Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
882/23.8T8STS-C.P1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: INSOLVÊNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
VALOR DA CAUSA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 04/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

A reapreciação pela Relação de decisão interlocutória com incidência sobre a relação processual, tramitada e proferida endogenamente em processo de insolvência (admissão de meios de prova), sujeita em revista ao regime do art. 14º, 1, do CIRE, não pode ser admitido se (i) não se preenche o requisito geral correspondente ao valor da causa (art. 629º, 1, CPC), e (ii) não se verifica a previsão do art. 671º, 2, b), do CPC (conflito jurisprudencial com acórdão do STJ, demandado preliminarmente pelo art. 14º, 1, do CPC, atenta a natureza da decisão, e após restrição teleológica desse art. 671º, 2, na aplicação do regime da revista “continuada” das decisões interlocutórias “velhas”), sem deixar de ter em conta o facto de (iii) a revista incidir sobre “decisão sumária liminar” (art. 656º do CPC) que não foi previamente objecto de reclamação para a conferência na Relação e subsquente prolação de acórdão.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 882/23.8T8STS-C.P1-A.S1


Reclamação: arts. 641º, 6, 643º, CPC; Tribunal Reclamado – Relação do Porto, ... Secção


Reclamação para a Conferência da Decisão Singular (art. 643º, 4, CPC)


Acordam em Conferência na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. AA apresentou Reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, contra o despacho da Ex.ma Juíza Desembargadora do Tribunal da Relação do Porto (TRP) que não admitiu o recurso de revista interposto da Decisão Sumária proferida nesse TRP, proferida em 20/10/2023.


2. BB, CC e DD, na qualidade de trabalhadores, requereram a insolvência de AA.


Na respectiva Oposição, a Requerida excepcionou com a falta de causa de pedir e impugnou a factualidade, em especial negando ter sido entidade patronal dos Requerentes e estar numa situação de insolvência efectiva, assim como pediu a condenação dos Requerentes em litigância de má fé.


Os Requerentes apresentaram Resposta à excepção e Contestação à litigância de má fé.


3. Após a fase dos articulados e requerimentos apresentados pela Requerida (em especial o de 11/5/2023, com testemunha arrolada: EE1), o Juiz ... do Juízo de Comércio de Santo Tirso proferiu o seguinte despacho (17/5/2023):


“Admito a testemunha indicada pela requerida na respetiva contestação, a qual é a apresentar, indeferindo-se a demais prova que foi junta pela requerida em data posterior, a pretexto de junção de documentos em falta “por dificuldade de suporte informático” não ter permitido o respetivo envio com a oposição à insolvência, sendo certo que as partes devem oferecer todos os meios de prova de que disponham nos respetivos articulados – arts. 25º, n.º 2 e 30º, n.º 1 do CIRE.


De igual modo, e pelos mesmos motivos, indefiro a testemunha arrolada pela requerida no requerimento de 11-05-2023.


Notifique.”


4. Notificada do anterior requerimento, a Requerida apresentou, na sequência do indeferimento, o seguinte requerimento (25/5/2023, ref.ª CITIUS 45668235):


“1.º Nos termos do artigo 598.º do CPC a alteração do requerimento probatório, aditamento ou alteração ao rol de testemunhas pode ser feito até 20 dias antes do início da audiência de discussão e julgamento.


2.º Motivo pelo qual toda a prova arrolada pela requerida deve ser aceite.


3.º Mais se requer, que a prova testemunhal arrolada seja notificada para comparecer em Tribunal, uma vez que a requerida não tem como apresentar as referidas testemunhas, não tendo qualquer tipo de contato com as mesmas.


4.º A defesa da requerida tem de ser assegurada e, o tribunal tem o dever de cooperar e realizar todas as diligências para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.

Espera deferimento.”

O Juiz de 1.ª instância proferiu então o seguinte despacho (31/5/2023, ref.ª CITIUS 448836262):

“Req. de 25-05-2023:

Considerando que a questão suscitada no requerimento que antecede (admissão de testemunhas) recai sobre matéria que já foi apreciada e decidida no despacho proferido em 17-05-2023, esgotou-se o poder jurisdicional sobre tal assunto, nada mais havendo que importe determinar, mantendo-se assim o oportunamente decidido – art. 613º, n.os 1 a 3 do Código de Processo Civil.


Em qualquer caso, sempre importa referir que o princípio da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, “em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”, consagrado no art. 17º, n.º 1 do CIRE, e porque os prazos fixados no art. 598º, n.º 2 do CPC não são conciliáveis com os imprimidos pelo art. 35º, n.º 1 do CIRE, disposição esta que determina a marcação da audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes à oposição do devedor, resulta na inaplicabilidade aos autos de insolvência da norma contida no referido art. 598º, n.º 2 do CPC, sendo certo que os arts. 25º, n.º 2 e 30º, n.º 1 do CIRE revestem natureza especial e a sua razão de ser prende-se com o caráter urgente do processo de insolvência contemplado no art. 9º, n.º 1 do CIRE (neste sentido cfr., entre outros, o Ac. do TRL, de 24-11-2016, processo n.º 26094/15.6T8SNT-B.L1-6, disponível em www.dgsi.pt)


Como tal, mantenho, nos precisos termos em que foi proferida, a segunda parte do despacho de 17-05-2023.


Notifique.”


5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em 23/6/2023,que decretou a insolvência da Requerida e julgou improcedente o pedido de condenação dos Requerentes da insolvência e da Requerida em litigância de má fé.


Mais se fixou o valor da causa em € 5.000,01, “sem prejuízo da sua oportuna correcção”, fundando-se nos arts. 15º do CIRE e 305º, 1 e 2, 306º, 2, e 308º (a contrario sensu) do CPC, sem que desta decisão incidental se tenha interposto recurso (v. Apelação interposta em 3/7/2023, ref.ª CITIUS 36111604).


6. Inconformada com a decisão de indeferimento de meios de prova proferida em 17/5/2023 (confirmada em parte pelo despacho de 31/5/2023), a Requerida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, em 1/6/2023 (ref.ª CITIUS 35815351), incidindo sobre tal despacho de 17/5 (recurso admitido em 28/6/2023, “na parte em que indeferiu a demais prova indicada pela requerida após a oposição”: ref.ª CITIUS 449964538), que conduziu a ser proferida Decisão Sumária neste apenso “C”, que, pronunciando-se sobre a nulidade processual arguida e a questão de “saber se deve ser admitida a prova testemunhal indicada pela Requerida após o termo da fase dos articulados”, julgou improcedente o recurso e confirmou o despacho recorrido.


7. Inconformada com o resultado decisório em 2.ª instância, a Requerente veio interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, visando revogar o “acórdão” recorrido.


8. A Senhora Juíza Desembargadora proferiu o referido despacho de não admissão do recurso em 5/12/2023, com a seguinte fundamentação conclusiva:

“Dispõe o art. 671.º, n.º 3 do CPCivil que “… não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1.ª instância…”.

A decisão impugnada foi confirmada por este Tribunal da Relação do Porto, pelo que o recurso não é admissível.

Nestes termos, não se admite o recurso.

Acresce que, ao contrário do sustentado no recurso, não se verificam as nulidades apontadas, indeferindo-se igualmente a arguição de tais vícios.”

9. A reclamante não se resignou com este despacho, sustentando na reclamação do art. 643º argumentos que levariam a que se recebesse o recurso interposto para o prosseguimento da revista.


Finalizou com as seguintes Conclusões:

“1. Vem a presente reclamação interposta do douto Acórdão proferido nos autos, na firme convicção que a mesma eferma de nulidade, ao abrigo do disposto no art.º 195.º, do CPC., atenta o incumprimento de várias formalidades legalmente prescritas e que, em boa verdade, influenciam o exame e a decisão da causa bem como, de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido bem diferente daquele que, Vossas Excelências, elegerão, certamente, como mais acertada, depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de direito, e à luz dos meios probatórios disponíveis.

2. O objeto do presente recurso consubstancia-se na impugnação do Acórdão proferido pelo Tribunal.

3. A decisão proferida e alvo do requerimento de nulidades mereceu uma análise por parte da visada pela mesma, e, apesar de abertamente não se concordar com o seu conteúdo, coisa diferente é considerar a mesma enfermada de determinados vícios.

4. No que concerne às nulidades suscitadas, confessa a recorrente que, se para si já foi constrangedor ler odespacho proferido, sinceramente não sabe o que dizer deste Acórdão que indefere as nulidades e inconstitucionalidades invocadas.

5. Desde logo, salvo o devido respeito, jamais a ora recorrente poderá concordar com o entendimento do Tribunal recorrido.

6. Desta forma, violou o Tribunal da Relação a quo uma das formalidades do artigo 3.º n.º 3 do C.P.C.

1. NESTES TERMOS, cumpre concluir que, atento o supra exposto o despacho, aqui em apreço é nulo atenta a preterição de formalidades essenciais legalmente consignadas.

I – ERRO DE JULGAMENTO

II - DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO:

7. No seguimento daquilo que já supra melhor se mencionou, os fins do Processo Civil, resumidamente, são os de, em contraditório, determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, proferir o despacho destinado a identificar o objecto do litígio.

8. ACONTECE QUE, não obstante a existência de matéria controvertida, o T.R.P. a quo, entendeu que os autos já possuíam todos os elementos necessários à decisão sobre o mérito da causa e, como tal, proferiu o respetivo Acórdão, proferindo decisão no âmbito dos presentes autos.

9. Sucede que, nesta nova decisão, limita-se o T.R.P. a referir que “Nos termos deste citado preceito legal “O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no artigo 789.º do Código de Processo Civil. As normas do CIRE revestem natureza especial, como bem explicou o Mmo Juiz, pelo que prevalecem sobre a lei adjectiva do processo civil comum. Assim sendo e, sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso. A recorrente tem outra opinião, mas não foi a que a que logrou vencimento.

10. O que serve por dizer que, afirmando, sem mais, ter já tomado posição relativamente àquelas questões – o que, na verdade, não ocorreu – o Tribunal a quo descartou, mais uma vez, a possibilidade de se pronunciar quanto às mesmas, mantendo-se inalterada a omissão de pronúncia inicialmente apontada pela recorrente.

11. De novo se sublinha: o recorrente não pretende uma nova decisão de mérito quanto a questões que pretende é que sejam supridos vícios que tão claramente inquinam aquela decisão, porquanto o T.R.P., na sua decisão não o fez.

12. Conforme vertido no requerimento de nulidade da aqui recorrida “O Acórdão reclamado ignora olimpicamente.”

13. E sobre esta questão sindicada em recurso e concretamente trazida de novo ao tribunal a quo em sede de arguição de nulidade, nenhum exame critico foi produzido, nenhum raciocínio lógico foi sustentado, nada!

14. Sucede que e, chamando à colação deste Tribunal Superior, questões concretas por si colocadas em recurso da decisão proferida em 1ª Instância e em relação às quais o T.R.P. nem sequer se pronunciou ou, tendo-se pronunciado, não logrou fundamentar, incorrendo por isso o Acórdão proferido em váriosvíciosde nulidade e, até inconstitucionalidade.

15. A falta de fundamentação é, de resto, outro dos vícios transversais no despacho proferido, daí não resultando em algum lado a fundamentação das suas opções decisórias. E a verdade é que esse vício não foi sanado pelo Acórdão de que ora se recorre.

16. Porém, ao arrepio da lei, designadamente, ao abrigo do disposto no art.º 3.º n.º 3 do C.P.C., o Tribunal recorrido decidiu sobre o mérito da causa nem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito.

17. Ora, a audição das partes quanto à matéria de facto e de direito constitui uma formalidade legalmente imposta peloartigo3.º n.º3 doC.P.C., cuja violaçãoacarreta a nulidade da decisão o que, desde já se invoca, com todas as consequências legais daí decorrentes.

18. Deste modo, violou o MeritíssimoJuiza quoumdosmaiselementaresprincípios processuais, nomeadamente, o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º n.º 3 do CPC.

19. Face ao exposto, não restam dúvidas de que a prolação do despacho é proferida com preterição de uma formalidade essencial e, que se encontra prescrita na lei, ou seja, foi a mesma efetuada sem que as partes tivessem oportunidade de se pronunciar em relação às questões de facto e de direito.

20. Em face disso e, uma vez que a omissão de tal formalidade influi no exame ou na decisão da causa, tal decisão é nula, atenta a violação do art.º 3º n.º 3 do CPC.

21. Assimsendo e, sempre comodevidorespeito, a verdade é que, muito mal andou o Tribunal de que se recorre.

22. Ora, é nessa sede que se define a essência do recurso, porque é este o único meio que assegura as garantias de defesa da recorrente, já que permite a análise de todos os meios de prova produzidos, sindicando o processo de formação da convicção do tribunal julgador.

23. Ademais, em sede de inconstitucionalidade, aduziu a recorrente que o Tribunal recorrido, ao não conhecer do recurso da recorrente em concreto quanto às várias questões que suscitou, violou dessa forma o segundo grau de jurisdição contemplado pela Constituição da República Portuguesa no seu segundo grau de jurisdição contemplado pela Constituição da República Portuguesa no seu artigo 32 n.º 1.

24. Comefeito, peranteasquestõesconcretas(nulidades) suscitadas pela recorrente, expurgado o copy paste de elementos já conhecidos da recorrente, o que o Acórdão da Relação do Porto escreve em meia dúzia de parágrafos é que todos os argumentos, ou todos os pontos foram exemplarmente analisados e fundamentados!

25. Assim, o presente recurso visa o conhecimento por este Tribunal Superior das nulidades avocadas e, bem assim, da inconstitucionalidade.

26. A falta de fundamentação que aqui nos ocupa prende-se com a ausência, no nosso modesto entendimento, da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão na medida em que, no que concerne a diversos pontos recursivos, este Tribunal não respondeu de forma bastante às questões cuja sindicância se requereu.

27. Uma vez que estas questões apenas se constituem, de forma definitiva, com o Acórdão ora recorrido, submete-se à apreciação deste Supremo Tribunal, os ditos vícios de que enferma.

28. Tais questões mantêm-se absolutamente inalteradas com a análise que o Tribunal da Relação do Porto se propôs fazer, uma vez que, salvo o devido respeito, não cuidou oTribunalde rebaterqualqueruma, antesremetendopara a sua anterior decisão, a qual era já sobejamente conhecida pela recorrente, mais afirmando que todos os pontos se acham devidamente fundamentos.

29. Subsistem assim os vícios avocados, nos termos acima referenciados, razão pela qual se requer a V.ex.as se dignem conhecer das nulidades suscitadas.

30. Finalmente, a acrescer à potencial inconstitucionalidade já invocada supra, cuja fundamentação aqui se repristina para os devidos efeitos legais, ainda assim subsiste uma outra referente ao próprio vício cometido pelo Tribunal da Relação do Porto e, aqui se suscita, nos termos infra melhor escalpelizados.

31. Em suma, não se conforma, de modo algum, a ora recorrente com o douto Acórdão em crise, por entender que a decisão judicial proferida é, nula, atenta a violação de formalidades legais, conforme supra melhor se explanou, com todas as consequências legais daí decorrentes.

32. Diremos apenas que a oposição à insolvência; contém, de forma perfeitamente inteligível, os factos que consubstanciam a causa de pedir, o direito aos mesmos aplicável e em que se funda o pedido, que também é absolutamente claro e consonante com a causa de pedir.

33. A requerente não está insolvente.

34. Bem pelo contrário, tem cumprido com o pagamento das suas dívidas com os credores, não podia o tribunal julgar os créditos vencidos sem qualquer prova documental ou testemunhal

35. – SEM PRESCINDIR, o Tribunal “a quo” tinha ainda ao seu dispor a hipótese de proferir um despacho convidando ao aperfeiçoamento e dando prazo para tal, em respeito do princípio da cooperação prevista no art.º 7.º do CPC e, bem assim, cumprindo o dispostono n.º2 doart.º 6.º doCPC, “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

36. Sendo este um autêntico dever do juiz e não um simples princípio orientador ou programático – conforme ensina o Dr. Abílio Neto.

37. Pois, está previsto que o juiz convide as partes a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes, o que não foi feito.

38. E, para se concluir de tal forma basta atentar às alegações apresentadas.

39. A presente reclamação é admissível, porque a decisão em crise não se trata de uma verdadeira decisão sobre a admissibilidade (ou não) do recurso interposto pela ora reclamante, pois atentas as alegações, nem sequer conheceu os fundamentos do recurso.

40. Daí que seja pacificamente aceite que a nossa lei adjectiva consagra o princípio da substanciação, segundo o qual objecto do recurso a as alegações, mas definido através das motivações e conclusões. Nas alegações aqui em causa a recorrente identifica todos os fatos essenciais à eventual procedência do recurso pela mesma feito nos autos.

41. Alega o Tribunal que a matéria objecto do recurso já foi decidida, sem sequer criar uma narrativa que se adeque ao processualmente já está demonstrado nos autos, nem sequer conheceu os fundamentos do mesmo. A acrescer que, dado o teor do recurso deduzido, resultou que o Tribunal a quo percebeu perfeitamente, interpretou conveniente[mente] as Alegações do Recurso.”


Não foi apresentada qualquer Resposta nos termos admitidos pelo art. 643º, 2, do CPC.


10. Foi proferida Decisão Singular de acordo com o art. 643º, 4, do CPC, julgando improcedente a Reclamação e mantendo o despacho reclamado de não admissão do recurso, ainda que com fundamentação adicional e diversa.


11. Inconformada, a Recorrente veio apresentar recurso com a arguição de “nulidade do acórdão” (sic), ainda que se tivesse identificada como impugnada a Decisão Singular proferida pelo aqui Relator e precedentemente aludida.


12. Foi proferido despacho para apreciar e decidir tal requerimento como Reclamação para a Conferência, nos termos dos arts. 643º, 4, e 652º, 3, do CPC (2/4/2024).



Colhidos os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO


13. A questão a decidir na reclamação deduzida pela Recorrente ao abrigo do art. 643º é a de saber se o despacho de não admissão deve ou não proceder como fundamento da não reapreciação em sede de revista da Decisão Sumária proferida em 2.ª instância.


14. Perante a improcedência da reclamação enquadrada no art. 643º do CPC, ao reclamante assiste a faculdade de suscitar a intervenção da conferência, requerendo que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, tal como prevê o art. 652º, 3, aplicável por força do art. 643º, 4, do CPC.


Sendo esta a modalidade de impugnação contemplada no CPC, impõe-se a convolação oficiosa (de acordo com os arts. 6º, 2, e 193º, 3, do CPC) do recurso da Recorrente como Reclamação para a Conferência da Decisão Singular proferida por despacho nos autos, nesses termos legalmente configurados pelo CPC, confirmando-se o decidido no anterior despacho de 2/4.


Assim sendo.


15. A anterior Decisão Singular do aqui Relator confirmou tal despacho, ainda que com fundamentação diversa.


Transcreve-se:


“Em primeiro lugar, temos que sublinhar que estamos perante a sindicação em revista da reapreciação feita pela Relação de decisão interlocutória de natureza processual proferida em 1.ª instância.


Depois, temos que acentuar que a decisão proferida em 1.ª instância e reapreciada pela Relação, sendo tramitada endogenamente nos próprios autos do processo de insolvência, rege-se pelo especial regime de recursos previsto no artigo 14º, 1, do CIRE, que configura uma revista atípica e restrita e, por isso, delimitador da susceptibilidade da revista para o STJ do acórdão recorrido. Logo, o recurso para o STJ segue o regime esgotante e excludente do art. 14º, 1, do CIRE, afastando:


(i) o regime da revista excepcional em casos de “dupla conformidade decisória”; e


(ii) as impugnações gerais extraordinárias previstas pelo art. 629º, 2, do CPC.


O artigo 14º, 1, do CIRE determina:


«No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme».


Daqui resulta uma regra de não admissibilidade de recurso para o STJ, em terceiro grau de jurisdição, em litígios respeitantes a decisões, finais ou interlocutórias, relativas ao processo de insolvência, desde que tramitadas endogenamente ou por incidente, com excepção do apenso legalmente contemplado na parte final do art. 14º, 1, a não ser que – condição específica de recorribilidade – o recorrente cumpra o ónus específico de demonstrar que a diversidade de julgados a que respeitam os acórdãos em confronto é consequência de uma interpretação divergente da mesma questão fundamental de direito na vigência da mesma legislação, conduzindo a que uma mesma incidência fáctico-jurídica tenha sido decidida em termos contrários, promovendo assim a impugnação recursiva para o STJ.


A admissibilidade restrita e atípica do recurso de revista previsto no art. 14º, 1, do CIRE não dispensa, porém, a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso e dos requisitos próprios do recurso de revista (artigo 671º, 1 e 2, CPC), por força do art. 17º, 1, do CIRE.


Quanto aos requisitos gerais de admissibilidade do recurso, verifica-se que, por aplicação do art. 629º, 1, do CPC, «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (…)».


Este preceito impõe que, enquanto condição geral de recorribilidade das decisões judiciais, a admissibilidade do recurso esteja dependente da verificação cumulativa destes dois pressupostos jurídico-processuais: (i) o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; (ii) a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou a decisão que se impugna. Tal significa que os requisitos previstos no art. 629º, 1, do CPC são cumulativos e indissociáveis (em rigor, um duplo requisito) e a observância do primeiro deles – “valor da causa” – precisa da averiguação (se possível: 2.ª parte do preceito) do segundo – “valor da sucumbência” – para, ainda que a título complementar, completar o requisito de admissibilidade.


Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000,00 (art. 44º, 1, da L 62/2013, de 26 de Agosto), anotando-se que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção (n.º 3 desse art. 44º).


Ora.


Verifica-se em concreto que o valor da causa foi fixado na sentença que decretou a insolvência, de acordo com o poder-dever atribuído oficiosamente ao juiz, sem prejuízo da indicação que impende sobre as partes, pelo art. 306º, 1 e 2, 2ª parte, do CPC, e sua possível correcção superveniente (art. 299º, 4, CPC), no montante de € 5.000,01 – decisão essa constituindo caso julgado formal na falta de impugnação tempestiva e consequente aceitação pelas partes (arts. 620º, 1, e 644º, 1, a), do CPC) e, enquanto tal, decisão tomada em conta na recorribilidade ordinária das decisões proferidas no processo (art. 296º, 1 e 2, do CPC).


Não sendo tal valor superior à alçada da Relação, logo por este fundamento a revista não poderia ser admitida e conhecida.


Por outro lado.


Sendo objecto da revista permitida pelo art. 14º, 1, do CIRE decisão interlocutória com incidência sobre a relação processual tramitada em processo de insolvência – como veremos ser o caso –, a admissibilidade recursiva depende da análise da previsão do art. 671º, 2, do CPC, regime da revista “continuada” das decisões interlocutórias “velhas” (proferidas originariamente em 1.ª instância)2, que determina que tais acórdãos «só podem ser objecto de revista»:


«a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;


b) Quanto esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»


Em função dessa análise para efeitos de admissibilidade recursiva de decisão interlocutória em revista, e em coerência com o âmbito de aplicação restrito e condicionado do art. 14º, 1, do CIRE, não se deve aplicar a al. a) do art. 671º, 2, do CPC, uma vez que tal permitiria a impugnação recursiva «nos casos em que o recurso é sempre admissível», isto é, nos casos contemplados pelo art. 629º, 2, do CPC.


Ou seja.


No que toca à admissibilidade relativa às «decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual», apenas se aplica nas decisões interlocutórias insolvenciais, recorríveis nos termos do art. 14º, 1, do CIRE, o disposto no art. 671º, 2, b), do CPC, permitindo-se somente (por restrição teleológica do art. 671º, 2, do CPC, demandado previamente pelo art. 14º, 1, do CIRE) essa impugnação «quando estejam em contradição com outro [acórdão], já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme»; daqui resulta o condicionamento que tal implica para a alegação do conflito jurisprudencial exigido pelo art. 14º, 1, do CIRE como fundamento recursivo exclusivo das decisões interlocutórias impugnáveis, isto é, conflito jurisprudencial com acórdão do STJ3.


Esta interpretação e aplicação estão de acordo com a jurisprudência desta 6.ª Secção (com competência específica nas matérias de insolvência), ainda que nem sempre coincidente no percurso argumentativo, mas consensual no resultado interpretativo e sua aplicação aos casos concretos no âmbito circunscrito do art. 671º, 2, b), do CPC: Acs. de 11/12/20184, 10/12/20195, 10/5/20216, 26/5/20217, 7/7/20218, 15/3/20229, 30/3/202310 e 16/1/202411.


O recurso de revista interposto nos autos funda-se no inconformismo da Reclamante na exacta medida e objecto em que o acórdão recorrido [no caso, uma decisão sumária proferida nos termos do art. 656º] reapreciou uma “decisão interlocutória” (admissibilidade de meios de prova de acordo com o regime jurídico do processo de insolvência) com incidência na relação processual pertinente à insolvência decretada, proferida em 1ª instância e regulando a tramitação do processo de acordo com o exercício do poder de direcção do juiz sobre a marcha processual12.


Transcreva-se, por isso, a argumentação e decisão da 2.ª instância, confirmativa do despacho de 1.ª instância, que foi colocada em crise nesta revista pela Recorrente:


“A Requerida requereu o aditamento de uma testemunha ao rol que não foi admitida com fundamento nos arts. 25.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 do CIRE.


Nesta sede reitera essa pretensão invocando a violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do C.P.Civil. e que, por esse motivo, tal decisão é nula.


Acrescentou, em resumo, que o tribunal decidiu sobre o mérito da causa sem facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito, tendo sido preterida uma formalidade essencial que se encontra prescrita na lei.


A argumentação recursiva não incidiu minimamente sobre os motivos pelos quais considera não aplicáveis ao presente processo de insolvência o preceituado nos artigos 25.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 do CIRE, cujo teor motivou o indeferimento do requerimento apresentado pela Requerida no sentido de ser aditada uma testemunha ao rol e notificadas pelo tribunal da data designada para julgamento.


Ou seja, a invocação da violação do princípio contraditório relativa a uma decisão que indeferiu meios de prova com fundamento em preceitos legais expressos, não reveste qualquer utilidade para contrariar o entendimento do tribunal, que apenas aplicou a lei à situação concreta, sendo que as partes sempre foram ouvidas ao longo do processo e a sentença de insolvência foi proferida após a realização do julgamento.


O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código – cfr. art.º 17.º do CIRE.


Como explicam Carvalho Fernandes e Luís Labareda[,] “Conquanto o adjectivo tenha desaparecido da designação do Código, o processo de insolvência continua a revestir a natureza de processo especial”.


Ora, o artigo 30.º, n.º 1 do CIRE contém a concretização, no processo de insolvência, do princípio do contraditório, permitindo ao devedor deduzir oposição no prazo de 10 dias, e determinando a aplicação do disposto no artigo 25.º, n.º 2.


Nos termos deste citado preceito legal “O requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no artigo 789.º do Código de Processo Civil”. (sublinhado nosso)


As normas do CIRE revestem natureza especial, como bem explicou o Mmo. Juiz, pelo que prevalecem sobre a lei adjectiva do processo civil comum.”


Vemos, assim, que a decisão reapreciada pela Relação enquadra-se, manifestamente, nas decisões que, ao longo da instância, resolvem questões processuais de regulação da tramitação suscitadas até à decisão final, sem incidência sobre a relação material controvertida (decisão final sobre o mérito) ou sem determinar o termo do processo (decisão processual final)13, cujo recurso de apelação é admitido no quadro da matéria adjectiva contemplada no art. 644º, 214, em conjugação com o art. 620º, 1 (caso julgado formal), do CPC.


Ora.


Perante despacho(s) de natureza “intercorrencial” em processo de insolvência, impugnados e decididos em sede de apelação, o art. 671º, 2, b), do CPC exigia ao Recorrente, para que se pudesse admitir o recurso de revista dessa decisão interlocutória no âmbito do art. 14º, 1 do CIRE, a invocação de oposição com um Acórdão do STJ.


A Recorrente não alegou em revista qualquer oposição jurisprudencial contemplada nessa situação (…), ignorando em absoluto o regime especial de recorribilidade que a decisão implicava.


Se assim é de considerar, independentemente da bondade do decidido pelas instâncias em sede intercorrencial, falece por si só a admissibilidade do presente recurso por não gozar de apoio na alínea b) do n.º 2 do art. 671º do CPC, como base normativa de conhecimento do recurso no STJ à luz do art. 14º, 1, do CIRE.”


16. Em síntese, concluiu-se:


“Por ambas as razões, seja pelo não preenchimento do valor da causa nos termos gerais do art. 629º, 1, do CPC, seja pela não verificação do preenchimento do art. 671º, 2, b), demandado preliminarmente pelo art. 14º, 1, do CIRE, terá que ser sufragada a decisão de não admissão da revista, ainda que com motivação diversa – pois, além do mais, não se coloca de todo em cima da discussão o regime obstativo do art. 671º, 3, do CPC –, o que assim se decide, nada mais havendo neste âmbito que apreciar e decidir, pois não há como permitir o acesso da impugnação recursiva ao 3.º grau de jurisdição por via da revista normal tal como interposta pela Recorrente.”


17. A Recorrente e aqui Reclamante em nenhum momento da sua impugnação rebate ou contesta esta argumentação.


Resta, pois, confirmar essa motivação, pelo seu acerto e adequação, com as consequências óbvias de confirmação da decisão aqui reclamada.


18. Para além disso, seria ainda de ponderar o facto de a Decisão Sumária não ter sido previamente objecto de reclamação para a conferência na Relação, nos termos do art. 652º, 3, do CPC, a fim de se obter a intervenção do colectivo e obter a prolação de acórdão, expediente que se poderá entender como condição formal de recorribilidade para a revista no caso das decisões proferidas no âmbito do art. 656º do CPC.


Se assim for de entender (por falta de equiparação com os “acórdãos” impugnáveis) para estas decisões sumárias – ainda assim diferenciadas das restantes decisões singulares tomadas no âmbito do art. 652º, 1, do CPC, abrangidas pelo regime dos seus n.os 3 e 5 –, então a revista, uma vez que o correspectivo requerimento de interposição não fora convolado oficiosamente na Relação em reclamação para a conferência (o que já não compete ao STJ fazer, que aqui apenas se pronuncia sobre a admissibilidade em função do regime próprio do art. 643º do CPC, em face de uma decisão de não admissão prevista no art. 641º, 2), não poderia, também por essa (mais uma) razão, ser a revista admitida.


Seja como for.


19. O que a Recorrente faz é arguir alegadas nulidades da Decisão Singular aqui proferida no STJ (ainda que impropriamente denominada como “acórdão”, o que se encontra sanado pela convolação da impugnação deduzida), invocando “omissão de pronúncia” e “falta de fundamentação”.


É actuação processualmente lícita da Recorrente, uma vez que o art. 615º, 1, do CPC se aplica a “despachos” – assim manda o art. 613º, 3, do CPC –, acto próprio do magistrado “ex vi legis” para a decisão singular proferida nos termos do art. 643º, de acordo com o art. 152º, 1, e 2 (a contrariis), mediante o qual se toma resolução do juiz a pronunciar-se sobre a questão de natureza processual relativa à admissibilidade de recurso («Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer…»).


Porém.


20. Vista a impugnação da Recorrente e aqui Reclamante em segundo grau, o que se verifica é a permanência do inconformismo da Recorrente perante a decisão proferida pela Relação, reagindo novamente perante os alegados vícios formais (maxime, a nulidade antes arguida) e erros de julgamento do despacho proferido em 1.ª instância recorrido para o TRP e da Decisão Sumária neste proferida, que pretende transmutar para a Decisão Singular do aqui Relator.


Esta Decisão foi apenas proferida para ajuizar dos requisitos de admissibilidade da revista e, por isso, concluindo pela não admissão, não ingressou na apreciação de tais alegações próprias da revista e respectivas questões, que a aqui Reclamante traz novamente a juízo a despropósito e sem abrigo no objecto próprio desta Reclamação.


Por isso, não houve qualquer omissão do que era devido para pronúncia no âmbito do art. 643º, nem falta de fundamentação nessa pronúncia, que possa ser imputado nos termos das als. b) e d), 1.ª parte, do art. 615º do CPC.


Falece sem mais essa arguição de nulidades trazida a juízo pela Recorrente e aqui Reclamante.


E, consequentemente e por fim, não houve qualquer violação das garantias constitucionais de apreciação e tutela jurisdicional da pretensão deduzida pela Recorrente, uma vez confrontada com um despacho de não admissão da revista, confirmado em sede própria da lei processual, que pudesse ser vista como desconformidade com os arts. 20º e 204º da CRP.


III) DECISÃO


Pelo exposto, julga-se improcedente a Reclamação, mantendo-se a Decisão Singular que confirmara o despacho reclamado de não admissão do recurso de revista.


Custas a cargo da Reclamante, que se fixa em taxa de justiça correspondente a 3 UCs, sem prejuízo de benefício de apoio judiciário.


STJ/Lisboa, 10 de Abril de 2024


Ricardo Costa (Relator)


Maria Amélia Ribeiro


António Barateiro Martins


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC).


_________________________________________________

1. Tal requerimento corresponde à ref.ª CITIUS 45540292.↩︎

2. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume II, Artigos 546.º a 1085.º, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 671º, pág. 175.↩︎

3. Enfatize-se que, para a revista “continuada” de “decisões interlocutórias” contempladas pelo art. 671º, o legislador, em regra, considera bastante o duplo grau de jurisdição (arts. 644º, 2, e 671º, 2, CPC), tal como já ocorria no âmbito do sistema dualista relativo ao recurso de agravo. A limitação recursória junto do STJ é adequadamente justificada pela necessidade de clarificação em tempo das questões de índole intrinsecamente processual. Por outro lado, saliente-se ainda a forte limitação de impugnação (com ressalvas) de decisões interlocutórias que o art. 630º, 2, do CPC protagoniza. V., doutrinalmente, ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 644º, págs. 200-201, sub art. 630º, 81 e ss, sub art. 671º, pág. 358. Na jurisprudência, v. os Acs. do STJ de 10/11/2016, processo n.º 3035/03.8TBTVD-D.L1.S1, Rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA, in Sumários de Acórdãos do STJ – Secções Cíveis, Boletim Anual, 2016, págs. 616-617, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2016.pdf, e de 20/1/2022, processo n.º 667/07.9TBPTL.G3.S1, Rel. OLIVEIRA ABREU, in www.dgsi.pt.↩︎

4. Processo n.º 7067/17.0T8VNF-A.G1.S1, Rel. ANA PAULA BOULAROT, no qual, ainda que por via do regime geral recursivo, também se reserva para as decisões interlocutórias (no caso, proferida em processo especial de revitalização), depois de subtraídas ao regime do art. 14º, 1, do CIRE, em exclusivo, a disciplina preceituada no art. 671º, 2, b), CPC e, “assim sendo, a oposição exigida para a possibilidade de impugnação é com um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça” (a propósito, cfr. ponto II. do Sumário, in Sumários de Acórdãos do STJ – Secções Cíveis, Boletim Anual, 2018, pág. 737, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/civel2018-1.pdf).↩︎

5. Processo n.º 2386/17.9T8VFX-A.L1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt:

“(…) a possibilidade aberta pela al. a) do art. 671º, 2, CPC para as decisões interlocutórias não é coerente com a impugnação restritiva do art. 14º, 1, do CIRE, uma vez que permitiria aceder ao STJ as impugnações gerais excepcionais que o art. 14º, 1, CIRE visa impedir. Se a sindicação do art. 671º, 1, não permite aceder tais impugnações excepcionais para as decisões “finais”, como filtro prodrómico à especialidade do art. 14º, 1, CIRE – quanto mais não fosse porque as als. c) e d) do art. 629º, 2, as permitem no cosmos processual dos conflitos jurisprudenciais, justamente onde se situa o regime especialíssimo do art. 14º, 1, do CIRE –, por maioria de razão as decisões interlocutórias não podem beneficiar dessa remissão do art. 671º, 2, a), para o art. 629º, 2, para as fazer aceder ao STJ em sede de recurso de revista. O que impõe, nesse cruzamento (demandado pela circunscrição objectiva do art. 14º, 1, do CIRE) das decisões interlocutórias ou intercalares insolvenciais recorríveis para o STJ e dos requisitos próprios do recurso de revista, a adequada restrição teleológica e o subsequente resultado interpretativo: no que respeita ao controlo desses requisitos gerais em referência às decisões interlocutórias, só pode contar o pressuposto referido e imposto pelo art. 671º, 2, b) – o conflito jurisprudencial com acórdão do STJ.

Tal solução restritiva – fundamentemos ainda mais – apresenta uma racionalidade que se compreende: submeter em grau limitado ao poder de cognição do STJ, em decisão processual interlocutória, questão fundamental de direito tendo por base justamente confrontar com o acórdão recorrido o exercício próprio (e anterior) de julgamento desse mesmo STJ, uma vez surpreendido o tema acerca do qual se verifica o conflito que tem origem na mais alta instância. E não suscita particular contrariedade: nesta rede jusnormativa, não é de todo implausível que a interpretação feita do art. 14º, 1, do CIRE, sendo este um regime que visa restringir o recurso de revista (através de um regime que estabelece uma excepção à regra da inadmissibilidade da revista na insolvência) se repercuta na interpretação e aplicação restritivas de uma norma – o art. 671º, 2, CPC – que sistematicamente precede adjectivamente esse regime excepcionalíssimo na sua interpretação e aplicação. Tanto mais que esse (único) pressuposto geral para a viabilidade recursória das decisões interlocutórias – a al. b) do art. 671º, 2, do CPC –, uma vez preenchido e numa lógica de consunção ou absorção, assegura igualmente o fundamento para o interessado recorrente se socorrer em ultima ratio do art. 14º, 1, do CIRE.” ↩︎

6. Processo n.º 1641/19.8T8BRR.L1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt (v. o ponto IV. do Sumário).↩︎

7. Processo n.º 5283/12.3TBFUN-I.L1.S1, Rel. PINTO DE ALMEIDA, in www.dgsi.pt (v. o ponto II. do Sumário).↩︎

8. Processo n.º 3384/19.3T8STS-A.P1.S1, Rel. MARIA OLINDA GARCIA (sendo Adjunto no Colectivo o aqui Relator), in www.dgsi.pt:

“(…) não se poderá admitir que o recurso de revista respeitante a uma decisão interlocutória em matéria de insolvência pudesse ter um âmbito de admissibilidade mais amplo do que teria caso fosse disciplinada pelas normas gerais dos recursos, previstas no art. 671º do CPC. Consequentemente, o recurso de revista, respeitante a decisões interlocutórias, em matéria de insolvência, apenas seria admissível na hipótese prevista no art. 671º, n.º 2, alínea b) do CPC [ex vi do art. 17º do CIRE], ou seja, quando se invoque oposição do acórdão recorrido com um acórdão fundamento proferido pelo STJ.”↩︎

9. Processo n.º 823/21.7T8STS-A.P1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.↩︎

10. Processo n.º 206/14.5T8OLH-AI.E1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt: v. o ponto II. do Sumário.↩︎

11. Processo n.º 20066/22.1T8LSB-E.L1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.↩︎

12. V., em abono, LOPES DO REGO, “Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC. O regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Volume II, Gestlegal, Coimbra, 2022, pág. 481.↩︎

13. V. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, volume II cit., sub art. 671º, págs. 175-176.↩︎

14. V. ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 671º, pág. 358.↩︎