Enquanto na cláusula 7.ª 1 do contrato se estabelece a correspondência (em termos de obrigações do R/recorrente) para o recebimento da verba que ali se refere; na alínea K) alude-se ao critério que serviu para encontrar tal montante/verba recebida pelo R/recorrente e paga pela A/recorrida.


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3 – Ainda com eventual reflexo sobre a decisão de facto, diz o R/recorrente em ser “infundamentada” a resposta aos quesitos 17.º e 18.º:

É verdade que a fundamentação das respostas à base instrutória deve satisfazer a exigência do art.º 653º nº 2 do C. P.C.; e que, caso tal não aconteça, podem os autos ser remetidos à 1ª instância nos termos e para os fins do art. 712º, nº 5 do C.P.C..

Ainda que a resposta aos quesitos 17.º e 18.º fosse “infundamentada[2], sempre seria inútil, no caso, remeter os autos à 1.ª instância para os fins do art. 712.º, n.º 5, do CPC.

E é justamente inútil, no caso, por o R/apelante não estar, como já se explicou, a impugnar a decisão de facto; e por já o não poder vir a fazer após o despacho que, na 1.ª Instância, viesse – se fosse o caso de fundamentação insuficiente – a dar integral cumprimento ao disposto no art. 653.º, n.º 2, do CPC.

Mas vamos por partes:

O tribunal deve especificar os fundamentos que forem decisivos para a sua convicção; dever de fundamentação, reforçado na reforma processual de 95, cujo cumprimento impõe que, de acordo com as circunstâncias, se estabeleça e exteriorize o fio condutor entre a decisão e os concretos meios de prova, fazendo-se a apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes, de tais concretos meios de prova[3].

“O tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”[4].

Num limiar mínimo – como resulta da transcrição feita na nota 3 – a fundamentação da decisão de facto fá-lo a propósito de tais respostas; referencia o que permitiu dar como provados os dois quesitos em causa.

Mas, ainda que assim não fosse, ainda que o tribunal a quo não tivesse fundamentado, o R/apelante não estava sem saber onde apontar o erro do julgador, não estava sem saber que prova poderia chamar em seu socorro para contrariar ou sobrepor aquela que, afinal, o juiz não teria indicado.

As partes têm direito a que lhe sejam comunicados os motivos por que determinados factos foram dados como provados ou não provados, porém, só têm efectivo interesse no exercício de tal direito quando discordam do resultado da decisão de facto.

É em tal hipótese, tendo em vista mostrar (à 2.ª Instância) a inconsistência dos motivos duma decisão de facto que consideram incorrecta, que faz sentido e tem interesse a “baixa” dos autos à 1.ª Instância, onde, por uma 2.ª e última vez, se devem enunciar os fundamentos que serviram de alicerce à decisão de facto.

Agora para saber se discordam ou não do resultado da decisão de facto, tendo em vista a delimitação do objecto dum recurso a interpor, não podem as partes argumentar e invocar que tal só pode acontecer após o acesso a uma rigorosa fundamentação da decisão de facto; tanto mais que, antes mesmo da decisão de facto, são as próprias partes chamadas a dizer, em apreciação própria e autónoma, quais os factos que consideram provados – cfr. art. 652.º/5, do CPC[5]; tanto mais que podem, para dissipar dúvidas sobre a bondade da decisão de facto, caso a respectiva fundamentação não seja suficiente, logo ali, na leitura da decisão de facto, apresentar a devida reclamação (cfr. art. 653.º/4, do CPC).

É justamente por tudo isto que o art. 712.º, n.º 5, do CPC – traçado no pressuposto que se está perante uma situação em que a alteração da decisão de facto foi suscitada[6] e faz parte do objecto do recurso – se limita a determinar que os autos sejam remetidos à 1.ª Instância para integral cumprimento do dever de fundamentação da decisão de facto; não tocando nem anulando, com tal remessa, quaisquer peças processuais posteriores à fundamentação insuficiente.

Isto é, a aplicação do art. 712.º, n.º 5, significa que, suprida a insuficiência de fundamentação, os autos regressam à Relação para conhecimento do recurso – em que terá/teria que estar incluída, nos seus limites objectivos, a modificação da decisão de facto – antes interposto.

Enfim, é por tudo isto que reputamos inútil, no mínimo, remeter, no caso, os autos à 1.ª instância para os fins do art. 712.º, n.º 5, do CPC.

A decisão de facto – que o R/apelante não impugna – tornou-se imutável, pelo que, a fundamentação que pudesse vir a ser produzida[7] não traria qualquer contributo útil para a apreciação do objecto do recurso como está delimitado pelo R/apelante; ou, por outras palavras, independentemente da fundamentação que pudesse vir a ser acrescentada, sempre seria e será com os factos dados como provados – e apenas com estes – que se terá que construir a solução jurídica dos autos/recurso.


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4 – Finalmente, ainda com ligação à decisão de facto, uma última questão/observação – antes, ainda, de efectuar o elenco dos factos provados – a propósito dos documentos cuja junção se requer (com a alegação recursiva):

Só se podem juntar ao processo documentos que sejam relevantes; e que se destinem a fazer prova de factos que hajam sido alegados como fundamento da acção ou da defesa (cfr. art. 523.º do CPC).

Além desta restrição, há momentos próprios para a junção, isto é, nem todas as ocasiões não boas e atempadas para a junção de documentos.

O oferecimento, produção e assunção das provas ocorre, segundo o regime normal, durante a instrução do processo, fase processual que se inicia após a notificação do art. 512.º do CPC.

A prova documental, porém, obedece a um regime diferente.

Os documentos – de acordo com o art. 523.º, n.º 1, do C. P. Civil – devem ser apresentados na fase inicial dos articulados; devem ser oferecidos com o articulado a que se referem, seja como fundamento da acção, seja como fundamento da defesa.

Excepcionalmente, porém, podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1.ª Instância, “mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado” – cfr. 523., n.º 2, do CPC.

Mais excepcionalmente, ainda, podem os documentos ser juntos após o encerramento da discussão em 1.ª Instância em duas circunstâncias:

1.º - Em qualquer estado do processo, quando os documentos se referem a factos posteriores aos articulados ou quando se trate de documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior – cfr. 524.º, n.º 2, do CPC.

2.º - Havendo recurso da decisão proferida e tratando-se de documentos cujo oferecimento não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1.ª Instância – cfr. 524.º, n.º 1, do C. P. C.. Todavia, para que haja tal impossibilidade de oferecimento, até ao encerramento da discussão em 1.ª Instância, é necessário que a parte ignore a existência do documento ou que à parte não fosse viável (dentro do limite temporal do encerramento da discussão em 1.º Instância) a posse do mesmo, cabendo-lhe, todavia, a prova de tal impossibilidade.

Daí o disposto no actual 693.º-B do CPC (correspondente ao anterior 706.º, n.º 1) segundo o qual “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art. 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância (…)”. Continuando a valer, em relação a esta última parte, a seguinte e pertinente observação do Prof. Antunes Varela[8]: “É evidente que, na última parte, a lei não abrange a hipótese de a parte (…) pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª Instância”.

Isto dito, revertendo aos documentos cuja junção se requer:

O documento de fls. 188/9 é uma carta dirigida à firma “Ramusga & Filhos, Lda”, entidade jurídica diferente do aqui R/recorrente; não se vislumbrando que facto da BI visa demonstrar, razão por que não se divisa sequer o seu relevo como fundamento da defesa.

Os documentos de fls. 190/4 são facturas com datas que vão entre os anos de 2004 e 2006; razão por que estamos claramente “caídos” perante a hipótese, supra “denunciada”, em que a parte pretende juntar com a alegação um documento – quer seja relevante quer não seja – que já poderia ter apresentado em 1.ª Instância e com isso pretende produzir uma prova que deveria ter apresentado em 1.ª Instância.

Em conclusão, não é para tais hipóteses que a situação excepcional prevista nos art. 693.º- B e 524.º do CPC está gizada e, por consequência, não se pode por tal razão autorizar (com a alegação do R/recorrente) a pretendida junção de documentos; ordenando-se assim, após o trânsito, o seu desentranhamento e restituição aos R/recorrente.


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B – Factos Provados
Os factos, lógica e cronologicamente alinhados, são os seguintes:

A) A Autora A..., SA (cuja anterior denominação era “ A... – ..., SA”) dedica-se à produção e comercialização de bebidas em geral e outras actividades conexas (Al. A) dos Factos Assentes);

B) O Réu é comerciante e explora o estabelecimento de venda a retalho de bebidas destinadas a serem consumidas no local denominado “Restaurante C...”, sito na Rua da ..., nº 1, Praia da ..., em Vieira de Leiria (Al. B) dos Factos Assentes);

C) Em 06 de Agosto de 2004, no exercício da sua actividade, a A......, SA, na qualidade de fornecedora, e o Réu, na qualidade de revendedor, outorgaram/subscreveram um escrito particular denominado «contrato de compra exclusiva», junto de fls. 7 a 10, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e de que se reproduzem as seguintes clausulas:


1.ª

O Fornecedor dedica-se à actividade de comercialização, distribuição e venda de bebidas.

2.ª

O Revendedor possui e explora o estabelecimento de venda a retalho de bebidas destinadas a serem consumidas no Restaurante C..., situado na Rua da ..., n.º 1, Praia da ... e pertencente a B....

3.ª

1. Pelo presente contrato, o Fornecedor obriga-se a fornecer, directamente ou através de distribuidor mencionado no n.º 1 da cláusula 6.ª, ou indicado nos termos do n.º 3 da mesma cláusula, e o Revendedor a comprar-lhe, ininterruptamente durante o período de vigência deste contrato, café torrado de marca X... e lote Selection, visando atingir, com as suas compras, 40 quilos por mês.

2. No caso de as compras do Revendedor não atingirem, durante seis meses seguidos ou doze meses interpolados, a quantidade prevista no número anterior, poderá o Fornecedor resolver o presente contrato, com efeitos imediatos, mediante comunicação escrita remetida ao Revendedor, ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos n.os 2, 3 e 4 da cláusula 9.ª


4.ª

O Revendedor obriga-se a não vender no estabelecimento referido na cláusula 2.ª, durante a vigência deste contrato, café de marcas não comercializadas pelo Fornecedor.

6.ª

O Revendedor obriga-se a comprar só ao Fornecedor ou ao Distribuidor que lhe for indicado por este, para fins de revenda no estabelecimento indicado na cláusula 2.ª, o café comercializado pelo Fornecedor e identificado no n.° 1 da cláusula 3.

2. Neste momento, o Distribuidor indicado é o seguinte: Rota do Lis.

(…)


7.ª

1. Como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade, o Fornecedor pagará ao Revendedor a quantia de € 11.000,00, acrescida de IVA à taxa em vigor.

2 Ainda como contrapartida das obrigações referidas no n.º antecedente, o Fornecedor empresta ao Revendedor, a título inteiramente gratuito os equipamentos constantes das guias de trânsito em anexo, (...), para utilização na venda dos produtos das marcas do Fornecedor no estabelecimento indicado na cláusula 2.ª.


9.ª

1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 da cláusula 3.ª, no caso de incumprimento ou mora de qualquer das obrigações decorrentes deste contrato, que não seja remediada dentro do prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita que, para o efeito dirigir ao contraente faltoso, poderá o outro contraente resolver o contrato.

2. A resolução não terá efeito retroactivo.

3. O incumprimento dará lugar ao pagamento, pelo contraente faltoso, de uma indemnização que, por acordo, se fixa em € 3.666,67.

4. Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do Revendedor, dará lugar à:

a) devolução da contrapartida concedida pelo Fornecedor, nos termos do n.º 1 da cláusula 7.ª, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida pelo Revendedor face à quantidade prevista na cláusula seguinte. A contrapartida a devolver será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal, permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do Código Civil e computados, desde a data do pagamento previsto no n.º 1 da cláusula 7.ª e até à data da efectiva devolução;

b) devolução imediata pelo Revendedor ao Fornecedor do Equipamento, conforme previsto no n.º 1 da cláusula 8.ª.


10.ª

O contrato terá início na presente data e durará até que hajam sido adquiridos, pelo Revendedor ao Distribuidor referido na cláusula 6.ª, 2.400 quilos do café discriminado na cláusula 3.ª, n. º 1, não podendo, contudo, a vigência do contrato ser superior a cinco anos.

D) A autora, em 13.09.2004, entregou ao réu a quantia referida na cláusula 7.1, num total de € 13.090,00 [€ 11.000,00 (capital) + € 2.090,00 (IVA à taxa de 19%), de qual o réu deu a respectiva quitação, através da factura de venda a dinheiro nº 4396 (junto a fls. 11) (Alínea I) dos Factos Assentes);

E) O gestor comercial da autora efectuou uma pesquisa sobre o potencial consumo de café face ao tipo de estabelecimento em causa, a localização, o horário de funcionamento e clientela, entrando para tanto em contacto com o réu (Resposta ao Facto 10º da Base Instrutória);

F) Foi após tal pesquisa, e de acordo com as informações prestadas pelo réu, que o gestor comercial da autora elaborou e apresentou uma minuta de contrato de compra exclusiva (Resposta ao Facto 11º da Base Instrutória);

G) O consumo mínimo mensal que ficou a constar na cláusula 3.1 foi acordada entre autora (através de tal gestor) e o réu (Resposta ao Facto 12º da Base Instrutória);

H) Explicitando (o dito gestor), na ocasião referida em F), todo o conteúdo do contrato ao réu (Resposta ao Facto 13º da Base Instrutória);

I) O réu aceitou tal conteúdo sem fazer quaisquer reparos nem objecções (Resposta ao Facto 14º da Base Instrutória);

J) Tendo ficado ciente que a previsão do consumo mínimo mensal era um elemento importante para a autora (Resposta ao Facto 15º da Base Instrutória);

K) A contrapartida paga pela autora ao réu (prevista na cláusula 7.1) consiste no valor correspondente a um desconto antecipado (igual ao somatório dos descontos que a autora faria ao réu quando o mesmo adquirisse os kg de café acordados) (Resposta ao Facto 16º da Base Instrutória);

L) Durante a vigência do contrato, o réu, por diversas vezes, foi confrontado pelos gestores comerciais da autora com o facto dos seus consumos mensais serem inferiores aos estipulados (Resposta ao Facto 17º da Base Instrutória);

M) Nessas ocasiões, o réu prometia à autora que iria incrementar as vendas de café e que nos meses seguintes conseguiria recuperar os kg em falta (Resposta ao Facto 18º da Base Instrutória).

N) O réu, até ao início de Julho de 2009 (durante 58 meses), adquiriu à autora 537 kg de café (Al. K) dos Factos Assentes);

O) Por carta datada de 07 de Julho de 2009, registada e com aviso de recepção, a autora comunicou ao réu que pelo facto de as compras deste não terem atingido os 40 kg por mês durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados, considerava o contrato imediatamente resolvido, e com os efeitos consignados na cláusula 9ª (Al. L) dos Factos Assentes);

P) O réu recepcionou a carta referida em L) no dia 10 de Julho de 2009 (Al. M) dos Factos Assentes);

Q) O réu, durante o período de vigência do contrato, ostentou nos toldos, nas chávenas e em vários locais do seu estabelecimento, a marca dos produtos comercializados pela autora (Resposta ao Facto 6º da Base Instrutória);

R) O estabelecimento do réu está situado na parte mais central da Praia da ..., na primeira linha em frente ao mar (Resposta ao Facto 7º da Base Instrutória);


*

III – Fundamentação de Direito

Na origem do litígio – é absolutamente indiscutível e pacífico – está uma modalidade atípica de compra e venda entre a A/apelante (como vendedora) e o R/apelado (como comprador); está um contrato-quadro de fornecimento[9], com obrigação de exclusividade, cuja execução dá/deu lugar a sucessivas compras e vendas mercantis que se prolongaram no tempo, tendo por objecto café torrado de marca X... e lote Selection[10].

Contrato-quadro esse que é claramente um contrato de adesão individualizado; que é um contrato individual que se formou a partir de cláusulas contratuais gerais (CCG).

Cláusulas contratuais gerais (CCG) que são descritas em função de dois traços característicos: predisposição unilateral e generalidade[11]; querendo-se com a predisposição unilateral dizer que a sua elaboração é anterior ao contrato – pré-elaboração – e que a iniciativa é unilateral (cabe a uma das partes sem prévia negociação com a outra) e programada/feita com a intenção de inserir tais cláusulas em futuros contratos; e querendo-se com a generalidade dizer que se dirigem a uma multiplicidade[12] de contraentes potenciais e que há uma indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual.

São assim definíveis – as CCG – como proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou e adoptou.

Cláusulas contratuais gerais (CCG) que podem assumir, quanto à forma de comunicação, diversos “figurinos”, designadamente, impressos, tipografados ou em suporte informático (disponíveis para servir como documento contratual principal, como anexo ao contrato, como texto de remissão), catálogos, prospectos, etc.; e que, quanto à extensão e conteúdo, tanto podem conter a totalidade dos elementos contratuais, como podem referir-se apenas a alguns aspectos contratuais.

Cláusulas contratuais gerais (CCG) cuja inserção nos contratos singulares, quando estes se formam pelo modelo das declarações negociais conjuntas[13], exige que o documento contratual transcreva as cláusulas ou que, por outro modo, lhe faça referência; sendo hoje frequente a utilização de impressos – aplicações informáticas – preparados pelo predisponente que contêm as CCG e que são, depois de preenchidos os espaços deixados em branco com os elementos individualizadores do contrato e após a respectiva impressão, assinados pelos contraentes.

É/foi este seguramente o caso do contrato-quadro que está na origem do presente litígio; em face da extensão e detalhe do seu conteúdo – parcialmente transcrito na alínea C) – e do que se refere no facto F) – em que se diz que a A. apresentou uma minuta – estamos seguramente perante conteúdo contratual resultante de cláusulas pré-elaboradas pela A/recorrida que foram inseridas em contrato singular pelo modelo das declarações negociais conjuntas [14].

Aliás, estamos perante uma típica situação geradora/propiciadora de tal modo de contratar; em que impera a simplificação, economia de tempo, redução de custos e igualização no tratamento dos clientes duma empresa de dimensão significativa; colocando-se concomitantemente os habituais problemas/dificuldades, ao nível da liberdade de negociação, da eventual colocação duma das partes em posição de abusar do seu poder negocial e de desequilibrar o balanço contratual a seu favor.

Estamos pois perante um contrato de adesão individualizado; em que a A/ predisponente não deu ao R/destinatário grande possibilidade/oportunidade de influenciar o projecto/conteúdo de clausulado; a não ser em aspectos de pormenor, que não incidiram/modificaram o essencial do clausulado previamente elaborado/apresentado[15].

São-lhe pois aplicáveis as especialidades do DL 446/85, de 25-10, que abrange os contratos de consumo e quaisquer outros, incluindo os contratos entre empresas; DL 445/85 que, nos termos do art. 2.º/1 (redacção do DL 249/99, de 07-07), “se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

Especialidades que dizem respeito à formação contratual, à interpretação, à integração, aos critérios de validade do conteúdo e aos efeitos da invalidade parcial (e também aos meios judiciais e extrajudiciais de controlo preventivo e sancionatório).

Especialidades que, porém, não serão assim tão especiais; uma vez que correspondem, em grande medida, ao que já resulta da aplicação das regras gerais sobre a eficácia e o âmbito das declarações contratuais e à interpretação de comportamentos enquanto tal.

Efectivamente, a comunicação integral, oportuna e adequada é requisito de eficácia de qualquer declaração contratual; quem pretenda que um contrato abranja determinadas cláusulas (gerais ou individuais) tem de agir de modo que a outra parte possa compreenda que tais cláusulas fazem parte do âmbito do consenso obtido, por inclusão nas declarações contratuais ou por remissão a partir delas (232.º e 236.º do CC).

Assim, o regime de inserção de CCG em contratos singulares só é verdadeiramente especial enquanto reforça o dever de informação pré-contratual; enquanto reforça o ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85) e o dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85); enquanto, sobre o conteúdo das cláusulas, torna o dever de informação pré-contratual mais abrangente, incluindo também o esclarecimento do sentido das cláusula predispostas, independentemente de qualquer concreto juízo em função de critérios de boa fé[16].

Verdadeiramente, a essência das especialidades é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé (cfr. art. 15.º do DL 446/85); proibição que o art. 16.º procura precisar, por referência a 2 aspectos, próprios da boa fé: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente; e de que, nos artigos seguintes, se faz uma enumeração exemplificativa de diversas proibições, em que se distinguem as cláusulas absolutamente proibidas (que não podem, a qualquer título, ser incluídas em contratos através de mecanismo de adesão – art. 18.º e 21.º do DL 446/85) das cláusulas relativamente proibidas (que não podem ser incluídas em contratos desde que, sobre elas, incida um juízo de valor suplementar que a tanto conduza, juízo a ser formulado pela tribunal, no caso concreto – art. 19.º e 22.º do DL 446/85)

Tudo isto para dizer que era/seria neste ponto – sobre a validade/nulidade de algumas das cláusulas contratuais – que o R/apelante devia ter concentrado toda a sua energia; e logo na contestação, alegando factos que, sendo provados, pudessem exprimir a violação da boa fé e/ou integrar alguma das alíneas dos art. 18.º e 19.º do DL 446/85[17].

Efectivamente, em termos de formação e interpretação, o contrato-quadro – embora contrato de adesão individualizado e por isso sujeito à aplicação do DL 446/85 – não coloca, a nosso ver, qualquer dúvida ou questão séria.

Na verdade, provou-se que o gestor comercial da A. explicitou ao R. todo o conteúdo do contrato (resposta ao facto 13º da BI); que o R. aceitou tal conteúdo sem fazer quaisquer reparos nem objecções (resposta ao facto 14º da BI). Provou-se igualmente que o gestor comercial da A. efectuou uma pesquisa sobre o potencial consumo de café face ao tipo de estabelecimento em causa, a localização, o horário de funcionamento e clientela, entrando para tanto em contacto com o R. (resposta ao facto 10º da BI); e que foi após tal pesquisa e de acordo com as informações prestadas pelo R. que o gestor comercial da A. elaborou e apresentou a minuta de contrato em que constava o consumo mínimo mensal, que foi acordado entre A. (através de tal gestor) e o R. (respostas aos factos 12º e 13.º da BI); tendo o R. ficado ciente que a previsão do consumo mínimo mensal era um elemento importante para a A. (resposta ao facto 15º da BI).

Em face de tal provada factualidade, nenhuma censura pode ser feita à A/apelada no que diz respeito ao modo como deu cumprimento ao dever de informação pré-contratual; no que diz respeito ao cumprimento do ónus de comunicação (art. 5.º/3 do DL 446/85), ao cumprimento do dever de informação prévia (art. 6.º do DL 446/85) e de esclarecimento do sentido das cláusulas predispostas.

Cláusulas cuja interpretação não suscita, no contexto do contrato e para um declaratário normal, qualquer ambiguidade.

Cláusulas de que resulta claramente a obrigação do R/apelante comprar 40 kg de café por mês em exclusivo à A.; até 5 anos e “até que hajam sido adquiridos (…) 2.400 quilos do café” (cfr. cláusula 10.ª); recebendo o R. “como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade a quantia de € 11.000,00, acrescida de IVA à taxa em vigor” e “ainda (…), a título inteiramente gratuito os equipamentos constantes das guias de trânsito em anexo, (...), para utilização na venda dos produtos das marcas do Fornecedor no estabelecimento” (cláusula 7.ª); e estabelecendo-se, “no caso de as compras do Revendedor não atingirem, durante seis meses seguidos ou doze meses interpolados, a quantidade prevista no número anterior (40 kg/mês)”, a faculdade da A. poder resolver o contrato, com efeitos imediatos, mediante comunicação escrita remetida ao R., ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos n.os 2, 3 e 4 da cláusula 9.ª, isto é, “ a resolução não terá efeito retroactivo”, “ o incumprimento dará lugar ao pagamento, pelo contraente faltoso, de uma indemnização que, por acordo, se fixa em € 3.666,67” e, para além de tal indemnização, o incumprimento dará lugar à “a) devolução da contrapartida concedida pelo Fornecedor, nos termos do n.º 1 da cláusula 7.ª, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida pelo Revendedor face à quantidade prevista na cláusula seguinte” (devolução que será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal, permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do Código Civil e computados, desde a data do pagamento previsto no n.º 1 da cláusula 7.ª e até à data da efectiva devolução);” b) devolução imediata pelo Revendedor ao Fornecedor do Equipamento, conforme previsto no n.º 1 da cláusula 8.ª”.

Enfim, em face de tão claro conteúdo e a seu respeito – que, lembra-se, se provou haver sido explicitado – nenhum obstáculo/dúvida se lhe pode colocar quer à luz dos termos gerais (art. 232.º, 236.º, 237.º, 238.º, 227.º, todos do CC), quer à luz dos art. 4.º a 11.º do DL 446/85.

O R/apelante vinculou-se juridicamente, fora de toda a dúvida, a comprar 40 kg/mês num total de 2.400 Kg; e foi justamente por se tratar dum vínculo jurídico – duma obrigação jurídica e não dum objectivo meramente indicativo – que foi estabelecida uma sanção para o não pontual cumprimento de tal vinculação.

É, insiste-se, ao nível da “sanção” e dos seus efeitos/consequências (contratualmente estabelecidos) que se colocam – ou melhor, se poderiam colocar se tivessem sido alegados e depois provados factos pertinentes – as verdadeiras questões.

Vejamos

Além da resolução fundada na lei, admite o art. 432.º/1 do C. Civil a resolução fundada em convenção; isto é, admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação).

A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa; sendo certo que não vale como tal – não vale como cláusula resolutiva expressa – qualquer estipulação “de estilo” em que se aluda ou mencione o direito a resolver o contrato; em que as partes, numa clausula com conteúdo vago e genérico, refiram e reportem a faculdade de resolver o contrato ao não cumprimento de todas e quaisquer obrigações contratuais[18]

Ou seja, para, na prática, uma cláusula valer como cláusula resolutiva expressa, têm as partes de fazer uma referência explícita e precisa (identificando-as) às obrigações cujo não cumprimento dá direito à resolução; “a chamada cláusula resolutiva expressa deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada, do tipo «em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido»[19].

Compreende-se, aliás, que assim seja.

Em face da função da cláusula resolutiva – mais um meio de pressão (além da cláusula penal e do sinal) a que o credor recorre para incentivar o devedor a cumprir as suas obrigações – deve exigir-se que as partes valorem, no momento em que estipulam a cláusula, as obrigações e modalidades de incumprimento a que conferem o direito de resolução; deve exigir-se que revelem que valoraram específica e singularmente a gravidade da inadimplência – isto é, o fundamento e pressuposto indispensáveis à resolução.

Exprime tudo isto – é o que se pretende estabelecer – que a cláusula 3.ª/2 referida no facto C) deste acórdão[20], em que se “liga” a faculdade resolutiva ao não atingir[21], durante seis meses seguidos ou doze meses interpolados, da quantidade de café prevista no número anterior, “vale” como cláusula resolutiva expressa, uma vez que identifica com precisão o inadimplemento que pode dar lugar à resolução e visto que o mesmo, que identifica, não é leve ou insignificante.

Concede pois tal cláusula o direito resolutivo convencional exercido.

Direito que foi bem exercido quando – cfr. facto referido em O) – por carta datada de 07 de Julho de 2009, registada e com aviso de recepção, a A. comunicou ao R. que “pelo facto de as compras deste não terem atingido os 40 kg por mês durante 6 meses seguidos ou 12 interpolados, considerava o contrato imediatamente resolvido, e com os efeitos consignados na cláusula 9ª”; isto é, recebida, em 10/07/09, tal notificação/comunicação – face à sua eficácia (224.º do CC) e atenta a irrevogabilidade (230.º do CC) – ficou o contrato-quadro resolvido/extinto.

Em definitivo, sem “apelo nem agravo”, no referido dia 10/07/09.

Se o princípio geral do art. 436.º, n.º 1, do C. Civil – que institui o regime regra da declaração unilateral (e extra-judicial) – não infirma uma intervenção judicial declarativa da correcção/confirmação no exercício do direito de resolução, o certo é que tal intervenção judicial não é suscitada/pedida pela A/apelada e o R/apelante, verdadeiramente, também não impugna – se dela discordava, era o que devia ter feito – tal declaração/comunicação resolutiva[22].

Reconhecido o correcto exercício da resolução, impõe-se normalmente analisar os efeitos da mesma, uma vez que é neste âmbito – dos efeitos da resolução – que em regra se situa a utilidade da resolução contratual.

Quanto aos efeitos da resolução, a lei (art. 433.º do CC) equipara a resolução à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; equiparação que se traduz numa eficácia retroactiva – devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (289.º, n.º 1, do CC) – bem como e implicitamente numa eficácia liberatória das obrigações ou prestações ainda não executadas.

Resolução que, porém, no caso, em face da disposição especial (permitida pelo art. 433.º do C. Civil) constante do contrato, tem os efeitos constantes da cláusula 9.ª transcrita em C) dos factos provados.

Sendo justamente em dois dos efeitos constantes da cláusula 9.ª transcrita em C) dos factos provados que se situa o pedido da acção e o centro do litígio; mais exactamente, na parte em que se diz/clausula:

Que “o incumprimento dará lugar ao pagamento, pelo contraente faltoso, de uma indemnização que, por acordo, se fixa em € 3.666,67.

Que, “para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do Revendedor, dará lugar à: a) devolução da contrapartida concedida pelo Fornecedor, nos termos do n.º 1 da cláusula 7.ª, deduzida da parte proporcional à quantidade de café já adquirida pelo Revendedor face à quantidade prevista na cláusula seguinte. A contrapartida a devolver será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal, permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do Código Civil e computados, desde a data do pagamento previsto no n.º 1 da cláusula 7.ª e até à data da efectiva devolução;”

Tudo – o mais relevante – se resume em saber se tal clausulado viola ou não o princípio geral da boa fé.

Princípio que tem na área privatística do direito das obrigações o seu campo de eleição; que está presente em todo o ciclo evolutivo da relação obrigacional, desde os primeiros contactos negociais (v. g. com a responsabilidade pré-contratual 227.º, n.º 1) até à extinção do vínculo e que acompanha todas as vicissitudes da relação obrigacional (cfr. art. 762.º, nº 2, em que se dispõe que “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”).

Princípio em que ainda é porventura mais “preponderante” a propósito das cláusulas contratuais gerais, em cujo (já referido) art. 15.º do DL 446/85 se diz que são proibidas as CCG contrárias à boa fé; disposição útil uma vez que, em rigor, o legislador de 1966 não previu uma remissão para a boa fé que faculte um controlo do conteúdo dos contratos, mas apenas, como se acaba de referir, a sua formação ou o exercício das obrigações – cfr. art. 227.º/1 e 762.º/1 referidos.

Princípio que significa que todos devem guardar “fidelidade” à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas, sendo pois mister que procedam tal como o deve esperar-se que o faça qualquer pessoa que participe honesta e correctamente no tráfico jurídico, no quadro duma vinculação especial; que exige que os intervenientes actuem dentro de um espírito de leal e recíproca colaboração, tendo em conta os interesses legítimos da contraparte.

E em que são destacados 2 sentidos básicos:

Um negativo, que visa impedir a ocorrência de comportamentos desleais (obrigação de lealdade); que impõe a abstenção de todo o comportamento que possa tornar a execução do contrato mais difícil e onerosa para a contraparte (é o caso, por ex., do credor que, tendo-se desinteressado da prestação, procura impedir o fornecimento ao devedor dos bens ou serviços indispensáveis ao cumprimento; é o caso da invocação da “exceptio” quando a falta do inadimplente não seja suficientemente grave para justificar a recusa em cumprir; é o caso do credor que, perante uma insignificante ultrapassagem do prazo, recusa a prestação; são os casos do venire contra factum proprium).

Um positivo, que intenta promover a cooperação entre os contraentes (obrigação de cooperação); que impõe a obrigação de facilitar ao outro contraente a execução do contrato (é o caso, v.g., no contrato de edição, do autor deve corrigir as provas).

Princípio/regras sobre a concretização da boa fé em que se pretende, sempre, uma solução justificada e controlada pela Ciência do Direito e não algo que se aproxime do arbítrio ou de uma equidade informe, no sentido da “justiça do caso concreto”.

Tendo tudo isto presente, não conseguimos dizer que o provado comportamento da A/apelada viola o padrão objectivo de comportamento – e, concomitantemente, o critério normativo de valoração – que a boa fé impõe e constitui.

O art. 19. c) do DL 446/85 – em que se diz serem relativamente proibidas as CCG que consagrem cláusulas penais desproporcionais aos danos a ressarcir – dá um bom contributo sobre o modo de aplicar o princípio da boa fé ao caso concreto.

Quer a indemnização (dos € 3.666,67) quer a devolução (do proporcional no montante de € 8.538,75) em causa são modos de fixar antecipadamente o montante indemnizatório em caso de incumprimento; são modos que dispensam a A/apelada da prova de qualquer um dos pressupostos do direito à indemnização que não seja o (provado) não cumprimento obrigacional (que, lembra-se, se presume culposo – 799.º do CC).

Neste contexto, tal clausulado é vantajoso para a A/apelada, porém, tal não é suficiente para se dizer que viola a boa fé; desde logo por a fixação por acordo do montante indemnizatório exigível ser algo que a própria lei (art. 810.º do CC) expressamente consente[23].

Para haver violação do princípio da boa fé tem a desproporção de que fala o art. 19.º c) do DL 446/85 – tal como a manifesta excessividade a que alude o art. 812.º, n.º 1, do CC – que ser avaliada ex post, face à comparação entre o valor da pena convencionalmente fixada e o valor dos danos efectivamente sofridos; estando em questão uma nulidade, o vício deveria, em princípio, encontrar-se na génese do negócio jurídico, mas a lei é suficientemente clara e manda atender aos danos a ressarcir, que só podem conhecer-se ex post.[24].

Ademais, o qualificativo “desproporcionadas” não aponta para uma mera e simples superioridade das penas estabelecidas em relação aos danos; pelo contrário, deve entender-se, segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese só ficará preenchida quando se detectar algum grau de desproporção, que, todavia, não terá de ser excessiva, manifesta, grave.

Em todo o caso, a declaração duma cláusula como relativamente proibida (ao abrigo dos art. 15.º e 19.º/c do DL 446/85), a declaração da sua nulidade por ser contrária ao princípio da boa fé, impõe sempre ao aderente o ónus da prova dos danos e do nexo causal; ele tem que alegar – ou têm que ficar reunidos nos autos – factos/elementos que permitam dizer quais eram/seriam os danos a ressarcir, para, em função disso, se poder concluir pela “desproporção” da cláusula penal.

Ora – é este o ponto – quanto aos danos a ressarcir sabemos bastante pouco e o que sabemos até aponta no sentido da proporção.

A devolução dos € 8.538,75 é por natureza “proporcional”, uma vez que exprime (em relação aos € 11.000,00) a quantidade de café não adquirida (em relação aos 2.400 kg) pelo R.; sendo certo, na mesma linha de proporcionalidade, que os € 11.000,00 pagos pela A. ao R. correspondiam ao desconto antecipado pela compra dos 2.400 kg; desconto que, embora fosse dado/fundamentado “como contrapartida das obrigações de compra, promoção e venda, em regime de exclusividade, não confere “desproporção” a uma devolução proporcional à extensão do não cumprimento da obrigação de compra.

A indemnização dos € 3.666,67, em face dos proveitos que a A/apelada por certo deixou de auferir nos 1.863 kg de café que deixou de vender[25] e tendo presente o empréstimo gratuito de equipamentos referido na cláusula 7.º/2, também não “chama a atenção”, também não indicia só por si qualquer desequilíbrio contratual, qualquer desproporção em relação ao que presumivelmente seriam os danos a ressarcir (pelo incumprimento contratual).

O que, aqui chegados, em síntese conclusiva, significa a integral improcedência do recurso; são devidos os montantes indemnizatórios de € 3.666,67 e de € 8.538,75, assim como os juros à taxa de 13%, sobre o montante de € 8.538,75 (por força da aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º, todos do Código Civil, e 102.º do C. Comercial § 1.º e 2.º – aplicação expressamente prevista na cláusula 9.ª, n.º 4, a)) e os juros à taxa dos juros comerciais, sobre o montante de € 3.666,67.


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IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação interposta e, consequentemente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas em ambas as instâncias pelo R/recorrente.


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Ordena-se, após o trânsito, o desentranhamento e restituição ao R/apelante dos documentos de fls. 188/194; com custas de tal incidente (da não admissão da junção dos documentos) a cargo do R/apelante, fixando-se a TJ de tal incidente em 1 UC.

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Barateiro Martins (Relator)

Arlindo Oliveira

Emídio Santos


[1] E com “concretos meios probatórios” a lei exige que se alegue o porquê da discordância, que se apontem as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que se explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido; exigência esta também imposta pelo princípio do contraditório, pela necessidade que a parte contrária tem de conhecer os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar.

[2] E nem parece que o seja, uma vez que, a propósito do depoimento da testemunha E..., consta da fundamentação da decisão de facto que este “nunca transmitiu ao Réu que não se preocupasse com tal cláusula (dos consumos), e alertou-o várias vezes, deslocando-se ao estabelecimento em causa, ao que este sempre dizia que as coisas se resolveriam e que conseguiria atingir os objectivos acordados”.

[3] É exactamente isto – exteriorização do fio condutor entre o que deve ser decidido e os concretos meios de prova, fazendo-se a apreciação crítica destes, nos seus aspectos mais relevantes – que um recorrente também deve fazer quando impugna a decisão de facto. Daí que deva ser rejeitada – sem qualquer prévio convite ao aperfeiçoamento – a impugnação da matéria de facto em que apenas se invoque, genericamente, que da audição e ponderação do teor das testemunhas, conjugado com os documentos, se impõe uma resposta diversa aos pontos da matéria de facto que se indicam; daí o ter-se referido que, com “concretos meios probatórios”, a lei exige que o recorrente alegue o porquê da discordância, que aponte as passagens precisas dos depoimentos que fundamentam a concreta divergência, que explique em que é que os depoimentos contrariam a conclusão factual do tribunal recorrido. O dever de fundamentação não “funciona” e irradia obrigações apenas para o tribunal/juiz.
[4] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., pág. 348.
[5] Isto é, para saber se discordam ou não, basta que confrontem a apreciação que fizeram nas alegações (efectuadas no final da audiência) com o conteúdo da decisão de facto.
[6] Como aliás resulta da epígrafe do próprio 712.º do CPC – “Modificabilidade da decisão de facto”.
[7] Além da que foi externalizada.
[8] In Manual de Processo, pág. 517, 1.ª ed..
[9] Cfr. Engrácia Antunes, dos Contratos Comerciais em Especial, pág. 357.
[10] Não sendo exactamente no âmbito das sucessivas e concretas compras e vendas que se situa o litígio.
[11] Também há quem fale em rigidez – no sentido de inalterabilidade – mas tal não constitui um requisito jurídico essencial, mas apenas uma característica tendencial, embora com elevada probabilidade fáctica.
[12] Palavra menos marcada que o termo “indeterminação”, de que também há quem fale.
[13] E não pelo modelo da subscrição ou da aceitação a que alude o art. 1.º/1 do DL 446/85.

[14] Para o que também não é despropositado não olvidar a “ciência” que somos forçados a adquirir por virtude do exercício das nossas funções; isto é, já tivemos que nos debruçar sobre contratos com conteúdo exactamente igual (excepto quanto aos montantes de café, contrapartida e indemnização) como aconteceu, recentemente, na apelação n.º 724/09 do 2.º Juízo de Cantanhede (em que era apelante a aqui apelada).

[15] Verdadeiramente, a negociação individual terá incidido sobre os Kg por mês e duração do contrato; uma vez que mesmo a contrapartida da cláusula 7.ª e as indemnizações da cláusula 9.ª serão uma decorrência do número de Kg por mês e duração do contrato.

[16] E também, quanto aos efeitos, porque estabelece a cominação radical de ineficácia das cláusulas não devidamente comunicadas (cfr. art. 8.º do DL 446/85).
[17] Não falamos nos art. 21.º e 22.º uma vez que o R/apelante não é, evidentemente, um consumidor final.

[18] “A cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º” - Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in obra dispersa, pág. 186/7.

[19] Baptista Machado, obra e local citados, nota 77; no mesmo sentido, Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória” – pág. 321 e ss.
[20] Em que a A/apelada alicerçou o seu direito resolutivo.
[21] “Não atingir” que é um modo de falta de cumprimento da obrigação, cuja culpa – em caso de responsabilidade contratual, como é o caso – se presume (cfr. art. 799.º do CC).

[22] É irrelevante dizer que a A. esperou pelo fim do contrato para o resolver (quando o poderia ter feito antes). Tal protelamento não representa nem um agravamento da posição do R (que assim até podia comprar mais café, diminuindo a “devolução” da cláusula 9.º/4/a) nem uma situação que criasse no R. a fundada expectativa de já não ver declarada a resolução (revelando-se o seu exercício manifestamente desleal e intolerável, um “venire contra factum proprium”).

[23] E não estamos sequer a pensar que, ao lado das cláusulas penais de pré-liquidação dos danos, existem também as clausulas penais compulsórias; e que, não sendo o R/apelante um consumidor final, esta 2.ª função não pode ser liminarmente de afastar a uma cláusula penal inserida num contrato de adesão individualizado.
[24] Se a lei quisesse aludir ao momento congénito poderia ter falado em “danos previsíveis”.
[25] Alguns seriam certamente; bastava que fossem de € 2,00 por Kg para os € 3.666,67 serem atingidos.