Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4585/11.8TBSTS.P3.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: CASO JULGADO FORMAL
CASO JULGADO MATERIAL
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda.

Recorrida: Interfios – Fios e Malhas, Lda.

I. — RELATÓRIO

1. Em acção declarativa proposta por Interfios – Fios e Malhas, Lda., contra Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., foi proferida sentença que:

I. — anulou o contrato de compra e venda celebrado entre Interfios – Fios e Malhas, Lda., e Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., de fornecimento de 16.052,700 Kgs. de fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir;

II. — determinou que a Ré / Reconvinte Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., restituísse à Autora / Reconvinda Interfios – Fios e Malhas, Lda.o valor correspondente ao fio que lhe foi entregue,

III. — determinou que a Autora/Reconvinda Interfios – Fios e Malhas, Lda., pagasse à Ré/Reconvinte Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., o valor das despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado tal fio.

2. O dispositivo da sentença proferida em 14 de Dezembro de 2016 é do seguinte teor:

Nos termos expostos, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por ter resultado provada a matéria de exceção da contestação, e, em consequência, absolve-se a Ré “MALVELAR II – INDÚSTRIA TÊXTIL, L.DA” do pedido contra si formulado pela Autora “INTERFIOS – FIOS E MALHAS, L.DA”.

Igualmente nos termos expostos, julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

a) Decreta-se a anulação, por venda de coisa defeituosa, do contrato de compra e venda celebrada entre a Autora e a Ré de fornecimento de 16.052,700 Kgs. de fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir e, por inerência, determina-se que a Ré/reconvinte “MALVELAR II – INDÚSTRIA TÊXTIL, L.DA” devolva à Autora/reconvinda “INTERFIOS – FIOS E MALHAS, L.DA” o valor correspondente a tal fio que lhe foi entregue, calculado por referência ao valor suportado pela Autora com a sua aquisição, a liquidar em momento ulterior, por aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, do C.P.Civil.

b) Condena-se a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 4 438,46 (quatro mil quatrocentos e trinta e oito Euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, às respetivas taxas supletivas fixadas para as empresas comerciais, vencidos desde a data de notificação da reconvenção e até integral pagamento.

c) Condena-se igualmente a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte o valor das despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado o fio dos autos, a liquidar em momento ulterior, por aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, do C.P.Civil – absolvendo-se a Autora/reconvinda do demais contra si peticionado.

Custas da acção a cargo da Autora e custas da reconvenção a cargo da Ré/reconvinte e da Autora/reconvinda, de acordo com as respetivas sucumbências (e a definir definitivamente após liquidação) - art. 527.º do C.P.Civil.

3. Em 14 de Setembro de 2017, a sentença proferida pelo Tribunal de 1.º instãncia foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação, transitando em julgado.

4. Interfios – Fios e Malhas, Lda., e Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., deduziram cada uma o seu incidente de liquidação:

— Interfios – Fios e Malhas, Lda., pediu a condenação de Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., a pagar-lhe a quantia de 59.523,70 €;

— Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., pediu a condenação de Interfios – Fios e Malhas, Lda., a pagar-lhe a quantia de 162.596,29 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.

5. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença cujo dispositivo tem seguinte teor:

Julgando totalmente procedente o incidente de liquidação da A. e parcialmente procedente o incidente de liquidação da R., condeno a R. a pagar à A. a quantia de 59.523,70 € (cinquenta e nove mil quinhentos e vinte e três euros e setenta cêntimos) e a A. a pagar à R. a quantia de 161.459,93 € (cento e sessenta e um mil quatrocentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos), e, declarando os respectivos créditos compensados na parte em que ambos correspondem, condeno ainda a A. em juros moratórios sobre o crédito remanescente da R. de 101.936,23 € (cento e um mil novecentos e trinta e seis euros e vinte e três cêntimos) à taxa legal de 4% ao ano desde a presente data até integral pagamento.

As custas do incidente promovido pela A. correm pela R. e as do incidente promovido pela R. correm por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.

6. Inconformadas, Autora e Ré interpuseram recurso de apelação.

7. O Tribunal da Relação proferiu acórdão cujo dispositivo tem o seguinte teor:

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em:

a) - julgar parcialmente procedente a arguida nulidade da sentença por condenação da Autora ultra-petitum, reduzindo a liquidação da Ré ao limite de 155.250,00€;

b) - julgar a apelação da Autora parcialmente procedente e a apelação da Ré improcedente e, em consequência, revogando a decisão recorrida:

1 - na procedência do incidente de liquidação da A., liquidam na quantia de 59.523,70 € o montante a pagar pela Ré à Autora referente ao valor do fio entregue;

2 - na parcial procedência do incidente de liquidação da Ré, liquidam na quantia de 155.250,00 € o montante a pagar pela Autora à Ré de despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado o fio dos autos,

mantendo o decidido, não objeto de recurso, quanto a compensação dos referidos créditos e quanto a juros moratórios a contar da decisão.

Custas do 1º recurso (em que é apelante a Autora) por apelante e apelada, na proporção do vencimento, e custas do 2º recurso (em que é apelante a Ré/Reconvinte) pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

8. Inconformada, a Ré Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., interpôs recurso de revista.

9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª Pelos fundamentos que constam no ponto II. do corpo destas alegações o acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º e nº 1 do artigo 666º, ambos do Código de Processo Civil, pois não tomou conhecimento da questão da compensação do crédito da Autora recorrida com o seu crédito de igual montante, com o fundamento de que essa questão é nova, e estava obrigada a dela tomar conhecimento, pois a questão não é nova, uma vez que recorrente já a havia suscitado na sua oposição e, além disso, a não compensação desse crédito nos termos alegados pela recorrente constitui ofensa ao caso julgado da sentença que condenou a Autora recorrida a pagar as despesas com a fabricação da tela e que é de conhecimento oficioso. Nulidade esta que aqui e expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

2ª Pelos fundamentos que contam do ponto III. A) do corpo destas alegações, a sentença da primeira instância não é nula, pois não há condenação ultra petitum uma vez que o valor do pedido no incidente de liquidação é de € 162.596,29 e valor em que a sentença da primeira instância liquida a condenação genérica é de 161.459,93 €. O fundamento utilizado pelo acórdão recorrido que é ao pedido reconvencional que se tem de atender, ofende o caso julgado da sentença que conheceu o pedido reconvencional e que não estabeleceu qualquer limite quanto à liquidação da condenação genérica. Assim, por ofensa ao caso julgado, que é de conhecimento oficioso, deve o acórdão recorrido ser revogado quanto à decisão que julgou nula a sentença da primeira instância por condenação ultra petitum.

Mesmo que assim, não se entenda e sem prescindir

3ª Pelos fundamentos que contam do ponto III. B) do corpo destas alegações, a sentença da primeira instância não é nula, pois não há condenação ultra petitum uma vez que o valor do pedido global do pedido reconvencional efectuado pela recorrente é no montante de 169.688,46 € e advém da mesma causa de pedir unitária, pelo que como tem sido entendimento jurisprudencial é a este valor global que se tem de aferir para a correspondência entre a condenação e o peticionado, independentemente da concreta fixação das diversas parcelas que compõem esse pedido global. Assim, como a sentença da primeira instância fixa o valor da quantia a pagar pela Autora recorrida à recorrente pelas despesas da fabricação da tela onde foi incorporado o fio no montante de 161. 459,93 €, este valor não ultrapassa o valor global do pedido reconvencional, pelo que o acórdão recorrido ofende o caso julgado da sentença que conheceu o pedido reconvencional e deve ser revogado quanto à decisão que julgou nula a sentença da primeira instância por condenação ultra petitum.

Mesmo que assim, não se entenda e sem prescindir

4ª Pelos fundamentos que contam do ponto III. C) do corpo destas alegações, a sentença da primeira instância não é nula, pois não há condenação ultra petitum uma vez que o valor que se deve atender para verificar se o valor da condenação ultrapassa ou não o valor do pedido, é o valor efectivo que ao final a recorrida é condenada a pagar à recorrente, ou seja depois de efectuada a respectiva compensação. Assim da sentença da primeira instância verifica-se que a final a recorrida ficou condenada a pagar a quantia de 101.936,23 €, que fica muito aquém quer do valor 169.688,46 € quanto ao valor global do pedido reconvencional, como aquém do valor de 159.688,46 € do pedido de indemnização por danos patrimoniais, bem como, do valor de 155.250,00 €, correspondente ao resultado da subtração da quantia de 4.438,46 € àquele pedido de indemnização por danos patrimoniais. Face ao exposto a sentença da primeira instância não é nula e o acórdão recorrido ofende o caso julgado da sentença que conheceu o pedido reconvencional e deve ser revogado quanto à decisão que julgou nula a sentença da primeira instância por condenação ultra petitum.

5ª Ao não operar a compensação do crédito da Autora recorrida relativo ao crédito do valor do fio liquidado no montante de 59.523,70 €, com o crédito que a recorrente passou a deter por esse valor consubstanciar uma despesa que a recorrente passou a ter com a fabricação da tela, a sentença recorrida e o acórdão recorrido ao não conhecer dessa questão ofendeu o caso julgado formado pela sentença que condenou a Autora recorrida a pagar à recorrente o valor das despesas que esta teve com a fabricação da tela, pelo que deve a sentença da primeira instância quanto a esta parte ser revogada e operar-se a compensação dos respectivos créditos, devendo a Autora recorrida ficar condenada a pagar à recorrente o valor de 161.459,93 € relativa à sua liquidação.

Assim, o acórdão recorrido, por erro de aplicação e de interpretação violou, além do mais, o disposto nos seguintes artigos: 609º, 615º, 619º e 621º, todos do Código de Processo Civil, pelo que na procedência das anteriores conclusões, o acórdão recorrido deve ser declarado nulo, ou caso assim não se entenda, deve ser revogado e proferida decisão que condena a Autora recorrida a pagar à recorrente a quantia de 161.459,93 €.

ASSIM se decidirá em conformidade com o Direito aplicável e se fará JUSTIÇA!.

10. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questão a decidir, in casu, consistem em determinar:

I. — se o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado formado sobre a sentença proferida em 14 de Dezembro de 2016;

II. — se o acórdão proferido no incidente de liquidação é nulo, por omissão de pronúncia;

III. — se a sentença proferida no incidente de liquidação é nula, por excesso de pronúncia.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

11. O acórdão recorrido deu como provados os facto seguintes:

1. Tem a sentença proferida nos presentes autos a seguinte parte dispositiva:

“…julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

a) Decreta-se a anulação, por venda de coisa defeituosa, do contrato de compra e venda celebrada entre a Autora e a Ré de fornecimento de 16.052,700 Kgs. de fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir e, por inerência, determina-se que a Ré/reconvinte “Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda.” devolva à Autora/reconvinda “Interfios – Fios e Malhas, Lda. o valor correspondente a tal fio que lhe foi entregue, calculado por referência ao valor suportado pela Autora com a sua aquisição, a liquidar em momento ulterior, por aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, do C.P.Civil.

b) Condena-se a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte, a título de danos patrimoniais, a quantia de 4.438,46 (quatro mil quatrocentos e trinta e oito Euros e quarenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à respectivas taxas supletivas fixadas para as empresas comerciais, vencidos desde a data de notificação da reconvenção e até integral pagamento.

c) Condena-se igualmente a Autora/reconvinda a pagar à Ré/reconvinte o valor das despesas com a fabricação da tela onde foi incorporado o fio dos autos, a liquidar em momento ulterior por aplicação do disposto no art. 609.º, n.º 2, do C.P.Civil – absolvendo-se a Autora/reconvinda do demais contra si peticionado”. (negrito nosso).

2. Com interesse da referida sentença consta que:

“7) A Ré não liquidou junto da Autora qualquer valor, relativamente aos aludidos fornecimentos, ascendendo a quantia em dívida a 61.270,28 €. [… ]

13) Em meados de Agosto de 2011, a Ré enviou à Autora uma carta com o teor de fls. 23 e ss. […]

15) Na carta de fls. 23 e ss., a Ré disse que o seu cliente lhe havia devolvido 156.500 metros de tecido quando, na realidade, a quantidade de fio fornecida pela Autora, 12.938,50 Kg., apenas davam para fabricar 67.500 metros.

16) No exercício das respectivas actividades, a Autora e a Ré acordaram que a Autora forneceria à Ré fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir, pelo preço de 3,850/kg.

17) Na sequência desse acordo, a Autora, no dia 02 de Maio de 2011 e na sua viatura de matrícula n.º ..-..-UZ transportou 7.260,700 Kgs. de fio, 3.114,200 Kgs. em 05 paletes e 4.146,500 Kgs. em 06 paletes, para deles fazer entrega à Ré e que titulou pela factura n.º 261, desse dia 02 de Maio de 2011.

18) Perante a recusa da Ré em receber 3.114,200 Kg. das referidas 05 paletes, a Autora, na mesma viatura e nesse mesmo dia, levou-os para as suas instalações e emitiu a nota de crédito referida em 4).

19) Até hoje, a Autora não repôs à Ré os 3.114,200 Kgs. do fio.

20) As quantidades de 7.082,000 Kgs. e de 1.710,00 Kgs. de fio, entregues pela Autora à Ré, respectivamente, em 13 e 20 de Maio de 2011 e, ainda, os 4.146,500 Kgs. da factura n.º 261, tinham à vista semelhança ao fio 16/10 100% algodão cardado pronto a tingir.

39) Com aquele fio, entregue pela Autora, a Ré fabricou 67.500 metros de tela.

40) Que entregou a cliente seu.

41) Que lhe tinha encomendado 550.000 metros de tela, a um preço concreto não determinado.

42) E que tinha de ser fabricado pela Ré com fio 16/1 100% algodão cardado pronto a tingir, para ser tingida e com ela fabricar calças.

43) Efectuado pelo seu cliente o tingimento prévio em várias amostras daqueles 67.500 metros de tela, as respectivas amostras não ficaram tingidas uniformemente com a mesma tonalidade das respectivas cores em que foram tingidas.

44) Ficaram com a anomalia acima referida por não terem sido fabricadas com fio 16/1 100% algodão.

45) E aqueles 67.500 metros de tela ficaram inaproveitáveis para a respectiva confecção de calças, a que se destinavam.

46) Que por isso foram devolvidos à Ré pelo seu cliente. […]

51) A Ré, ante aquela reclamação do seu cliente, mandou tingir uma amostra, em cone, do fio entregue pela A.

52) Cuja amostra, após tingida, evidenciou a existência de fibras no fio e que entregou a AA, colaborador da Autora e para por ele lhe ser entregue essa amostra. […]

59) E os resultados dessa análise foram que o fio tinha os valores médios seguintes: “Algodão 76,5%”; “Viscose” + Liocel 18,9%” e “Poliéster 4,6%”.

60) Foi a mistura no algodão e nas respectivas percentagens daquelas fibras viscose, liocel e poliéster, referidas acima que constituíram a composição do fio entregue pela Autora à R. e que causou a anomalia referida em 43) e ss. […]

62) O tingimento referido em 55) custou à Ré a quantia de 4.438,46 €.

63) Da encomenda de 550.000 metros de tela, o cliente da Ré, por causa daquela anomalia, devolveu os respectivos 67.500 metros de tela.

64) E, quanto a esta metragem, cancelou a respectiva encomenda.”

3. O fio que a A./Reconvinda vendeu à R./Reconvinte foi adquirido, por importação, em momentos distintos, na Turquia, ao fornecedor da requerente K..., AS e remetido à A. em 2 contentores.

4. Conforme fatura de 03.03.2011, a A. adquiriu ao referido fornecedor um total de 14.481,20 KG de fio NE 16/01, 100% algodão, ao preço de € 3,35/kg, correspondendo a um total de aquisição de € 48.512,02.

5. De tal fio adquirido, a A. vendeu à R., conforme fatura n.º 1/261 de 02.05.2011, a quantidade de 4.146,50 KG.

6. O custo suportado pela A. na aquisição dos 4.146,50 KG de fio vendido à R. foi de € 13.890,775, correspondentes a 4.146,50kg x € 3,35/kg.

7. Ao qual acresce o valor liquidado em sede de IVA devido pela importação, no montante de € 3.194,878.

8. A tal custo de aquisição acresceram as despesas suportadas pela requerente, inerentes à respetiva aquisição, nas quais se incluem:

· Despesas de financiamento.

· Comissões bancárias Banco BPI.

· Despesas com o desalfandegamento.

· Despesas com o agente marítimo.

· Despesas pagamento de IVA.

· Despesas com o transporte (porto de Leixões/Guimarães), no valor de 156,75 €.

· Despesas com Armazenagem Alfândega.

· Despesas de transporte Guimarães/Gandarela.

9. Conforme fatura de 22.04.2011, a A. adquiriu ao referido fornecedor um total de 14.291,40 KG de fio NE 16/01, 100% algodão, ao preço de € 3,78/kg, correspondendo a um total de aquisição de € 54.021,49.

10. De tal fio adquirido, a A. vendeu à R., conforme faturas n.ºs 1/312 de 13.05.2011 e 1/331 de 20.05.2011 as quantidades respetivas de 7.082,00KG e 1.710,00KG.

11. O custo suportado pela A. na aquisição destes 8.792,00 KG de fio vendido à R. foi de € 33.233,76, correspondentes a 8792,00kg x € 3,78/kg.

12. Ao qual acresce o valor liquidado em sede de IVA devido pela importação, no montante de € 7.643,76.

13. A tal custo de aquisição acrescem as despesas suportadas pela A., inerentes à respectiva aquisição, nas quais se incluem:

· Despesas bancárias.

· Despesas com o desalfandegamento.

· Despesas com o agente marítimo.

· Despesas pagamento de IVA.

· Despesas com o transporte (porto de Leixões/Guimarães).

· Despesas com Armazenagem Alfândega.

· Despesas de transporte Guimarães/Gandarela.

14. O referido tecido tinha características técnicas específicas.

18. Para fabricação do tecido na teia foi utilizado fio 16/1 OE fornecido pela A./ Reconvinda e ainda Fio 16/1 Flamé.

19. E na trama o tecido foi fabricado com fio 14/1 Lycra.

20. O fio 16/1 Flamé foi fornecido pela empresa R..., Lda.

21. O fio 14/1 Lycra que foi utilizado na trama foi fornecido pela empresa V......... .......

22. Para o fabrico daqueles 67.500 metros de tecido, na teia, a Ré / Reconvinte gastou 3.982,50 Kgs do fio 16/1 Flamé fornecido pela empresa R..., Lda, ao preço de 4.950,00 €, num total de 19.713,38 €.

23. E, quanto ao fio 14/1 Lycra usado na trama fornecido pela empresa V......... ...... a Ré / Reconvinte gastou 12.352,50 Kgs ao preço de 6.25 €, num total 77.203,13 €.

24. O fio da teia antes de ir para a tecelagem, passa por um processo produtivo que é comumente conhecido como “urdissagem / engomagem”.

25. Para proceder à “urdissagem / engomagem” do fio da teia fornecido pela Autora / Reconvinda e pela empresa R..., Lda, a Ré / Reconvinte solicitou à sociedade T..., Lda que procedesse à sua “urdissagem e engomagem”.

26. Pela “urdissagem / engomagem” a Ré / Reconvinte pagou € 0,43 por Kg de fio.

27. O fio usado nestas teias corresponde à quantidade global de 14.278.30 Kgs de fio.

28. Tendo custado à Ré / Reconvinte o valor de € 6.139,669 (14.278.30 Kgs x 0,43€/ Kg).

29. A Ré / Reconvinte teve despesas com energia para colocar em marcha os seus teares, com os quais teceu aquele tecido, durante os meses de Maio e Junho.

30. A Ré à data estava a fabricar diversas quantidades e qualidades de tecidos em 20 teares de pinça Sulzer que são seus.

31. Para produção destes 67.500 metros a Ré / Reconvinte necessitou de 15 teares, durante 22 dias e durante 24 horas por dia, pois, por hora a Ré produzia em média 8,54 metros daquele tecido por cada um dos 15 teares.

32. Assim, para produção daquela quantidade de tela a Ré tinha 75% da sua tecelagem a operar àquela data, durante o período de 22 dias idos desde o dia 16 de Maio de 2011, data da entrega das primeiras teias, até ao dia 15 de Junho de 2011.

33. A Ré / Reconvinte nos meses de Maio e Junho de 2011 pagou a título de energia gasta as quantias, respetivamente, de € 14.851,19 e € 28.547,14.

34. A Ré / Reconvinte em energia despendeu a quantia de pelo menos € 15.189,41 correspondentes a € 14.851,19 + € 28.547, 14 / 2 meses (isto é, os 22 dias de laboração) = € 21.699,16 x 70%.

35. A Ré / Reconvinte teve também despesas com mão-de-obra, ou seja, com o pagamento dos salários dos seus trabalhadores, que naquela data estavam ao seu serviço.

36. A Ré para colocar em funcionamento aqueles 15 teares necessitou de ter ao seu serviço e para aquela tarefa, um tecelão por cada um dos três turnos, ou seja, necessitou de três tecelões.

37. Assim, a Ré / Reconvinte pagou aos seus trabalhadores BB, CC e DD, respetivamente, os salários nas quantias de € 657,00, € 580,80 e € 537,25.

38. Necessitou de um afinador para afinar aqueles teares, pagando designadamente ao seu trabalhador EE o salário de € 1.031,00.

39. Necessitou de uma revistadeira para revistar e embalar aquele tecido, tendo a Ré/ Reconvinte pago à sua trabalhadora FF o salário de € 520,31.

40. Necessitou de um atador de teias para atar as teias, designadamente o seu trabalhador GG, ao qual por 22 dias de trabalho pagou o salário de € 630,00.

41. E necessitou de um controlador de produção, tendo pago o salário de € 523,17 ao seu trabalhador HH.

42. Perfazendo estes salários a despesa global de 4.479,53 €.

43. A Ré também teve que pagar as contribuições legais obrigatórias para a Segurança Social daqueles trabalhadores.

44. Tendo pago, respetivamente, as quantias de € 232,50 do seu trabalhador BB, € 208,50 do seu trabalhador CC, € 168,54 do seu trabalhador DD, € 440,28 do seu trabalhador EE, € 168,54 da sua trabalhadora FF, € 222,91 do seu trabalhador GG e € 168,54 do seu trabalhador HH, perfazendo o total de € 1.609,81.

45. Para acabamento daquele tecido contratou a empresa L..., S.A., que, mediante o pagamento da quantia de € 0,55 por metro procedeu ao acabamento daqueles 67.500 metros de tecido, num total de 37.125,00 €.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

12. Estando em causa o recurso de uma decisão proferida em recurso de procedimento de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, o art. 854.º do Código de Processo Civil determina que a questão da admissibilidade seja apreciada e decidida nos termos gerais.

13. O artigo 629.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

2. — Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. […]

14. A alçada da Relação é, desde 1 de Janeiro de 2008 1, de 30 000 euros 2 — ora, ainda que, como alega a Recorrente Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., o valor do pedido global do pedido reconvencional fosse de 169.688,46 euros, a decisão só seria desfavorável à Recorrente em valor inferior a metade da alçada da Relação [em 14438,46 euros].

15. Em todo o caso, o artigo 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil determina que, “[i]ndependentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso [c]om fundamento […] na ofensa de caso julgado”.

16. A Recorrente Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., alega que há ofensa de caso julgado — a sentença de 14 de Dezembro de 2016 teria condenado a Autora/Reconvinda Interfios – Fios e Malhas, Lda., a pagar o valor das despesas com a fabricação da tela sem qualquer limite quanto à liquidação ou, em todo o caso, com o limite de 169.688,46 euros.

17. Ora, como se diz impressivamente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 2012 — processo n.º 289/10.7TBPTB.G1.S1 —,

6. A determinação do âmbito de caso julgado, formal ou material, de uma sentença, pressupõe a respectiva interpretação.

7. Para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cumprindo tomar em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto 3.

18. Interpretando-se a sentença de 14 de Dezembro de 2016, concluir-se-á que a sentença de 23 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4568/13.3... — condenou a Autora/Reconvinda Interfios – Fios e Malhas, Lda., com o limite do pedido reconvencional.

19. A fundamentação da sentença condenatória diz expressamente o seguinte:

“A Ré, em sede de danos patrimoniais, alega ter despendido a quantia de € 4 438,46 no tingimento do fio e ter suportado despesas desde a compra do fio até à fabricação da tela, com a fabricação incluída, de € 155 250,00 – num total de 159 688,46. […]

Estando a causa de pedir estruturada com base na anulação do contrato, a pretensão indemnizatória só pode abranger o chamado dano in contrahendo, isto é, a diferença entre a situação patrimonial actual da Ré e aquela que provavelmente teria se não tivesse celebrado o contrato em causa. […] ficam excluídos os benefícios que a Autora deixou de obter em consequência da celebração do mesmo contrato, o chamado dano in contractu. […]

[…] a Ré […] conclui que, se não tivesse celebrado o contrato com a Autora, não teria realizado as despesas de € 155 250,00.

Especifica que tais despesas se reportam à compra do fio e à fabricação da tela” (sublinhado nosso).

20. Explicando que a Ré, agora Recorrente, pretende a soma de parcelas correspondentes a uma indemnização pelo interesse contratual positivo e de parcelas correspondentes a uma indemnização pelo interesse contratual negativo, a sentença continua dizendo:

“Trata-se, a nosso ver, de um raciocínio viciado nos seus termos: é que o relevante em termos legais são tão-só as despesas ocasionados com a celebração do contrato dos autos, de nada relevando o contrato que hipoteticamente a Ré teria celebrado com terceiros na eventualidade de não ter existido o contrato aqui em análise. Independentemente destas considerações, a verdade é que nenhuma desta matéria de facto resultou provada da instrução e discussão da causa.

[…] resulta das regras da experiência comum que a Ré terá seguramente suportado despesas com a fabricação da tela, […] com a aquisição de outros fios, com outras características, para incorporar nesta mesma tela. […].

No entanto, em face da falta de matéria factual para fundamental o quantum indemnizatório, resta-nos – uma vez mais - a solução menos desejável de aplicar a disposição legal do art. 609.º, n.º 2, do C.P.Civil, relegando a fixação desta parcela indemnizatória para momento ulterior.

21. Ou seja — em lugar de uma condenação sem limite, como pretende a Recorrente, a sentença de 14 de Dezembro de 2016 conteve-se dentro dos limites do pedido reconvencional.

O problema não esteve nunca em fixar uma indemnização eventualmente superior ao pedido reconvencional — esteve sempre em fixar uma indemnização necessariamente inferior ou igual ao pedido reconvencional, em função dos danos provados.

O Tribunal considerou tão-só que, dentro dos limites do pedido reconvencional — dentro dos 159 688,46 euros—, só estavam provados danos de 4 438,46 euros

22. Excluída a questão dos limites da indemnização, a Recorrente Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda., alega que o acórdão recorrido ofende caso julgado por não ter determinado a compensação do crédito da Autora, agora Recorrida, com o crédito de igual montante da Ré, agora Recorrente.

23. Ora, nem no seu dispositivo, nem nos seus fundamentos da sentença de 14 de Dezembro de 2016 se faz qualquer referência à compensação de créditos — logo, sobre a questão da compensação não se formou e não pode ter-se formado caso julgado.

24. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que o acórdão recorrido não ofendeu o caso julgado formado sobre a sentença proferida em 14 de Dezembro de 2016.

25. A segunda e a terceira questões relacionam-se com a nulidade do acórdão proferido no incidente de liquidação por omissão de pronúncia e com a nulidade da sentença proferida no incidente de liquidação por excesso de pronúncia.

26. Ora nenhuma das duas questões poderia ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

27. Em primeiro lugar, o recurso foi admitido com o fundamento específico do art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil — ofensa de caso julgado —; ora,

“[s]endo o recurso admitido ao abrigo da al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, designadamente com fundamento (específico e excepcional) na ofensa de caso julgado, o seu objecto fica [deve ficar] circunscrito à apreciação da questão que está na base da sua admissão” 4.

28. Em segundo lugar, ainda que assim não fosse, nunca as questões de nulidade constituiriam fundamento autónomo do recurso de revista — nem as questões de nulidade do acórdão recorrido 5 nem, a pari ou a fortiori, as questões de nulidade da sentença reapreciada pelo acórdão recorrido 6.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente Malvelar II – Indústria Têxtil, Lda.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

António Barateiro Martins

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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1. Cf. artigos 24.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 303/207, de 24 de Agosto, entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, deste Dexreto-Lei.

2. Cf. artigos 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

3. Em termos em tudo semelhantes, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2012 — processo n.º 521-A/1999.L1.S1 —. de 12 de Março de 2014 — processo n.º 177/03.3TTFAR.E1.S1 —, de 17 de Novembro de 2015 — processo n.º 34/12.2TBLMG.C1.S1 — ou de 23 de Janeiro de 2019 — processo n.º 4568/13.3TTLSB.L2.S1.

4. Expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2019 — processo n.º 1332/07.2TBMTJ.L2.S1.

5. Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 — e de 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1.

6. Cf. artigos 671.º, n.º 2, e 674.º do Código de Processo Civil.