Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1907/22.0PBBRR.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO ORDINÁRIO
CONCURSO DE CRIMES
CRIME CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DUPLA CONFORME
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I. Visto o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), incluindo quanto às penas parcelares/individuais aí aplicadas, desde que não são superiores a 8 anos de prisão. E, considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena única, podendo acontecer (como aqui sucede) que não sejam recorríveis todas aquelas penas individuais, mas já o seja a pena única.

II. No momento da determinação da medida da pena, incluindo da pena única, apenas se pode atender aos factos dados como provados e ao que deles se pode deduzir e não a meios de prova, como pretende o recorrente, quando apela ao que resulta do “relatório social para determinação da sanção”.

III. A conexão entre os crimes cometidos, é muito grave, tendo estes de ser vistos no seu conjunto (sendo que o arguido cometeu, no total 196 crimes, sendo 152 de abuso sexual de criança agravado, 43 de violação agravada e 1 de violência doméstica), considerando não só a sua idade, como o período global de tempo da sua atuação e, também em relação a cada ofendida, que foi relevante, ponderando ainda a idade de cada uma das suas duas filhas/ofendidas, que consigo viviam e estavam numa fase essencial de crescimento e desenvolvimento (relações incestuosas que ocorreram, uma desde 2.09.2011 a 2022 com uma das suas filhas quando esta contava pelo menos 12 anos, o que fez nos moldes dados como provados, até passar a ter com ela cópula vaginal e anal, prolongando-se toda a sua atuação ilícita em relação a essa sua filha por cerca de 10 anos, cometendo em relação a ela 1 crime de abuso sexual de criança agravado, 43 crimes de violação agravada e 1 crime de violência doméstica e, a outra desde 2017 a Agosto de 2020 com outra sua filha, quando ela tinha 10 anos de idade, o que fez nos moldes dados como provados, cometendo em relação a ela 151 crimes de abuso sexual de crianças agravado) e a personalidade do arguido (que se pode caracterizar como avessa ao direito, para além de ser violento e dominador), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e de prevenção especial (mesmo considerando a sua integração profissional e condições de vida, o que é de esperar de qualquer cidadão, tal como o facto de não ter antecedentes criminais). Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado e proporcionado manter a pena única de 15 anos de prisão aplicada pela 1ª instância e confirmada pela Relação (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 1907/22.0PBBRR.L1.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I-Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 1907/22.0PBBRR do Juízo Central Criminal de Almada, Juiz 1, comarca de Lisboa, por acórdão de ........2023, o arguido AA foi condenado, além do mais (no que aqui interessa), pela prática, em autoria material e, em concurso real,

- na pessoa da ofendida BB ..., de:

i) 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;

ii) 1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido, à data dos factos, pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) e 6 do Código Penal e presentemente pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a) e 7 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão;

iii) 28 (vinte e oito) crimes de violação agravados, previstos e punidos, à data dos factos pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) e n.º 5 do Código Penal epresentemente pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) e n.º 6 do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão, cada um;

iv) 13 (treze) crimes de violação agravados, previstos e punidos, à data dos factos, pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) e presentemente pelo artigo 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, cada um;

v) 1 (um) crime de violação agravado, previsto e punido pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

vi) 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;

- na pessoa da ofendida CC, de 151 (cento e cinquenta e um) crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alíneas a), b), Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cada um;

- Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 15 (quinze) anos de prisão;

- foi ainda condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 18 (dezoito) anos, nos termos do artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal;

- assim como foi condenado na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menores (em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança), pelo período de 18 (dezoito) anos, nos termos do artigo 69.º- C, n.º 2 do Código Penal;

- e também foi condenado nas penas acessórias de proibição de contactar, por qualquer meio, com a vítima BB ... e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 152.º, n.º 4 e 5, do Código Penal;

- além disso foi condenado a pagar à ofendida BB ..., o montante de 40.000€ (quarenta mil euros), a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, ao abrigo do disposto nos artigos 82.º-A, n.º 1 e 67.º-A, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal e no artigo 16º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015 de 04/09;

- e condenado a pagar à ofendida CC o montante de 15.000€ (quinze mil euros), a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, ao abrigo do disposto nos artigos 82.º-A, n.º 1 e 67.º-A, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal e no artigo 16º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015 de 04/09.

2. Inconformado com essa decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual por acórdão de 6.02.2024, julgou improcedente o recurso, mantendo o acórdão impugnado.

3. Inconformado com essa decisão, o mesmo arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões:

1. Visando o presente recurso matéria exclusivamente de direito, porquanto o douto Tribunal da Relação veio a confirmar a decisão também quanto à medida da pena, aplicando, assim, em cúmulo, ao arguido AA a pena única de 15 anos de prisão, e as penas acessórias acima elencadas.

2. Considerando que face à culpa do agente e à gravidade dos factos pelo mesmo praticados, as penas aplicadas são de manter, não sendo compreensível pela sociedade e pelo sentir comunitário qualquer redução das mesmas, quer no que concerne às penas principais, quer quanto às penas acessórias em que o arguido foi condenado, termos em que, também nesta parte, o recurso não pode deixar de improceder.

3. Consideramos haver desproporção da quantificação efectuada, e afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.

4. Estamos assim perante violação das regras da experiência, pelo que se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.

5. Quer em termos de penas unitárias, quer em termos do cúmulo jurídico efectuado.

6. Verificando-se um quantum das penas concretamente aplicadas, em alguns dos crimes pelos quais veio a ser condenado, sobreagravado.

7. Por referência ao crime de violência doméstica, veio o arguido a ser condenado na pena de 3 anos de prisão, na fronteira já dos seus limites medianos.

8. Condutas ilícitas que ainda assim, se poderiam, contudo, ater mais próximo dos limites mínimos previstos para este tipo de crime, atenta a descrição esporádica, a primariedade do arguido, e a ausência, malogrado, de consequências físicas demonstradas nos autos.

9. Pelo que, na operação de fixação da medida concreta da pena, se atende ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do CP., não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana.

10. Pelo que temos por ultrapassada esta, na fixação de uma pena nos moldes supra, e desrespeitados os mencionados preceitos legais.

11. Mais, por referência à ofendida CC, veio o arguido, ora recorrente, a ser condenado pela prática de 151 crimes de abuso sexual de criança agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cada um.

12. Entende-se que a pena por cada um dos crimes de abuso sexual de criança agravados, por que veio a ser condenado o arguido, na pessoa da ofendida CC, deveria ater-se mais próximo dos seus limites mínimos, cada crime de per si, ou seja, numa pena de 1 ano e seis meses cada.

13. A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

14. O que entendemos não foi devidamente valorado.

15. Mostrando-se, assim, por violado o disposto nos art.ºs 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, al.a) do CP.

16. Quanto à determinação da pena única, correspondente ao cúmulo jurídico do arguido, verifica-se haver um rigor agravativo que temos por inadequado ao caso e às condições do arguido.

17. Porquanto a punição do arguido não se deve sobrepor avassaladoramente às necessidades de reintegração social daquele, fim primacial da pena ao que diz a lei.

18. Nos termos do art.º 77.º do Código Penal o limite mínimo da moldura penal aplicável para fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas.

19. Sendo que, por referência ao cúmulo jurídico, considerando os parâmetros a que alude o art.º 77.º, n.º 1 do CP, se entende que deveria ser minorada a pena única.

20. A ausência de antecedentes criminais, e as suas condições pessoais e sociais, foram estas apenas frugalmente tidas em conta na determinação das penas aplicadas.

21. Tendo o douto acórdão recorrido sobrevalorizado as circunstâncias de valor agravativo.

22. Assim, a pena unitária aplicável, tendo como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e sendo o seu limite mínimo de 5 anos e 8 meses de prisão, poderia ainda fixar-se num quantitativo inferior aos 15 anos aplicados, e que se aqui propugna no dobro do seu limite mínimo.

23. A pena unitária aplicada pelo douto tribunal a quo, não respeita, assim, inteiramente os critérios fixados no art.º 71.º do CP, face à culpa do agente, às exigências de prevenção geral e especial que se justificam, não se mostrando justa, adequada e proporcional.

24. Assim como se mostra contrária às regras da experiência.

Termina pedindo o provimento ao recurso, sendo revogada a decisão recorrida e o arguido condenado, em cúmulo jurídico das penas, em pena unitária inferior a 15 anos de prisão.

4. Esse recurso foi admitido, sem qualquer restrição, por despacho de ........2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

5. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. Na formulação do artigo 400.º, n.º. 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, o legislador vedou a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão de Tribunal da Relação que confirme decisão de 1ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1ª instância e na Relação, confirma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

2. Se o Tribunal da Relação confirmou a decisão de 1.ª instância [a chamada dupla conforme] só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

3. Havendo dupla conforme, só a pena de prisão que ultrapasse essa medida pode ser objeto de decisão, ficando prejudicadas a apreciação das demais questões suscitadas.

4. O Tribunal da Relação de Lisboa, no caso dos autos, confirmou a condenação do recorrente nas penas parcelares de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pela prática, em autoria material e concurso real, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, als. a) e b) do Código Penal; de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de violação agravado, p. e p., à data dos factos, pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.ºs 1, al. a) e 6 do Código Penal e presentemente pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a), e 177.º, n.º 1, alínea a) e 7 do Código Penal; de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão, por cada um cada um dos 28 (vinte e oito) crimes de violação agravados, p. e p., à data dos factos pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.ºs 1, alínea a) e 5 do Código Penal e presentemente pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.ºs 1, alínea a) e 6 do Código Penal; de 5 (cinco) anos de prisão, cada um dos 13 (treze) crimes de violação agravados, p. e p., à data dos factos, pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) e presentemente pelo artigo 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; de 5 (cinco) anos de prisão por 1 (um) crime de violação agravado, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 2, alínea a) e 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; e na pena de 3 (três) anos de prisão por 1 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, todos na pessoa da vítima BB, e condenou-o na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, cada um, pela prática, em autoria material e, em concurso real, na pessoa da vítima CC, de 151 (cento e cinquenta e um) crimes de abuso sexual de criança agravados, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alíneas a), b), Código Penal, e em cúmulo jurídico destas na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

5. Resulta assim existir dupla conforme quanto à decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 6 de dezembro de 2023, relativa às medidas das penas parcelares, não sendo admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça desta decisão, apenas sendo recorrível atinente à pena única a que o recorrente foi condenado, por superior a 8 anos de prisão.

6. Na determinação da medida da pena única aplicada ao recorrente, o Tribunal a quo atendeu, como se lhe impunha, aos factos e à personalidade do agente, avaliados conjuntamente, e aos limites máximo [a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem exceder 25 anos] e mínimo [a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes] das penas aplicadas, tal como definido no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

7. Atendeu, pois, à gravidade dos ilícitos cometidos atentos os bens jurídicos tutelados, ao seu elevado número [45 crimes na pessoa de BB e 151 na pessoa de CC], ao largo lapso temporal em que ocorreram [desde .../.../2011 a ..., no caso da vítima BB, e de ... a ..., no caso da vítima CC], ao contexto em que foram praticados [no seio da família e do lar, espaço de segurança e de afeto, com aproveitamento da pouca idade das vitimas, da incapacidade destas para resistir e do ascendente que tinha sobre elas], à sua relação com a personalidade do arguido [autoritária, violenta, lasciva, sem autocrítica e controlo sobre os instintos sexuais, sem empatia pelas vitimas, que eram suas filhas, ou arrependimento, alheia às consequências dos seus atos sobre o são desenvolvimento das filhas e alheia aos princípios éticos e de convivência social] e aplicou a pena única de 15 anos de prisão, que se situa abaixo do limite médio da moldura abstrata.

8. Tendo em atenção o elevado número de crimes cometidos e as medidas das penas parcelares aplicadas, a compressão destas foi muito acentuada, não podendo ser mais comprimidas, sob pena de violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 77.º, do CP.

9. Não tem, por isso, qualquer razoabilidade a pretensão do recorrente de ver aplicada uma pena única inferior a 15 anos de prisão, de 11 anos e 4 meses de prisão, sob pena de se não efetuar uma real e concreta justiça, o que geraria insegurança na comunidade e frustraria as suas expetativas face ao Ordenamento Jurídico na proteção dos bens jurídicos.

10. A pena única aplicada de 15 anos de prisão não merece reparo, a não ser pela sua benevolência.

11. Nenhuma censura merece o acórdão recorrido que, como tal, deverá ser integralmente mantido.

Termina pedindo o não provimento do recurso.

6. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso quanto à questão relativa à determinação concreta das penas parcelares, por haver dupla conforme e, do não provimento do recurso quanto à questão da determinação da pena única, por ter sido criteriosa a avaliação feita na decisão, não merecendo qualquer correção, “tendo refletido os critérios legais com a necessária ponderação, fixando o seu quantum perto do meio do intervalo da moldura do concurso legalmente imposto (5 anos e 8 meses de prisão e 25 anos)”, acompanhando as alegações do Ministério Público na 2ª instância, reafirmando que não foram “violados os preceitos legais invocados pelo recorrente”.

7. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Rejeição parcial do recurso

8. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410.º do CPP.

Neste caso concreto, houve dupla conforme, ou seja, foi confirmada na totalidade a decisão da 1ª instância, sendo negado provimento ao recurso do arguido para a Relação (fosse quanto a questões colocadas a nível da decisão proferida sobre a matéria de facto, fosse quanto a questões de direito, e, também, quanto à medida das penas parcelares/individuais e única)1.

Como se verifica da condenação imposta ao arguido as penas parcelares ou individuais são todas elas inferiores a 8 anos de prisão e a pena única é de 15 anos de prisão.

Analisadas as conclusões do recurso para o STJ, verifica-se que o arguido/recorrente volta a recolocar parte das questões que já suscitara no seu recurso para a Relação, a saber:

1.º- Apreciação de parte das penas parcelares/individuais (a saber, penas individuais aplicadas pelo crime de violência doméstica e por cada um dos 151 crimes de abuso sexual de criança agravados em que foi vítima CC), por as considerar excessivas, desproporcionais e violadoras das regras de experiência em casos semelhantes;

2ª- Apreciação da pena única, por entender não ser justa, adequada e proporcional, revelando um rigor agravativo inadequado ao caso e às condições do arguido, sobrepondo-se excessivamente às necessidades da sua reintegração social, fim primacial da pena, razão pela qual deveria ser reduzida para o dobro do limite mínimo da moldura do concurso.

Compulsado o teor do acórdão do Tribunal da Relação verifica-se que o mesmo analisou e decidiu (além do mais), confirmando integralmente, todas as questões acima referidas (tendo-se pronunciado sobre todas elas), as quais, como se disse, foram novamente colocadas em sede de recurso para o STJ.

Porém, como se verifica da condenação imposta ao arguido (sobre a qual existe dupla conforme, isto é, um duplo juízo condenatório) as penas parcelares ou individuais são todas elas inferiores a 8 anos de prisão e a pena única é de 15 anos de prisão.

Isto significa, visto o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), incluindo as penas parcelares/individuais aí aplicadas, uma vez que não são superiores a 8 anos de prisão.

Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer (como aqui sucede) que não sejam recorríveis todas ou algumas daquelas, mas já o seja a pena única2.

Aliás, decidiu-se no Ac. do TC (plenário) n.º 186/2013, “Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.”

Neste caso concreto, o recorrente pretende ver reapreciadas pelo STJ questões decididas em definitivo pelo Tribunal da Relação, o que não pode ser.

O acórdão da Relação de Lisboa é definitivo quanto às questões que volta a colocar no recurso para o STJ relativo às penas parcelares/individuais, salvo quanto à reapreciação da medida da pena única que é superior a 8 anos de prisão.

Assim, as questões que coloca relativas às penas parcelares/individuais, suscitadas nesse âmbito em que não é admissível o recurso para o STJ, não podem ser conhecidas por este Tribunal.

Em conclusão: face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, als. e) e f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.ºs 2 e 3, do CPP, não se toma conhecimento do recurso, por inadmissibilidade legal e, nessa medida por ser de rejeitar, na parte em que é impugnado o Acórdão da Relação quanto à condenação do Recorrente nas penas parcelares/individuais.

Mérito do recurso

9. Os autos prosseguem para conhecimento da questão da reapreciação da pena única (15 anos de prisão) em que o recorrente foi condenado, sendo nessa parte analisado o recurso da Relação para este STJ.

Assim.

Resulta do acórdão da 1ª instância, confirmado pelo Ac. do TRL de 6.02.2024, a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

“Matéria de facto provada:

1) O arguido AA é pai de BB, nascida em ... de ... de 2000 e de CC, nascida em ... de ... de 2007.

2) O arguido AA reside, pelo menos desde o ano de 2003, conjuntamente com a sua mulher DD, os seus filhos BB, CC, EE e FF, na Rua ....

3) A partir de data não concretamente apurada mas posterior ao dia .../.../2011, quando BB frequentava o 6.º ano de escolaridade e tinha, pelo menos, 12 anos de idade, o arguido determinou-se a manter com ela contactos de natureza sexual.

4) Para o efeito, no interior da residência sita na Rua ..., num sábado de manhã, depois das 7 horas, o arguido aproveitando-se da ausência de sua mulher DD, que saíra de casa para trabalhar, dirigiu-se ao quarto onde dormia BB, deitou-se junto a esta, despiu-a da cintura para baixo e, em seguida, com o seu pénis ereto penetrou-o na vagina da sua filha, o que fez parcialmente, provocando-lhe dor intensa.

5) Como BB sentiu dores fortes empurrou o arguido, afastando-o, tendo aquele, irado por não prosseguir o ato sexual que iniciara, lhe desferido uma chapada, atingindo-a na face, provocando-lhe dor, ao mesmo tempo que afirmava que voltariam a tentar.

6) A partir desse momento, o arguido, aproveitando-se do ascendente emocional, do temor que lhe causava, em consequência da agressão que lhe infligira e da sua força física, manteve com a sua filha BB, sempre contra a vontade desta, relações sexuais, introduzindo o seu pénis na sua vagina, esfregando-se nessa até ejacular ou praticando coito oral com ela.

7) Volvidas algumas semanas, o arguido manteve o propósito de praticar com BB relações sexuais e em data não apurada mas seguramente quando a mesma frequentava o 6.º ano de escolaridade e tinha, pelo menos, 12 anos de idade, num sábado de manhã, entre as 9 e as 11 horas, o arguido aproveitando-se da ausência de DD, dirigiu-se ao quarto onde dormia BB, determinou a que o acompanhasse até ao quarto do casal, onde a deitou na cama e despiu da cintura para baixo.

8) O arguido colocou o seu corpo em cima do de sua filha BB e já com o pénis ereto introduziu-o na vagina daquela aí se esfregando, determinando o rompimento do hímen e sangramento, pois aquela não havia antes mantido relações sexuais.

9) Entre o mês de abril de 2013 e ... de ... de 2014, o arguido, quando a sua filha BB, então com 13 anos de idade, ia tomar banho, entrava na casa de banho, observava-a nua e mantinha com esta contactos físicos mais próximos, sob pretexto de um cumprimento ou abraço esfregava o seu corpo contra o corpo daquela, o que fazia com o propósito de obter estímulo sexual.

10) Após .../.../2014, quando BB já tinha completado 14 anos de idade, até .../.../2016, no período escolar, o arguido manteve com a mesma relações sexuais aos sábados de manhã, pelo menos uma vez por mês, aproveitando a ausência da mãe.

11) Para o efeito, durante esse período o arguido chamava BB para o seu quarto, despia-a e deitava-a na cama, introduzia o seu pénis na vagina daquela, efetuando movimentos oscilantes, até ejacular, para fora do seu corpo.

12) No período das férias escolares, os factos referidos em 11) e 12) tinham lugar uma vez em cada dois meses.

*

13) Entre os anos de 2012 e 2016 BB, com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos, frequentou a Escola ..., no 7.º, 8.º e 9.º ano de escolaridade, tendo repetido o 8.º ano de escolaridade, sendo que nesse período tinha no seu horário, uma vez por semana, uma pausa de duas horas para almoço.

14) Na referido hiato temporal, o arguido pelo menos uma vez por mês, determinava a BB que, após almoçar na escola, se dirigisse a casa, onde ficava sozinha com aquele.

15) Nessas circunstâncias e, pelo menos, uma vez em cada dois meses, o arguido ordenava a BB que se despisse, beijava-lhe o corpo, penetrava-a na sua vagina, efetuando movimentos oscilantes, até ejacular, o que fazia sobre o corpo daquela. 16) Nas referidas ocasiões, o arguido, sempre que assim o desejava, ordenava a BB que colocasse a boca daquela no seu pénis, obtendo desse modo prazer sexual.

17) No período compreendido entre .../.../2014 até ao final do 9.º ano letivo, em .../.../2016, em casa, durante a referida hora de almoço, o arguido manteve com a sua filha BB, então com 14, 15 e 16 anos de idade, relações sexuais que consistiram em cópula e coito oral, pelo menos uma vez de dois em dois meses.

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18) No decurso dos anos de 2016 a 2019, tendo à data BB idade compreendida entre os 16 e os 18 anos de idade e frequentando o 10.º, 11.º e 12.º ano de escolaridade, como aquela não podia já deslocar-se a casa à hora de almoço, visando satisfazer a sua libido, o arguido ainda assim manteve a conduta descrita.

19) Para o efeito, uma vez de dois em dois meses, procurava a sua filha BB, nas manhãs de sábado, ordenando-a a despir-se e conforme sua vontade, sujeitando-a a coito oral, bem como penetrando-a na sua vagina, efetuando movimentos oscilantes, até ejacular, o que fazia sobre o corpo daquela.

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20) No decurso do ano de 2019 e até o ano de 2022, em número não concretizado de vezes e de forma esporádica, quando BB tinha entre 19 e 22 anos de idade, o arguido, aproveitando-se do ascendente emocional, do temor que lhe causava – em consequência das vezes que a agredira antes - e da força física, desferindo-lhe pancadas no corpo quando aquela se negava, manteve com a sua filha, sempre contra a vontade desta, relações sexuais, praticando coito oral e introduzindo o seu pénis na vagina daquela, esfregando-se até ejacular.

21) Em data não concretamente apurada mas seguramente entre os dias ... de ... de 2022, entre as 14 e as 15 horas, o arguido, chegado a casa, instou BB a acompanha-lo à casa de banho e ali chegada, ordenou, mais uma vez, que se despisse e, contra a vontade desta, exercendo força sobre o seu corpo, colocou-a contra a porta, de costas para si, tendo em seguida introduzido o seu pénis ereto na vagina daquela, efetuando movimentos oscilantes até ejacular.

22) O arguido nas relações sexuais que manteve com a sua filha BB, desde os 14 anos até aos 22 anos de idade daquela, nunca utilizou preservativo.

23) De modo a evitar que a sua filha engravidasse, e visando controlar o ciclo menstrual daquela, o arguido determinou BB a apontar num caderno as datas em que menstruava e a dar-lhe disso conhecimento.

24) O arguido em número não concretizado de vezes, mas entre os anos de 2014 e 2022, desferiu sobre o corpo BB pancadas, não só quando aquela se recusava a manter consigo relações sexuais ou praticar sexo oral, mas também sempre que suspeitava que a mesma tinha um namorado ou havia conhecido alguém do seu interesse ou sempre aquela lhe pedia para sair e estar com amigos e o arguido a proibia de o fazer.

25) Assim, tal aconteceu quando BB transitou para o 10.º ano de escolaridade e começou a frequentar a Escola ..., quando o arguido suspeitou que a mesma tinha namorado.

26) Noutra ocasião, quando BB já frequentava a Faculdade, no decurso de um treino, no ..., o arguido, motivado pela desconfiança de que a mesma tinha um namorado, tentou atingi-la na face com a mão.

27) Como BB se desviou e caiu ao chão, o arguido atingiu-a com pontapés que a atingiram na zona do abdómen quando esta se encontrava caída no solo.

28) O arguido, em data não apurada, mas no decurso do ano de 2017, quando CC tinha 10 anos de idade, determinou-se a manter com aquela contactos de natureza sexual, sendo que para o efeito colocava a sua mão por dentro das calças daquela e, por cima das cuecas, apalpava-a na vagina.

29) O arguido, no interior da residência sita na Rua..., na concretização da conduta descrita, em determinadas ocasiões chamava a sua filha CC para o quarto do casal ou para a casa de banho, sempre fechando a porta.

30) Nas referidas circunstâncias, em número não determinado de vezes, pedindo a CC para que não olhasse, tocava-lhe na vagina por cima das cuecas, colocava o pénis ereto de fora das calças, esfregava-o entre as pernas daquela até ejacular sobre o seu corpo.

31) O arguido prosseguiu a conduta descrita sobre a menor CC, em número não concretizado de vezes, pelo menos com frequência semanal, após ... e até ..., desde que esta tinha 10 anos de idade até perfazer os 13 anos.

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32) O arguido agiu da forma descrita em 4), 5), 6), 7), 8), 9), conhecendo a idade de BB, ciente que a mesma não tinha capacidade e desenvolvimento para ser sujeita a tais práticas, quis e conseguiu satisfazer os seus desejos sexuais ao manter com esta contacto sexual e depois cópula, molestando-a sexualmente, prejudicando-a no desenvolvimento da sua personalidade, ofendendo a enquanto criança e colocando em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo e sexual.

33) O arguido com a conduta descrita de 10) a 16) e 17) a 19) quis e conseguiu manter relações sexuais, designadamente cópula e coito oral com BB, o que fez entre os seus 14 e 18 anos, idade que conhecia, com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, utilizando para tanto a menor, sua filha, aproveitando-se da sua imaturidade e inexperiência, da proximidade familiar e do facto de a mesma consigo coabitar e a si estar entregue, e além do mais para tanto, exercendo a força física, indiferente a tais circunstâncias e às consequências de tal atuação sobre a mesma, prejudicando-a no seu normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo, emocional e sexual.

34) O arguido ao agir como supra descrito sabia que BB não pretendia manter relações sexuais com este e, ainda assim, quis e conseguiu através do recurso ao temor, força física e, em determinadas ocasiões, violência, desferindo-lhe sobre o corpo pancadas, contra a vontade daquela, manter relações sexuais, em concreto cópula e coito oral, com intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos, o que alcançou.

35) O arguido com a conduta descrita em 0 a 0 quis e conseguiu molestar BB no seu corpo e saúde, controlar as suas relações e amizades, cerceando na sua liberdade, livre e são desenvolvimento, atingindo-a na sua dignidade de pessoa humana.

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36) O arguido ao agir do modo descrito de 28) a 31), enquanto CC tinha entre os 10 e 13 anos, idade que aquele conhecia, quis e conseguiu manter os atos sexuais descritos, ciente que a mesma não tinha capacidade e desenvolvimento para ser sujeita a tais práticas, quis e conseguiu satisfazer os seus desejos sexuais molestando-a sexualmente, prejudicando-a no desenvolvimento da sua personalidade, ofendendo-a enquanto criança e colocando em causa o seu normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo e sexual.

37) O arguido não ignorava que BB e CC, haviam nascido a ... de ... de 2000 e a ... de ... de 2007 respetivamente, que eram suas filhas, que com elas coabitava, cumprindo-lhe protegê-las, respeitá-las, prestar-lhes cuidados e assistência e que em virtude dessa relação aquelas de si dependiam, em si confiavam e a si obedeciam.

38) O arguido mais sabia que não lhe era permitido constrangê-las a qualquer ato de cariz sexual e, em concreto com BB manter relações sexuais, copula vaginal e coito oral.

39) Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

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Das condições pessoais do arguido

40) O arguido é natural de ..., onde decorreu o seu processo de socialização, integrado no agregado de origem de condição socioeconómica modesta e composto pelos pais e seis filhos, sendo o arguido o mais velho de seis irmãos.

41) Veio para ... há cerca de 23 anos, junto com a esposa, onde também se encontra uma irmã mais velha e a mãe, estando esta hospitalizada após sofrer de um AVC.

42) O pai já faleceu.

43) Em ... tem os restantes irmãos.

44) A nível escolar, que frequentou no país de origem, o arguido terminou o ensino secundário, após o qual iniciou atividade profissional na área da construção civil.

45) O arguido manteve um relacionamento afetivo do qual tem três filhos que permanecem em ..., que são já adultos e com vida autónoma.

46) Costumava, antes da sua prisão, contactar telefonicamente com uma das filhas.

47) O arguido refere manter ligação afetiva com a esposa há cerca de 27 anos e com a qual tem quatro filhos, sendo as filhas, as duas do meio, as ofendidas nos autos.

48) Tem beneficiado de visitas por parte da esposa com quem mantém projetos de vida futuros, ao que esta garante que tal não será possível face aos acontecimentos, apenas dando apoio por questão humanitária.

49) O arguido mantinha aparentemente um modo de vida regular, desenvolvendo atividade laboral na área da construção civil como empreiteiro por conta própria, sem aparentes constrangimentos, a qual lhe permitia contribuir para a manutenção de condições de vida estáveis para os filhos que se encontravam todos as estudar.

50) Após a reclusão do arguido, a mulher do mesmo procurou apoiar as filhas, (ofendidas) que mantém apoio psicológico e, após uns momentos de instabilidade, tentou que os filhos voltassem a manter as mesmas condições de vida, mas a nível económico a situação familiar ressentiu-se porque até então desenvolvia atividade profissional como cuidadora em lar de idosos e neste momento executa o mesmo trabalho mas para particulares, tendo dificuldade em suportar todas as despesas do agregado e tem recorrido aos apoios sociais.

51) A filha mais velha anulou a sua matrícula na Universidade para poder apoiar a mãe e permitir que os irmãos mantenham alguma normalidade no seu modo de vida.

52) O arguido é visitado com regularidade, pelo cônjuge.

53) A mulher do arguido não pretende dar continuidade à ligação pese embora o arguido transmita alguns projetos futuros em comum.

54) Em termos de saúde o arguido tem mostrado intenção em manter sempre que possível o acompanhamento psicológico.

55) O arguido encontra-se, desde .../.../2022 em prisão preventiva a aguardar julgamento no presente processo, sendo a primeira vez que se encontra em situação de reclusão.

56) No Estabelecimento Prisional ... onde se encontra, tem mantido um comportamento adequado, mas sem exercer qualquer atividade por se encontrar na situação de preventivo.

57) O processo teve repercussões a nível da saúde mental do arguido que atentou contra a sua vida.

58) O arguido verbaliza ser sua intenção, na sequência do processo em causa, centrar-se no seu fortalecimento intrínseco e manter o relacionamento com a esposa que o visita no Estabelecimento Prisional.

59) O arguido refere sentir ansiedade e pressão psicológica e necessitar de apoio psicológico, nomeadamente no que se refere a privação da sua liberdade.

60) O arguido não regista antecedentes criminais.

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Matéria de facto não provada

Da audiência de discussão e julgamento não resultou provado que o arguido praticou os factos referenciados em 7) e 8) após ... de ... de 2014.

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Justificação da convicção do tribunal

Em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cumpre expor, de forma tanto quanto possível, completa, ainda que concisa, os motivos que fundamentam a antecedente decisão fática, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

O Tribunal formou a sua convicção positiva com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, nos termos do disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal.

Assim, fundamentaram a antecedente decisão fáctica e contribuíram para formar a convicção do Tribunal, os seguintes elementos de prova produzidos e examinados em audiência de discussão e julgamento: - O teor da prova documental de fls. 3/4 (participação); 30 do apenso 1093/22.5PBBRR (auto de denuncia); 624 e 625 (assentos de nascimento), 641 (Certificado de Registo Criminal) e 657 a 658 (relatório social do arguido), - cujo conteúdo não foi impugnado, tendo o seu valor probatório saído incólume da audiência de julgamento; - O teor da prova pericial de fls. 373 a 378 (relatório da perícia médico-legal de psicologia, de CC); 381 a 386 (relatório da perícia médico-legal de psicologia, de BB); de fls. 527 a 529 (relatório da perícia de natureza sexual, de BB); fls. 531 a 533 (relatório da perícia de natureza sexual, de CC);

- As declarações para memória futura prestadas em .../.../2022 pela ofendida BB (cfr. fls. 391, refª ..., disponíveis através de “Citius Media Studio”), aos vinte e dois anos de idade, nas quais a mesma refere que sempre viveu com o seu pai na mesma casa desde que nasceu. Antes da morada atual viveram em mais duas moradas. Quando a sua mãe veio para cá, depois de nascer, começaram por viver com os seus tios (irmã da sua mãe e o marido dela) e depois, pelo que sabe, os seus pais conseguiram alugar uma casa, no ... e depois é que foram para a atual morada. Vivem nesta casa, há cerca de 18 anos, sendo que a sua irmã EE era pequena, pensa que ainda não tinha um ano. Nessa altura, vivia com os pais, com a EE e depois nasceu a CC. Os seus pais sempre trabalharam: a sua mãe em cafés, de segunda a sábado e o seu pai sempre na construção civil, de segunda a sábado, às vezes domingo e por vezes de segunda a sexta. Por volta dos seus 13 anos, o seu pai começou por se roçar em si, dando-lhe abraços de namorados, apertados e aos 14 anos perdeu a virgindade com o seu pai. Só se lembra depois de perder a virgindade, antes disso não se lembra de nada. Perdeu a virgindade provavelmente num sábado, porque era quando a sua mãe estava a trabalhar. Ele já tinha tentado tirar a virgindade antes mas ela não deixou e ele bateu-lhe, deu-lhe uma chapada na cara, disse que voltariam a tentar. Umas semanas depois, dormia no seu quarto com as suas irmãs, o seu pai foi chamá-la ao seu quarto, sem acordar a sua irmã e foram para o quarto dos seus pais. Ele despiu-a da cintura para baixo, deitou-a na cama, penetrou-a, começou a sangrar. Achou que era a sua menstruação porque era irregular e falou “pai a menstruação apareceu” pediu para ir à casa de banho ele deixou-a ir e nesse dia não fez mais nada. Nesta ocasião introduziu o pénis na sua vagina, fez movimentos, mas não ejaculou. A sua mãe saia para o trabalho entre as 7 e as 8 horas, por isso isto passou-se entre as 9 e as 11 horas. Nesse dia não aconteceu mais nada. Algum tempo depois, algumas semanas, voltou a acontecer o mesmo, a maioria das vezes, sábados de manhã em que ele a ia chamar ao quarto. Depois, quando estava em horário escolar, havia anos em que tinha duas horas de almoço e como vivia perto da escola e ele dizia para ela ir para casa que ele ia lá ter consigo, acontecia e depois ela voltava para a escola. Da segunda vez que se lembra ele ejaculou, ele ejaculava nas suas coxas fora da vagina. Todas as vezes ele aproveitava a hora de almoço porque era só uma vez por semana, o que acontecia todas as semanas. Teve essa hora de almoço alargada no 7.º e 8.º ano, quando tinha 14/15 anos, mas como repetiu o 8.º ano foi até aos 16 anos. Além disso havia sexo oral, ele fazia em si e ela tinha de fazer nele algumas vezes. Acontecia por vezes ela não querer e ele bater-lhe. Aos sábados de manhã era difícil ele bater-lhe, mas quando ela recusava ele suspeitava que ela andava metida com algum rapaz da escola e chateava-se com isso e ela tinha consequências depois, dependendo do humor dele, podia zangar-se consigo ou bater-lhe. Aconteceu poucas vezes ela recusar e o seu pai bater-lhe. Durante a semana ele fazia sexo oral e também vaginal. Aos sábados para além de sexo vaginal, dependia da vontade dele, não sabe dizer ao certo mas a maioria era vaginal. Esta situação manteve-se até aos seus 22 anos, até ao mês de junho ou julho, cerca de duas semanas antes de fazer a queixa na policia, acha que num dia da semana, da parte da tarde, por volta das 13/14 horas. Estava em casa e a sua irmã EE estava a dormir porque não se estava a sentir muito bem, o seu irmão mais novo estava na sala e a sua irmã CC também. Ele tinha ido trabalhar mas foi almoçar a casa, saiu, voltou, levou-a para a casa de banho, encostou-a contra a porta e fez sexo vaginal por trás, ejaculou mas não se lembra para onde. Nunca se apercebeu de nada com a CC. Antes dos 13 anos não sabe responder, porque desde criança os pais têm o hábito de cumprimentar os filhos com um beijo e achava isso normal. A partir dos 13 anos o que a incomodou foi ele começar a observá-la no banho, abraços mais demorados, palmadas no rabo. No banho não lhe tocava só a observava. A primeira vez que houve a tentativa de penetração tinha 13 anos, não sangrou, empurrou-o, foi no seu quarto, pensa que não estava ninguém em casa. Tem um beliche e estava deitada no beliche de baixo. Ele deitou-se consigo, roçou-se em si, despiu-a da cintura para baixo, tentou penetrá-la ela com a dor empurrou-o e ele bateu-lhe com a mão aberta, deu-lhe uma bofetada e desistiu. Da vez que sangrou pensava que era a menstruação, já tinha os 14 anos. Mais tarde começou a haver menos assiduidade quando entrou no 10.º ano, porque a sua escola não era tao perto, foi para a .... Até aos 18 anos mantinha-se a regularidade dos sábados, a partir dai era mais espaçado, mas mantinha-se aos sábados. Ele nunca demonstrou preocupação que viesse a engravidar, fazia-a apontar num caderno as datas e controlava o seu ciclo menstrual. Desde ... que está na faculdade, que não tem a mesma regularidade, no primeiro ano da faculdade entraram em Covid, não durou muito porque os seus irmãos também estavam em casa. Antes disso sempre tiveram uma boa relação, davam-se bem, faziam praticamente tudo juntos, sempre praticou desporto e o seu pai esteve sempre por perto, mesmo nestes anos, ela já tinha dito que não queria treinar mais com ele. O seu pai dizia que tinha ciúmes e além disso sempre teve a ideia que não podia namorar antes de terminar os estudos para não atrapalhar. Dias antes ou uma semana antes da queixa uma amiga sua de ..., colega de atletismo, tinha pedido para passar o aniversario com ela porque vinha a .... Já tinha pedido o ano anterior e a sua mãe disse que da próxima vez que a sua amiga convidasse ela tinha autorização para ir. A sua amiga ligou, o seu pai estava perto do telemóvel, atendeu, falou com ela, cumprimentou-a e depois passou o telefone e ela fez-lhe o convite mas quando ela pediu autorização para ir ele disse que não, ela disse que a mãe tinha deixado ir. Por causa disso houve uma pequena briga entre os seus pais, só sabe que ele ameaçou a si e a sua mãe. Normalmente quando ele se zanga assim, pede à sua mãe para ir com ela para o trabalho, ela pediu para ir no sábado com ela, depois ela disse que já não podia ir porque se ela a levasse para o trabalho teria de a levar todos os dias para ele não lhe fazer o trabalho. Como não é a primeira vez que o arguido a ameaça e durante muito tempo teve o hábito de lhe bater e à sua mãe, deixou de lutar contra, de forma que deu consentimento sim. Conheceu uma pessoa recentemente, um jovem indiano que esta cá de ferias, ele abordou-a uma vez que foi visitar a sua irmã ao hospital, falaram durante uma semana mas deixaram de falar. Ainda saíram alguma vezes. Antes disso nunca saiu com ninguém com a ideia de avançar com isso. A ofendida BB voltou a ser ouvida em audiência de discussão e julgamento, a fim de lhe serem tomados esclarecimentos complementares, tendo declarado nesta sede ainda que entrou para a escola com seis anos e só no oitavo ano é que reprovou. A partir do 5.º ano até ao 9.º ano de escolaridade esteve sempre na .... Pensa que o envolvimento com o seu pai começou quando tinha por volta dos 14 anos, porque ele um dia lhe disse isso, não tendo ideia da idade que tinha. Mas julga que a primeira situação aconteceu quando estava no quinto ou no sexto ano, porque ainda não tinha línguas estrangeiras, por isso não podia estar no sétimo ano. A primeira vez que o seu pai tentou não conseguiu, não sabe se ele conseguiu introduzir o pénis completamente mas sabe que doeu e por isso lhe disse para parar, sendo que ele lhe deu um estalo. Sabe que tudo começou uns meses depois do aniversário da sua irmã CC, que faz anos em agosto. Da primeira para a segunda vez em que tiveram relações sexuais demorou algumas semanas. Geralmente acontecia aos sábados de manhã, quando a sua mãe ia trabalhar, não acontecia todos os sábados, mas pelo menos tinham relações aos sábados uma vez por mês. Quando passou para o sétimo ano, começou a ter uma hora de almoço alargada, uma vez por semana. Sempre teve o hábito de falar com o pai com à hora de almoço desde o 5.º ano, e ligava-lhe do seu telemóvel e conversava com ele. A partir de certa altura, no 7.º ano, o pai dizia-lhe para ir a casa nos dias em que tinha a hora de almoço alargada e ela ia, pelo menos uma vez por mês. Pelo menos uma vez, de dois em dois meses, nesse período, acontecia terem relações sexuais, o que se prolongou até ao 9.º ano, no período das aulas. A partir do 10.º ano foi para a ... e deixou de ter tempo de ir a casa e a faculdade era mais longe e no 12.º ano deixou de acontecer com tanta frequência, mas tinham relações pelo menos uma vez de dois em dois meses. Durante as férias escolares não acontecia com tanta frequência, só aos fim-de-semana, mas pelo menos uma vez de dois em dois meses. Aos sábados mantinha-se a situação. A última vez que manteve relações sexuais com o seu pai foi cerca de duas semanas antes de apresentar queixa. Nas alturas em que tinham relações sexuais ele não a agredia. Uma vez, quando já estava na Faculdade ele agrediu-a durante um treino, no ..., bateu-lhe porque estava desconfiado que ela tinha alguém, tentou atingi-la com na cara e ao desviar-se ela caiu no chão e nessa altura ele deu-lhe pontapés que a atingiram na zona abdominal. Por volta do 9.º ano e no 10.º ano, quando foi para a escola de ..., o arguido agrediu-a por achar que ela tinha namorado. As agressões não aconteceram com muito frequência, pelo menos foram uma ou duas vezes por ano, ele tentava sempre atingi-la na cara, e agredia-a na face com chapadas de mão aberta. Em casa aconteceu ele tentar agredi-la e ela fugir. Reagiu mais do que uma vez quando ele tentava ter relações sexuais consigo e, nessas alturas ele afastava-se e dizia-lhe que ficava a pensar porque é que ela não aceitava, se tinha alguém. Aos fins-de-semana quando tinha competição isto não acontecia. A sua primeira menstruação foi aos 10 anos. Fora de casa aconteceu terem relações sexuais duas vezes numa pousada perto do aeródromo de ..., quando já estava na Faculdade, já tinha 18 anos. A sua mãe geralmente só tirava férias no final das férias escolares ou no inicio do ano letivo. Quando estavam de férias, nos meses de junho e julho acontecia terem relações sexuais uma vez em dois meses, porque os seus irmãos acordavam cedo, muitas vezes para fazerem algum programa.

- As declarações para memória futura prestadas em .../.../2022 pela ofendida CC (cfr. fls. 391, rfª. ..., disponíveis através de “Citius Media Studio”) aos quinze anos de idade, nas quais a mesma refere que sempre viveu na ..., com os pais, o irmão mais novo e as suas irmãs mais velhas. Houve um tempo em que os seus pais trabalhavam todos os dias da semana menos no domingo, mas isso mudou um bocado. Acha que os pais trabalhavam os dois no sábado, o pai também. A mãe saia mais cedo, de manhã e o seu pai saia por volta da hora do almoço. No sábado de manhã o seu pai estava normalmente em casa. A situação com o seu pai começou no 5.º ano, quando estava sozinha com ele, não tinha aulas a tarde e ele vinha para almoçar, ele começou com os toques indecentes, tinha 10 anos. Ele começou a tocá-la na vagina e depois continuou um tempo. Ele tocava por cima da roupa. Acontecia talvez duas ou três vezes por semana, ela fazia em todo o lado, cozinha, sala, nosso quarto, quarto dos pais, casa de banho. A maioria das vezes era quando estavam sozinhos, mas acontecia mesmo quando estavam pessoas em casa: o seu irmão estava na sala a jogar, ele chamava-a para o quarto e fechava a porta. Uma vez aconteceu com toda a gente em casa, ele chamou-a para a casa de banho. Aconteceu até ao 8.º ano, podia pôr a mão por dentro das suas calças, mas por dentro das cuecas não. Ficava à superfície. Nunca lhe fez mais nada a não ser isso. Nunca fez nada com o pénis dele. Quando ele se roçava nunca fez nada com o pénis. Ele não a deixava olhar, ele ejaculava para as suas pernas. Ele esfregava o pénis dele no meio das suas pernas, começou no 5.º ano e passou-se até ao 8.º ano, devia ter 13 anos. Passou-se entre os 10 e os 13 anos. Isto passava-se 2 a 3 vezes por semana. Ele apalpava-a por cima da sua roupa e esfregava-se nas suas pernas até ejacular. Não sabe porque é que ele parou aos 13 anos mas ficou aliviada. Parou antes dela fazer 14 anos, quando acabou o ano letivo. O relacionamento não continuou o mesmo, “meio que se afastaram”, já não eram tão próximos, ele começou a ignorá-la e afastou-se dela. As vezes dizia para ela se calar, dizia “shi” e deu-lhe um ultimato, disse “se tu contas alguma coisa a nossa amizade acaba” porque na altura ela e o seu pai eram melhores amigos. Isto acontecia sempre que dizia que não queria, mas nunca lhe bateu. Relativamente à BB nunca presenciou nada, ela nunca lhe contou nada. O seu pai e a BB davam-se bem, a BB tolerava o pai, eles sempre tiveram muitas discussões, ele chateava-a por coisas inúteis e fúteis e ela estava farta disso, o pai não a deixava fazer, controlava muito a BB e ela odiava isso e sempre tentou manter o pai afastado. Umas vezes tinham discussões pequeninas, por vezes ficavam chateados durante semanas sem falar um com o outro mas depois meio que faziam as pazes, porque a BB não queria que ficassem chateados. Nunca contou nada à mãe. Na altura do confinamento continuaram os abusos.

- As declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento o qual, em síntese, declarou que, em relação à sua filha BB, passavam muito tempo juntos, praticavam atletismo (400 metros planos e ela fazia 400 planos e barreira) e paraquedismo, eram federados, eram muito amigos, até um dia em que perdeu a cabeça e fez sexo com ela. Começou em 2016, tinham saído de ... do paraquedismo, num domingo e na segunda-feira tinha ido almoçar a casa e ela tinha o cartão da senha para o almoço na escola, abordou-a, ela não resistiu e consumou-se sexual. Isto passou-se em abril, faltavam uns dias para ela fazer 16 anos. Nunca agrediu a BB para este fim. Chateava-se com a BB por outras razoes, apesar de ter esta conduta, nunca deixou de ser pai, sentava-se com ela para fazer os TPC e quando não estava correto era verbalmente agressivo com ela. Houve uma vez (no 8.º ou 9.º ano) que viu uma mensagem no telefone da BB, de umas amigas, dizendo que “um preto devia lutar pelo menos uma vez na vida” e a partir daquele dia passou a ser mais rigoroso, metia mais limitações nas saídas, com quem ela falasse ou queria sair, sobretudo essa amiga que a incitava a lutar. Ela aborrecia-se. Quanto a agressões, podia agredi-la verbalmente, quando falava dizia asneiras, que não devia estar com essas pessoas. Fazia mais saídas familiares, quando ela queria sair com amigas, era só uma amiga que deixava que frequentasse a sua casa, filha de uma amiga da sua mulher. Já quanto a outra amiga e amigos da escola, limitava. É verdade que entrava na casa de banho, mas isso acontecia também com gente em casa, tinha uma relação muito aberta. Só quando tiveram relações sexuais pela primeira vez é que passou a dar-lhe abraços mais prolongados. A primeira vez que tiveram relações a BB estranhou, falou com ela, viu as expressões dela. Depois dela aceitar foi pacificamente, falou com ela, disse que podia fazer e ela não lhe respondeu, ela só acenou. Perguntou se queria ter sexo com ela acenou dizendo que sim, primeiro ficou apreensiva e depois acenou com a cabeça. Antes de terem a relação sexual falou com ela. Pediu para fazer e ela disse que sim. Continuaram a ter relações sexuais até à idade adulta, aos 22 anos dela, esporadicamente. Não era sempre, havia intervalos grandes, passavam semanas ou meses que não faziam nada. Não sabe precisar quantas vezes aconteceu num ano. Da primeira vez não estava ninguém em casa, acontecia sempre em casa, na maioria das vezes não estava ninguém. Tinham sempre competições aos fim-de-semana, raramente aos sábados. Quando não tinha competições ia trabalhar, de manhã saia as 7:30 horas ia almoçar a casa e voltava só as cinco horas. Os filhos ficavam com a BB. Quando ia para as competições com a BB levantavam-se os dois mais cedo, os filhos ficavam a dormir. A BB não tinha pausa para o almoço, quando ela se esquecia de tirar a senha ia a casa, não tinha pausa de duas horas. A primeira vez que tiveram relações ela era virgem. Não usava preservativo, ela fazia apontamentos na agenda, de ciclo menstrual, ela dizia, tinha essa preocupação. Não foi ele que disse para apontar as datas, não sabe se foi a mãe dela quando soube perguntava. Julga que a mãe não sabia que ela tinha iniciado a vida sexual. Quando estavam sozinhos iam para o quarto, ela despia-se a si própria, entravam no quarto e despiam-se. Ejaculava para fora. Só fizeram sexo vaginal. Ela nunca lhe fez sexo oral, nem ela a ela. Também a beijava. Já houve vezes em que ela negou e não fizeram, ela dizia que não lhe apetecia, reagia normalmente, aceitava, não. Ela não podia contar a ninguém. Lamenta muito, pede perdão. Sendo adulto atribui a culpa a si. A BB não reagia, simplesmente aceitava. O motivo pelo qual ela apresentou queixa deve-se à circunstância de não a ter deixado sair com uma amiga, a qual ligou para o telemóvel dela, que ela atendeu porque estava perto do mesmo. Houve uma situação em tiveram relações sexuais, sexo vaginal, na sala porque estava gente em casa, os outros filhos, mas estavam a dormir. Relativamente aos factos do ponto 20) não se recorda. Houve sexo na casa de banho uma ou duas vezes. Só mantinham relações no quarto, em nenhum compartimento para além do quarto e da casa de banho. Havia dias em que ia almoçar em casa e outros ia almoçar ao trabalho, não tinha dias certos. A BB chumbou um ano, acha que foi o 8.º ano, acha que foi em 2015, a reprovação não teve nada a ver com isto, foi porque ela não se aplicou. Quando a BB foi para a Faculdade ele já não controlava, só falava com ela, para ter cuidado com as amizades, para não acontecer o que aconteceu com a amiga dela. Eram muito chegados, eram muito amigos, ele empurrava e batia, em tom de brincadeira. Os pontos 4 a 9 da acusação não são verdade nessa altura. Houve uma primeira tentativa em que não concretizaram, falou com ela, estavam na sala, depois foram para o quarto, despiram-se, ele tentou mas não concretizou porque desistiu, ela não empurrou nem gritou. Foi antes dela fazer os 16 anos que começaram as tentativas. Não introduziu parcialmente o pénis, desistiu, já estavam despidos, parou disse para saírem do quarto. Da segunda vez teve a conversa com ela outra vez, disse-lhe para irem para o quarto fazerem sexo, não se lembra da conversa. Nem sempre quando ia a casa a hora de almoço e a encontrava mantinha relações sexuais com ela. Teve estes contactos com a BB (e não com as outras filhas) porque passavam muito tempo juntos. O telemóvel estava ao pé de si, então atendeu o telefone a sua filha para não se desligar. A BB era a sua filha mais próxima. Nunca teve relações sexuais com a sua filha fora de casa porque estavam sempre em grupo. Não concretizou as primeiras vezes porque tinha peso na consciência, só quando estavam seminus. Ela nunca se queixou. Ela não queria, mas ele convencia-a, falava com ela, por força dos seus argumentos. Podia acontecer de manhã, acordavam mais cedo, aos sábados de manhã, mesmo durante o período de ferias escolares. Não sabe se chegou a manter trezentas relações sexuais com a BB, acha que não chegou a trezentas e tal. Não mudou pelo facto da BB fazer 18 anos, não aumentou a frequência das relações sexuais. Teve conhecimento da queixa mais tarde, por intermédio da mãe dela, ela contou a mãe. Quando ela apresentou queixa já não se envolviam. Quando ela chegou a casa ela perguntou se de facto ela tinha apresentado queixa contra ele e ela disse que sim. Ajudaria acompanhamento. Comprou a arma para pôr termo a vida mas a sua filha não sabia. Nunca teve nenhuma conversa com ela para ela tirar a queixa. Relativamente à sua filha CC, nunca lhe fez nada por isso discorda desta acusação.

- O depoimento da testemunha DD, a qual declarou, em síntese, que viveu em união de facto com o arguido desde 1996 e na mesma morada há cerca de 20 anos, pelo menos desde abril de 2003. Viveram os cinco, na mesma casa, ela o arguido e as três filhas de ambos. O arguido tem mais duas filhas mais velhas que não residem consigo. A filha mais velha não residiu com eles, só passava férias. Em 2013 ainda não trabalhava como auxiliar, trabalhava na restauração. Costumava trabalhar ao sábado, logo de manhã, entrava às oito e saía às seis e meia, sete horas, sendo que estes horários se mantiveram durante doze anos. O arguido não trabalhava sempre aos sábados, por conta própria podia trabalhar, se fosse por conta de alguém não trabalhava aos sábados. Quando trabalhava ao sábado entrava sempre mais tarde que ela, por volta das dez horas e estava despachado às dezassete horas. Quando ele tinha de trabalhar os filhos ficavam sozinhos, a BB devia ter uns 12 anos. A BB andou na escola ..., depois do 10.º ao 12.º ano mudou de agrupamento para .... Ela chumbou no 7.º ou no 8.º ano. Sabe que quando chegou ao 7.º até ao 9.º ano havia alturas em que ela não almoçava na escola, conseguia ir a casa porque entrava mais tarde. As vezes o seu marido também ia almoçar a casa, quando tinha trabalhos no ... ele não levava almoço. Todos os seus filhos andaram na .... De momento não mantem a relação com o arguido. Infelizmente não sabia de nada até a data em que a sua filha fez a denuncia do pai. Depois de estar na esquadra ela telefonou para si a dizer que tinha ido fazer queixa do pai. Ela disse-lhe que tinha feito queixa ao pai por conta de troca de palavras. Tiveram uma pequena discussão, ela dizia que queria sair e ele, naquele dia, não deixou porque a menina não lhe disse nada a ele. Disse ao arguido que ela tinha 22 anos. O arguido atendeu o telefone quando a amiga ligou e ele entendia que ela lhe devia ter pedido autorização para saírem. Talvez o arguido tenha falado em tom de voz alterado mas não chamou nomes à BB. Como o pai falou em tom de ameaça, foi apresentar queixa por violência doméstica. Foi à esquadra buscá-la para tentar perceber, em seguida foram para um descampado em que ela lhe contou tudo a chorar o que o pai lhe fazia nas suas costas. Ela disse-lhe que devia ter 14 anos quando começou a acontecer. Começou então a perceber aquela implicância do arguido com a BB, em cima dela, mais com ela, pensava que era por ser mais velha. Aconteceu algumas vezes o arguido entrar na casa de banho, por exemplo, mas achava o comportamento normal. Depois de ter conversado com BB, confrontou o arguido e ele primeiro negou e depois confrontou-o com a BB, ele ainda tentou negar e a BB disse que já lhe tinha dito tudo e ele não disse mais nada. O arguido não falou com ela para desistir da queixa. A BB disse que o inspetor lhe disse que não ia dar em nada porque ela já devia ter apresentado queixa há mais tempo, talvez ela tenha pensado que ele a podia deixar em paz. No dia 13/10, a segunda vez que a BB foi chamada que ele pensava que ia haver uma desistência de queixa, telefonou para ela e disse que queria ir para casa de uma tia mais velha. Disse ao arguido que a BB tinha sido chamada pela segunda vez e que tinha sido ouvida e foi nesse dia que ele fez isso (deu um tiro). Como aquilo aconteceu com a BB, falou com as outras meninas, dessas conversas resultou que ele tinha tentado alguma coisa com a EE, ele negou e depois caiu em si. A CC é mais pequena, não sabia como havia de perguntar, no caminho de casa, disse que ia fazer uma pergunta difícil, mas que não queria que ela lhe escondesse nada. Depois perguntou-lhe se o arguido tinha tido alguma brincadeira com ela e ela disse que ele tocava nela nas partes genitais. Disse que às vezes tinham brincadeira de se porem todos em cima do pai, havia vezes que ele fazia essas brincadeiras só com ela, às vezes no quarto, ela fazia cavalitas e nessas alturas sentia ele roçar em si. Referiu ainda que fez uma vez na casa de banho, o pai chamou-a ou encontrou-a na casa de banho, tocou nela e beijou-a na boca e sentiu o pai colocar a mão na vagina. Depois dela ter contado isso, disse que ia conversar com o pai, pedir-lhe para se afastar, e que para ela lhe contar logo se acontecesse qualquer situação. Viu o pai dar bofetadas na BB, numa situação que aconteceu na escola. Mas quando aconteciam estas discussões nunca estava em casa. Houve vezes em que o arguido bateu na BB na sua ausência, quando chegava a casa tinha conhecimento. Geralmente acontecia quando ele achava que ela estava a mentir. A BB não podia ter eventos sociais, o arguido, as vezes controlava o telemóvel dela. Acha que ela nunca namorou. Achava que era timidez dela mas agora acha que era por medo do pai. A BB e o arguido andavam no atletismo no ..., eram atletas, as provas eram aos fim-de-semana e eles iam os dois. As vezes foi assistir com eles, às provas da BB. Hoje em dia não tem contactos com o arguido, nem nenhuma das filhas, só a EE é que pergunta por ele. Dizia às suas filhas para terem um caderno para anotar os dias da menstruação. No primeiro ano da faculdade o arguido ainda controlava o telemóvel da BB. Antes de repetir o ano a BB tinha boas notas. As suas filhas não têm amizades, não têm muitas amigas que lá vão a casa. Ela tinha preocupação com os estudos dos filhos. A BB disse-lhe que tinha vergonha e que tinha medo da reação dela, que se chateasse com ela. Que estava habituada e não queria chatices com o pai. Nas declarações que prestou anteriormente não afirmou que a BB gostasse de manter relações sexuais com o pai, não disse isso por essas palavras, mas que não se retraia, julga que ela se habituou de ter relações com o pai, quando o pai a chamasse para isso.

Apreciando.

Tendo presente o manancial probatório produzido e examinado em audiência de discussão e julgamento, entende-se que não poderão subsistir quaisquer dúvidas quanto à positividade dos factos dados como assentes.

Os factos constantes dos pontos 1) e 2), foram genericamente reconhecidos pelo arguido, sendo que a prova da filiação e idade das ofendidas resulta do teor dos assentos de nascimento de fls. 624 e 625.

No que concerne à relação entre o arguido e a sua filha BB factos dos pontos 3) a 27) - o Tribunal ponderou e examinou critica e minuciosamente as declarações áudio prestadas pela ofendida, em .../.../2022, bem como os esclarecimentos que prestou em audiência de discussão e julgamento em .../.../2023, num relato que se reputou como espontâneo e sincero, apresentando diversos indícios de veracidade, designadamente, fazendo descrições concretas dos locais, notando-se que a mesma revelou cuidado na descrição das situações em que mantinham relações sexuais, restringindo as suas respostas quanto à periodicidade em que esses atos tinham lugar (distinguindo os períodos de férias escolares e quando mudou de estabelecimentos de ensino); respondeu de forma restritiva a determinadas questões que prejudicariam o arguido.

A credibilidade das declarações da ofendida BB surge ainda reforçada pelo teor do relatório de perícia médico-legal (relatório psicológico) elaborado em .../.../2022 (cfr. fls. 381 a 386), no qual se refere que a mesma “solicitada a clarificar as práticas que descreve como abuso sexual “(…) o meu pai apalpava-me, sexo oral, os dois e penetração vaginal… se houvesse alguém em casa era quando os meus irmãos estavam a dormir e quando a minha mãe saía para o trabalho (…) nunca contei a ninguém…ele ameaçava que se eu me envolvesse com alguém me mandava para o hospital… quando achava que eu andava metida com alguém batia-me… não houve ameaças para contar… era mais controlador comigo, não podia falar com muita gente e também não saía muito… só saía com ele ou todos em família… não podia sair com amigas (sic). Questionada sobre o eventual uso de algum método contracetivo relata que “(…) não usava nada, ele controlava o meu ciclo menstrual” (sic).

Mais se salienta que a ofendida BB:

- Se mostra “disponível e recetiva face ao processo de avaliação. Mantém uma interação adequada com a perita, executando com empenho e interesse todas as tarefas solicitadas”;

- “Apresenta um perfil cognitivo compatível com o esperado para o grupo etário”, identificando-se “competências adequadas para percecionar e interpretar acontecimentos bem como aptidões mnésicas que lhe permitem evocar experiências por si vividas”, não observando a perita médica “suscetibilidade para fantasiar sobre a realidade”;

- “Apresenta dificuldades de internalização e um perfil de personalidade marcado pela suspeição, desconfiança, sentimentos de inferioridade, inibição, falta de auto-estima e de auto-confiança, distanciamento afetivo e dificuldade em estabelecer vínculos afectivos. Apresenta confusão mental, afeto inapropriado e depressão, apatia, irritabilidade e isolamento social bem como problemas de concentração e memória, medos e fobias”, com “uma intensificação dos sintomas (geradora de incapacidade) na sequência de fatores stressantes”;

- “Apresenta pouca confiança em si, característica associada aos antecedentes de humilhações e castigos desadequados durante a infância, que impediram o desenvolvimento de uma auto-estima ajustada. Este tipo de perfil de personalidade está associado a experiências de pouca supervisão e/ou hostilidade por parte dos cuidadores principais durante o percurso de desenvolvimento”;

- “Apresenta sintomas de desajustamento, designadamente ansiedade e depressão”, identificando-se “um quadro clínico compatível com perturbação de stresse pós-traumático associado à experiência perturbadora e potencialmente traumática de ter presenciado a tentativa de suicídio do progenitor na sequência da formalização da denúncia, por si efetuada, de vitimação por abusos sexuais alegadamente perpetrados pelo seu pai durante vários anos.

Do exposto resulta que a Sra. Perita Médica considera que a ofendida não só tinha capacidade (capacidades cognitivas - intelectuais e de memória) para relatar os acontecimentos como não se revela suscetível a fantasiar sobre a realidade. Por outro lado, também ressalta dessa avaliação que a ofendida apresenta características pessoais que são normalmente associadas aos antecedentes de humilhações e castigos desadequados.

Essa credibilidade sai reforçada ainda através do depoimento prestado pela sua progenitora, DD, a qual, apesar de ter afirmado não ter conhecimento anterior acerca do comportamento do arguido, não revelou qualquer incredulidade acerca dos factos denunciados pelas suas filhas, designadamente pela BB, referindo até que os mesmos vieram a esclarecer ou lançar luz quanto a alguns dos comportamentos que o arguido adotava quanto à filha mais velha, designadamente o controlo excessivo que exercia sobre ela.

Finalmente, o próprio arguido reconheceu ter mantido contactos sexuais com a sua filha BB, embora reportando o primeiro a uns dias antes da mesma completar 16 anos e os seguintes a datas posteriores a essa idade, admitindo terem consumado relações de cópula vaginal até à idade adulta da mesma, aos 22 anos, em casa.

Concretizando.

Assim, no que se refere ao inicio dos contactos de natureza sexual com o arguido factos dos pontos 3), 4) e 5) - a ofendida começou por referir, quer nas declarações para memória futura e mesmo em audiência de discussão e julgamento, que os mesmos se iniciaram quando tinha 14 anos de idade. No entanto, quando lhe foram solicitados, na audiência de julgamento, esclarecimentos acerca do ano de escolaridade que frequentava quando tais comportamentos se iniciaram a ofendida afirmou, de forma expressa e sem qualquer indício de incerteza, que os mesmos tiveram lugar quando ainda não tinha começado o ensino de línguas estrangeiras, concluindo que estaria a frequentar o 5.º ou o 6.º ano de escolaridade. Por seu turno, quanto à idade que tinha nesse ano, a mesma afirmou ter iniciado a escolaridade aos seis anos de idade, pelo que não podia ter mais do que 11 ou 12 anos de idade, recordando-se que teve lugar depois do aniversário da sua irmã CC. O Tribunal valorizou essas declarações para fixação dos correspondentes factos, na medida em que a subsequentemente ofendida explicou, de forma credível e verosímil, que o motivo pelo qual sempre havia afirmado que o primeiro ato sexual com o arguido teria ocorrido quando tinha 14 anos de idade se devia ao facto dela própria já não se recordar que idade tinha e o arguido lhe ter dito que teria essa idade.

Assim, tendo em consideração as declarações da ofendida BB e sendo certo que CC celebra o seu aniversário em ..., conclui-se que a primeira situação relatada pela mesma teve lugar, pelo menos, quando ela frequentava o 6.º ano de idade, então com 12 anos de idade. Relativamente ao primeiro contacto descrito, a ofendida referiu que não sabia se o seu pai tinha conseguido introduzir o pénis completamente, mas que lhe doeu, motivo pelo qual se concluiu que, pelo menos, parcialmente, o terá introduzido. Mais afirmou sempre, quer em audiência de discussão e julgamento quer nas declarações para memória futura que disse ao seu pai para parar e que este lhe desferiu uma chapada ou bofetada com a mão aberta.

Relativamente aos demais contactos de natureza sexual mantidos com o seu progenitor, a ofendida BB explicou que os mesmos tiveram lugar ao longo dos anos, até apresentar queixa, quando tinha 22 anos, com periodicidade variável.

Considerando as declarações da ofendida, quanto ao primeiro contacto sexual que o arguido manteve com ela, o qual culminou com uma agressão física violenta na face, bem como a menção que fez a algumas situações em que recusava a manter relações ou reagia e o seu pai lhe batia ou então zangava-se consigo, não subsistiram dúvidas no Tribunal de que, em todas as ocasiões, o arguido manteve relações sexuais de cópula ou sexo oral contra a vontade da ofendida, sendo que a mesma deixou de reagir porque compreendeu que o arguido se zangava com ela se se recusasse a manter consigo esses contactos.

Tal resultou manifesto das declarações da ofendida BB, nas declarações para memória futura que prestou, quando referiu (quanto ao sexo oral) que “tinha de fazer nele” (sic), acontecendo por vezes “ela não querer e ele bater-lhe” e que como não era a primeira vez que o arguido a ameaçava e porque tinha durante muito tempo o hábito de lhe bater e à sua mãe, “deixou de lutar contra” (sic). Por sua vez, em audiência de discussão e julgamento, apesar de ter referido que, quando tinham relações sexuais, o arguido não a agredia, também afirmou que reagiu mais do que uma vez quando ele tentava ter relações sexuais consigo e, nessas alturas, o arguido se questionava acerca do motivo pelo qual ela não aceitava e se tinha alguém, o que a levava a aceitar esses contactos.

Acresce que o próprio arguido, a este respeito, disse expressamente que a ofendida “não queria”, mas que ele a convencia e acabavam por manter relações, “por força” dos seus “argumentos” (sic), o que evidencia o reconhecimento de que praticava esses factos contra a vontade da mesma.

Deste modo, adquiriu-se a convicção que a ofendida suportou, a partir desse primeiro contacto sexual em que a agrediu, os atos de cópula vaginal ou oral com o arguido ou porque este a subjugava fisicamente, batendo-lhe (conforme fez na primeira ocasião e mais tarde, de acordo com o que a ofendida referiu espontaneamente nas declarações para memória futura) ou porque a constrangia a praticar esses atos, zangando-se com ela quando os não aceitava, sob o pretexto de que a mesma mantinha alguma relação amorosa, o que a ofendida receou, pelo temor que tinha, atenta a sua relação filial e a autoridade que o arguido sobre ela exercia – factos que se positivaram no ponto 6).

Os factos que se sucederam, descritos nos pontos 7) e 8) foram descritos pela ofendida BB, nesses termos, nas declarações para memória futura e em julgamento, explicando que ocorreram passadas algumas semanas do primeiro contacto sexual e que, como sangrou, pensou que se tratasse o período menstrual, mas que acabou por concluir que foi nesse dia que “perdeu a virgindade”. Note-se que o próprio arguido reconheceu que, quando manteve pela primeira vez relações sexuais com a sua filha BB ela ainda era virgem (embora afirmando que nessa altura a mesma já tinha 16 anos).

No que respeita aos factos descritos no ponto 9), a ofendida BB, nas declarações para memória futura, refere que, por volta dos seus treze anos, o seu pai começou por se roçar em si, dando-lhe abraços de namorados, apertados”, que a observava no banho, abraços mais demorados, palmadas no rabo”, comportamentos que, conforme referiu a ofendida, a incomodavam e que apenas poderiam ter como objetivo que o arguido obtivesse algum estimulo sexual, uma vez que, para além da descrição feita pela ofendida (designadamente referindo-se a “abraços de namorados”), não poderá ser reputado como natural ou comum este tipo de contactos físicos de um pai para uma filha.

Relativamente aos ulteriores contactos de natureza sexual que manteve com o seu pai, de cópula vaginal e oral, a ofendida BB para além de os mencionar expressamente nas declarações para memória futura, em audiência de discussão e julgamento prestou ainda alguns esclarecimentos complementares relativamente à periodicidade com que tiveram lugar.

Assim, primeiramente, referiu que esses contactos tinham lugar aos sábados de manhã, quando a sua mãe saia para ir trabalhar, voltando a suceder o mesmo quando o arguido a chamava para o seu quarto. Explicou ainda que esses factos tiveram lugar pelo menos uma vez por mês, no período escolar, até ao 9.º ano de escolaridade, tendo ela reprovado no 8.º ano de escolaridade, sendo que, a partir do 10.º de escolaridade foi para outra escola, pelo que as relações sexuais deixaram de ter tanta frequência, mas pelo menos sucediam uma vez de dois em dois meses.

Assim sendo, concluiu-se, a partir da ponderação das declarações da ofendida BB que, desde a data em que completou 14 anos de idade (em .../.../2014) ( Sendo que os factos ocorridos antes desta data não foram tidos em consideração por não se encontrarem descritos na acusação e conduzirem a uma alteração substancial de factos, a qual foi comunicada pelo Tribunal, sendo que o arguido se opôs à continuação do julgamento por estes novos factos, nos termos do artigo 359.º do Código de Processo Penal.), até iniciar o 10.º ano de escolaridade (em .../.../2016, em conformidade com o calendário do ano letivo de ...1.../2017), durante o período escolar, teve, pelo menos uma vez por mês, relações sexuais com o arguido, sendo que, no período das férias escolares, esses factos tinham lugar uma vez em cada dois meses conforme consta dos pontos 10) a 12) e que a partir do 10.º ano de escolaridade esses contactos sexuais, aos sábados, ocorriam, pelo menos, uma vez de dois em dois meses conforme se positivou nos pontos 18) e 19).

O arguido reconheceu parcialmente estes factos, na medida em que admitiu que manteve relações sexuais com a ofendida a partir dos seus 16 anos de idade, designadamente aos sábados de manhã, mesmo no período das férias escolares.

No que concerne aos factos descritos nos pontos 13) a 17), a convicção do Tribunal assentou nas declarações prestadas pela ofendida BB, quer em declarações para memória futura, quer em audiência de julgamento, em que esclareceu acerca da periodicidade com que o arguido a abordava no período da hora de almoço, a partir do 7.º ano de escolaridade ( Também neste particular não se consideraram os factos ocorridos antes de .../.../2014 por não se encontrarem descritos na acusação e conduzirem a uma alteração substancial de factos, a qual foi comunicada pelo Tribunal, sendo que o arguido se opôs à continuação do julgamento por estes novos factos, nos termos do artigo 359.º do Código de Processo Penal.), referindo que as relações sexuais ocorriam, pelo menos, uma vez, de dois em dois meses.

Note-se, a este propósito, que o próprio arguido admite ter mantido com a ofendida BB relações nesse período (a partir dos 16 anos da ofendida), embora referindo que “nem sempre” mantinham relações sexuais quando ela ia a casa à hora do almoço.

A ofendida referiu ainda que, a partir do ano de ... e quando foi para a Faculdade, as relações sexuais com o arguido deixaram de ter a mesma regularidade, não tendo a mesma conseguido enumerar o número de vezes ou a periodicidade desses contactos, mas não deixando de referir que os mesmos se mantiveram – tendo, a partir da ponderação dessas declarações, se dado como provado os factos do ponto 20).

No que se refere ao último contacto sexual com o arguido, a ofendida BB relatou-o em sede de declarações para memória futura e em audiência de julgamento, reportando-o temporalmente a duas semanas antes de apresentar queixa. Ora, considerando que a única situação em que a ofendida apresentou queixa foi em .../.../2022 (cfr. fls. 30 do apenso A), conclui-se que tal terá ocorrido entre ... de ... de 2022, quando a mesma já tinha completado 22 anos de idade. O Tribunal baseou-se e ponderou igualmente as declarações para memória futura, bem como o teor do auto de denuncia de fls. 30-A para formar convicção positiva quanto aos factos descritos no ponto 21).

No que respeita ao facto enunciado no ponto 22) o próprio arguido admitiu não usar preservativo quando mantinha relações sexuais com a sua filha BB.

Quanto ao facto mencionado no ponto 23), decorre das declarações prestadas pela ofendida BB que era o arguido que a fazia apontar num caderno as datas em que era menstruada e controlava o seu ciclo menstrual, sendo que a mãe da ofendida também confirmou que ela tinha esse caderno, onde lhe dizia para apontar essas datas.

No que respeita aos factos descritos nos pontos 24) a 27), os mesmos foram relatados pela ofendida BB, a qual, nas declarações para memória futura, que o arguido, se suspeitava que ela andava com algum rapaz da escola, podia zangar-se ou bater-lhe “dependendo do humor dele”, e que durante muito tempo tinha o “hábito” de lhe bater, sendo que, em audiência de discussão e julgamento, afirmou que o arguido a agredia pelo menos uma ou duas vezes por ano, sendo que tentava sempre atingi-la na cara e muitas vezes ela fugiu. Explicou ainda que tal sucedeu quando estava no 9.º ou no 10.º ano, quando estava na ... e noutra ocasião, quando estava na Faculdade, no ..., o que fez dando-lhe pontapés na zona abdominal, depois dela se ter desequilibrado e caído ao chão por se ter desviado quando ele a tentou agredir na cara. Considerando a forma espontânea, mas segura como a ofendida prestou tais declarações, o Tribunal não teve dúvida em considerar positivamente os factos pela mesma narrados.

De resto, as declarações da ofendida BB acabam por ser, pelo menos parcialmente, corroboradas por DD que também fez menção a uma situação em que BB levou uma bofetada devido a uma situação ocorrida na escola, tendo tido conhecimento de outras situações em que o arguido bateu nela na sua ausência, quando chegava a casa, sendo que chegou a falar com o arguido a propósito do controlo que ele exercia sobre a mesma, mas que, apesar disso, ele mantinha o controlo do telemóvel dela no primeiro ano da faculdade.

Por seu turno, todo o discurso do arguido, tentando fazer crer que os contactos de natureza sexual com a sua filha BB tiveram lugar pacificamente, depois dele ter falado com a sua filha, só se tendo concretizado depois da mesma ter completado dezasseis anos, não só não assumem credibilidade, no confronto com os demais meios de prova, como, por si só, na medida em que, tendo presente a relação de ascendência que o arguido tinha sobre a sua filha, certamente não seria necessária toda a aludida argumentação para concretizar os seus intentos.

Por seu turno, não nos assistem dúvidas de que o arguido não poderia desconhecer a falta de voluntariedade da ofendida em manter consigo contactos sexuais, sobretudo tendo em conta que o primeiro ato sexual, de cópula vaginal, teve lugar, de acordo com o relato da ofendida, quando a mesma tinha apenas 12 anos de idade e não tinha ainda mantido relações sexuais com qualquer outra pessoa, tendo-se prolongado no tempo de forma velada e secreta.

Na verdade, não assume qualquer verosimilhança, à luz das regras da experiência comum, a suposição de que o arguido avaliasse como minimamente consensual a manutenção de uma relação que envolvia a sua mera satisfação sexual, quando, por um lado, a relação se iniciou quando a ofendida era menor de idade - não tendo por conseguinte, capacidade de autodeterminação nesse âmbito - e por outro, ele se encontrava numa posição de autoridade e ascendência em relação à ofendida, sua filha, autoridade esta que o arguido exercia, proibindo-a de sair e estar com amigos e até controlando o seu ciclo menstrual.

Aliás, o próprio arguido acabou por reconhecer que a sua filha não pretendia consumar as relações sexuais consigo e que ele a convencia por força dos seus argumentos, o que acaba por se tratar de um reconhecimento, não só da falta de voluntariedade da ofendida, como também de que os contactos sexuais ocorriam apenas para satisfação dos seus impulsos e intentos sexuais.

Por seu turno, as suas declarações contrastam com o depoimento de BB, que não revelou nas suas declarações pretender empolar nem agravar o comportamento do arguido, tendo-se, aliás, cingido, num momento inicial, a reportar o inicio dos contactos com o seu pai ao momento por ele próprio definido.

Assim sendo, o Tribunal considerou o depoimento prestado pela ofendida BB como verdadeiro e sincero e valorou positivamente todos os factos por esta relatados.

No que se refere aos factos descritos nos pontos 28) a 31), relativamente à ofendida CC, os mesmos foram relatados por esta, de modo claro, convicto, coerente, pormenorizado e espontâneo, e por estes motivos persuasivo, nas declarações para memória futura que prestou em .../.../2022.

Com efeito, CC explicou detalhadamente o contexto, os locais, a periodicidade e a forma como o arguido a abordou, a partir dos dez anos de idade, quando estava no 5.º ano até ao seu 8.º ano, quando tinha 13 anos de idade, afirmando que colocava a mão por dentro das calças mas não das cuecas e rocando-se até ejacular, demonstrando alívio por ele ter cessado esse comportamento, antes de fazer 14 anos, isto é, pelo menos até aos seus 13 anos de idade.

A credibilidade do relato da ofendida CC é ainda sustentada pelo teor do relatório de perícia médico-legal (relatório psicológico) elaborado em .../.../2022 (cfr. fls. 373 a 378), o especifica, quanto ao relato da mesma que “Relativamente às práticas desadequadas que o pai terá tido consigo a examinanda descreve “(…) eram toques indecentes… começou no 5º ano e acabou no 8º ano… no 9º ano disse à minha mãe … tocava-me na vagina sem o meu consentimento, às vezes dentro das calças, às vezes fora das calças”(sic). Indagada sobre o que, na sua opinião, terá contribuído para a cessação destes comportamentos afirma “(…) não sei, sinceramente” (sic). Solicitada da detalhar o momento da revelação descreve “(…) nem fui eu que iniciei a conversa, foi a minha mãe… nesse dia não fui à escola e fui com a minha mãe para o trabalho … ela perguntou… primeiro disse que não e ela insistiu e depois cedi, contei” (sic). Indagada sobre como o progenitor enquadrava as práticas mantidas com a examinanda relata “(…) ele dizia que era segredo, que íamos levar para a cova, que era uma brincadeira, que não era para dizer a ninguém porque podiam ficar com a ideia errada… ele dizia: - Se contares a nossa amizade acaba! (…) e eu valorizava muito a nossa amizade, éramos os melhores amigos” (sic).

Por seu turno, de sede de conclusões, o referido relatório pericial refere que a ofendida CC:

- “Se mostra disponível e recetiva face ao processo de avaliação”;

- “Mantém uma interação adequada com a perita executando todas as tarefas solicitadas”;

- Na dimensão cognitiva “apresenta um desempenho intelectual compatível com a média esperada para a idade”;

- Apresenta “competências adequadas para percecionar e interpretar acontecimentos bem como aptidões mnésicas que lhe permitem evocar experiências por si vividas”;

- Não apresenta sinais de “suscetibilidade para fantasiar sobre a realidade”;

- “Apresenta um perfil de personalidade marcado pelo não conformismo, impulsividade e imprevisibilidade, bem como uma atitude de desconfiança em relação ao mundo que é percecionado como frio e perigoso”;

- Apresenta também “alterações emocionais com início após os factos que determinaram o inquérito em curso, bem como sintomatologia compatível com um quadro clínico de perturbação de stresse pós-traumático, com impacto na funcionalidade da examinanda”.

Resulta, pois, da avaliação psicológica da ofendida CC que a mesma fez o relato das situações de forma essencialmente convergente com aquela a que se reportam as declarações para memória futura, tendo competências cognitivas e de memória para produzir tal relato, o qual não revela indícios de ter sido efabulado.

Deste modo, deverá considerar-se, perante as considerações e conclusões da avaliação psicológica da ofendida CC, que as suas declarações são merecedoras de crédito.

Essa credibilidade sai reforçada também através do depoimento prestado pela sua mãe, DD, a qual, a este propósito, refere que questionou a sua filha, de forma não sugestiva (perguntando se o arguido tinha tido alguma brincadeira com ela), sendo que a mesma relatou algumas situações abusivas, designadamente que ele tocava nela nas partes genitais, que sentia o seu pai roçar em si nas brincadeiras que faziam e também fez menção a uma situação em que o pai, na casa de banho a beijou e colocou a mão na sua vagina.

Neste contexto, as declarações do arguido, que negou genericamente os factos que lhe foram imputados, limitando-se a discordar dos mesmos, não assumiram qualquer relevância, nem permitiram ao Tribunal adquirir convicção diversa, uma vez que, através das mesmas, não foi possível obter qualquer explicação alternativa plausível para o comportamento e imputações feitas pela ofendida CC.

Com efeito, depois das revelações feitas pela sua irmã BB e do impacto negativo que as mesmas tiveram no seio familiar, nenhum motivo teria a menor CC para fazer denúncias desta gravidade, que, como era previsível, levaram ao afastamento do arguido.

Deste modo, os referidos factos basearam-se nos aludidos meios probatórios, tendo como ponto de partida as declarações para memória futura prestadas pela ofendida em .../.../2022, valoradas em conjugação com o relatório de avaliação psicológica de .../.../2022 e com o aludido depoimentos da testemunha DD prestado em audiência de discussão e julgamento, que se reputou como credível e persuasivo, dado que foi prestado de forma espontânea, lúcida, convicta, assertiva, coerente, sincera e descomprometida.

No que concerne à convicção acerca da atitude interior do arguido no cometimento dos factos pontos 32) a 35) mostra-se evidente que este não podia desconhecer a censurabilidade destes comportamentos, consciência que corresponde a um conhecimento que qualquer cidadão possui e que o arguido não podia deixar de ter, considerando a natureza dos factos que praticou, a relação parental e de proximidade que mantinha com ambas as ofendidas, suas filhas, com as quais coabitava, a sua forte censura ética e social, bem assim como a sua idade, escolaridade e experiência profissional.

O universo fáctico respeitante às condições pessoais do arguido estribou-se no teor do relatório social do arguido, elaborado pela D.G.R.S.P. a solicitação do Tribunal (cfr. fls. 657 a 658), o qual foi submetido a contraditório em audiência de discussão e julgamento.

A ausência de antecedentes criminais do arguido foi atestada pelo teor do seu Certificado de Registo Criminal atualizado (cfr. fls. 641).

*

Quanto à materialidade negativamente ajuizada, cumpre referir que a resposta do Tribunal se deve ao exame crítico do relato da ofendida BB nas declarações para memória futura prestadas em .../.../2022 e nas declarações que prestou em audiência de discussão e julgamento.

Com efeito, no que se refere ao período em que teve lugar a situação referida no ponto 7) e 8), tendo presente que a ofendida BB referiu que a mesma teve lugar algumas semanas depois o primeiro contacto sexual, que ocorreu quando a mesma frequentava o 6.º ano de escolaridade, sendo certo que, conforme decorreu das suas declarações, frequentou esse ano de escolaridade quando tinha 11 e 12 anos de idade, forçoso se mostra concluir que estes factos não poderão ter sucedido depois da mesma completar 14 anos de idade.

Deste modo, necessário se mostrou considerar negativamente a aludida factualidade.

*

Apreciação

10. Como se referiu anteriormente, importa apreciar a questão da pena única (15 anos de prisão), que o recorrente considera excessiva e desproporcionada.

Para o efeito argumentou, em síntese, que a pena única aplicada revelou um rigor agravativo inadequado ao caso e às condições do arguido (particularmente circunstâncias atenuativas apuradas que foram pouco valoradas a seu favor), mostrando-se contrária às regras da experiência, sobrepondo-se excessivamente às necessidades da sua reintegração social, fim primacial da pena, razão pela qual deveria ser reduzida para o dobro do limite mínimo da moldura do concurso.

Ora, a propósito da determinação da medida da pena única, escreveu-se no acórdão do TRL sob recurso:

(…)

Voltando ao caso dos autos, o acórdão recorrido fundamentou a aplicação ao arguido das penas em apreço pela seguinte forma:

Da pena unitária

Atentos os crimes imputados e preenchidos pelo arguido, dir-se-á que estamos perante um concurso efetivo, verdadeiro ou puro, em que a ilicitude de um dos tipos legais não abrange a ilicitude contida no outro, pelo que as duas normas concorrem paralelamente na aplicação concreta.

Ora, esta aplicação concreta, tem lugar na nossa lei, através do sistema do cúmulo jurídico, consagrado no artigo 77.º do Código Penal.

De acordo com este preceito legal, dever-se-á proceder à fixação das penas parcelares respeitantes a cada um dos crimes em concurso. Posteriormente, somam-se as penas parcelares e obtém-se o limite superior da moldura abstrata aplicável, dentro dos limites absolutos agora expressamente previstos no n.º 2. O limite mínimo é constituído pela mais grave das penas parcelares fixadas.

Encontrada desta forma a moldura abstrata, a pena única é determinada, nos termos da última parte do n.º 1, isto é, considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, assim se respeitando o essencial da pena unitária.

Considerando os parâmetros a que alude o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, entende-se que se deverá salientar, com relevância para a determinação da pena única a aplicar ao arguido:

- O arguido tem 51 anos de idade;

- Os factos praticados pelo arguido contra a autodeterminação e à liberdade sexual da ofendida BB foram realizados diariamente, num período temporal relativamente longo (que se prolongou por cerca de dez anos), tendo caráter invasivo (cópula vaginal e oral), atenta a natureza dos ilícitos praticados, tendo sido cometidos de forma essencialmente homogénea e quanto à ofendida menor CC também se prolongaram por um período de tempo considerável (cerca de três anos), sendo menos intrusivos (com apalpação vaginal sobre as cuecas e toque do pénis até ejaculação, por cima da roupa da menor), também de modo essencialmente homogéneo;

- Com o seu comportamento o arguido revelou a mais profunda indiferença pelo desenvolvimento psicológico das suas filhas, o que evidencia qualidades muito desvaliosas da sua personalidade, sendo que apenas parcialmente apenas quanto à sua filha BB reconheceu os factos;

- A ausência de antecedentes criminais;

- O facto do arguido, à data da sua detenção, se encontrar integrado profissionalmente.

A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão sendo o seu limite mínimo de 5 anos e 8 meses de prisão.

Face ao exposto, operando o cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal e considerados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, atentas as fortes razões de prevenção geral e especial acima salientadas, tendo presente o período de tempo em que os factos ocorreram, o número de vezes em que os mesmos ocorreram, o lapso de tempo por que decorreram, praticados sobre duas vítimas diferentes, o Tribunal reputa como ajustada a pena única de 15 (quinze) anos de prisão.

(…)

Analisada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo aplicou correctamente os princípios gerais de determinação da medida das penas, não ultrapassou os limites da moldura da culpa do agente e teve em conta os fins das penas nos quadros da prevenção geral e especial.

Na verdade, as razões e necessidades de prevenção geral positiva são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de crimes geradores de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, a necessidade de uma resposta punitiva firme, para assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas e na realização da justiça.

Regista-se também que no caso dos autos é muito elevado o grau de ilicitude com que foram praticados os factos, atento o largo período de tempo em que ocorreram os factos subsumíveis ao crime de violência doméstica e dado que os crimes sexuais foram praticados através da prática de coito oral e vaginal.

Ao contrário do alegado pelo arguido, a sua ausência de antecedentes criminais e as suas condições pessoais e sociais foram tidas em conta na determinação das penas aplicadas.

No entanto, pondera muito negativamente a sua ausência de compaixão pelas vítimas, a quem cabia proteger, o seu egoísmo na satisfação desenfreada dos seus apetites sexuais, sem qualquer inibição, e alguma desculpabilização dos comportamentos que adoptou para com a filha BB.

São também muito elevadas as exigências de prevenção especial positiva que no caso se fazem sentir, pois, não obstante a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção social, o arguido, ao praticar estes crimes ao longo de mais de uma dezena de anos, demonstrou grande dificuldade no controlo dos seus impulsos sexuais, possuir uma personalidade violenta, com pouca empatia pelas vítimas, e dificuldades de interiorização das regras de convivência social, o que leva a concluir que são sérias as suas necessidades de socialização.

Assim sendo, face à culpa do agente e à gravidade dos factos pelo mesmo praticados, as penas aplicadas são de manter, não sendo compreensível pela sociedade e pelo sentir comunitário qualquer redução das mesmas, quer no que concerne às penas principais, quer quanto às penas acessórias em que o arguido foi condenado, termos em que, também nesta parte, o recurso não pode deixar de improceder.

Vejamos então.

Pressuposto essencial do concurso superveniente de penas (tal como decorre do disposto nos arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do CP) é a prática de diversos crimes pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

O designado “cúmulo jurídico de penas” não é uma forma de execução de penas parcelares, mas antes um caso especial de determinação da pena3.

A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso tem a sua explicação: basta atentar no disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, sobre as regras de punição do concurso, onde se estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente4.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP5).

Analisando a decisão sob recurso no que respeita à justificação dada para a referida pena única aplicada ao arguido/recorrente, verificamos que o tribunal da Relação fundamentou a sua decisão, satisfazendo o disposto nos artigos 77.º e 78.º do CP.

Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso (e, por força do disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP, não pode ultrapassar 25 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 5 anos e 8 meses de prisão), o que significa que a pena única terá de ser encontrada na moldura abstrata entre 25 anos de prisão e 5 anos e 8 meses de prisão.

Repare-se que em causa está o concurso de 196 crimes, sendo 152 de abuso sexual de criança agravada, 43 de violação agravada e 1 de violência doméstica (dos quais 45 crimes foram cometidos na filha BB e os restantes 151 na filha CC, acima melhor identificados), todos praticados no âmbito de duas relações incestuosas (uma vez que o arguido é pai da ofendida BB, contra a qual cometeu 1 crime de abuso sexual de crianças agravado, 43 crimes de violação agravada e 1 crime de violência doméstica e é também pai da ofendida CC contra a qual cometeu 151 crimes de abuso sexual de crianças agravado), cometidos ao longo de lapsos de tempo diferentes, mas que em parte coincidiram (desde ........2011 a ... em relação à filha BB e de ... a ... em relação à filha CC), tendo o arguido (nascido em ........1971) iniciado os abusos sexuais da filha ... quando ela contava pelo menos 12 anos, o que fez nos moldes dados como provados, até passar a ter com ela cópula vaginal e anal, prolongando-se toda a sua atuação ilícita em relação a essa sua filha por cerca de 10 anos, enquanto que em relação à filha CC iniciou os abusos sexuais nos moldes referidos nos factos dados como provados quando ela tinha 10 anos de idade, prolongando essa sua atuação ilícita de ... até ....

Ou seja, o arguido apesar da relação de proximidade existencial e familiar em relação às ofendidas não foi capaz, em momento algum, durante os referidos períodos de tempo (que lhe permitiam bem refletir sobre os seus atos) de ao menos atentar na jovem idade das suas filhas e na fase de crescimento que as mesmas atravessavam e nos atos que praticava nelas, não se deixando motivar para alterar os seus procedimentos em relação a elas, que bem sabia serem ilícitos e proibidos, evidenciando nos factos cometidos uma incapacidade para manter uma conduta conforme com normas de proibição vigentes.

O desvalor das condutas do arguido e o seu completo desprezo perante pautas mínimas de convivência societária, revelam o tipo de personalidade avessa ao direito de que é portador.

A conexão entre os crimes cometidos, é muito grave, tendo estes de ser vistos no seu conjunto (sendo que no total o arguido cometeu os referidos 196 crimes, sendo 152 de abuso sexual de criança agravada, 43 de violação agravada e 1 de violência doméstica), considerando o período global de tempo da sua atuação (acima identificado em relação a cada ofendida, que foi relevante, considerando igualmente a idade de cada uma das suas filhas/ofendidas, que consigo viviam e estavam numa fase essencial de crescimento e desenvolvimento) e a personalidade do arguido (que se pode caracterizar como avessa ao direito, atento o circunstancialismo fáctico global apurado, para além de revelar ser violento e dominador), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e de prevenção especial (mesmo considerando a sua integração profissional e condições de vida, o que é de esperar de qualquer cidadão, tal como o facto de não ter antecedentes criminais).

Atenta a sua idade e variados crimes cometidos (como decorre da globalidade dos factos em conjunto) podemos afirmar que há uma adequação da sua personalidade aos factos cometidos, manifestada igualmente na indiferença que revelou pelos bens jurídicos violados, reveladora de uma tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos (estando afastada, por não encontrar suporte nos factos provados, a ideia de pluriocasionalidade).

De resto, não se extrai da matéria de facto apurada que o recorrente, apesar da sua idade, tivesse interiorizado o desvalor das condutas que praticou, revelando sentido crítico (nem sequer há sinais de sincero arrependimento ativo, mesmo considerando a confissão parcial, mas de pouco relevo, que efetuou em relação a parte da sua conduta em relação à filha BB, como salientou o tribunal a quo).

Tão pouco se deduz dos factos provados que os crimes cometidos sejam “irrepetíveis” ou que “apenas aconteceram com aquelas vítimas”, ou que, afastado das vítimas ou daquele contexto familiar ou de coabitação com elas jamais se repetem, sendo todas essas deduções temerárias (por não terem suporte factual).

De esclarecer que, no momento da determinação da medida da pena, incluindo da pena única, apenas se pode atender aos factos dados como provados e ao que deles se pode deduzir e não a meios de prova, como pretende o recorrente, quando apela ao que resulta do “relatório social para determinação da sanção”.

Do conjunto dos factos a ponderar, resulta que a pluralidade de crimes cometidos foi muito grave, manifestando o arguido uma tendência para atentar contra os bens jurídicos violados, o que caracteriza bem a sua personalidade, que até chegou a assumir, em algumas alturas, momentos de violência e de “posse” sobre a ofendida BB, não se podendo acompanhar o raciocínio do recorrente quando pretende atribuir um valor diferente à sua conduta.

O facto de o tribunal não dar a mesma relevância que o arguido pretendia quanto às circunstâncias (designadamente atenuantes) que se apuraram, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta.

O que se passou é que o arguido/recorrente parte de pressupostos errados e sobrevaloriza circunstâncias a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão.

Assim, ao contrário do que alega o recorrente, todas as circunstâncias apuradas, inclusive as que lhe eram favoráveis foram devidamente ponderadas na decisão sob recurso, sendo-lhes atribuído o valor adequado e ajustado, não merecendo censura a avaliação que deles foi feita pela Relação.

Tão pouco tem razão o recorrente quando apela em abstrato à violação de regras de experiência, sem qualquer suporte factual para chegar a tal “afirmação conclusiva” (como bem alega o MP na resposta ao recurso).

Também, considerando todas as circunstâncias fáticas apuradas, igualmente não transparece que estejamos perante qualquer caso que justifique efetuar qualquer correção na pena única.

E, no juízo de prognose a fazer pelo tribunal não se vê que haja razões para reduzir a pena única aplicada, considerando as suas elevadas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da mesma (pena única aplicada) sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor da sua conduta, adote uma postura socialmente aceite e cumpra as regras da instituição (o que, por certo, se tal se justificar, poderá a seu tempo contribuir para beneficiar de medidas flexibilização que o vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade do arguido/recorrente não se extrai que se possa formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção e, por isso, se conclui que não é caso de reduzir a pena única de 15 anos de prisão aplicada ao recorrente (a qual se enquadra próximo do meio da moldura abstrata do concurso situada entre 5 anos e 8 meses de prisão e 25 anos de prisão).

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado e proporcionado manter a pena única de 15 anos de prisão aplicada pela 1ª instância e confirmada pela Relação (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

A pretendida redução da pena mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à que lhe foi imposta.

Em conclusão: improcede o recurso na parte em análise, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais que era possível aplicar neste caso.

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III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

- rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, na parte em que é impugnado o Acórdão da Relação quanto à condenação do Recorrente AA, quanto a penas parcelares/individuais (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, als. e) e f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.ºs 2 e 3, do CPP);

- no mais, negar provimento ao recurso interposto pelo mesmo arguido AA.

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo depois assinado.

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Supremo Tribunal de Justiça, 02.05.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto)

_______________________

1. As questões colocadas no recurso para a Relação e que foram apreciadas na decisão agora recorrida, foram as seguintes, conforme, ali foram enunciadas:

  - Erro de julgamento sobre a matéria de facto;

  - Qualificação jurídica dos factos apurados;

  - Concurso de crimes;

  - Medida da pena;

  - Montante indemnizatório a pagar pelo arguido às vítimas.

2. Ver Ac. TC (Plenário) n.º186/2013, acessível no site do Tribunal Constitucional.

3. Ver Ac. do TC nº 3/2006, DR II Série de 7/2/2006.

4. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

5. Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.