Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
24/10.0TBVNG.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO CONTRIBUTIVO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DO RISCO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
TOMADOR DO SEGURO
DEVER LEGAL DE INFORMAÇÃO E ESCLARECIMENTO
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO DOS SEGUROS- CONTRATO DE SEGURO.
Doutrina:
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª Ed., 234.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 500.º, 800.º.
D.L. N.º 176/95: - ARTIGO 4.º.
D.L. N.º 446/85: - ARTIGO 11.º.
D.L. N.º 72/08: - ARTIGOS 78.º, 79.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29/10/09, PROFERIDO PELO STJ NO P. 2157/06.8TVLSB.S1.
-DE 21/2/13 – P. 267710.6TBBCL.G1.S1 -, DE 29/5/12 – P. 7615/06.1TBVNG.P1.S1 - , DE 13/1/11 – P. 1443/04.6TBGDM.P1.S1 -, DE 20/1/10 – P. 294/06.8TBOAZ.P1 - , DE 12/10/10 – P. 646/05.0TBAMR.G1.S1 -, DE 22/1/09 – P. 08B4049.
-DE 10/05/2007,PROC. 07B1255, DE 12/10/2010, 646/05. OTBAMR G.1.S.1 E DE 13/10/2011, PROC. 143/04.6TBGDM.P1.S1., DE 17/06/2010, PROC. 651/04.TBETR.P1.S1., DE 29/05/2012, PROC. 7615/06.1TBVNG.P1.S1, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO:
- RP, DE 07/11/2007, PROC. 0724884, 11/09/2008, PROC. 0834361, 12/11/2009, PROC. 651/04.4TBETR.P1, 01-02-2010, PROC. 3405/06.0TBVCD.P1, 12/04/2010, PROC. 1443/04.6TBGDM.P1, DA RG, 27/03/2008, PROC. 369/08-1, DE 19/10/2010, PROC. 1989/07.0TBBRG.G1, 22/11/2011, PROC. 3732/09.9TBBRG.G1, DA RL, DE 05/03/2009, PROC. 1860/07.0TVLSB-8, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
- RP, DE 06/11/2007, PROC. 0724884. NO MESMO SENTIDO, RG, 27/03/2008, PROC. 369/08-1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente certa cláusula de exclusão do risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

2. Na verdade, não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas - carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, não demandado pela interessado/aderente.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

      1 - AA e marido, BB, instauraram acção de condenação, na forma ordinária, contra CC – COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A., alegando que celebraram dois contratos de mútuo para aquisição de habitação com o Banco DD, sendo-lhes exigido,  para a concessão dos créditos, seguro que garantisse os pagamentos devidos ao Banco, em caso de morte ou invalidez

      Em 2004, transferiram os contratos de crédito para o EE, actual Banco FF e, como decorrência dessa transferência, foram celebrados contratos de seguro com o CC – Companhia de Seguros …, S.A., (desde 2007, CC – Companhia de Seguros …, S.A,) que garantiam o capital dos créditos de € 49.437,39 e € 11.000,00, respectivamente.

   O AA. cumpriram pontualmente as suas obrigações contratuais.

   Porém, a partir de 13.05.2005, à autora mulher foi diagnosticada doença bipolar, que a impediu de exercer a actividade profissional, tendo sido considerada afectada por uma incapacidade permanente global de 75% e incapaz para o trabalho desde Março de 2008, passando então a auferir uma pensão de invalidez.

    Não obstante a total invalidez de que padece a autora mulher, a ré recusa assumir o risco, pagando o capital dos empréstimos ao Banco, apoiando-se para o efeito numa cláusula de exclusão de responsabilidade, conexionada com o tipo de patologia que afecta a autora, constante das condições especiais do seguro, que nunca foi comunicada aos autores, sendo, por isso, inválida.

     E, em consequência da recusa da ré em proceder a esse pagamento, os autores têm sofrido angústia e ansiedade, numa situação de asfixia financeira, tendo-se agravado a doença da autora.

      Terminam pedindo que

       a) a cláusula de exclusão de riscos 4.1, alínea o) das condições especiais do seguro complementar de invalidez total e permanente por doença ou acidente seja considerada como não escrita, nos termos da al. a) do art. 8º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais;

      b) seja a ré condenada a pagar aos autores € 12.063,06 provenientes das mensalidades pagas pelos autores ao EE, S.A., actual Banco FF, S.A. derivadas do empréstimo à habitação, desde Janeiro de 2008 até à data de propositura da acção;

      c) seja a ré condenada a pagar a dívida integral proveniente do crédito à

habitação celebrado entre os autores e o Banco FF, S.A., sendo € 37.833,00 de crédito à habitação e € 8.531,00 d segundo crédito contraído para obras;

      d) e seja a ré condenada a pagar aos autores uma indemnização a título de danos não patrimoniais a fixar equitativamente pelo tribunal, em valor nunca inferior a € 1.500,00.

       A Ré contestou, pedindo a improcedência da acção, alegando que os contratos de seguros aludidos pelos autores foram celebrados entre a ré e o tomador do seguro, Banco FF, sendo os autores aderentes ao seguro em questão, inexistindo qualquer contratação directa entre a ré e os autores.

      O contrato foi celebrado pelo banco em seu próprio interesse e benefício, limitando-se a ré a aceitar a adesão dos novos contraentes propostos pelo banco, pelo que o direito de exigir o pagamento cabe apenas ao banco, e não aos autores, além de que a doença de que padece a autora está efectivamente excluída expressamente da cobertura do contrato celebrado.

      O banco mutuário informou os autores de todas as exclusões e do âmbito de cobertura da apólice, tendo a ré remetido aos autores uma carta que contém todas as condições contratuais, sendo a eventual cobertura do risco em questão um factor de agravamento do prémio, pelo que a exclusão de tal cláusula do contrato implicaria um desequilíbrio das prestações do contrato em prejuízo da ré.

   Os AA responderam, afirmando que o contrato foi celebrado entre autores e ré em benefício de um terceiro, sendo esse mesmo efeito que os autores pretendem ver reconhecido, pelo pagamento a efectuar pela ré ao terceiro beneficiário - concluindo pela improcedência das excepções suscitadas.

   Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

      a) determinou a exclusão dos contratos de seguro identificados em a), b), c) e f) da cláusula identificada na al. o) do ponto 4.1 das condições especiais do contrato  de seguro celebrado pela ré;

      b) condenou a ré a pagar aos autores todas as mensalidades por estes suportadas desde Janeiro de 2008 até à presente data por decorrência dos contratos de mútuo identificados na al. a) dos factos provados, a quantificar por mero cálculo contabilístico;

      c) condenou a ré a pagar ao beneficiário do contrato de seguro, Banco FF, S.A., a totalidade do valor em dívida emergente dos contratos de mútuo identificados na al. a) dos factos provados.

      2 - Inconformada com tal sentença, dela apelou a Ré, começando a Relação por fixar a matéria de facto provada, após ter considerado improcedente a impugnação deduzida contra a factualidade tida por assente na 1ª instância:

      a) Em Novembro de 2004, os AA. celebraram com a ré dois contratos de

seguros designados como “Seguro de Vida Grupo Crédito à Habitação” que garantiam o pagamento do capital devido pelos autores ao EE, por efeito dos contratos de crédito à habitação celebrados com os n.º … e …, nos valores de € 49.437,39 e € 11.000,00 respectivamente, estando os aludidos contratos de seguros titulados pela apólice n.º…, autonomizada em dois certificados individuais (A).

      b) A seguradora CC Seguros, garantiu o pagamento do capital € 60.437,39 ao beneficiário do capital seguro, EE, S.A, em caso de invalidez total e permanente por doença ou acidente dos AA. (B)

      c) No primeiro semestre de 2007 a seguradora CC Seguros – Companhia de Seguros …, S.A., alterou a sua firma para CC – Companhia de Seguros …, S.A. (C).

      d) Em Novembro de 2004, juntamente com os contratos de seguro, foi entregue aos autores um caderno, que continha as condições gerais e especiais dos seguros de vida (D).

      e) Por carta datada de 1 de Abril de 2009, a R. informou os AA. que havia concluído que a invalidez da A. não se encontrava coberta pela apólice de seguro (E).

      f) Das condições especiais de seguro de vida referido em A) consta o seguro complementar de invalidez total e permanente por doença ou acidente, ali se prevendo, na cláusula 3, sob a epígrafe “Definições” que se entende por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde e susceptível de comprovação médica objectiva, considerando-se a pessoa segura em estado de invalidez total e permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso de um período máximo de 360 dias que se lhe seguirem cumulativamente se encontrar total e definitivamente incapaz para o exercício das sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades e seja clínica e objectivamente constatada uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 75º determinada pela Tabela Nacional de Incapacidades em vigor, sem aplicação dos factores correctivos nela estabelecidos; no ponto 4, sob a epígrafe “Riscos Excluídos” consta que a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o sinistro seja devido, entre outros, a doenças neurológicas e psiquiátricas de qualquer natureza de que a pessoa segura seja portadora (F).

      g) Entre o dia 13/05/2005 e 06/06/2005 a A. esteve internada no Hospital de ….(1)

      h) Na sequência desse internamento foi diagnosticada à autora uma perturbação bipolar tipo II em fase depressiva.(2)

      i) Os sintomas que caracterizam a doença aludida em 2º impedem a A. de exercer a sua actividade profissional de empregada de limpeza.(3)

      j) Em Março de 2008, a A. foi declarada como inválida para o trabalho.(4).

      k) E foi-lhe atribuída uma pensão por invalidez com início em Dezembro de 2007.(5).

      l) A autora apresenta debilidade intelectual marginal, com perturbação histriónica da personalidade.(6)

      m) A autora mulher apresenta deficiências que lhe conferem, de acordo com a tabela nacional de incapacidade atendida em sede de Junta Médica, uma incapacidade permanente global de 75%, de carácter definitivo e impeditiva do exercício de qualquer actividade profissional.(7)

      n) Com o agravamento do estado de saúde mental da A. mulher, esta foi

obrigada a deixar o seu emprego.(8)

      o) A Autora, nos últimos 4 anos, tem tido acompanhamento psiquiátrico

constante e permanente.(9)

      p) Sem quaisquer melhorias no seu comportamento.(10)

      q) A ré nunca informou os autores do teor da cláusula de exclusão aludida em f).(11)

      r) Os AA. têm vivido grandes dificuldades financeiras por continuarem a pagar a mensalidade dos créditos.(14)

      s) Os AA. têm vivido angustiados e nervosos.(15)

      t) A autora aufere uma pensão que, em Abril de 2008, foi fixada no valor mensal de € 263,76.(17)

      u) Após o pagamento da mensalidade dos créditos, os AA. têm dificuldades em fazer face a todas as suas despesas (18).

      v) Os autores subscreveram o boletim de adesão ao seguro de vida aludido em a) num balcão do banco EE, no Porto (19).

      x) No balcão os funcionários do banco explicaram aos subscritores o conteúdo geral do seguro que estes iriam contratar, designadamente o valor dos prémios mensais (20).

      z) Após a subscrição do contrato de seguro a ré enviou aos autores uma carta acompanhada pelo documento de fls. 30, que se tem por reproduzido (22).

      3. Passando a apreciar juridicamente o objecto do recurso – que julgou improcedente - e após notar que a cláusula 4 das condições especiais efectivamente exclui do âmbito dos riscos cobertos as patologias de natureza neurológica ou psiquiátrica, como inquestionavelmente é a que afecta a A., não sendo tal exclusão, considerada em si mesma, inválida, considera o acórdão proferido pela Relação:

      Entre O EE (agora no Banco FF) e a apelante foi celebrado um seguro (de vida) de grupo, em que as pessoas seguras (que venham a aderir ao seguro) serão os contraentes de crédito à habitação junto do tomador do seguro.

      O seguro de grupo é um seguro de adesão, sendo as suas cláusulas, apresentadas por um dos contraentes, insusceptíveis de modificação por parte dos aderentes (segurados), cuja liberdade contratual se limita a aderir ou não aderir (sendo que, na circunstância, a imperiosa necessidade do seguro como condição da obtenção do empréstimo, impeliu/ia os segurados à adesão, donde até essa parcela de liberdade negocial ficou reduzida, senão mesmo suprimida).

      De notar que, no seguro de grupo (no caso, do tipo contributivo, já que é o segurado que suporta o encargo do prémio como contrapartida do risco da seguradora), entre o tomador e o segurador, o contrato não reveste a natureza de contrato de adesão, já que ambos os contraentes poderem discutir todas as cláusulas e o seu conteúdo.

      Porém, esse seguro (algo como um plano ou um modelo de seguro) só ganha vida ou produz efeitos com a adesão de clientes/segurados; são estas adesões que vivificam o contrato inicial, com elas se estabelecendo uma relação trilateral – tomador, segurador e segurado – e nessa fase (da adesão), quanto à relação estabelecida com o segurado, que se limita a aderir a um clausulado pré-estabelecido, em relação ao qual não tem possibilidade de o conformar às suas necessidades e segundo a sua vontade, o contrato tem a natureza de contrato de adesão, assumindo as suas cláusulas a natureza de cláusulas contratuais gerais (o que não suscita controvérsia no processo).

      Revestem pois as cláusulas gerais e especiais do contrato celebrado (com o exemplar a fls. 30 e seguintes, remetido à apelada com o certificado individual de seguro) a natureza de cláusulas contratuais gerais (caracterizadas pela pré-formulação, generalidade e imodificabilidade) estando a conferência da sua eficácia e validade sujeita ao alcance das normas do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho.

      Trata-se de cláusulas elaboradas de antemão, que destinatários indeterminados (como sejam os clientes do banco, agora FF, que junto desde contraem empréstimos para aquisição de habitação) se limitam a aceitar, sem possibilidade de as modificar (artigo 1º do DL 446/85), para as adaptar às suas conveniências.

      De modo para vincular o aceitante/aderente das cláusulas gerais, necessário é que este as conheça (antes de se vincular contratualmente, por isso, na fase das negociações), o que implica que lhe sejam comunicadas/entregues e sejam esclarecidas ou explicadas, no que, para compreensão integral do seu conteúdo, exigir esclarecimento. Esse dever de comunicação destina-se a possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência das cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular e o conhecimento do seu conteúdo. A observância desse dever importa “a comunicação integral das cláusulas e a necessidade de proporcionar á contraparte a possibilidade de uma exigível tomada de conhecimento do respectivo conteúdo”, exigindo-se que à contraparte do utilizador das cláusulas “sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões”[1]

      Dada a complexidade, e na medida da complexidade, das cláusulas predispostas, o conhecimento do seu verdadeiro conteúdo (designadamente, e no que concerne ao seguro, o conhecimento preciso das coberturas, dos custos/prémio do contrato e das exclusões, sendo normalmente estas em que menor preocupação há em esclarecer) está implícito numa livre e esclarecida aceitação das cláusulas.

      O contraente a quem estas são propostas não pode estar ao alcance de surpresas prejudiciais, cuja possibilidade de ocorrência desconhecia e que não podia perspectivar, ou com sentidos/interpretações das cláusulas com que, numa actuação diligente e de boa fé, não podia normalmente contar. Daí que devem as mesmas ser comunicadas e de modo que se tornem compreensíveis para os destinatários (tendo em conta os destinatários normais a quem as cláusulas se dirigem) para que esclarecidamente se possam decidir pela adesão.

      Com esta finalidade, dispõe-se no artigo 5º desse DL:

      1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

      2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

      3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

      No seu artigo 6º:

      1 – O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

      2 – Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

      E no artigo 8º

      Consideram-se excluídas dos contratos singulares:

a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º;

b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;

      (…).

      Acrescendo, e no que concerne aos seguros de grupo reforçando o dever de comunicação, o artigo 4º do DL 176/95, de 26 de Julho (chamado aqui, dada a data da celebração do seguro em causa no processo, entretanto substituído pelo DL 72/2008, de 16 de Abril):

      “1 – Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, obrigações e direitos em caso

de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

      2 – O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.

     (…)”.

      Assim, independentemente da validade (em si) das cláusulas não comunicadas ou não informadas em termos adequados, conforme arts- 5º e 6º do DL 446/85, são estas inoponíveis aos aderentes, considerando-se excluídas dos contratos singulares.

      Estes contratos singulares em que se insiram tais cláusulas mantém-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração do negócio jurídico (cfr. artigo 239º do CC), salvo se sem as cláusulas excluídas ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou importe um desequilíbrio nas prestações atentatório da boa fé (artigo 9º/1 e 2 do DL 446/85). Problema que, na situação concreta, se não colocou ou coloca.

      Em defesa dos aderentes (os consumidores, normalmente a parte mais frágil na relação) pretende-se dos predisponentes uma actuação pautada pela boa fé e transparência, o que importa, e antes de mais, que prestem um completo e efectivo esclarecimento das cláusulas a quem a elas vem a aderir.

      E cabe-lhes provar que fizeram a comunicação das cláusulas aos aderentes e de modo que se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo (suposta sempre uma actuação diligente do aceitante).

      Alegada a falta de comunicação e informação pelos AA, não provou a apelante que houvesse sido observada essa obrigação de comunicação e informação.

      Assim, provou-se que “a ré nunca informou os autores do teor da cláusula de exclusão aludida em f)”, nomeadamente a que excluía da cobertura do seguro as “doenças neurológicas e psiquiátricas de qualquer natureza de que a pessoa segura seja portadora” [(alíneas f) e q), dos factos provados)].

      Por outro lado, não se provou que os segurados houvessem sido informadas dessas cláusulas de exclusão pelos funcionários do banco, conforme resposta negativa ao ponto 21 da base instrutória em que se perguntava se os funcionários do banco “explicaram aos autores as exclusões do âmbito de cobertura da apólice”.

      Não tendo sido comunicadas e informadas aos segurados as cláusulas de exclusão, designadamente (no que interessa) a que excluía as doenças psiquiátricas da cobertura do seguro, tem de excluir-se tal cláusula dos contratos individuais celebrados pelos apelados, quando aderem ao seguro de grupo.

      Se as cláusulas em causa (de exclusão da cobertura) não foram comunicadas aos apelados, é claro que a elas não aderiram (sendo o contrato em causa, na perspectiva dos segurados, um contrato de adesão).

      As cláusulas excluídas têm-se por inexistentes, pois não fazem parte do contrato, não são consideradas para nenhuns efeitos, nomeadamente para fixação dos direitos e deveres emergentes do negócio.

      Do que decorreria a vinculação da apelante, nos termos sentenciados (pagamento ao banco do remanescente do crédito ainda não amortizado e aos apelados o valor das prestações por estes pagas desde a comunicação do sinistro), e improcedência do recurso.

      Não obstante, entende a apelante que, estando-se perante um seguro de grupo, celebrado entre ela e o banco tomador, não lhe incumbia a obrigação de comunicação e informação, mas apenas ao banco, tomador do seguro, pelo que a inobservância dessa obrigação do tomador do seguro não lhe é oponível, não respondendo pela conduta do banco (omissão dos deveres de comunicação e informação) para com os AA.

    Ou seja, os apelados não podem invocar a falta de comunicação e informação das cláusulas que excluem a doença que afecta a apelada da cobertura do seguro para exigirem da seguradora o pagamento do remanescente do crédito do tomador.

      É esta a questão a resolver.

      Na sentença recorrida doutamente se fundamentou no sentido da vinculação da seguradora pela inobservância dos deveres de comunicação e informação e, nesta conformidade, se condenou a (ora) apelante.

      Diversas têm sido as soluções jurisprudenciais, quer no sentido da inexistência (salvo disposição contratual em contrário) dos deveres de comunicação e informação das cláusulas (contratuais gerais) a onerar o segurador e, por consequência, da inoponibilidade a este da omissão cometida pelo tomador do seguro[2], quer no sentido de que a omissão e suas consequências são oponíveis ao segurador, não podendo esta desonerar-se do dever de indemnizar, no caso da verificação do risco, com as condutas do tomador do seguro[3].

      Temos dois contratos de crédito celebrados com o Banco mutuante e, intimamente ligados a estes, duas adesões ao Seguro do Ramo Vida que o mesmo celebrou com a seguradora apelante, sendo convencionado como beneficiário da prestação desta, em caso de verificação do risco, o banco mutuante/tomador do seguro (sem que se exclua também o benefício do segurado e, daí, o interesse deste no seguro que, verificado o risco, fica liberto de uma dívida).

      Não se olvida que o Banco mutuante e tomador do seguro de grupo, por um lado, e a seguradora (apelante), por outro, integram o mesmo grupo económico-financeiro e celebram o seguro de grupo no comum interesse, potenciando, lucrativa e reciprocamente, a actividade de cada um deles. Nessa coordenação, a seguradora serve-se do Banco para colocar/vender, junto dos clientes deste (com determinados créditos - “crédito à habitação”) os seus seguros, recorrendo à espécie contratual de “seguro de grupo”. Por imposição do mutuante, tiveram os apelados de contratar seguro em seu benefício e que foi contratado na seguradora do grupo, beneficiando esta de vasto número de clientes (centenas ou milhares) sob promoção do banco “intermediário”.

       Como se escreve em Ac. RP[4] “o Banco funciona como o verdadeiro angariador de clientes de seguros, impondo-os aos seus mutuários nos casos de concessão de crédito para compra de habitação, a título de garantia acrescida à hipoteca constituída sobre os imóveis, como sucedeu neste caso; e em que os segurados, obviamente “contributivos” (al. h) do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 176/95), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos ficam como que esmagados entre dois “elefantes” (no sentido de que se trata de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro).

      Pelo que os efeitos do incumprimento daquele dever de informação sobre o teor e o sentido das cláusulas contratuais, e designadamente as que se referem aos deveres a que vinculam os segurados, é questão a dirimir entre a seguradora e o Banco, mas não a opor aos próprios segurados.”

      Há, nessa situação, um íntima colaboração entre as duas entidades que celebram o contrato de seguro, em relação às quais as cláusulas negociadas não assumem a natureza de cláusulas contratuais gerais.

      E dessa colaboração, de que vêm a beneficiar reciprocamente, nasce um produto negocial, finalisticamente constituído por um clausulado fixo e imodificável que, sabido é por ambas as partes, é para e vai ser proposto a um número indeterminado de pessoas (consumidores, clientes do Banco) e que a ele vêm a aderir, em relação aos quais essas

cláusulas são cláusulas contratuais gerais. Rigorosamente, é nesta fase da adesão que se coloca o problema das cláusulas gerais, quando propostas ao consumidor (directamente pelo tomador) e por ele aceites.

      Bem sabendo a seguradora da finalidade e do iter das cláusulas que, com o tomador do seguro, convenciona, e que o seguro só se torna efectivo e eficaz a partir da concretização de alguma adesão. As cláusulas são elaboradas pelo segurador e tomador para serem apresentadas aos aderentes que as vêm a aceitar, sem discussão ou modificação, e a essa processo não é estranha a seguradora.

      A adesão não depende apenas da vontade do aderente, como efeito automático de um acto unilateral deste. Mesmo que se não entenda como figura contratual autónoma (mas como uma fase necessária à eficácia do seguro de grupo), para a adesão se tornar eficaz, necessária é a aceitação da proposta do aderente pela Seguradora, sem a qual o proponente não fica a coberto da garantia negociada no seguro de grupo. Se as negociações com vista à adesão são tratadas com o tomador do seguro, é com a segurada que se concluem pela aceitação da proposta do aderente. A seguradora e o aderente são parte no mesmo negócio.

      De modo que o “negócio” da adesão não é estranho à seguradora, para se remeter a uma total irresponsabilidade pela deficiente formação da vontade do aderente ao se vincular em virtude da omissão de informação pelo tomador do seguro (incumprindo os ditames estabelecidos pelo artigo 4º do DL 176/95, de 26 de Julho).

      Se, desta disposição, surgem obrigações para o tomador do seguro, já que é junto deste que, normalmente, as negociações para a adesão se processam, não opera esta a total irresponsabilidade do segurador pelas omissões de informação ao aderente, praticadas pelo tomador do seguro.

      Como não se veria exagero que a seguradora, antes da aceitação da proposta remetesse as cláusulas gerais ao aderente, antes de se limitar a fazê-lo com o certificado individual de seguro, que corporiza a aceitação da proposta.

      Neste entendimento, não pode a seguradora ser estranha à obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais à outra parte, seja directamente ou através do tomador do seguro que, no processo normal de formação deste tipo de seguro, funciona como verdadeiro intermediário.

      Quem se pretende fazer valer das cláusulas gerais em causa (de exclusão da cobertura) é a seguradora/apelante. Por isso que a ela cabe provar a comunicação/informação das cláusulas ao aderente (arts. 1º/3 e 5º/3 do DL 446/85).

      Não se tem como razoável, excluir o segurador da responsabilidade pela omissão cometida pelo tomador do seguro, que actua também no seu interesse económico, funcionando como um intermediário, em desprotecção do consumidor, globalmente a parte menos esclarecida e mais fraca da complexa relação contratual.

      Como consta do Preâmbulo do DL 72/2008, de 16 de Junho, que estabelece a nova regulamentação do contrato de seguro “nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa realçar que da nova regulamentação deste tipo de seguro resulta que o facto de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”.

       O seguro de grupo é um contrato de seguro, celebrado inicialmente apenas entre a seguradora e um tomador, mas ao qual aderem posteriormente outros indivíduos ligados de algum modo ao tomador do seguro, assumindo, desse modo, o seguro de grupo “a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes”. Estes (aderentes consumidores), a parte débil na relação de seguro, não podem ter menor protecção pelo facto de se vincularem à seguradora, sob promoção do tomador do seguro. Se o Banco omitiu conduta regular, não se vê que para ela tenham contribuído os segurados (quando, como no caso, sempre cumpriram as suas obrigações), sendo de todo injusto fazer recair obre eles as consequências de um cláusula a que não aderiram.

O que há-de implicar a responsabilidade directa da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas gerais de exclusão das coberturas do seguro, mesmo que essa falta seja imputável, m primeira linha, ao tomador do seguro.

     Conforme se escreve no Ac. RP[5] “numa primeira análise, que parece que quem tinha o dever de informar do teor das cláusulas seria o tomador do seguro (Banco), que foi quem negociou o seguro de grupo com a seguradora, quem concedeu o crédito aos autores e que serviu de intermediário do seguro relativamente aos segurados.

      E, então, logo surge uma das questões que em muito tem preocupado a doutrina: saber se a falta de informação do intermediário se repercute na seguradora.

      É que, como vimos, o Banco, de certo modo, actuou perante os autores como intermediário da seguradora.

      E a questão assume particular relevância, precisamente, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, de que o contrato de seguro é normalmente fértil.

       Ora, a consequência imediata dessa falta de informação do intermediário é que “a seguradora não poderá invocar uma exclusão a uma cobertura, contida numa cláusula que não foi devidamente comunicada ou informada pelo intermediário, porque essa exclusão se vai ter por excluída do contrato. Logo vigora a cobertura” (sem tal exclusão).

      Assim sendo, parece que a conclusão a tirar não pode deixar de ser esta: faltando a devida informação, a seguradora arcará com as respectivas consequências, não podendo invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Responde perante o segurado, sem prejuízo de poder, eventualmente, depois, vir accionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado.

      A responsabilização directa da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual -- o consumidor/segurado”.

      Demonstrado que nem a seguradora (ora apelante) nem o tomador do seguro cumpriram a obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais de que aquela se quer fazer valer, cuja consequência seria a sua exclusão do contrato que vincula os apelados, no qual a apelante é parte, concluímos não poder esta desonerar-se da obrigação de indemnizar, verificado que foi o risco, com o fundamento de que a omissão do cumprimento daquelas obrigações não lhe é imputável.

      Improcede a apelação.

      Em conclusão 1) No seguro de grupo – ramo vida, em que o tomador é simultaneamente o beneficiário, a comunicação e informação das cláusulas gerais ao segurado/aderente cabe, em primeira linha, ao tomador do seguro, 2) sem que o segurador, que com o tomador estabeleceu essas cláusulas, possa opor ao segurado/aderente que a omissão daquela obrigação não lhe é imputável, para não ver excluídas as cláusulas não comunicadas e, consequentemente, para não realizar a sua prestação em caso de verificação do risco.

         4. Inconformada com esta decisão, interpôs a seguradora/R. a presente revista excepcional, a qual foi admitida com fundamento em oposição do decidido pela Relação com o acórdão fundamento invocado, encerrando a recorrente a sua alegação com as seguintes conclusões:

i.          O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido a fls. ... que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente da sentença proferida nos autos que correu termos na 2.a Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sob o número 24/10.0 TBVNG.

ii.         É fundamento do presente recurso a verificação do pressuposto referido na alínea c) do artigo 721." A n.° 1 do Código de Processo Civil.

iii.        O  douto Acórdão  do  Tribunal  da   Relação  do  Porto  está,   salvo  douto entendimento diverso, em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.° 651/04.4 TBETR.P1.S1, cuja cópia se junta, (e que     pode    ser       consultado      in

http://www.dgsi.pt/isti.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/27de741461671e2f802577460031cf31?OpenDocument ).

iv.        O Acórdão recorrido entendeu que a omissão cometida pelo tomador do seguro, no que diz respeito aos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, são oponíveis à Seguradora, não podendo esta desonerar-se do dever de indemnizar, no caso da verificação do risco.

v. O Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010 no processo n.° 651/04.4 TBETR.P1.S1. já transitado em julgado, julgou em sentido diverso, fundamentando que opondo o aderente de seguro de grupo à seguradora, em acção intenta apenas contra esta, a falta de comunicação e consequente exclusão de cláusula contratual não comunicada, tendo sido o banco tomador o autor da omissão do dever de comunicação, não está vedado à seguradora opor ao aderente a violação desse dever do tomador e respectivas consequências, vi. O Acórdão recorrido e o Acórdão contraditório foram proferidos no âmbito da mesma legislação, aplicando-se in casu o Decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro e o Decreto-Lei 176/95, de 26 de Julho.

vii. Ambos os acórdãos são idênticos no que se refere ao caso apreciado e julgado versando sobre a mesma questão fundamental de direito, a saber, vinculação ou não da Seguradora pela inobservância dos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, não estando o Tomador de Seguro (Banco) demandando na acção judicial intentada pelos Autores somente contra a Seguradora, viii. Na análise da

jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não foi identificado qualquer Acórdão de Uniformização de Jurisprudência que verse sobre a questão em causa.

ix. Perante o estrito cumprimento por parte da Recorrente dos requisitos da alínea c) do n.° 1 e do n.° 2 do 721° A do C.P.C., deverá ser admitida a a revista excepcional remetendo-se os autos à distribuição.

x.         No douto Acórdão em revista, na parte que ao presente recurso interessa, considerou-se: Não se tem como razoável, excluir o segurador da responsabilidade pela omissão cometida pelo tomador do seguro, que actua também no seu interesse económico, funcionando como um intermediário, em desprotecção do consumidor, globalmente a parte menos esclarecida e mais fraca da complexa relação contratual.

Se o Banco omitiu conduta regular, não se vê que para ela tenham contribuído os segurados (quando, como no caso, sempre cumpriram as suas obrigações), sendo de todo injusto fazer recair obre eles as consequências de um cláusula a que não aderiram.

"O que há-de implicar a responsabilidade directa da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas gerais de exclusão das coberturas do seguro, mesmo que essa falta seja imputável, m primeira linha, ao tomador do seguro. Demonstrado que nem a seguradora (ora apelante) nem o tomador do seguro cumpriram a obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais de que aquela se quer fazer valer, cuia consequência seria a sua exclusão do contrato que vincula os apelados, no qual a apelante é parte, concluímos não poder esta desonerar-se da obrigação de indemnizar, verificado que foi o risco, com o fundamento de que a omissão do cumprimento daquelas obrigações não lhe é imputável."

Improcede a apelação.

"Em conclusão 1) No seguro de grupo - ramo vida, em que o tomador é simultaneamente o beneficiário, a comunicação e informação das cláusulas gerais ao segurado/aderente cabe, em primeira linha, ao tomador do seguro, 2) sem que o segurador, que com o tomador estabeleceu essas cláusulas, possa opor ao segurado/aderente que a  omissão  daquela obrigação não lhe é imputável,    para   não   ver   excluídas   as   cláusulas   não   comunicadas   e consequentemente, para não realizar a sua prestação em caso de verificação do risco."

Pelo exposto,  acorda-se no Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida."

Ora,

xi.        Os aspectos de identidade entre os dois Acórdãos: Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.° 651/04.4 TBETR.P1.S1, datado de 17.06.2010:

Acção intentada pelas pessoas seguras somente contra a Ré Seguradora,  não intervindo nos autos o Banco - Tomador do Seguro; Tipologia do contrato de seguro associado a um crédito à habitação; Natureza da doença diagnosticada na pessoa segura;  Doença especificamente constante nas cláusulas de "exclusão de risco" constante das Condições Gerais do contrato de seguro; não cumprimento do dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais por parte do Tomador do Seguro (Banco); Eliminação do contrato de seguro da cláusula de exclusão.

xii.       No Acórdão posto agora em crise estamos perante uma acção instaurada pelos Autores apenas contra a Recorrente Seguradora, ao abrigo de um contrato de seguro grupo vida que garantia o pagamento das importâncias devidas pelos Autores em caso de morte ou invalidez.

xiii.     À Autora foi diagnosticada uma perturbação bipolar tipo II em fase depressiva, que lhe confere, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade atendida em sede de Junta Médica, uma incapacidade permanente global de 75%. de caracter definitivo e impeditiva do exercício de qualquer actividade profissional.

xiv. Das condições especiais do contrato de seguro em apreço, no ponto 4, sob a epígrafe "Riscos Excluídos" consta que a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o sinistro seja devido, entre outros, a doenças neurológicas e psiquiátricas de qualquer natureza de que a pessoa segura seja portadora.

xv.       Não se  provou  no acórdão ora  posto em crise que  no  balcão,  os funcionários do Banco explicaram aos autores as exclusões do âmbito de cobertura da apólice, pelo que a referida cláusula de exclusão foi eliminada do contrato de seguro.

xvi.      No douto Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010 no processo n.° 651/04.4 TBETR.P1.S1. já transitado em julgado, estamos igualmente perante uma acção instaurada somente contra a Companhia de Seguros pedindo que fosse condenada a indemnizá-lo nos termos contratuais, nomeadamente entregando à Instituição de Crédito beneficiária do seguro o capital em

divida e ao segurado o remanescente se o houver, ao abrigo de dois contratos de seguro de vida que garantiam a cobertura dos riscos por morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente dos segurados.

xvii.    Foi   detectada   ao   Autor   doença   de   foro   neuropsiquiátrico   que   lhe determinou uma invalidez permanente de 84%. o que equivale a invalidez total e permanente por doença.

xviii.    Das Condições Gerais da Apólice consta que a Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, caso o sinistro seja devido a doenças neurológicas (incluindo epilepsia) e psiquiátrica (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora.

xix.     Nem antes nem aquando da subscrição do seguro, o Autor foi informado das condições gerais do produto subscrito e dos riscos excluídos.

xx.      O sinistro encontra-se abrangido pela cobertura da apólice em virtude da exclusão do contrato da cláusula que o afastava, mantendo-se o contrato válido e eficaz na parte não afectada, como consequência do incumprimento do dever de comunicação dessa cláusula ao Autor-aderente.

xxi. Eis a pergunta que se colocava no Acórdão-fundamento: "A questão a resolver consiste em saber se opondo o aderente de seguro de grupo à seguradora, em acção intentada apenas contra esta, a falta de comunicação e consequente exclusão de cláusula contratual não comunicada, tendo sido o banco tomador o autor da omissão do dever de comunicação, não pode a seguradora opor ao aderente a violação desse dever e suas consequências."

xxii.     Questão que se colocava, igualmente, no douto Acórdão da Relação do Porto ora posto em crise.

xxiii. Perante isto, entendeu a 1.a Instância bem como a Relação do Porto, que perfilhou do mesmo entendimento, que dado como provado nos autos que o Tomador do Seguro não cumpriu o dever que sobre si impendia, nomeadamente de comunicação e informação do teor das cláusulas contratuais gerais, a Seguradora não se encontra desonerada da obrigação de indemnizar.

xxiv. Ao passo que, no Acórdão-fundamento do presente recurso se refere doutamente que: "4. 1.-A situação que se apresenta é a de um "Seguro Vida Crédito à Habitação", na

modalidade de seguro de grupo, em que o Autor foi Aderente e Segurado, foi Tomador e Beneficiário o mutuante Banco ... e Seguradora a Ré, vindo já decidido, sem oposição, que o sinistro se encontra abrangido pela cobertura da apólice em virtude da exclusão do contrato da cláusula que o afastava, mantendo-se o contrato válido e eficaz na parte não afectada, como consequência do incumprimento do dever de comunicação dessa cláusula ao Autor-aderente."

"Depois de se reconhecer que era sobre o Banco, Tomador do seguro, que impendia o dever de comunicar ao Autor as coberturas contratadas e provar que fez a comunicação, no acórdão impugnado, mediante invocação do dever de boa fé do utilizador de cláusulas contratuais gerais, da natureza tripartida do contrato de seguro de grupo e da actuação da instituição bancária como intermediária da seguradora, decidiu-se, no acórdão impugnado, que a seguradora não pode opor ao aderente a omissão de comunicação cometida pelo banco tomador, devendo as consequências da exclusão das cláusulas não comunicadas ser dirimidas entre o banco e a seguradora, que tem de indemnizar nos termos contratuais."

xxv. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova -artigo 4.° do Decreto-Lei 176/95, de 26.Julho e pelo artigo 342.° do Código Civil. xxvi. Veja-se o que nos

ensina, igualmente, o douto Acórdão de 3 de Maio de 2011 in Colectânea de Jurisprudência". - ISSN 0870-7979. - A. 36, tomo 3, n° 231 (maio-julho 2011) p. 85-88

xxvii. E ainda o douto Acórdão de 22 de Janeiro de 2009 in Colectânea de Jurisprudência : Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça". - ISSN 0870-7979. - A. 17, tomo 1 n° 214 (Janeiro-fevereiro-Março 2009) p.78-81

xxviii. O ónus da prova da comunicação ao contraente que submete as cláusulas ao segurado, que no regime dos contratos de seguro de grupo recaí sobre o tomador do seguro, conforme expressamente resulta do n.° 2 do artigo 4.° do citado DL 176/95.

xxix. O Banco actua por si próprio, em seu próprio nome, no seu próprio interesse, por sua própria conta, como Tomador de Seguro e Beneficiário e é nessa qualidade que ele está obrigado a informar o Segurado do teor das cláusulas contratuais.

xxx. Desse incumprimento, pelo Banco, resultou a exclusão do contrato de seguro da cláusula das Condições Gerais da Apólice, oposta pela Ré, a qual excluía a doença que a pessoa segura era portadora, por aplicação do Regime Jurídico das Clausulas Contratuais Gerais - DL n.° 446/85.

xxxi. Contudo, conforme se diz no douto Acórdão-fundamento do presente recurso, cujo entendimento, igualmente, a Recorrente sufraga, "não prevê a lei as consequências da omissão dos deveres de informação, designadamente quando, como agora ocorre, o contrato de seguro fica amputado de alguma das suas cláusulas."

xxxii. Concluindo o douto Acórdão-fundamento que: "O Banco não só não foi diligente como incumpriu um dever legalmente imposto com repercussão no objecto do contrato quanto ao âmbito dos riscos cobertos (por eliminação de exclusão), o que conduz directamente à sua culpa na formação do contrato e responsabilidade para com os segurados (art. 227° C. Civil; cfr. acs. de 18/4/2006 e de 3/3/2009, procs. 06A818 e 09A0145)"Í Assim sendo, não se vê como responsabilizar a Seguradora, fazendo-a responder por um facto ilícito cometido pela outra Parte, ao qual foi e, tanto quanto se conhece, se manteve          alheia."

"4.5. - Conclui-se, pois, respondendo à questão inicialmente enunciada, que não estando no processo o Banco responsável pela violação e não podendo a demonstrada omissão, com influência modificativa no âmbito de coberturas do contrato de seguro, ser imputada à Recorrente Seguradora, não se encontra fundamento para manter a condenação desta a pretexto de lhe estar vedado opor ao aderente a actuação ilícita e culposa do tomador do seguro e suas consequências em sede de responsabilidade."

xxxiii. E no mesmo sentido foi também proferido o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.° 646/05.0 TBAMR G1.S.1 datado de 12.10.2010 in www.dgsi.pt.

xxxiv. Face ao que antecede e no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, decidiu o Acórdão-fundamento em sentido diverso do Acórdão da Relação do Porto ora posto em crise, não podendo, por este motivo, manter-se a condenação da Recorrente Seguradora, na medida em que não pode ser ser oponível à Seguradora a omissão cometida pelo Tomador do Seguro.

xxxv. Assim, é entendimento da ora Recorrente que o Tribunal concluiu, erradamente, ser a Ré, responsável pelas consequências das omissões perpetuadas por terceiro, devendo nessa medida ser revogado o acórdão proferido face à notório e patente contradição com o proferido pelo Acórdão-fundamento do Supremo Tribunal de Justiça.

xxxvi. Assim, e por toda a ordem de razões já expostas, deverá o douto Acórdão ser revogado no que concerne à absolvição da Recorrente Seguradora dos pedidos formulados, por violação substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação das normas em apreço, mais concretamente as referentes nos artigos 5.°, n.° 3, 6.° do DL 446/85, de 25 de Outubro, artigo 4.° n.° 1 do Decreto Lei 176/95, de 26.07, artigo 342.° do Código Civil, tendo o tribunal a quo, erradamente, concluído que a Ré, é responsável pelas consequências das omissões perpetuadas por terceiro, nos termos dos artigos 721 .°-A, n.° 1 e 722°, n.° 1, alínea a) e n.° 2 do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista excepcional, só assim se fazendo JUSTIÇA !

   Os recorridos pugnam pela manutenção da solução adoptada pela Relação no acórdão recorrido, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões da contra alegação que apresentaram:

1) O douto acórdão ora recorrido não merece qualquer juízo de censura ou qualquer reparo, pois é justo e está em perfeição com o Direito.

2) Conforme já referido, ficou provado que os AA/Recorridos não foram informados das clausulas de exclusão. Deste modo,

3) Estamos perante uma cláusula cujo o conteúdo não foi dado a conhecer aos AA/Recorridos, verificando-se assim uma quebra da obrigação de comunicação e informação que conduz ao afastamento da cláusula de exclusão.

4} Não se pode ter como razoável que a R. CC possa excluir a sua responsabilidade pela omissão cometida pelo tomador do seguro, que actua também no seu interesse económico, por pertencer ao mesmo conglomerado financeiro.

5) O Banco funciona como verdadeiro intermediário, numa relação de comitente/comissário que desprotege o consumidor, globalmente a parte menos esclarecida e mais fraca da complexa relação contratual trilateral do caso sub judice.

6) Corrobora-se inteiramente o afirmado no acórdão recorrido de que se o banco omitiu conduta regular, não se vê que para ela tenham contribuído os segurados, quando, como no caso, sempre cumpriram com as suas obrigações, sendo de todo injusto fazer recair sobre estes as consequência de uma cláusula a que não aderiram e que devia ter sido comunicada pela Seguradora, que foi demandada e é responsável portal comunicação.

7)         Terá de existir responsabilidade directa da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais, não é possível que a seguradora tenha enviado uma carta aos Recorridos a dar-lhes as boas vindas como clientes (fls. 27 do processo), mas depois não os reconheça como clientes directos quando se trata de discutir a assunção de responsabilidade decorrente da relação comercial estabelecida, sempre com invocação de uma intermediação que, por desnecessária para o aderente, estes nunca a solicitaram.

8)         De facto, impõe-se um acórdão uniformizador de jurisprudência sobre esta matéria que tem suscitado tanta controvérsia.

9)         Entendemos e defendemos que a posição do Ac. do STJ de 17.06.2010,, proferido no processo 651/04.4TBETR.P1.S1, constitui no caso em apreço uma clamorosa injustiça, sendo uma construção que lesa irremediavelmente os direitos dos aderentes aqui Recorridos e é, a nosso ver, contrária ao espírito do regime das cláusulas contratuais gerais e da boa-fé, que preside a todas as regras de contratação.

10)       Ainda que o dever de informar caiba ao tomador do seguro - banco -, que, no caso em apreço ficou provado que o incumpriu (cf. ai. q) dos factos provados), entendemos que tal omissão é oponível à ré, devendo as consequências da mesma ser posteriormente compensadas entre a ré e o tomador.

11)       Sufraga-se assim as posições do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.2011, disponível em www.dgsi.pt: "o facto de o banco tomador não ter sido demandado nestes Autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a seguradora e o próprio

Banco, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora ao aderente". No mesmo sentido, o Ac. da RC de 9.01.2012, proc. n.e 27/10.4T2AND.C1 disponível em www.dgsi.pt.

12)       Seguindo também de perto o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.09.2008 (cujo entendimento foi igualmente sufragado por jurisprudência mais recente, designadamente Acórdão da Relação do Porto de 01.02.2010, relatado pela Sr? Desembargadora Anabela Luna de Carvalho e Acórdão de Relação do Porto de 12.04.2010, relatado pelo Sr. Desembargador Sousa Lameira, todos disponíveis em www.dgsi.pt), se a seguradora, para não ter de "dar a cara" ao segurado, se pudesse escudar ou esconder no simples facto de não ter sido com ele que directamente celebrou o contrato, seria aceitar-se uma situação claramente injusta e penalizante para o segurado, na medida em que se via obrigado a pagar os prémios de seguros à seguradora, mas, quando se verificava o risco, já não podia demandá-la para cumprir as obrigações que emergiam do próprio contrato de seguro.

13)       Como também refere o Acórdão da Relação de Guimarães, de 22.11.2011, processo n.^ 2732/09.9TBBRG-G1, disponível em www.dgsi.pt: "o segurado-aderente contrata em primeira linha com o tomador mas é a Seguradora quem recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, como foi o caso, considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice. A seguradora não pode agora vir invocar que as condutas do tomador, verdadeiro intermediário na celebração dos contratos de seguros com os aderentes, não lhe podem ser opostas."

14)       Se estamos perante uma cláusula cujo conteúdo não foi dado a conhecer aos autores aqui Recorridos, se se verifica uma quebra da obrigação de comunicação e informação que conduz ao afastamento da cláusula (do contrato de seguro), se quem pretende prevalecer-se da  cláusula (de exclusão, neste caso) tem o ónus de prova de cumprimento do dever de comunicação (art. 52 do regime das CCG), se essa prova resulta não efectuada com a consequente aplicação da sanção de exclusão da cláusula do contrato celebrado [art. 89, ai. a) do RCCG), consideramos que toda esta cadeia de falhas e consequências é oponível à R./Recorrente, por ser esta quem pretendeu no processo prevalecer-se da cláusula em questão.

15)       Caso contrário, a Recorrente estaria numa posição tão confortável que, não obstante reconhecer o risco de ser condenada na presente acção por efeito de uma omissão de terceiro, não se preocupa em chamar o terceiro à acção para exercer o seu eventual direito de regresso - naturalmente que o direito de regresso perde dignidade quando o prejuízo se reflecte dentro do mesmo grupo económico.

16)       Não se pode assim aceitar que a CC aqui Recorrente, possa vir alegar que a falta de comunicação e consequente exclusão da cláusula não comunicada é da única responsabilidade do banco tomador, sociedade do mesmo grupo económico, trata-se do mesmo conglomerado financeiro, existe uma relação umbilical entre tais entidades.

17)       Como refere o Ac. da RC de 27.03.2012, proc. 2783/03.7TBCTB.C2, disponível em www.dgsi.pt: Há efectivamente que não esquecer que actualmente (como ocorreu no caso concreto), os Bancos beneficiários desses seguros, "agindo como intermediário das seguradoras, no âmbito do fenómeno que designou de "bancassurance" e que definiu como «ligação e colaboração entre Bancos e Companhias de Seguros, para desenvolver sinergias e economias de sistema, já sentidas, ictu oculi, na produção-comercialização de "produtos" concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam, e depósitos a prazo), "produtos" complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários, incluindo o crédito bancário concedido para financiar o prémio único do contrato de seguro de vida ...) ou mesmo "produtos" diversificados (...), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos como que esmagam a pessoa individual entre dois "elefantes" {no sentido de que se tratam de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro). Deste modo, dúvidas não nos restam em como as Rés Seguradora respondem perante a Autora (se tal se vier a demonstrar) pela falta de informação e comunicação, por parte do Banco Tomador.

18)       O facto de o Banco tomador não ter sido demandado nos autos é irrelevante para a decisão a proferir, uma vez que a responsabilidade de comunicação ou não do respectivo clausulado negocial ao aderente é matéria apenas a ser discutida nas relações internas entre a Seguradora e o próprio Banco, do mesmo grupo económico, em sede autónoma, nunca podendo ser oposta pela seguradora aos aqui Recorridos.

19)       Decorre do exposto que o contrato de seguro em questão é claramente um contrato de adesão, que a doutrina define como aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7a edição, pág. 262 -, ou que, nas palavras de Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 3^ Edição, "í aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas (no comum dos casos, fazendo-as constar de um impresso ou formulário) e a outra parte aceita essas condições, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado".

20)       Ora, nos termos do regime geral das cláusulas contratuais gerais cabe à Seguradora a obrigação de comunicar na íntegra as cláusulas ao aderente, o segurado — o 5°, n9s 1 e 2 do citado diploma legal — ficando onerada com a prova daquela comunicação efectiva e adequada (art. 5o, n° 3).

21) Note-se que, no preâmbulo do decreto-lei que institui o regime das cláusulas contratuais gerais expressamente se refere que motivos de celeridade e de precisão, a existência de monopólios, oligopólios e outras formas de concertação entre empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipótese alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes. O problema da correcção das cláusulas contratuais gerais adquiriu, pois, uma flagrante premência, que ati se refere pretender reconduzir às suas autênticas dimensões.

22} O legislador previu a necessidade de proteger o aderente perante a concertação das empresas e o clausulado menos visível, mas não previu a possibilidade de tais empresas, em concertação, criarem uma intermediação entre si e o aderente que, erguendo um obstáculo à definição da entidade vinculada ao cumprimento dos deveres, fosse passível de gerar uma negação na responsabilização de quem, verdadeiramente, estabelece o clausulado o que acontece na posição defendida pela Seguradora.

23)       Nestes termos, a falta de informação e comunicação das cláusulas é um dever da Seguradora (decorrente do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais), pelo que qualquer erro/lapso/falha do tomador de seguro nessa comunicação das cláusulas terá de ser dirimido no âmbito das relações entre Seguradora e Tomador, não podendo ser a mesma oposta aos aderentes — neste caso, os AA. Recorridos.

24)       Por outro lado, como é afirmado na parte 7) do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, a cláusula em causa tem uma redacção deficiente no segmento "seja portadora", dando a ideia de que o excluído é o facto da doença já existir à altura da contratação do seguro, o que não era o caso dos autos.

25)       Se bem que nesta parte, os AA./Recorridos discordam da conclusão de que tal cláusula não está afectada de nulidade, entendendo que a mesma é nula.

26)       Com efeito, as cláusulas constantes de um determinado contrato não são claras e precisas pelo que, relativamente às cláusulas ambíguas, o artigo 11.° do regime das CCG, estatui que: «1- As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente».

27)       Por esta razão, se de facto se entende que a cláusula tem uma redacção deficiente, deveria sempre prevalecer o sentido mais favorável para os aderentes.

28)       Na vinculação do disposto no art. 762" Código Civil (cumprimento e não cumprimento das obrigações - princípio geral), os contratos de seguro, enquanto contratos de adesão, estão sujeitos a controlo judicial, quer a nível da tutela da vontade do aceitante, quer no tocante à fiscalização do seu conteúdo.

29)       Em sede de tutela da vontade do segurado, há que considerar os critérios interpretativos constantes dos arts. 236.° e 237." do Cód. Civil, na perspectiva do sentido atribuído ao contrato pelo segurado.

30)       Nesta conformidade, as condutas através das quais se houver dado execução ao contrato de seguro devem ser tomadas em conta para interpretação desse negócio.

31)       No âmbito da fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato de seguro deve-se atender tanto às normas de ordem pública (art. 280° do Cód. Civil), como às regras gerais da boa fé {arts. 227.2 e 762.°,n.°2, do mesmo diploma).

32] A violação do dever de esclarecimento por parte da seguradora constitui violação positiva do contrato.

33)       A invocação de exclusão de responsabilidade por parte da seguradora que haja violado o dever de esclarecimento traduz claramente abuso de direito (Ac. STJ, 28-3-1995: BMJ, 445 ."-519).

34)       Em suma, a responsabilização directa da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa fé, quer do regime das cláusulas contratuais gerais, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual - o consumidor segurado, sublinhando-se que num contrato de seguro de grupo-vida associado a um mútuo bancário, celebrado através de cláusulas contratuais gerais, compete, em primeira linha, à seguradora o cumprimento dos deveres de informação e comunicação, bem como o ónus da prova do seu cumprimento.

35)       Demonstrado que ficou que nem a seguradora, nem o tomador do seguro cumpriram a obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais de que aquela se quer fazer valer, cuja consequência seria a sua exclusão do contrato que vincula os aqui Recorridos, no qual a Seguradora é parte, concluímos não poder esta desonerar-se da obrigação de indemnizar, verificado que foi o risco, com o fundamento de que a omissão do cumprimento daquelas obrigações não lhe é imputável.

36)       Conclui-se assim pela total improcedência do presente recurso, devendo manter-se a douta sentença recorrida, pois está conforme ao Direito e como tal se fez Justiça.

TERMOS EM QUE NAO DEVERA SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS SEUS EXACTOS TERMOS E FAZENDO-SE, ASSIM, A DEVIDA JUSTIÇA.

         5. No caso dos autos, não oferece dúvida que estamos confrontados com seguro de grupo contributivo, na modalidade seguro de vida crédito à habitação, que garantia o pagamento do capital devido ao EEtomador de seguro - por via de determinada operação de concessão de crédito à habitação aos AA./segurados, estando garantidos pela seguradora/R. – CC - Companhia de Seguros de

…, S.A. os riscos de invalidez total e permanente por doença ou acidente, estipulando-se, todavia, cláusula de exclusão da responsabilidade da seguradora relativamente a doenças neurológicas e psiquiátricas de qualquer natureza de que a pessoa segura seja portadora – como é incontestavelmente a patologia que conduziu à situação que ditou a invalidez incapacitante  da A.

   Tal relação contratual configura-se manifestamente – no que concerne às relações estabelecidas com os AA./segurados - como contrato de adesão, integrado por cláusulas contratuais gerais, pré-estabelecidas, pelo que naturalmente os AA. tiveram de aceitar em bloco, sem qualquer discussão ou negociação e aceitação específica e individualizada, todo o clausulado que consta do doc. de fls. 30.

   Resulta, por seu lado, da matéria de facto fixada pelas instâncias que a R./seguradora nunca informou os AA. do teor da referida cláusula de exclusão, limitando-se a remeter-lhes o referido doc. de fls. 30, após subscrição do contrato de seguro, sendo que, aquando da subscrição do contrato aos balcões do Banco, os funcionários deste explicaram aos subscritores o conteúdo geral do seguro que iriam contratar, designadamente o valor dos prémios mensais, sem, todavia, lhes explicarem as exclusões do âmbito de cobertura da apólice.

   A questão debatida no presente recurso tem, pois, a ver com a definição das consequências jurídicas a atribuir ao incumprimento do dever de informação e esclarecimento aos aderentes do teor da referida cláusula de exclusão do risco, no caso de a causa de incapacidade do segurado ser – como foi no caso dos autos - devida a doença do foro neurológico – identificando qual o sujeito sobre que incidia tal obrigação de esclarecimento e determinando se o respectivo incumprimento é susceptível de se repercutir na esfera jurídica do outro contraente, apesar de sobre ele não incidir uma obrigação de explicitação e esclarecimento do aderente ao seguro de grupo.

   Quanto ao primeiro aspecto, é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em

conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

   Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL 72/08 ( art. 78º), apesar da preocupação, bem expressa no preâmbulo, de tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato».

   Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato : saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente ( precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente ( nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.

   Perante esta incidência subjectiva do dever de informação e esclarecimento, colocado expressa e legalmente a cargo do tomador de seguro, será possível – e com que fundamento material – fazer incidir os efeitos do incumprimento sobre a esfera jurídica do outro contraente – a seguradora – apesar de esta não estar legalmente vinculada a tal obrigação de esclarecimento do aderente no momento da subscrição do contrato?

   Saliente-se, desde logo, que – como parece evidente – a seguradora responde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vincule; assim, por exemplo:

a)-o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base ou matriz um espécimen elaborado pela seguradora – pelo que, se este documento padecer de vícios ou insuficiências que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, é evidente que a seguradora responde também pelas consequências de tal incumprimento, na medida em que surge, neste caso, como verdadeira co-autora do facto lesivo (por isso, não estará a responder objectivamente por uma omissão culposa de outro sujeito contratual, o tomador de seguro, mas antes, subjectivamente, por um facto pessoal, como autora de um comportamento negligente que lhe é directamente imputado). E, assim, se do documento elaborado pela seguradora constarem, por exemplo, cláusulas contratuais de conteúdo equívoco, que acabem por determinar deficiente compreensão do aderente acerca do seu efectivo âmbito, temos como certo que será plenamente aplicável, mesmo no confronto da seguradora, o regime constante do art.11º do DL 446/85 ( cfr. Ac. de 29/10/09, proferido pelo STJ no P. 2157/06.8TVLSB.S1).

   Note-se que os recorridos afloram, de algum modo, esta questão na sua contra alegação, ao sustentarem ser equívoca a referida cláusula de exclusão, por deficiente redacção da expressão «seja portadora», por poder inculcar a ideia de que só estariam excluídas patologias já existentes à data da adesão ao seguro: e, se assim fosse, seria obviamente de imputar directa e subjectivamente à seguradora tal equivocidade de redacção da cláusula em causa.

   Porém, o argumento não procede no plano substancial, já que não se considera existir qualquer equivocidade relevante da dita cláusula, por ser evidente a qualquer contraente que o sentido de tal cláusula não poderia deixar de ser o da exclusão de doenças do foro psiquiátrico surgidas supervenientemente á celebração do contrato de adesão: na verdade, as doenças já existentes à data da subscrição do seguro, independentemente da sua natureza, estão – como é patente - obviamente excluídas, pela natureza das coisas, do risco a assumir pela seguradora, no âmbito da típica relação aleatória que sempre caracteriza o contrato de seguro;

         b)- o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual:

assim, se tivesse sido alegado e ficasse demonstrado que a seguradora incumpriu este dever acessório de esclarecimento complementar, legalmente colocado a seu cargo, é evidente que a sua responsabilidade decorreria directa e integralmente deste facto pessoal – e não do anterior incumprimento do dever de esclarecimento adequado pelo tomador de seguro, no momento da adesão.

    Ora, assente que – no caso dos autos, perante os factos alegados – apenas está em causa o incumprimento pelo tomador de seguro da específica obrigação de informação e esclarecimento do aderente, prevista no nº1 do art. 4º do DL 176/95, importa determinar se tal incumprimento é susceptível de se projectar – e a que título – na esfera jurídica do outro interessado – a seguradora – em termos de ser oponível pelo aderente do seguro de grupo à seguradora a não vigência da dita cláusula, por não devidamente explicitada no momento da subscrição do contrato.

   Saliente-se que a estratégia processual seguida pelos AA., ao demandarem apenas a seguradora, e não também o banco/tomador de seguro – apesar de, como se viu, a este ser imputável em primeira linha o incumprimento do dever de informação e esclarecimento do aderente – inviabiliza naturalmente que , à revelia de tal entidade, se possam discutir na presente acção as consequências de tal omissão negligente, de modo a perspectivar quais serão, neste caso, as formas possíveis de tutela do interesse do consumidor / aderente no âmbito de um seguro de grupo contributivo: ou seja, mesmo que se entenda que a omissão do dever legal de informação e esclarecimento por parte do banco/tomador de seguro se não pode repercutir na esfera jurídica da seguradora, nem por isso se poderá, sem mais, concluir que o aderente fica totalmente desprotegido, sendo necessário averiguar – naturalmente no confronto do banco/ demandado – quais os mecanismos existentes para tutela jurídica do aderente, no confronto do tomador de seguro que incumpriu a obrigação acessória a que estava legalmente vinculado.

6. No que se refere à eventual repercussão na esfera jurídica da seguradora da omissão culposa do dever de informação e esclarecimento a que estava vinculado o banco/tomador de seguro aquando da adesão das pessoas seguras, existe efectivamente o conflito de entendimentos jurisprudenciais que está na base da admissão da presente revista excepcional – importando, todavia realçar que, ao nível da jurisprudência

do STJ, tem prevalecido, de modo reiterado, o entendimento que subjaz ao acórdão fundamento ( vejam-se, nomeadamente, os Acs. de  21/2/13 – P. 267710.6TBBCL.G1.S1 -, de 29/5/12 – P. 7615/06.1TBVNG.P1.S1 - , de 13/1/11 – P. 1443/04.6TBGDM.P1.S1 -, de 20/1/10 – P. 294/06.8TBOAZ.P1 - , de 12/10/10 – P. 646/05.0TBAMR.G1.S1 -, de 22/1/09 – P. 08B4049), sustentando-se em todos eles que não está vedado à seguradora , única demandada na lide, opor ao aderente a cláusula de exclusão em causa, por a omissão do dever de comunicação ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

   Saliente-se que o entendimento jurídico subjacente ao acórdão recorrido – e sustentado na contra alegação dos AA./recorridos – conduziria inelutavelmente à criação de uma divergência entre o conteúdo do contrato base, celebrado entre banco e seguradora e que irá servir de matriz às múltiplas adesões dos subscritores que integram o grupo de interessados em questão e o conteúdo ou teor de um certo e concreto contrato de adesão: na verdade, na relação contratual base, acordada entre aquelas duas entidades colectivas, estava cabalmente excluído o risco de cobertura da incapacidade do aderente que resultasse de determinado tipo específico de patologias, ao passo que – não sendo tal cláusula excludente aplicável no âmbito de uma concreta adesão, por via do incumprimento da obrigação de informação por parte do tomador de seguro e sendo a ineficácia da cláusula excludente plenamente oponível à seguradora – resultaria obviamente ampliado o leque de coberturas emergente desse particular contrato de adesão, que assim se autonomizaria do referido contrato base.

   E, neste peculiar circunstancialismo, seria, em última análise, a seguradora a parte efectivamente prejudicada, já que via ampliado o leque dos riscos contratados com o banco/tomador de seguro – e com base nos quais vinha sendo calculado o prémio de seguro devido – não por via de uma conduta que lhe fosse directa e pessoalmente imputável, mas exclusivamente com fundamento no incumprimento culposo de um dever legalmente imposto a outro sujeito, o banco/tomador de seguro -  por, no caso dos autos, se não conseguir vislumbrar qualquer comportamento deficiente ou irregular que se pudesse imputar-se à própria seguradora: na verdade, funcionando a invocada oponibilidade à seguradora da deficiente comunicação da cláusula de exclusão, imputável exclusivamente ao  tomador de seguro, este veria integralmente asseguradas as prestações convencionadas no âmbito da concessão de crédito, sem ter de suportar os riscos de uma possível insuficiência económica dos devedores/aderentes, em prejuízo manifesto da seguradora – que passava a ter de assumir um leque alargado de riscos, superior ao convencionado pelas partes no contrato base, apesar de a conduta irregular ser exclusivamente imputável ao banco/tomador de seguro.

   Significa isto que a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva – já que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.

  Ora, como fundamentar tal responsabilização objectiva da seguradora pelo incumprimento de uma obrigação legal do tomador de seguro?

   Uma perspectiva possível seria a da invocação do regime da responsabilidade do comitente por actos do comissário ou de representantes legais ou auxiliares, decorrente das previsões normativas dos arts. 500º e 800º do CC: nesta óptica, - perante os interesses económicos coincidentes que estão por detrás da figura do seguro de grupo e a circunstância de seguradora e tomador de seguro integrarem, em muitos casos, os mesmos agrupamentos ou conglomerados económico-financeiros, prosseguindo objectivos lucrativos comuns ou complementares – tender-se-ia a qualificar a actividade do banco como intermediário ou angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes - sendo precisamente nesta actividade de intermediação, consubstanciada na promoção e comercialização de produtos financeiros complementares ( crédito à habitação/seguro de vida), que se poderia encontrar fundamento normativo para imputar à seguradora as consequências da actuação irregular do seu associado e mediador na comercialização do produto financeiro em causa.

   Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa ( e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art. 79º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informação legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro - alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial , assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica ( o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.

   E, deste modo, como se decidiu no acórdão fundamento, a circunstância de, por omissão do dever de informação, imputável exclusivamente ao banco/tomador de seguro, ter ocorrido um vício na formação do contrato subscrito pelo aderente não é susceptível de se repercutir na esfera jurídica da seguradora, levando a alterar aquela relação base, decorrente da contratação entre seguradora e tomador de seguro, em termos de ter de ser por aquela entidade assumido um risco acrescido, não contemplado nas cláusulas inseridas naquele contrato fundamental.

   Não parece, por outro lado, que se possa falar – como pretendem os recorridos - de abuso de direito da seguradora, ao procurar prevalecer-se do regime legal que efectivamente coloca a cargo do tomador de seguro o dever de informação, sustentando que lhe não podem ser opostas as consequências do incumprimento por outrem ( que não é juridicamente seu intermediário ou comitente ) de uma obrigação legal – não se vendo em que termos poderia tal invocação afrontar a cláusula geral do abuso de direito, constante do art.334º do CC.

         7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados procede a revista, revogando-se o acórdão recorrido e julgando, em consequência, improcedente a acção.

   Custas pelos recorridos.

Lisboa, 25 de Junho de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

___________________
[1] Almeno de Sá, e “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas”, 2ª ED., 234.
[2] Ver, em sentido dominante, os doutos Acs. do STJ, de 10/05/2007,proc. 07B1255, de 12/10/2010, 646/05. OTBAMR G.1.S.1 e de 13/10/2011, proc. 143/04.6TBGDM.P1.S1., de 17/06/2010, proc. 651/04.TBETR.P1.S1., de 29/05/2012, proc. 7615/06.1TBVNG.P1.S1, todos em www.dgsi.pt

[3] Cfr., além de outros, Acs. RP, de 07/11/2007, proc. 0724884, 11/09/2008, proc. 0834361, 12/11/2009, proc. 651/04.4TBETR.P1, 01-02-2010, proc. 3405/06.0TBVCD.P1, 12/04/2010, proc. 1443/04.6TBGDM.P1, da RG, 27/03/2008, proc. 369/08-1, de 19/10/2010, proc. 1989/07.0TBBRG.G1, 22/11/2011, proc. 3732/09.9TBBRG.G1, da RL, de 05/03/2009, proc. 1860/07.0TVLSB-8, todos em www.dgsi.pt.

[4] De 06/11/2007, proc. 0724884. No mesmo sentido, RG, 27/03/2008, proc. 369/08-1, ambos em www.dgsi.pt

[5] De 11-09-08, proc. 0834361 (também assinado pelo ora relator, como adjunto)