Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2875/20.8T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: PRATICANTE DESPORTIVO
FUTEBOLISTA PROFISSIONAL
ACIDENTE DE TRABALHO
ACORDO
PRÉMIO
RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I – Não existe, em termos jurídicos, qualquer referência específica e inerente definição do que é um «prémio de assinatura», quer na Lei n.º 54/2017, de 14/07, que regula, entre outras realidades, o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo [cf. artigo 15.º], quer na Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais, quer, finalmente, na regulamentação coletiva aplicável, havendo apenas algumas menções jurisprudenciais a tal prestação como se traduzindo no pagamento unitário de uma importância única por força e na sequência da assinatura do contrato de trabalho de praticante desportivo profissional.


II - Não resulta o texto do «ACORDO PRIVADO» dos autos, como dos factos complementares que a ele se referem e que foram dados como demonstrados, que naquele esteja previsto um «prémio de assinatura», dado não se prever no mesmo um bónus ou prémio que tenha na sua base e se esgote na mera e inicial celebração escrita e assinada do contrato de trabalho dos autos mas antes uma prestação que, embora definida em termos globais, por referência aos dois anos de contrato dos autos, se reparte depois temporalmente e em termos de pagamento, por diversos e sucessivas datas, estando previsto que tais «tranches» só serão pagas ao Autor, caso ele cumpra os prazos previstos em tal ACORDO, deixando de receber aquelas quantias que ainda não se venceram, caso o vínculo laboral cesse antes do termo que foi consensualizado pelo trabalhador e pelo empregador.


III - O «ACORDO PRIVADO» dos autos consagra [ainda que em moldes mais ou menos secretos] um incentivo ou um prémio de permanência e performance e rendimento desportivos [produtividade, ao nível do desempenho e resultados obtidos], facetas essas da atividade do Autor que, conforme a satisfação e cumprimento dos diversos aspetos ou índices reclamados e considerados pelo Clube recorrente para esse efeito, vão sendo remuneradas com as quantias parciais ali enumeradas.


IV - Sendo o conceito de retribuição no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho bastante mais «generoso» e abrangente do que o determinado no Código do Trabalho de 2009, as normas constantes, por exemplo, do artigo 260.º de tal diploma legal e que desqualificam, em termos da sua natureza jurídica retributiva, diversos suplementos e remunerações entregues pelo empregador ao trabalhador têm de ceder perante as regras distintas e especiais do artigo 71.º e de outras disposições legais da Lei dos Acidentes de Trabalho.


V – Face ao disposto em tal artigo 71.º da LAT, a prestação acertada entre as partes, no «ACORDO PRIVADO» dos autos, não visa manifestamente liquidar ao recorrido quaisquer custos [gastos, encargos ou despesas efetuadas pelo mesmo por força e por causa da relação de trabalho firmada com a Ré e que deviam ser suportadas por esta última], o que não só retira importância a qualquer averiguação acerca da aleatoriedade ou não da mesma, como implica que ela deva ser considerada em termos da remuneração auferida pelo sinistrado para efeitos do cálculo das indemnizações, e pensões que lhe são devidas.

Decisão Texto Integral:

RECURSO DE REVISTA N.º 2875/20.8T8PNF.P1.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D.


Recorrido: AA


(Processo n.º 2875/20.8... – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo do Trabalho de ... [Juiz ...])


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


I – RELATÓRIO

Os presentes autos tiveram início através de participação efetuada, em 02.11.2020, por AA, nascido a ........1987, contribuinte fiscal n.º .......17, residente na Rua ..., dando conta da ocorrência de um acidente de trabalho por si sofrido no dia 13 de Julho de 2020 quando exercia as funções de praticante desportivo profissional de futebol, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D., NIF - .......24, com sede no Estádio ..., que celebrou contrato de seguro para transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho com a CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida ..., através da apólice n.º ......46.


Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo (nos termos que ficaram expressos no Auto datado de 04.05.2022), por o Autor declarar não aceitar o grau de incapacidade de 1,9% que lhe foi atribuído pelo gabinete médico legal, a seguradora declarar que à data do alegado acidente não existia apólice de acidentes de trabalho que o pudesse garantir, que a apólice da entidade empregadora VICTÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D. com o n.º 10/113846 foi anulada por falta do pagamento do prémio em 30 de Junho de 2020, que o acidente alegadamente ocorrido em 19 de Julho de 2020 não foi participado à Caravela, desconhecendo-se as circunstâncias em que ocorreu, quais as lesões e se é passível de ser caracterizado como de trabalho e, em consequência, declara não aceitar o resultado do exame médico nem qualquer responsabilidade pela reparação do alegado acidente e a entidade patronal não aceitar o acidente participado, nem o resultado do exame médico, nem o nexo entre a lesão e o evento, nem a retribuição reclamada pelo Autor, no montante anual de € 169.747,50.


*


O Autor, com mandatário constituído, deu início à fase contenciosa do processo, através da apresentação da petição inicial junta, contra a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D., requerendo que seja julgada procedente a sua pretensão e, em consequência, deverá a Ré “VITÓRIA SAD ser condenada a:


a) Pagar ao sinistrado a quantia de € 9.766,29 de indemnizações por incapacidade temporária absoluta pelo período total de 30 dias;


b) pagar ao sinistrado a quantia de € 309,26 de indemnizações por incapacidade temporária parcial de 5 % pelo período total de 19 dias;


c) pagar uma pensão anual e vitalícia, no valor que resultar da consideração do salário auferido (€ 169.747,50) e do grau de desvalorização que lhe vier a ser reconhecido na sequência da junta médica a que for submetido, conforme requerimento abaixo formulado;


d) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa anual de 4%, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento.”.


Mais, requereu a sua submissão a exame por junta médica e indicou os quesitos a que Junta Médica da especialidade de OTORRINO, em seu entender, deverá responder.


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Citadas, a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D. e a SEGURANÇA SOCIAL, nos termos do art.º 1.º, n.º 2, do DL n.º 59/89 de 23/2, apresentou contestação a entidade empregadora impugnando toda a factualidade aduzida pelo Autor e alegando, em síntese, que o mesmo auferia um prémio de assinatura que não integra a sua remuneração anual e que tinha seguro de acidente de trabalho válido e em vigor, por último refere que, se o Autor tiver créditos sobre si, os mesmos devem ser tidos em consideração no PER que se encontra pendente.


Conclui pedindo que deve a contestação ser julgada procedente, por provada, com todas as consequências legais.


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Em 30.06.2022, foi proferido despacho a conhecer da exceção de ilegitimidade passiva (face à alegação, por um lado, do Autor de que a retribuição não se encontrava transferida e, por outro, da Ré, Entidade Empregadora, que existia contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e regular) e determinado o chamamento da “CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” que, após citada, veio contestar impugnando tudo o alegado pelo Autor e reiterando que inexiste contrato de seguro de acidentes de trabalho e que o contrato de seguro que havia existido apenas transferia a responsabilidade da Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D. pela retribuição máxima de € 70.000,00.


Conclui, assim, que: “a) Deverá ser julgada provada e procedente a exceção perentória de inexistência de contrato de seguro válido e eficaz à data dos factos, por resolução automática por falta de pagamento do prémio, e a ação julgada improcedente no que à Ré CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. diz respeito, sendo, consequentemente, a mesma absolvida do pedido; ou


b) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, deverá a ação ser julgada de acordo com a prova a produzir.”.


Mais, requereu a realização de exame por junta médica na pessoa do Autor, juntando, para o efeito, os respetivos quesitos.


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Notificada esta, veio a Ré, Entidade Empregadora, responder mantendo o por si alegado e requerendo que sejam as exceções deduzidas pela Ré Seguradora julgadas improcedentes.


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De seguida, o tribunal da 1.ª instância proferiu saneador tabelar, procedeu à identificação do objeto do litígio, fixou os factos assentes e os temas de prova e determinou o desdobramento do processo e a consequente abertura do apenso de fixação da incapacidade, onde, após ser realizada a junta médica, em 16.12.2022, se decidiu o seguinte: “…, concordando inteiramente com o laudo unânime dos Exmos. Senhores Peritos Médicos, considero que o sinistrado se encontra desde 31 de agosto de 2020 com alta clínica com um grau de Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) de 1,9 %.”.


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Realizada a audiência nos termos documentados nas atas datadas de 02.02.2023 e 21.04.2023, foi proferiu sentença, em 24.04.2023, que terminou com a seguinte Decisão:


A) Absolvo a Ré “CARAVELA - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”;


B) Condeno a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE-S.A.D a pagar ao Autor AA:


I - O capital de remição da pensão anual de € 1.620,87, devida a partir de 1 de Setembro de 2020, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento;


II - A quantia de € 10.127,23, tudo a título de montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias sofridas, a que acrescem juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento; e


III - A quantia de € 10 com deslocações obrigatórias a tratamentos, a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir 4-05-2022 até integral pagamento.


C) Absolvo a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE-S.A.D do que ademais é peticionado.


Custas pelo Autor e Ré VITÓRIA, na proporção do respetivo decaimento.


Valor da ação: € 47.694,16.”.


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Inconformado com tal sentença, o Autor recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, vindo este recurso de Apelação, após ter sido admitido, a seguir a sua normal tramitação e a culminar no Acórdão de 27/11/2023, onde se decidiu o seguinte, por maioria, com um voto de vencido e uma declaração de voto [1]/[2]:


« Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar:


- Improcedente o recurso, na parte dirigida à matéria de facto.


- Procedente, no mais e, em consequência, revogam-se os pontos I e II da al. B) e al. C), do dispositivo da sentença recorrida, substituindo-se aqueles dois, pelo presente acórdão, nos seguintes termos:


I – O capital de remição da pensão anual de € 2.257,64, devida a partir de 1 de Setembro de 2020;


II – A quantia de € 10.075,52, a título de indemnização, pelos períodos de incapacidade temporários (absoluta e parcial) sofridos;


- A ambas as quantias, acrescem juros legais, contados nos termos supra indicados, desde o seu vencimento até integral e efetivo pagamento.


Custas da apelação pela Ré/Apelada.


Valor da ação: € 47.460,75.»


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A Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D., inconformada com tal acórdão veio interpor recurso do mesmo para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por despacho judicial de 09/01/2024, Referência 17616738, como de Revista, ainda que sem fixação do modo de subida [imediato], a fazer nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


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A recorrente VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D. apresentou alegações de recurso, onde, formulou as seguintes conclusões:


“Conclusões:


A) Um prémio de assinatura não pode ser considerado como uma remuneração mensal.


B) O acordo foi assinado pela Administração da Ré e pelo Jogador, aqui sinistrado, que declarou a sua vontade em anuir com o acordo e a forma como foi considerado tais valores a serem pagos.


C) Se assim fosse, as partes nunca teriam celebrado o acordo privado junto aos autos; D) Ou, no limite, não teriam estipulado expressamente nesse acordo “que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do VITÓRIA pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR” – conforme cláusula 2 do Acordo Privado e os seus “considerandos”.


E) No que diz respeito à retribuição do sinistrado não pode colher o entendimento sufragado pelo Autor nem pelo tribunal a quo.


F) Um “prémio de assinatura”, pago em várias parcelas espaçadas no tempo, não pode enquadrar no âmbito de retribuições, cfr. entendimento da recente jurisprudência, em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-02-2022


G) A Recorrente acompanha o entendimento do Tribunal da 1ª Instância.


H) Não há dúvidas quanto ao que foi acordado pelas partes e a vontade expressa dos seus intervenientes.


I) O Recorrente nunca invocou algum vício de vontade negocial no referido acordo.


É entendimento da recorrente que deve o Recurso apresentado ser julgado procedente, confirmando a decisão proferida pelo juízo do Trabalho - juiz ... do tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, fazendo deste modo V. Exas a costumada JUSTIÇA!!!”


*


O sinistrado AA não apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da notificação que para esse efeito lhe foi feita.


***


O ilustre Procurador Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu, ao abrigo do número 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho o seguinte Parecer, datado de 4/03/2024: «Pelo exposto, somos de parecer que o presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido.»


***


Tendo as partes sido notificadas do teor de tal Parecer, nenhuma delas veio pronunciar-se sobre o mesmo dentro do prazo legal de 10 dias.


***


Cumpre apreciar e decidir em Conferência.


II – OS FACTOS

Os tribunais da 1.ª e 2.ª instâncias consideraram provados os seguintes factos:


«Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, fixados na 1.ª instância, são os seguintes:


1) O Autor é Praticante Desportivo Profissional da modalidade de futebol.


2) No âmbito da sua profissão, celebrou em 1 de Julho de 2019 com a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D., um contrato individual de trabalho que foi registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.


3) O Autor e a Ré VITÓRIA outorgaram o documento intitulado “contrato de trabalho desportivo” de fls. 5 v e segs., que aqui se tem por integralmente reproduzido, e no qual se pode ler que “o jogador obriga-se a prestar com regularidade, zelo, dedicação e assiduidade a atividade de futebolista ao Vitória, em representação e sob a autoridade e direção desta, mediante retribuição, podendo no decurso do contrato ocorrer cedência temporária por acordo de ambas as partes.”(conforme cláusula primeira).


4) Pode ler-se nesse mesmo documento que o contrato de trabalho se iniciava em 1 de Julho de 2019 e teria seu termo a 30 de Junho de 2021 (conforme cláusula terceira), ou seja, destina-se a vigorar nas épocas desportivas 2019/2020 e 2020/2021.


5) Na cláusula segunda do “contrato de trabalho desportivo”, pode ler-se: “...O Vitória compromete-se a pagar ao jogador, até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte aquele a que diz respeito, a remuneração mensal líquida de:


1. Época 2019/2020: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2019;


2. Época 2020/2021: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2020;


Parágrafo único: Os subsídios de férias e de Natal já estão incluídos nos valores globais referidos nesta cláusula.


6) O Autor recebia dez meses por ano da Ré as seguintes importâncias, discriminadas da seguinte forma nos recibos de vencimento:


a. Ordenado base: € 1.400,00;


b. Complemento de ordenado: € 10.787.


c. Total € 12.187,00, num total anual de € 121.870,00.


7) O Autor e a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D. assinaram, também no mesmo dia 01 de Julho de 2019 aquilo que as partes designaram de ACORDO PRIVADO (documento de fls. 11 que aqui se tem por integralmente reproduzido).


8) Esse ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.


9) Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:


“2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do VITÓRIA pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.


3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o VITÓRIA e o JOGADOR.


4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito às importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.


5. Ambos os Acordantes declaram que o presente pacto privado em nada afeta a validade, condições e eficácia do Contrato de Trabalho outorgado entre o VITÓRIA e o JOGADOR.”


10) Em Março de 2020, a competição desportiva foi suspensa, tendo retomado em Junho de 2020 e terminado em 26 de Julho de 2020,


11) Houve um acordo de redução do valor do prémio de seguros de acidentes de trabalho no âmbito das competições desportivas de futebol profissional relativo ao período de 18/03/2020 a 30/04/2020, tendo ainda sido acordado o pagamento faseado dos prémios de seguro, até 31 de Dezembro de 2020, convenção esta celebrada entre as partes sob a égide da Liga Portugal, também interveniente no acordo, por causa da doença COVID 19, que impôs a necessidade de adoção e estabelecimento de medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia e seus efeitos.


12) Esse acordo é referente ao pagamento dos prémios de seguro de acidente de trabalho relativos aos meses de março, abril, maio e junho de 2020.


13) A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) acordou com a Ré Seguradora alargar o prazo no pagamento dos seguros de acidentes desportivos até 31 de Dezembro de 2020.


14) A Apólice 10-113846 foi emitida pela CARAVELA, S.A e tinha por objeto contrato de seguro do ramo acidente de trabalho firmado com a Ré VITÓRIA para o período de 7/7/2020 a 31/7/2020.


15) A apólice vigorava com uma franquia de 60 dias.


16) Na apólice refere-se como “data de resolução”/“data-limite de pagamento” 3/8/2023 - cfr documento de fls. 198, que aqui se tem por integralmente reproduzido.


17) A prestação do seguro correspondente ao mês de julho de 2020, não estava abrangido pelo acordo referido em 11).


18) A Ré entidade empregadora e tomadora do seguro deveria ter pago, até 03/08/2020, o prémio total no valor de 25.606,62 €, respeitante ao período de 2020/07/01 a 2020/07/31, a que se reporta o aviso de pagamento RP 003/297167.


19) O aviso de pagamento foi enviado à Ré VITÓRIA por email de 10/07/2020, que a entidade empregadora recebeu, na pessoa de BB, vogal do conselho de administração, e que, em anexo, para além do referido aviso de pagamento, continha o mapa dos atletas – cfr. documento de fls. 199 e ss.


20) O Autor sofreu um acidente a 13 de Julho de 2020, pelas 21.16 horas durante um jogo de futebol no Estádio ...contra o F... SAD, a contar para a Jornada ... da Liga ..., no exercício da sua atividade profissional de Praticante Desportivo Profissional de futebol, ao serviço e sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D. por força de contrato de trabalho com ela validamente celebrado.


21) O acidente referido em 20) ocorreu numa disputa de bola, por o Autor ter sofrido um traumatismo direto da cintura escapular (ombro) esquerda contra adversário (1.º minuto em jogo televisionado cujo vídeo se junta como documento n.º 6).


22) Imediatamente após o acidente o Autor, foi assistido pela equipa médica da sua equipa e, por manter incapacidade funcional marcada, interrompeu a atividade e foi substituído do jogo.


23) Tendo ficado, desde logo, em situação de ITA para o seu trabalho.


24) Por manter quadro clínico, foi avaliado 2 (dois) dias depois no Hospital ..., onde realizou RM do ombro esquerdo (documento n.º 7).


25) Essa ressonância magnética constatou que, em consequência do acidente de trabalho, o Sinistrado sofreu:


a) luxação acromioclavicular à esquerda com rutura dos ligamentos acromioclaviculares e coracoclaviculares;


b) edema partes moles periarticulares pós-traumático.


26) Após avaliação clínica foi decidido optar por tratamento conservador com repouso e analgesia, aplicada imobilização (Gerdy) + repouso e tratamentos de MFR, por profissionais do Clube (...) e posteriormente - por ter terminado o seu contrato de trabalho com a Ré e por ter ficado sem assistência desta -, recebeu tratamentos na Clínica ..., em ....


27) Terminada a época, bem como o seu contrato de trabalho, o Autor não voltou a treinar nem a jogar pelo VITÓRIA DE SETÚBAL SAD.


28) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31/08/2020;


29) O Autor sofreu incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua atividade profissional), desde 14/07/2020 até 12/08/2020, fixável num período total de 30 dias;


30) O Autor sofreu incapacidade temporária parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua atividade profissional, ainda que com certas limitações), desde 13/08/2020 até 31/08/2020 (5 %), fixável num período total de 19 dias;


31) O sinistrado ficou a padecer de uma I.P.P. de 1,9% T.N.I., correspondente a uma invalidez permanente especifica de 1,9% (art.º 5.º da Lei n.º 27/2011, de 16/06), desde 31/8/2020.


32) O Sinistrado encontra-se afetado de I.P.P anterior de 5%, sentenciado no Processo de Acidente de Trabalho com o n.º ..., do Juiz ... do Juízo do Tribunal de ....


33) O Autor despendeu a quantia de € 10,00 relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de ....


34) O acidente referido em 20) não foi participado pela Ré Patronal à Ré Seguradora.


35) O Autor AA nasceu a .../.../1987.


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Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:


i. Ocorreu uma prorrogação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para a época 2019/2020, uma vez que a mesma terminava a 30/06/2020.


ii. O VITÓRIA FUTEBOL CLUBE – S.A.D. liquidou a prestação do seguro correspondente ao mês de julho de 2020.


iii. O mencionado em 27) da factualidade provada ocorreu por o Autor estar em situação de ITA.”.


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Por se revelar de interesse à decisão do presente recurso, oficiosamente, adita-se à factualidade que antecede, o teor integral do documento, dado por reproduzidos pela 1.ª instância, dando-se-lhe, aqui, a identificação que consta do ponto em que foi citado, acrescida da letra A, assim:


7.A)





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III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


A – REGIME ADJETIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 2/11/2020, mediante participação feita pelo sinistrado ao Ministério Público do Juízo do Trabalho de ..., ou seja, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada muito depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 13/7/2020 - terem todos ocorrido na vigência das normas constantes do Código do Trabalho de 2009 - que entrou em vigor em 17/02/2009 - relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) e da legislação especial que veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior (Lei n.º 100/97 e Decreto-Lei n.º 143/99) e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data (como é o caso do alegado sinistro que está em discussão nesta ação).


Interessa ainda ter em consideração, dado estarmos face a um inequívoco acidente de trabalho sofrido pelo Autor, na sua qualidade de praticante desportivo profissional [não existem divergências entre as partes quanto a tais aspetos, que nem sequer são questionados no âmbito do presente recurso de revista] a Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais e que tendo revogado a Lei n.º 8/2003, de 12 de Maio e sido entretanto revogada pela Lei n.º 48/2023, de 22 de agosto, era o diploma legal que estava em vigor à data do sinistro dos autos.


Importa, finalmente, dada a data da celebração do contrato de trabalho de praticante desportivo [na área do futebol profissional] entre o Autor e o VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D. se ter verificado no dia 1/7/2019, ter em consideração a Lei n.º 54/2017, de 14 de julho, que segundo o seu artigo 1.º, estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, bem como o dos empresários desportivos.


B – QUESTÕES SUSCITADAS NO PRESENTE RECURSO DE REVISTA


Se olharmos para o teor das conclusões de recurso da Ré empregadora, verificamos que importa a este Supremo Tribunal de Justiça decidir se as quantias previstas no “Acordo Privado” celebrado entre o Autor e a Ré, no dia 01.07.2019, devem ser consideradas retribuição para efeitos de cálculo das prestações emergentes de acidente de trabalho.


Verifica-se uma manifesta e radical divergência entre as duas instâncias quanto à qualificação e consideração jurídicas do valor de € 55.000,00 visado por tal “Acordo Privado” no quadro do acidente do trabalho dos autos e da sua reparação por parte da única entidade responsável, a aqui recorrente o VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D. [esta questão, que não foi objeto deste recurso de Revista mostra-se definitivamente transitada em julgado]


Sendo assim, afigura-se-nos pertinente auscultar as posições diferentes sustentadas por tais decisões judiciais.


C - FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DO TRIBUNAL DA 1.ª INSTÂNCIA


A sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de ... desenvolveu a seguinte argumentação jurídica, quanto a tal problemática:


«Importa de seguida atentar à retribuição do sinistrado a considerar.


Alega o Autor que o acordado prémio de assinatura referido em 7) a 9) da factualidade provada integra a sua retribuição para efeito de reparação de danos no âmbito destes autos de acidente de trabalho.


Entendemos que não lhe assiste razão.


Olhemos primeiramente o conceito de retribuição que consta dos artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009.


De acordo com essas normas, a retribuição abrange o conjunto de valores pecuniários ou não que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o empregador está obrigado a pagar, regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho.


Nas palavras de João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – À Luz do Novo Código do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 295, “a retribuição ou salário traduz-se, afinal, no preço da mercadoria força de trabalho, constituindo um elemento essencial do contrato de trabalho, enquanto obrigação capital e nuclear a cargo da entidade empregadora”.


Nas palavras de Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, pág. 766, a retribuição “tem como características essenciais ser obrigatória (por força da lei, do contrato individual, da convenção coletiva, ou dos usos), ter valor patrimonial e ser contrapartida do trabalho prestado”.


Para Monteiro Fernandes no seu manual Direito do Trabalho, Almedina, 14.ª Edição, pág. 493 e segs. “outro campo de análise que se abre no processo de determinação qualitativa da retribuição é o dos aditivos especificadamente previstos na lei e na regulamentação coletiva quanto à remuneração do trabalho suplementar ou noturno, assim como das prestações complementares correspondentes à prática de horários por turnos (subsídio de turno), relativos a atividades perigosas (subsídio de risco) ou realizados em locais isolados (subsídio de isolamento), etc. (…) Encarando, agora, conjuntamente, as prestações complementares que são determinadas pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc., ou seja “pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho, entendemos que elas participam de todas as características englobadas no critério legal de qualificação; são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal de trabalho”.


Também para Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 4.ª Ed., págs. 572, “a retribuição em sentido estrito compreende a denominada “retribuição base” – correspondente à parcela retributiva contratualmente devida que condiz com o exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido –, as diuturnidades, assim como as demais prestações pecuniárias pagas regularmente como contrapartida da atividade. Estas prestações, habitualmente denominadas “complementos salariais”, assumem igualmente carácter de obrigatoriedade.


Assim, além da retribuição base, são normalmente ajustadas outras parcelas retributivas que cabem igualmente no conceito de retribuição.


A primeira característica da retribuição é a de que ela representa, em princípio, a contrapartida da prestação de trabalho, como tal fixada pela vontade das partes, pelas normas que regem o contrato de trabalho ou pelos usos.


A característica de se tratar de uma contrapartida é um elemento de grande importância na delimitação técnica da retribuição, porque permite excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado mas prossigam outros objetivos ou tenham uma justificação diversa – é necessário que se possa identificar uma contrapartida específica – diferente da disponibilidade da força de trabalho ou da prestação do trabalho – para que essas prestações do empregador se possam colocar fora do salário do trabalhador.


Tal é que justifica a existência da presunção de que qualquer atribuição patrimonial efetuada pelo empregador em benefício do trabalhador constitui parcela da retribuição, salvo prova em contrário.


Além dessa característica, a atribuição de carácter retributivo a uma certa prestação do empregador exige também uma certa regularidade e periodicidade no seu pagamento. Por regularidade, a lei pretende referir-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente. Quanto à periodicidade, para que a prestação se integre na retribuição a lei considera que ela deve ser paga em períodos certos no tempo ou aproximadamente certos, de forma a inserir-se na própria ideia de periodicidade típica do contrato de trabalho e das necessidades recíprocas dos dois contraentes.”


Como explica Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 548, um dos elementos essenciais para distinguir o conceito de retribuição é precisamente o facto da mesma ser “regular e periódica: embora possa variar, quanto à unidade de tempo considerada (…) a periodicidade é um elemento essencial do conceito de retribuição, o que permite dele afastar as prestações patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador a título ocasional (por exemplo um prémio de desempenho). A periodicidade é ainda justificada pelo facto de, frequentemente, a retribuição ser a principal ou a única fonte de rendimento do trabalhador, tornando-se assim difícil protelar excessivamente no tempo a sua perceção”.


Salienta Motta Veiga, in Lições do Direito do Trabalho 6.ª Edição, pág. 471, citado no Ac. da Relação do Porto de 30/04/2012, que “As remunerações complementares somente podem fazer parte da retribuição “stricto sensu” ficando sujeitas à respetiva disciplina legal se, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual, e deverem portanto considerar-se como elemento integrante da remuneração do trabalhador, sobretudo se forem pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do seu trabalho”.


A propósito da regularidade, a jurisprudência tem-se dividido quanto a existir um número mínimo de meses de pagamento para que se possa integrar determinada quantia no conceito de retribuição.


O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que o critério orientador para a consideração de determinada prestação como regular deve ser encontrado no seu pagamento nos onze meses de atividade prestada ao longo do ano – vejam-se os acórdãos de 23/06/2010, 15/09/2010, 16/12/2010 e 05/06/2012, disponíveis em www.dgsi.pt, com os n.ºs de processo: 607/07.STJLSB.L1.S1, 469/09.4, 2065/07.5TTLSB.L1.S1 e 2131/08.0TTLSB.L1.S1.


Uma outra orientação, no entanto, defende que o tempo necessário para que determinada prestação possa ser considerada regular deve ser o de, pelo menos, metade do ano – vejam-se os acórdãos da Relação do Porto de 21/02/2011, 21/03/2013 e 08/04/2013 (disponíveis em www.dgsi.pt, com os n.ºs de processo, respetivamente: 547/09.3TTGDM.P1, 405/11.1TTVLG.P1, 248/10.0TTBRG.P1 e 335/10.4TTVLG.P1 – estes dois últimos de 08/04/2013); assim como os recentes acórdãos da mesma Relação de 30/6/2014 processo 1913/13.5TTPNF.P1 e de 1/7/2014, processo 1305/12.3TTPNF.P1.


Já a Relação de Coimbra, no acórdão de 02/03/2011 (disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de processo: 1191/09.0TTCBR.C1) defendeu a inexistência de um critério temporal rígido, devendo aferir-se caso a caso o que seja ou não “excecional, ocasional, inesperado”.


A LAT estabelece no artigo 71.º, n.º 2, que se entende por retribuição mensal todas as prestações com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios; por sua vez, de acordo com o n.º 3 do mesmo artigo, entende-se por retribuição anual o produto por 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.


Trata-se de uma noção equivalente à que encontrava estabelecida na anterior Lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 100/97, de 13-09), mais concretamente no seu artigo 26.º, n.º 3, cuja redação era a seguinte: «[e]ntende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».


Como se pode ler no Ac. TRE de 19/1/2017, Exmo. Senhor Desembargador Relator João Nunes, publicado em www.dgsi.pt, “daqui decorre que em matéria de acidentes de trabalho a lei adota um conceito de retribuição mais amplo que o do Código do Trabalho, onde engloba todas as prestações que assumam carácter de regularidade, apenas dele excluindo aquelas prestações que se destinem a compensar custos aleatórios do sinistrado.


Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2010 (Recurso n.º 436/09.1YFLSB, disponível em www.dgsi.pt), «[o] art.º 26.º, da LAT, adota um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no art.º 249.º, do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, o que significa que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações» (no mesmo sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do mesmo tribunal de 13-04-2011, Recurso n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1, também disponível em www.dgsi.pt).


E isto porque, procurando-se com as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade de trabalho e, consequentemente, da falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho, lógico é que para o cálculo daquelas indemnizações ou pensões, se atenda a todas as prestações que o empregador satisfazia e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida, delas apenas se excluindo aquelas prestações se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-12-2014, Proc. n.º 166/09.4TTOAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt).


Como se pode ler no Ac. TRP de 1400/13.1TTPRT.P1 , Relatora TERESA SÁ LOPES, N.º do Documento: RP202210031400/13.1TTPRT.P1, de 03-10-2022, publicado em www.dgsi.pt, versando prémio de assinatura: “A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, em razão da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o carácter sinalagmático do contrato de trabalho. Ora, não poderá considerar-se que aqueles prémios assumam tal caráter sinalagmático, nem tinham as características de regularidade e periodicidade.


Ainda quanto ao prémio de assinatura de contrato, no Acórdão do STJ de 12.03.2014, (Proc. 870/10.4TTMTS.P1, in www.dgsi.pt) (citado no Ac. TRP de 1400/13.1TTPRT.P1) pode ler-se: “ No que concerne ao Prémio de Assinatura do Contrato. Como logo resulta da própria qualificação (in re ipsa), não se trata de uma contrapartida pelo trabalho. Trata-se, na expressão correta do Recorrente, de um bónus, um bónus motivado pela simples ocorrência da assinatura do contrato. Que não sendo, por isso, devido a título de retribuição não deixa de ser devido a título de crédito vencido e não pago, sendo certo que o tribunal não está limitado ao nomen iuris em que se fundamenta a parte.


Revertendo ao caso dos autos, diremos que, ficou provado que:


 “ O ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.


 Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:


2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do VITÓRIA pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.” – sublinhado nosso.


Face a tal convenção, à anuência expressa do Autor a esse acordo, ao facto de o referido “prémio” não ser regular nem periódico e não ter carácter sinalagmático, dependendo apenas da assinatura do contrato por banda do Autor, inexistem dúvidas que as quantias ali mencionadas não integram a retribuição.


A retribuição do Autor a considerar é, pois, a anual de € 121.870,00.»


D – FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


Já o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que aqui é objeto de recurso, possui a seguinte fundamentação quanto a esta mesma prestação que, embora designada pela Ré empregadora e pela sentença da 1.ª instância, por «Prémio de Assinatura do Contrato», merece uma abordagem e tratamento fáctico e jurídico substancialmente diferentes neste Aresto:


«- O valor, da retribuição anual ilíquida, a considerar para efeitos de indemnização do sinistrado


Questão que nos leva a analisar se as quantias que eram pagas ao sinistrado, no âmbito do “Acordo Privado” celebrado entre as partes, no dia 1 de Julho de 2019, na consideração de entre elas vigorar o contrato de trabalho a que aludem os pontos 1 a 6 da factualidade provada, têm a natureza de retribuição, para efeitos do cálculo da pensão e indemnizações devidas em virtude do acidente de trabalho por ele sofrido e em causa, ou tal não acontece, como decidido na sentença recorrida.


O apelante, nos termos que constam das suas alegações e conclusões defende que, “…, deve-se englobar na retribuição anual bruta o valor de € 27.500,00 que o Sinistrado auferiu em cumprimento do acordo inicial de € 97.500 net por época desportiva, pois tal prémio anual, além de estar dependente da eficácia e da prestação de trabalho do Autor, era paga anualmente, em 3 prestações certas, líquidas e exigíveis, não se destinando a compensar o Sinistrado por custos aleatórios,…”. Face a isso, defende, “…que, para efeitos de indemnização, o valor a considerar deverá ser o da retribuição anual ilíquida correspondente aos salários líquidos que o Sinistrado auferiu na época desportiva 2019/2020, que corresponde ao total de € 169.747,50 (resultado da soma de € 121.870,00 com € 47.877,50), quantia essa que o trabalhador teve direito como contrapartida do seu trabalho, nela se incluindo a retribuição de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas ao Sinistrado.”.


Vejamos.


Comecemos por assentar de que, é pacífico entre as partes envolvidas que o Autor sofreu um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo e no local de trabalho, ao serviço e sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade empregadora, por força de contrato de trabalho com ela validamente celebrado, que lhe provocou lesão corporal/perturbação funcional de que resultou redução na sua capacidade de trabalho ou de ganho devido a ter sofrido luxação acromioclavicular à esquerda com rutura dos ligamentos acromio-claviculares e coracoclaviculares e edema partes moles periarticulares pós-traumático – cfr. art.º 8.º da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (LAT, aplicável aos acidentes ocorridos após 01.01.2010).


E, por ser praticante desportivo profissional é-lhe, ainda, aplicável o regime específico de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho previsto na Lei 27/2011, de 26.06, onde se estabelecem desvios, sobretudo, referentes à existência de uma tabela própria para fixação de incapacidade fazendo corresponder ao grau de incapacidade encontrado nos termos gerais um outro mais agravado, para além de se atender à idade e se fixar limites máximos de pensão a pagar, em relação ao regime geral da LAT, aplicável à generalidade dos trabalhadores.


Sem discussão temos, também, que em consequência do acidente, em causa, sofreu o A. lesões determinantes dos períodos de incapacidade temporária (absoluta e parcial) referidos nos n.ºs 29 e 30 dos factos provados, em consequência do que tem, o mesmo, direito à respetiva indemnização, nos termos previstos no art.º 48.º, n.º 3, als. d) e e) da LAT. E, tem também direito, nos termos da al. c) do n.º 3 do mesmo art.º 48.º, com efeitos desde 01.09.2020, dia imediato ao da alta definitiva, ao capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida pela IPP de 1,9%. Indemnização pelas incapacidades temporárias e pensão anual e vitalícia devida pela IPP, a calcular, nos termos do art.º 71.º, n.ºs 1, 2 e 3, da LAT, questionando-se, apenas, o montante da retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado, com base aquelas deverão ser calculadas. Ou seja, saber se, apenas, pelo total anual de € 121.870,00 como se considerou na decisão recorrida ou, por aquele somado com o valor ilíquido de € 47.877,50 previsto no Acordo Privado, como considera o recorrente, defendendo o carácter retributivo deste valor.


E, assim sendo, importa que, previamente, se teçam a propósito da retribuição as seguintes considerações.


Dispõe o art.º 258.º do CT/2009, sob a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, que: “1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.


2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.


3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.


4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”.


Concretizando, dispõe o art.º 260.º do mesmo Código que: “1 - Não se consideram retribuição:


a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;


b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;


c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido;


d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.


2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.


3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:


a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;


b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.”.


Por sua vez, consta do referido art.º 71.º da LAT, sob a epígrafe “Cálculo” que:


1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.


2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.


3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.


4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respetiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.


5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.


6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.


7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça atividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.


8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.


9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.


10 - A ausência ao trabalho para efetuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.


11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.”.


Resulta da análise destes artigos, desde logo, que o conceito de retribuição constante da LAT difere do conceito de retribuição constante do Código do Trabalho. Pois, se neste a retribuição está adstrita ao trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador ou à sua disponibilidade para o exercer (cfr. art.º 197.º do CT) já, naquela, está adstrita ao carácter regular das prestações recebidas pelo trabalhador, desde que as mesmas não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, sendo, assim, forçoso que se reconheça que na LAT se perfilha um conceito mais abrangente do que naquele código.


Sobre esta questão e a propósito do referido art.º 71.º, da LAT, no (Acórdão do STJ, de 31.10.2018, Proc. n.º 359/15.5T8STR.L1.S1 in www.dgsi.pt – lugar da internet onde se encontram todos os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação), refere-se o seguinte:


Analisados estes dispositivos, decorre dos mesmos que o conceito de retribuição assumido como elemento de base do cálculo da reparação das consequências do acidente não coincide com o conceito de retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho.


Para os efeitos daquele artigo 71.º, são retribuição «todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».


Não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios.


Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade.


O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado.


Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado.


Carece, deste modo, de sentido o apelo que a decisão recorrida faz ao critério subjacente ao acórdão desta Secção proferido em 10 de outubro de 2015, consagrado no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1 [9].


Neste acórdão estava apenas em causa a consideração da natureza retributiva de uma específica prestação para saber da integração da mesma no cálculo do valor do subsídio de férias e da retribuição de férias.


A jurisprudência aí fixada nada tem a ver com o reflexo da perda da capacidade de ganho do sinistrado e com a sua projeção em termos de rendimentos futuros.


Com efeito, apesar de proferida sobre a norma do artigo 26.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, continua inteiramente válida a jurisprudência fixada nesta Secção no acórdão invocado na sentença proferida na 1.ª instância [10], onde a este propósito se referiu o seguinte:


«Por seu turno, o n.º 3 do falado artigo 26.º prescreve deste modo:


Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.


Se este normativo começa por apelar ao critério geral de retribuição – que já alude, ele próprio, à regularidade da prestação – para depois adicionar aquelas prestações regulares que não se destinem a compensar custos aleatórios, é forçoso reconhecer que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.


No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao “salário médio”, onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.»


E mais recentemente, embora tendo por base a mesma Lei dos Acidentes de Trabalho, no acórdão proferido por esta Secção em 13/04/2011, proferido no processo n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1 de que foi extraído, o seguinte sumário: «I - Conforme resulta do nº 3 do artigo 26.º da Lei 100/97 de 13 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.» [11]


Neste contexto, o subsídio de prevenção auferido pelo sinistrado durante 7 meses no ano anterior ao do acidente tem natureza retributiva para os efeitos dos n.ºs 1, 2, e 3 do artigo 71.º da Lei n.º 98/2009 e, como tal, deve ser tomado em consideração no cálculo das pensões e indemnizações ali previstas.”.


Ainda do STJ, com interesse para a questão, apesar de se reportar quer ao anterior Código do Trabalho quer à anterior LAT, por nesta matéria não existirem alterações e as conclusões expressas manterem a sua atualidade, veja-se o (Acórdão de 17.03.2010, Proc.º n.º 436/09.1YFLSB), onde se lê:


XVII - O art.º 26.º, da LAT, adota um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no art.º 249.º, do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, o que significa que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.


XVIII - Resultando provado que o sinistrado auferia, a título de ajudas de custo, valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado – sem necessidade de qualquer documento comprovativo, é de concluir integrarem tais valores o conceito de retribuição e, nessa medida, integrarem, igualmente, o cálculo das prestações reparatórias emergentes do acidente de trabalho.”.


Em idêntico sentido, desta Relação no (Acórdão de 15.12.2021, Proc. nº 2517/18.1T8PNF.P1), refere-se o seguinte: “III - O art.º 71.º, n.º 3, da LAT/2009 adota um conceito próprio de retribuição, que é mais amplo do que o do CT/2009, e que, para além do que este considera como retribuição, se centra na regularidade desse recebimento, apenas considerando como não a integrando o que se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios, cabendo ao empregador o ónus de alegação e a prova de que é este o fim da prestação.”.


E, também, no (Acórdão de 01.12.2014, Proc. nº 166/09.4TTOAZ.P1), no seu sumário sintetizou-se: “II – As LAT’s de 1997 e de 2009 deixaram de fazer remissão para os critérios da retribuição da lei geral, mas continuaram a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.


III – E excetuam do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pois que não se traduzem num ganho efetivo para o trabalhador.”.


Por fim, veja-se, ainda o sumário do (Acórdão, de 07.12.2018, Proc. nº 959/14.0T8PNF.P1), no qual se sintetizou que: “I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.


II - Na noção da n.º 2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.


III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser suscetível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.”.


Regressemos, então, à situação concreta, face ao que se deixou exposto sobre o conceito de retribuição no âmbito dos acidentes de trabalho.


Como já dissemos, resumida a saber, se são retribuição as prestações referidas no “Acordo Privado” celebrado entre as partes, no dia 1 de Julho de 2019.


Nesta matéria ficou provado que: “7) O Autor e a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE -S.A.D. assinaram, também no mesmo dia 01 de Julho de 2019 aquilo que as partes designaram de ACORDO PRIVADO (documento de fls. 11 que aqui se tem por integralmente reproduzido).


7.A) [REMETE-SE PARA O TEOR DO CONTRATO REPRODUZIDO NA FACTUALIDADE DADA COMO ASSENTE – PONTO ADITADO NO FINAL PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO]


8) Esse ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.


9) Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:


2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do VITÓRIA pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.


3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o VITÓRIA e o JOGADOR.


4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito às importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.


5. Ambos os Acordantes declaram que o presente pacto privado em nada afeta a validade, condições e eficácia do Contrato de Trabalho outorgado entre o VITÓRIA e o JOGADOR.”.


Ora, defende o apelante o carácter retributivo dos valores constantes daquele “Acordo Privado”, o que como vimos a sentença recorrida não acolheu, sob a consideração de que os pagamentos das quantias indicadas naquele acordo correspondem a “prémio de assinatura”.


Que dizer?


Desde logo que, só podemos discordar do modo como é iniciada a apreciação desta questão, na sentença recorrida, afirmando que, “Alega o Autor que o acordado prémio de assinatura referido em 7) a 9) da factualidade provada…” e prosseguindo todo o raciocínio e fundamentação, a partir desta premissa, para decidir sobre a retribuição do sinistrado a considerar.


Pois, o Autor, em momento algum, alegou ter acordado “o prémio de assinatura” a que se refere a sentença. Que os valores referidos naquele acordo eram “prémio de assinatura” alegou a Ré (art.ºs 7 e 8 da sua contestação) mas, não resultou provado, como consta da factualidade assente supra transcrita e cremos que bem. Até na consideração de que, não seria compreensível que tratando-se, aqueles, do alegado “prémio de assinatura”, fosse necessário, a celebração do Acordo Privado, quando no mesmo dia, já tinham acordado no “Contrato de Trabalho Desportivo” sobre os prémios monetários do Jogador, estipulando a cláusula Terceira daquele que “Durante a vigência do presente contrato e desde que o Jogador esteja ao serviço da Vitoria FC SAD, esta pode conceder, por sua exclusiva e livre iniciativa, prémios monetários ao Jogador…”.


Acrescendo que, na matéria de facto nada ficou a constar a tal respeito, nomeadamente, sobre o “sentido/interpretação” que as partes atribuíram àqueles pagamentos, que permita concluir que os mesmos respeitavam a um “prémio de assinatura” inviabilizando, assim, que se inicie e, sem mais, se faça a apreciação da questão, a partir da afirmação de que são aqueles “prémio de assinatura”.


A situação, em apreço, é bem diversa das apreciadas nos doutos Acórdãos citados e em que se fundamentou a decisão. Um deles, o do STJ, nem foi proferido no âmbito de ação de acidente de trabalho e da factualidade que se mostra provada, não é possível concluir que, os valores que constam no “Acordo Privado” eram um “prémio de assinatura”, como o considerou a M.ª Juíza “a quo”. O que as partes acordaram no “Acordo Privado” é o direito do jogador a uma compensação, pela celebração do contrato que estava em vigor entre elas, acordo esse “válido enquanto vigorar” aquele contrato de trabalho desportivo que, em caso de cessação deste, “o JOGADOR apenas terá direito às importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer” (cfr. Cláusulas 1., 3. e 4. do Acordo Privado).


Cremos, assim, que a interpretação a fazer do “Acordo Privado” não poderá ser no sentido de que aquele foi celebrado por os acordantes “decidirem estabelecer um prémio…”, já que a Ré os podia conceder “por sua exclusiva e livre iniciativa”. Do mesmo modo que, o exposto na cláusula 2.ª, daquele, quando se consigna “expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores…têm a natureza de liberalidade…”, não permite desse modo concluir.


Como é sabido, independentemente do acordo celebrado entre as partes, aquilo que releva é a situação em concreto verificada e não o que as partes resolveram qualificar em termos contratuais, como sendo ou não retribuição. E desta, desde logo, do que as mesmas partes assentaram nas cláusulas 3.ª e 4.ª o que resulta é que, as partes acordaram naqueles valores, a que o Autor tinha direito pela celebração do contrato desportivo que os unia e que, apenas, seriam recebidas enquanto aquele vigorasse.


Características daqueles pagamentos, plenamente indiciadoras da regularidade/obrigatoriedade, com que o Autor tinha direito a eles e, incompatíveis com a mera liberalidade, (de que foram apelidados) onde não há vinculação, (de que são exemplo as recompensas ou prémios não garantidos antecipadamente, - como o que ficou estipulado na cláusula Terceira do Contrato Desportivo).


Acrescendo que, para a concessão de prémios, a Ré não necessitava do acordo do Autor, como já se referiu, eram da sua exclusiva e livre iniciativa.


Assim, a M.ª Juíza “a quo”, além de não dispor de qualquer factualidade que lhe permitisse afirmar tratar-se de um “prémio de assinatura”, a interpretação do exposto naquele acordo, também, não permite concluir que o fosse. Carecendo, assim, de sentido o apelo que a decisão recorrida faz ao critério subjacente ao acórdão desta Secção proferido, em 3.10.2022, relatado e subscrito pelos aqui Adjuntos, onde, estava provado que as partes acordaram o pagamento de uma retribuição suplementar, a titulo de prémio de assinatura.


Face ao exposto, parece-nos que a conclusão a que chegou o Tribunal “a quo” é errada, desde logo, porque partiu de uma afirmação prematura, sem qualquer suporte em factos assentes.


E, então, outra questão se coloca, será que a factualidade provada permite concluir que, aqueles pagamentos acordados no “Acordo Privado” são uma contrapartida do trabalho do A., como ele defende e, nessa medida devem integrar a sua retribuição anual, para efeitos dos cálculos a que alude o art.º 71.º da LAT.


Ante tudo o que se deixou exposto, só se pode dizer que sim.


Relembrando, como, já se referiu o conceito de retribuição difere no âmbito da reparação de danos por acidente de trabalho e é mais lato relativamente àquele outro que vigora no âmbito do contrato de trabalho onde serve de medida de outros direitos dos trabalhadores, designadamente para a indemnização a atribuir nos despedimentos ilícitos ou para o regime de garantias laborais (como era o caso, no douto Ac. Do STJ de 12.03.2014, citado na decisão recorrida).


No Código do Trabalho (art.º 258.º, n.º 1) a retribuição é essencialmente entendida como “contrapartida do trabalho”. Por sua vez, no domínio dos acidentes de trabalho, visa-se compensar a redução da capacidade de ganho e de trabalho.


Desse modo, reiterando, dispõe aquele art.º 71.º da LAT, que as prestações devidas por incapacidade permanente ou temporária, ou morte, têm por base de cálculo a retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado à data do acidente, compreendendo aquela a retribuição mensal de doze meses, acrescida dos subsídios de férias e de Natal e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. Quanto à retribuição mensal, especifica, ainda, aquele que, esta engloba todas as prestações recebidas com carácter de regularidade e que não se destinem a compensar custos aleatórios.


A definição legal de retribuição sustenta-se no “seu carácter de regularidade” ou em prestações “a que o sinistrado tenha direito como carácter de regularidade”. Regularidade (anual, mensal, trimestral, bimensal…), consiste num pagamento repetido, indicia uma vinculação e cria legítimas expectativas no trabalhador, que com ele conta para as suas despesas pessoais.


A expressão “regular” utilizada para atribuir natureza retributiva refere-se, assim, a prestações não arbitrárias que seguem uma regra permanente e constante, ao contrário, do que é eventual, incerto ou ocasional.


Afastando-se deste conceito, precisamente, as prestações dependentes do desempenho ou mérito, exceto se estiverem antecipadamente garantidas ou revestirem carácter estável, quer por força do “título atributivo”, quer pela sua atribuição regular e permanente (como se lê, in Centro de Estudos Judiciários, E-book, Coleção Formação Inicial, “Retribuição e outras atribuições patrimoniais”, 2013, pág. 19). Realça, ainda, a lei que as importâncias pagas de modo regular só não integrarão a retribuição se tiverem por causa custos aleatórios.


No (Ac. do TRE de 17.11.2009, 840/07.0TTSTB.E1) lê-se: “Têm a característica de custos aleatórios as importâncias que, apesar de pagas regularmente, se destinam a satisfazer despesas feitas ou a fazer pelo trabalhador por razões ligadas à prestação de trabalho, representando apenas o reembolso delas e não um efetivo acréscimo de rendimento do trabalho. Englobam-se nesta categoria as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e abonos de instalação e outros equivalentes”.


Ou seja, são um tipo de importâncias que, mais não são, do que o reembolso de custos que o trabalhador sofreu por causa da prestação do trabalho e que não lhe aumentam o seu rendimento.


Ora, da matéria provada resulta que o Autor “pela celebração do contrato referido na al. a). terá direito a uma compensação…”, a pagar na forma e nos momentos certos ali definidos, pelo que só se pode concluir que, atento o acordado, era aquela obrigatória e garantida, paga em ambas as épocas de duração do contrato, só dependendo de o mesmo estar em vigor. Ou seja, a atribuição da compensação era certa, porque garantida antecipadamente e tinha por pressuposto unicamente a celebração do contrato e o mesmo manter-se em vigor.


O autor não só podia contar com tal compensação porque a Ré a ela se vinculou (a expressão, terá direito, não deixa disso dúvidas) como lhe era legítima a expectativa do seu recebimento, em ambas as épocas de duração do contrato.


Nada se tendo provado que permita considerar os acordados pagamentos como “liberalidade”, não se apurou qualquer razão específica para que dessa forma pudessem considerar-se, acrescendo que, nos termos do CT, presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, (art.º 258.º do CT), o que não foi ilidido no caso. Sendo como já dissemos, totalmente irrelevante, o modo como determinada prestação é qualificada, interessando sim a matéria provada, sendo que, no caso, nada se apurou que possibilite concluir serem aqueles pagamentos acordados no “Acordo Privado” feitos pela ré a título de “liberalidade” como ali foram apelidados.


Razão por que, consideramos a expressão “compensação” que ficou a constar daquela cláusula 1., não tem a virtualidade, sem mais, de convencer que estamos em presença de um prémio de assinatura como se considerou na sentença, do mesmo modo que o facto de se ter consignado na cláusula 2. “que não faz parte da remuneração” permite julgar dessa forma. Acrescendo que, em momento algum, seria possível provar, até porque não foi alegado, que aqueles acordados pagamentos tinham por causa custos aleatórios, como prevê a LAT.


Assim, facilmente, como já havíamos dito, se conclui que os pagamentos acordados no “Acordo Privado”, celebrado no mesmo dia e “pela celebração” do “Contrato de Trabalho Desportivo” integram o conceito de retribuição. Primeiro, porque são regulares (em ambas as épocas) e assumido com carácter de obrigatoriedade, por via negocial, para vigorar durante todo o contrato. Segundo, porque não se provou que compensa custos aleatórios, mas antes um efetivo acréscimo de rendimento do trabalho do autor.


Em suma, trata-se de prestações regulares que são obrigatórias para a ré, que as teria de assegurar ao autor caso o contrato vigorasse. Ou seja, não são qualquer prémio. Sobre estes, como se verifica e já dissemos ficou acordado naquele “Contrato de Trabalho Desportivo”. Ainda, como nota final e repetindo, diremos que competia à Ré alegar e provar que o acordado no “Acordo Privado” apenas se destinava a satisfazer custos aleatórios, o que não logrou fazer.


Assim, aquele valor integra a retribuição.


Sendo a retribuição anual a considerar de € 169.747,50.»


E – LITÍGIO DOS AUTOS


Adiantando já a posição deste Supremo Tribunal de Justiça, concorda-se com a certeira fundamentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação do Porto quanto à interpretação do «ACORDO PRIVADO» e da integração da prestação aí consensualizada entre as partes como possuindo natureza retributiva, nos termos e para os efeitos do artigo 71.º da LAT/2009 [3].


A Factualidade dada como Assente dá como demonstrados os seguintes factos:


«2) No âmbito da sua profissão, celebrou em 1 de Julho de 2019 com a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D., um contrato individual de trabalho que foi registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.


3) O Autor e a Ré VITÓRIA outorgaram o documento intitulado “contrato de trabalho desportivo” de fls. 5 v e segs., que aqui se tem por integralmente reproduzido, e no qual se pode ler que “o jogador obriga-se a prestar com regularidade, zelo, dedicação e assiduidade a atividade de futebolista ao Vitória, em representação e sob a autoridade e direção desta, mediante retribuição, podendo no decurso do contrato ocorrer cedência temporária por acordo de ambas as partes.”(conforme cláusula primeira).


4) Pode ler-se nesse mesmo documento que o contrato de trabalho se iniciava em 1 de Julho de 2019 e teria seu termo a 30 de Junho de 2021 (conforme cláusula terceira), ou seja, destina-se a vigorar nas épocas desportivas 2019/2020 e 2020/2021.


5) Na cláusula segunda do “contrato de trabalho desportivo”, pode ler-se: “...O Vitória compromete-se a pagar ao jogador, até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte aquele a que diz respeito, a remuneração mensal líquida de:


1. Época 2019/2020: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2019;


2. Época 2020/2021: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2020;


Parágrafo único: Os subsídios de férias e de Natal já estão incluídos nos valores globais referidos nesta cláusula.


6) O Autor recebia dez meses por ano da Ré as seguintes importâncias, discriminadas da seguinte forma nos recibos de vencimento:


a. Ordenado base: € 1.400,00;


b. Complemento de ordenado: € 10.787.


c. Total € 12.187,00, num total anual de € 121.870,00.


7) O Autor e a Ré VITÓRIA FUTEBOL CLUBE - S.A.D. assinaram, também no mesmo dia 01 de Julho de 2019 aquilo que as partes designaram de ACORDO PRIVADO (documento de fls. 11 que aqui se tem por integralmente reproduzido).


8) Esse ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.


9) Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:


2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do VITÓRIA pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.


3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o VITÓRIA e o JOGADOR.


4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito às importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.


5. Ambos os Acordantes declaram que o presente pacto privado em nada afeta a validade, condições e eficácia do Contrato de Trabalho outorgado entre o VITÓRIA e o JOGADOR.»


O referido Documento, que se mostra reproduzido nos autos, possui o seguinte conteúdo integral:


Se quisermos qualificar juridicamente o cenário negocial que ressalta dos autos e que se traduz na celebração simultânea de dois acordos escritos, entendemos que nos deparamos com uma situação de união ou coligação de contratos, conforme sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2007, Processo: 06S4107, Relatora: MARIA LAURA LEONARDO, publicado em ECLI:PT:STJ:2007:06S4107.E7, com o seguinte Sumário parcial, quando se afirma o seguinte: «VIII - Verifica-se uma união ou coligação de contratos quando as partes celebram dois contratos diferenciados – v.g. um de trabalho e outro de cedência de imagem -, mas pretenderam que essa pluralidade funcionasse como um todo, como um conjunto económico (valor global acordado) e, por isso, estabeleceram um nexo funcional entre eles.»


Chegados aqui e debruçando-nos especificamente sobre o clausulado do tal «ACORDO PRIVADO», importa desde logo, referir que uma interpretação cuidada do texto do mesmo, feita segundo as regras jurídicas constantes dos artigos 236.º a 239.º do Código Civil, não permite classificar a prestação ali prevista, por recurso a uma menção inequívoca e identificativa da mesma, pois ali qualifica-se esta última simplesmente como «prémio» [Considerandos contratuais] ou «compensação» [Ponto 1] muito embora tal Ponto 1 desse escrito diga que «pela celebração do contrato referido na alínea a) dos considerandos, o JOGADOR terá direito a uma compensação…».


Logo, não resulta de tal documento, como dos factos complementares que a ele se referem e que foram dados como demonstrados, que estejamos face a um «prémio de assinatura», conforme designado pela Ré e na sentença do Juízo do Trabalho de ....


Nada nos autos nos permite encarar, por outro lado e como bem sustenta o Aresto do Tribunal da Relação do Porto aqui recorrido, que estejamos face a um «prémio de assinatura».


Importa dizer, nesta matéria e já em termos jurídicos, que não existe qualquer referência específica e inerente definição do que é um «prémio de assinatura», quer na Lei n.º 54/2017, de 14/07, que regula, entre outras realidades, o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo [cf. artigo15.º], quer na Lei n.º 27/2011, de 16 de Junho, que estabelece o regime relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais [4].


Face a tal indeterminação legal e jurídica, pode chamar-se aqui à colação alguma jurisprudência que se tem debruçado sobre esta problemática do «prémio de assinatura», sua definição e natureza, como será o caso dos seguintes Arestos dos nossos tribunais da 2.ª instância e do Supremo Tribunal de Justiça:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2014, Processo n.º 870/10.4TTMTS.P1, relator: Melo Lima, publicado em www.dgsi.pt, onde se pode ler, em dada parte da sua fundamentação, o seguinte:

«A) No que concerne ao Prémio de Assinatura do Contrato.

Como logo resulta da própria qualificação (in re ipsa), não se trata de uma contrapartida pelo trabalho.

Trata-se, na expressão correta do Recorrente, de um bónus, um bónus motivado pela simples ocorrência da assinatura do contrato.

Que não sendo, por isso, devido a título de retribuição não deixa de ser devido a título de crédito vencido e não pago, sendo certo que o tribunal não está limitado ao nomen iuris em que se fundamenta a parte.»

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/10/2022, Processo: 1400/13.1TTPRT.P1, Relatora: TERESA SÁ LOPES, publicado em ECLI:PT:TRP:2022:1400.13.1TTPRT.P1.51, com o seguinte Sumário parcial:


«II – O prémio de assinatura de contrato, ‘não se trata de uma contrapartida pelo trabalho’, trata-se sim de ‘um bónus motivado pela simples ocorrência da assinatura do contrato’, não sendo devido a título de retribuição.»


Chegados aqui e face a tais noções e ao seu cruzamento com o texto do «ACORDO PRIVADO» que aqui nos ocupa, reforça-se a ideia deixada exposta anteriormente de que o mesmo não prevê um bónus ou prémio que tenha na sua base e se esgota na mera e inicial celebração escrita e assinada do contrato de trabalho dos autos mas antes numa prestação que, embora definida em termos globais, por referência aos dois anos de contrato dos autos, se reparte depois temporalmente e em termos de pagamento, por diversos e sucessivas datas, estando previsto que tais «tranches» só serão pagas ao Autor, caso ele cumpra os prazos previstos em tal ACORDO, deixando de receber aquelas quantias que ainda não se venceram, caso o vínculo laboral cesse antes do termo que foi consensualizado pelo trabalhador e pelo empregador.


Temos sérias dificuldades em conjugar tal específico regime contratual com a natureza e finalidade do aludido «prémio de assinatura», que, segundo os dois acórdãos antes identificados – e cuja argumentação se traduz apenas na fundamentação acima transcrita, quanto ao Aresto do STJ e que o Acórdão do TRP se limita a reproduzir e a seguir – se reconduzirá ao pagamento unitário de uma importância única por força e na sequência da assinatura do contrato de trabalho de praticante desportivo profissional, o que não é o caso da prestação em causa nos autos.


Se interpretamos corretamente o documento que está no cerne deste recurso de Revista, afigura-se nos que o mesmo consagra [ainda que em moldes mais ou menos secretos] antes um incentivo ou prémio de permanência, performance e rendimento desportivos [no fundo, produtividade, ao nível do desempenho e resultados obtidos], facetas essas da atividade do Autor que, conforme a satisfação e cumprimento dos diversos aspetos ou índices reclamados e considerados pelo Clube recorrente para esse efeito, vão sendo remuneradas com as quantias parciais ali enumeradas.


Não nos deixa de impressionar que, não obstante o artigo 1.º de tal escrito parecer prever um compromisso entre as partes no sentido da obrigatoriedade da liquidação das aludidas importâncias até às datas nele determinadas, não somente declara que tal acordo depende da vigência do contrato de trabalho, como não deixa de remeter para as considerações constantes das alíneas a), b) e c), de arredar qualquer dúvida quanto à natureza não retributiva dessa prestação pecuniária, qualificando-a expressamente como uma mera liberalidade do Clube Réu e de frisar, finalmente, que a quantia global ali combinada só seria totalmente liquidada desde que o vínculo laboral-desportivo existente não sofresse quaisquer percalços como os constantes do artigo 23.º [Formas de cessação] da Lei n.º 54/2017, de 14/7.


Afigura-se-nos que tal bónus ou compensação se reconduz antes aquela prestação tratada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/2022, Processo n.º 3285/19.5T8FNC.L1-4, Relator: DURO MATEUS CARDOSO, publicado em ECLI:PT:TRL:2022:3285.19.5T8FNC.L1.4.D1, com o seguinte Sumário parcial:


«IV – Um apelidado “prémio de assinatura”, pago em várias parcelas espaçadas no tempo, não se enquadra no âmbito de retribuições para compensar maior esforço, risco ou penosidade do trabalho ou com situações de desempenho específicas ou mesmo com situações de maior trabalho, nem em nenhuma das hipóteses previstas no art.º 260.º do CT.»


Não será despiciendo ouvir parte da motivação deste terceiro Aresto quando fala deste pretenso “prémio de assinatura”:


«Como decorre do próprio Acórdão da Relação de Coimbra de 6/12/2019 que a ré cita em seu abono, a retribuição em sentido estrito não abrange as parcelas de retribuição que estão relacionadas com maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho) com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho) ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).


Daí que sem grande esforço se conclui que um chamado “prémio de assinatura”, ainda por cima pago em várias parcelas espaçadas no tempo, não se enquadra no âmbito de retribuições para compensar maior esforço, risco ou penosidade do trabalho ou com situações de desempenho específicas ou mesmo com situações de maior trabalho.


Decorre do art.º 258.º-3 do CT, presumir-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador e como, por um lado, o “prémio de assinatura” não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art.º 260.º do CT e, por outro, a ré não logrou ilidir aquela presunção não fazendo qualquer prova em contrário, designadamente que o referido prémio se revestia das características referidas naquele Ac. da Relação de Coimbra, estando o autor dispensado de fazer prova de que tal “prémio” constituía retribuição nos termos dos arts. 349.º e 350.º, ambos do CC, é forçoso concluir que o acordo revogatório da Adenda, no que toca a esse prémio, não produziu quaisquer efeitos jurídicos e, portanto, a obrigação contida nessa cláusula da Adenda não se extinguiu.»


Também nos parece relevante para uma correta abordagem jurídica da natureza do «prémio» ou «compensação» consensualizada entre as partes no “ACORDO PRIVADO” dos autos, a convocação do já antes referenciado Aresto deste mesmo tribunal superior, quando sustenta o seguinte, no último Ponto do seu Sumário [ainda que por referência ao despedimento ilícito de um treinador de futebol]:


- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2007, Processo: 06S4107, Relatora: MARIA LAURA LEONARDO, publicado em ECLI:PT:STJ:2007:06S4107.E7, com o seguinte Sumário parcial:


«X - E, tendo as partes clausulado a atribuição ao autor (treinador) de determinados prémios, caso os objetivos desportivos previstos fossem alcançados, a prestação indemnizatória decorrente do despedimento deve incluir essa parte variável da retribuição, a qual deverá ser calculada tendo em conta a média dos prémios obtidos pelo autor nos doze meses anteriores.»


Ultrapassado este primeiro obstáculo, há que não olvidar que, ao contrário do que parece fazer a sentença do tribunal da 1.ª instância, no confronto entre as regras legais de cariz geral e comum que regulam, ao nível do Código de Trabalho, a matéria da retribuição do trabalhador e aquelas que, de natureza especial, regem essa mesma realidade no quadro da LAT/2009 [com particular destaque para as contidas no já reproduzido artigo 71.º], há que dar preferência e prevalência a estas últimas, em tudo o que específico e particular nelas se prevê quanto à remuneração auferida pelo sinistrado e que deve ser considerada para efeitos do cálculo das indemnizações e pensões que são devidas aquele.


Ora, conforme se afirma com muita clareza no Acórdão recorrido e na doutrina e jurisprudência [designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça] que nele é citado, o conceito de retribuição no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho é bastante mais «generoso» e abrangente do que o determinado no Código do Trabalho de 2009.


O Sumário [parcial] do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto aqui recorrido, ainda que por maioria e com 2 declarações de voto e que acha já publicado em ECLI:PT:TRP:2023:2875.20.8T8PNF.P1.02 diz, a esse respeito, o seguinte:


«III - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.

IV - Conforme resulta do n.º 2 do artigo 71.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».


V - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser suscetível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.»


Tal significa que as normas constantes, por exemplo, do artigo 260.º do Código de Trabalho de 2009 e que desqualificam, em termos da sua natureza jurídica retributiva, diversos suplementos e remunerações entregues pelo empregador ao trabalhador têm de ceder perante as regras distintas e especiais do artigo 71.º e de outras disposições legais da Lei dos Acidentes de Trabalho.


Ora, a ser assim e tendo como pano de fundo o disposto em tal artigo 71.º da LAT, se olharmos para a prestação acordada entre as partes, no «ACORDO PRIVADO» cuja interpretação já deixámos antes efetuada, nos seus traços essenciais, facilmente se verifica que a mesma, manifestamente, não visa liquidar ao recorrido quaisquer custos [gastos, encargos ou despesas efetuadas pelo mesmo por força e por causa da relação de trabalho firmada com a Ré e que deviam ser suportadas por esta última], o que retira importância a qualquer averiguação acerca da aleatoriedade ou não da mesma.


Dir-se-á, finalmente, no que concerne à inexistência de regularidade quanto ao «prémio» ou «compensação» firmada no dito documento [5], que não somente nos parece que essa periodicidade ou reiteração temporal se acha afirmada no artigo 1.º do dito Acordo, como a doutrina e jurisprudência aplicam essa noção de regularidade a créditos laborais que, no extremo, podem ser apenas liquidados uma vez por ano, como será o caso típico das participações em lucros, desde que liquidadas nos termos da alínea b) do número 3 do artigo 260.º do CT/2009.


Logo, pelos fundamentos expostos e ainda pelos demais desenvolvidos na fundamentação do Acórdão da Relação do Porto, com os quais concordamos, há que julgar improcedente o presente recurso de Revista.


IV – DECISÃO


Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto por VITÓRIA FUTEBOL CLUBE S.A.D., confirmando-se, nessa medida, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto recorrido.


Custas do presente recurso a cargo da recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.


Registe e notifique.


Lisboa, 12 de abril de 2024





José Eduardo Sapateiro (Relator)


Júlio Gomes


Domingos José de Morais





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1. O coletivo que subscreveu tal Aresto do Tribunal da Relação do Porto era formado pelos Exmos. Juízes Desembargadores Rita Romeira [relatora], Teresa Sá Lopes [1.ª Adjunta, vencida, nos termos do Voto que se acha reproduzido nesta Nota de Pé de Página] e António Luís Carvalhão [2.º Adjunto, com a Declaração constante da Nota de Rodapé seguinte]:

«Voto vencida, confirmaria a decisão recorrida que não considerou o valor ilíquido de 55.000,00 € como fazendo parte da retribuição para efeitos de reparação do acidente de trabalho.

Resulta da factualidade assente ter sido acordado que pela celebração do contrato, o jogador terá direito a uma compensação no valor ilíquido de 55.000,00 € (ponto 7 dos factos provados no qual é dado como reproduzido o documento de fls.11)

Trata-se de um bónus, motivado pela celebração do contrato.

E não ficou demonstrada a regularidade que não se confunde com o pagamento em tranches da compensação no valor ilíquido de 55.000,00 € (cfr. artigo 71.º, n.º 2 da LAT).”.↩︎

2. “Declaração:

Subscrevi o acórdão de 03/10/2022 citado no texto, cuja situação me parece ter similitude com a aqui em análise.

As quantias referidas no acordo aludido nos pontos 7) e 8) dos factos provados não se enquadram nas hipóteses previstas no art.º 260.º do Código do Trabalho, e não é feita prova de que esteja em causa a compensação por custos aleatórios (art.º 71.º, n.º 2 da LAT).

Assim, ponderando que o Autor está dispensado de fazer prova de que tal “compensação” constitua retribuição (art.º 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho), entendo agora ser de subscrever a posição do acórdão.↩︎

3. Artigo 71.º

Cálculo

1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.

2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respetiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.

5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.

6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.

7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça atividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.

8 - O disposto nos n.ºs 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.

9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.

10 - A ausência ao trabalho para efetuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.

11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.↩︎

4. Mesmo o Contrato Coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol publicado nos BTE n.º 8, de 28/02/2017 [Alteração e texto consolidado], n.º 28, de 29/7/2017, n.º 30, de 15/8/2018 e n.º 21, de 8/6/2020 [Alteração e texto consolidado] não se refere expressamente a tal «prémio de assinatura», embora aluda no seu artigo 34.ºaos «prémios de jogo» [e de classificação] e ao seu vencimento e num «Modelo do contrato de trabalho entre clubes e jogadores profissionais» ao «prémio de transferência» [Anexo I].↩︎

5. Conforme declaração que expressa as razões do Exmo. Juiz-Desembargador para votar vencido o Aresto aqui em análise.↩︎