Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4768/10.8TBLRA-B.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
REQUISITOS
PROCESSO EXECUTIVO
PENHORA
VENDA JUDICIAL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
Quando não estejam preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, os autos não devem ser remetidos à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

— RELATÓRIO

Reclamante: Cronica Nglass – Unipessoal, Lda.

Reclamada: Banco Comercial Português S.A. Sociedade Aberta

1. O Banco Comercial Português S.A. Sociedade Aberta, intentou acção executiva com processo comum contra SCS IMO – Actividades Imobiliárias, Lda., AA e BB, apresentando sucessivamente como títulos executivos uma livrança no valor de € 282.389,58, vencida a 10 de Agosto de 2010, e uma livrança, no valor de € 139.892,56, vencida a 5 de Agosto de 2010, ambas subscritas pela Executada sociedade e avalizada pelos Executados pessoas singulares.

2. Foram penhorados os prédios onerados com hipoteca indicados nos requerimentos executivos:

I. — sobre o prédio urbano descrito na 1ª CRP de ..., freguesia de ..., com o nº 6/19841217, pertença da Executada sociedade, foi registada penhora a favor do Banco Exequente, em 27 de Novembro de 2013, para assegurar a quantia exequenda de 425.944,27 euros;

II. — sobre o prédio rústico descrito na CRP de ..., freguesia de ..., com o nº 791/19851218, pertença da Executada sociedade, foi registada penhora a favor do Banco Exequente, em 2 de Novembro de 2013, para assegurar a quantia exequenda de 425.944,27 euros.

3. O prédio urbano descrito na 1ª CRP de ..., freguesia de ..., com o nº 6/19841217, foi vendido em leilão electrónico e adjudicado ao Banco Exequente.

4. Em 13 de Janeiro de 2021, o Tribunal de 1.ª instância autorizou o auxílio da força pública na diligência de entrega do imóvel objecto da venda ao comprador.

5. Em 31 de Março de 2021, Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., requereu a anulação da venda do prédio, ao abrigo do artigo 195.º, por remissão do artigo 839.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.

6. O Exequente Banco Comercial Português S.A. Sociedade Aberta respondeu ao requerimento, alegando, designadamente, que ainda que se entendesse que a Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., era a arrendatária do imóvel, a única consequência que daí decorreria seria o direito de preferência na alienação do prédio.

7. O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente o incidente de anulação da venda.

8. Inconformada, a Requerente Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., interpôs recurso de apelação.

9. O Tribunal da Relação julgou totalmente improcedente o recurso.

10. Inconformada, a Requerente Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., interpôs recurso de revista.

11. A Ré contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

12. Em 11 de Janeiro de 2024, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão em que decidiu não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.

13. Inconformada, Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., veio reclamar da decisão proferida.

14. Fê-lo nos seguintes termos:

1. S. d. r., que é muito, a formação ao decidir nos termos dos pontos I e II do artigo 48.º do acórdão reclamado, incorreu em pronúncia não consentida, na medida em que está limitada a verificar a oposição de julgados e, constatada esta, deve enviar o processo à distribuição para julgamento.

2. Parece-nos ser esta a jurisprudência deste alto tribunal, e. g. no acórdão de20.01.2011 e que julgamos der ser seguida, “I -Aformação prevista no n.º 3 do art. 721.º-A do CPC não tem competência para aferir da admissibilidade ou inadmissibilidade de um recurso de revista, não obstante o mesmo ter sido distribuído como sendo de revista excecional. II - Neste contexto, o recurso – de revista dita excecional – não pode ser admitido pela formação de apreciação preliminar, a qual deve remeter os autos à distribuição na espécie-regra de revista.”

3. É que “A formação prevista no art. 721.º-A, n.º 3, do CPC tem como única e exclusiva competência a verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do mesmo artigo.” – Ac. do STJ de 09.02.2011

4. No mesmo sentido se decidiu que “Se, por um lado, a dupla conformidade é circunstância impeditiva da revista regra (n.º 3 do art. 721.º do CPC), por outro é pressuposto atributivo dacompetência do Colectivo/Formação para nos termos do n.º 3 do art. 721.º-A, verificar da existência de qualquer dos requisitos da revista excecional elencados no n.º 1 do mesmo preceito.” – Ac. do STJ de 17.02.2011

5. Posto isto,

6. As razões de identidade das questões que levaram a julgamento divergente não devem ser levadas ao ponto de subtrair o papel orientador do Supremo Tribunal de Justiça, fornecendo às instâncias padrões de decisão que melhor alcancem o desiderato de aplicação uniforme do Direito e, desse modo, pacificador da paz jurídico-social através do tratamento igual para situação em tudo semelhantes.

7. Na vida não existe duas situações exatamente iguais e, parece-nos, que o acórdão reclamado percebe isso.

8. Mesmo que assim não fosse e neste conspecto como se decidiu e. g., no acórdão deste STJ de 02.03.2011 “Tem relevância jurídica, para efeito da al. a) do n.º 1 do art. 721.º-A do CPC, a questão que seja controversa na doutrina e na jurisprudência, sendo o seu esclarecimento necessário a uma melhor aplicação do direito. Determinar se à venda de bem onerado, regulada nos arts. 905.º a 912.º do CC, é aplicável, analogicamente, o regime de caducidade estabelecido no art. 917.º do mesmo diploma -mesmo que a acção proposta vise apenas o pagamento de uma indemnização em dinheiro por violação do interesse contratual positivo -, ou se, ao invés, é aplicável o prazo geral de prescrição ordinária prevista no art. 309.º do mesmo diploma, por colocar em causa as regras de interpretação do art. 9.º do CC e ser matéria sobre a qual a jurisprudência é escassa (e acaba por resvalar em contradições), é juridicamente relevante, nos termos referidos em I.”.

9. Quer porque se verifica oposição de acórdãos sobre a mesma norma (ainda que a situação fáctica não seja exatamente igual, bastando, no entanto, que a norma seja em abstrato convocável para ambas as situações em confronto e o resultado que vier a perfilado sirva de padrão numa e noutra situação) quer por que a questão assume relevância jurídica, na medida em que extravasa a singularidade do caso concreto e escasseia a jurisprudência sobre a mesma, podendo o Supremo intervir, desde logo, fixando um padrão de resolução da questão não deve esta formação inviabilizar a admissão do recurso seja por via da verificação do disposto no artigo 672.º/1 als. a) e c) do Cód. Proc. Civil.

10.O Supremo Tribunal de Justiça, instituição secular, com o importante papel de aperfeiçoar o direito e contribuir para a modelação de uma sociedade livre, democrática e responsável, regida pelos princípios do império da lei aplicada sob o ideal do Direito e de Justiça segundo o conceito de Aristóteles não deve enjeitar a sua pronta intervenção privilegiando o pro actione.

11.Justiça, em Aristóteles, diz respeito à igualdade de todos os cidadãos, e o princípio básico de um acordo que objetiva manter a ordem social, através da preservação dos direitos em sua forma legal ou na sua aplicação a casos específicos. Cícero Dittrich e outros

12.Para ele, significa legalidade e igualdade, ao mesmo tempo. Justo é tanto aquele que cumpre a lei (sentido universal) quanto àquele que realiza a igualdade (sentido estrito). – Idem.

13.O fim do Direito é a justiça, comportando valores como a liberdade e igualdade.

14.A famigerada justificação de utilização dos recursos da Justiça de forma racional, reservando a intervenção do Supremo para situações em que impera a subjetividade, constitui um retrocesso civilizacional que deve ser enjeitado, até porque nunca o Supremo teve ao seu dispor tantos meios humanos e tecnológicos.

15. Não há dúvida que a questão aqui trazida não foi já tratada no caso concreto – ou com ele conexo – reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça com exaustão argumentativa e completa exegese, pelo que se justifica a intervençãodo Supremo tribunal em sede de revista excecional ao abrigo do requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil. – Cfr. a contrario Ac. do STJ de 16.03.2011.

16.A decisão e respetivos efeitos de qual o critério que deve prevalecer se o do acórdão recorrido ou o do acórdão fundamento, é julgamento que escapa à formação que, para o efeito, deve admitir o recurso e remetê-lo à distribuição.

17.Não desconhecemos que a jurisprudência do Supremo uniformizada ou não, não tem força vinculativa, nem externa nem interna, mas tem um valor persuasivo que decorre da forma de julgamento pelos juízes conselheiros. Cfr. Conselheiro António S. Abrantes Geraldes.

18.Mas nem por isso deve se negar o importante papel de aperfeiçoamento do Direito porque a lei não chega.

Termos em que

Por se verificar oposição entre acórdãos sobre a mesma questão (omissão de cumprimento de formalidade de notificação ao preferente constitui causa de nulidade da venda executiva) e não ter a formação competência para conhecer da questão de fundo, deve o acórdão reclamado, por enfermar de nulidade por pronúncia não consentida, ser revogado e substituído por outro que admita o recurso e ordene a remessa à distribuição com o que farão costumada e esperada JUSTIÇA.

15. A Reclamada Banco Comercial Português S.A. Sociedade Aberta, respondeu à reclamação, pugnando pelo seu indeferimento.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

16. O Provimento n.º 23/2019 do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina que, depois de distribuídas, as revistas são apresentadas ao relator a fim de ser proferido o despacho liminar a que alude o artigo 652.º do Código de Processo Civil.

17. O art. 652.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente:

a) Corrigir o efeito atribuído ao recurso e o respetivo modo de subida, ou convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º;

b) Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso;

c) Julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º;

d) Ordenar as diligências que considere necessárias;

e) Autorizar ou recusar a junção de documentos e pareceres;

f) Julgar os incidentes suscitados;

g) Declarar a suspensão da instância;

h) Julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto.

18. Em concreto:

I. — depois de verificada uma circunstância que poderia obstar ao conhecimento do recurso, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil;

II. — depois de recebida a resposta ao despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil, foi submetido um projecto de decisão ao Colectivo, para que ficasse definitivamente resolvida a questão.

19. Em termos em tudo semelhantes àqueles que foram empregues a propósito da decisão singular prevista no art. 656.º do Código de Processo Civil, dir-se-á que

“[a]nte a possibilidade de ser deduzida reclamação para a conferência, tendo por objecto a decisão individual, pode tornar-se mais eficaz e segura a intervenção do colectivo, nos termos normais.

[…] quando as circunstâncias permitam antecipar que da decisão individual será provavelmente apresentada reclamação para a conferência, pode revelar-se preferível a opção pela intervenção imediata do colectivo, porventura com dispensa de vistos (art. 657.º, n.º 4). Com efeito, ainda que a decisão individual induza mais celeridade numa primeira fase, sem sujeição a tabelas de julgamento e sem necessidade de operarem os vistos, a eventual reclamação para a conferência, além de impedir o trânsito em julgado da decisão, acaba por levar a uma duplicação do trabalho do relator e à demora decorrente da tramitação processual que envolve outros juízes.

Assim, nos casos em que o nível da litigância revelada ao longo do processo ou por quaisquer outros motivos, se torne previsível que haverá reclamação para a conferência, será preferível optar pela tramitação normal, com intervenção dos adjuntos, ficando resolvida de vez a questão com a subscrição do acórdão” 1.

20. O acórdão reclamado foi proferido pelo Colectivo a quem competia apreciar o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista.

21. Como não estivessem preenchidos os requisitos gerais, os autos não foram remetidos à Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

22. As questões suscitadas pela Reclamante: Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., relacionam-se, sem excepção, com um alegado acórdão proferido pela Formação.

23. Ora, como não tenha sido proferido nenhum acórdão pela Formação prevista no 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, não é suscitada nenhuma questão que deva ou que possa ser apreciada 2.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação.

Custas pela Reclamante Cronica Nglass – Unipessoal, Lda., fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

José Maria Ferreira Lopes

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1. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 656.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 6.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2020, págs. 312-316 (315-316).

2. Em termos semelhantes, ainda que a propósito de um recurso de revista, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2022 — processo n.º 2526/17.8T8LRA.C1.S1 —, “se as conclusões do recurso são totalmente omissas a respeito do fundamento jurídico da decisão da Relação está vedado ao STJ, como tribunal de recurso, sindicar a interpretação jurídica que a Relação fez da matéria de facto”.