Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
35744/15.3T8LSB.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
PRESSUPOSTOS
PERIGO
OMISSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ESTABELECIMENTO DE ENSINO
MATRÍCULA
DEVER ACESSÓRIO
VIOLÊNCIA
COAÇÃO
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Nas situações de favorecimento ou contribuição para uma exposição de terceiros a uma situação de perigo, a responsabilidade aquiliana residirá na violação de um dever geral de precaução ou de prevenção de perigo, inerente a um domínio dessa exposição, o qual permitirá estabelecer um nexo de imputação do resultado lesivo à conduta de favorecimento à exposição a uma situação de perigo.

II - No presente caso, da deslocação à praia e do que sabemos do que nela ocorreu, estamos perante uma ação de grupo em que não é possível imputar ao 1.º réu (o Dux) um papel influente ou promotor da exposição ao perigo que se distinga dos comportamentos dos demais jovens.

III - A situação narrada na descrição que consta da matéria fáctica provada, apresenta-se como uma ação conjunta de autocolocação em perigo de todos os elementos do grupo, sem que se tenham apurado dados que nos permitam concluir que algum destes jovens não se encontrasse em condições de decidir, com autonomia e, portanto, responsavelmente.

IV - Nas situações de exposição ao perigo inseridas num contexto de organização conjunta de todos aqueles que nela participaram, é, porém, possível imputar os resultados dessa exposição a um dos participantes, quando ele se encontra numa posição de garante nessa organização, com o dever de evitar tal exposição, e nada faz, com a consequente desresponsabilização ou atenuação da autoresponsabilidade dos demais coparticipantes lesados.

V - A posição de garante é ocupada por aqueles sobre os quais recai um dever jurídico que pessoalmente os obriguem a agir, tomando as medidas necessárias para que não ocorra o resultado danoso, podendo esse dever ter diferentes origens e fundamentos, residindo o denominador comum da equiparação da omissão à ação na situação concreta, nas exigências de solidariedade entre os homens no seio da comunidade.

VI - Um dos tipos de deveres jurídicos comumente apontado como conferindo a posição de garante são os deveres inerentes a uma relação hierárquica, em que, por força do cargo que alguém desempenha numa determinada organização, lhe está cometida a função de zelar pela segurança de determinadas pessoas que lhe devem obediência, recaindo sobre ele um dever de evitar a colocação dessas pessoas em perigo.

VII - Apesar do funesto incidente ter ocorrido num fim de semana dedicado a atividades de praxe, a factualidade provada não fornece os elementos suficientes para que se possa concluir que o Dux, naquele ato de exposição ao perigo coletivamente assumido, se encontrava investido numa posição de garante, assim como não se provou que ele nada tenha feito para evitar essa exposição.

VIII - O ato de inscrição ou matrícula de um estudante num curso do ensino superior numa universidade traduz-se na celebração de um contrato de ensino que é fonte de múltiplos deveres laterais, entre os quais se encontra o dever de zelar pela segurança e proteção dos direitos individuais dos estudantes, mormente quando estes se encontrem nas instalações da universidade ou em atividades por ela promovidas ou organizadas.

IX - A existência de praxes académicas, apesar de poder constituir uma forma de integração dos novos estudantes na vida académica e de desenvolvimento de sentimentos de camaradagem e solidariedade no seio da universidade, é um fator de risco para a segurança e liberdade dos estudantes, sendo uma fonte de violações de direitos dos estudantes, aliadas a essas práticas, tais como a violência a coação física e psicológica, o bullying, o hazing, a criação de situações de perigo ou a discriminação, recaindo sobre as instituições universitárias o dever de adotar medidas e precauções que evitem a violação dos direitos dos estudantes em resultado de atividades praxistas.

X - Relativamente aos atos de praxe que ocorram, como neste caso, em espaços e no decurso de ações fora da “jurisdição” da Universidade, esta não tem a possibilidade de adotar medidas de intervenção direta e de aí exercer ações de vigilância e controle, apenas podendo desenvolver prévias ações de promoção de uma cultura de respeito, segurança e responsabilidade entre os estudantes, de modo a mitigar os riscos associados às praxes e a fomentar um ambiente universitário que evite más práticas.

XI - Não existindo, pelo menos à época, um dever jurídico de formalmente regulamentar as atividades de praxe pelas universidades, não é possível afirmar que a entidade gestora da Universidade em causa tenha incumprido qualquer dever lateral contratual nesta matéria que a possa responsabilizar pelo ocorrido.

XII - Neste processo nem se provou que essa entidade não tenho adotado os referidos comportamentos de sensibilização dos estudantes para a prática de uma praxe que respeitasse os direitos destes, nem se verifica um nexo de causalidade entre o incumprimento de um qualquer dever lateral de prevenção do perigo e o trágico desfecho ocorrido na noite de 14 para 15-12, na Praia do ..., ..., pelo que também não é possível responsabilizar a Universidade pelo ocorrido.

Decisão Texto Integral:

*

I – Relatório

Os Autores instauraram ações declarativas autónomas, com a forma de processo comum, contra os Réus, pedindo a condenação solidária destes no pagamento das seguintes quantias indemnizatórias:

- Ao Autor AA, € 100.000,00 pelo dano da morte do seu filho; € 25.000,00 pelo sofrimento deste antes da morte; e € 25.000,00 pelo sofrimento decorrente da perda do seu filho;

- Aos Autores BB e CC, o montante global de € 2.678,28, a título de danos patrimoniais; € 100.000,00 pelo dano da morte da sua filha; € 25.000,00 pelo sofrimento desta antes da morte; e € 50.000,00, para cada um destes Autores, pelo sofrimento decorrente da perda da sua filha;

- Aos Autores DD e EE, o montante global de € 4.400,00 a título de danos patrimoniais; € 100.000,00 pelo dano da morte da sua filha; € 25.000,00 pelo sofrimento desta antes da morte; e € 50.000,00 pelo sofrimento decorrente da perda da sua filha;

- Aos Autores FF e GG, o montante global de € 2.000,00, a título de danos patrimoniais; € 100.000,00 pelo dano da morte do seu filho; € 50.000,00 pelo sofrimento deste antes da morte; e € 50.000,00, para cada um destes Autores, pelo sofrimento decorrente da perda do seu filho.

- À Autora HH, o montante global de € 3.651,00, a título de danos patrimoniais; € 100.000,00 pelo dano da morte da sua filha; € 25.000,00 pelo sofrimento desta antes da morte; e € 50.000,00 pelo sofrimento decorrente da perda da sua filha.

- À Autora II, o montante global de € 4.500,00, a título de danos patrimoniais; € 100.000,00, pelo dano da morte da sua filha; € 50.000,00, pelo sofrimento desta antes da morte; e € 50.000,00 pelo sofrimento decorrente da perda da sua filha.

Peticionaram ainda que os Réus fossem condenados a pagarem-lhes juros de mora à taxa legal, calculados sobre os montantes supra referidos, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Em síntese, todos os Autores alegaram, relativamente à morte dos seus filhos, ocorrida no dia ........2013, na Praia ..., ..., que o 1.º Réu deu ordens de praxe às vítimas, levando-as a um estado tal que se lhes tornou impossível a reação a qualquer situação de perigo, e, posteriormente, ao conduzi-las até à praia para nela serem praticadas atividades de praxe com risco para a vida daquelas, foi o responsável pela morte das mesmas. Mais alegaram que, ainda que se entendesse que a responsabilidade do 1.º Réu pela morte dos filhos dos Autores não decorre de uma ação, sempre teria que se considerar que a mesma teve origem numa conduta omissiva do mesmo, por, na qualidade de chefe máximo da praxe e líder do grupo, não ter impedido a deslocação dos jovens a uma praia num dia em que era sabido o estado perigoso em que o mar se encontrava.

No que respeita à 2.ª Ré, os Autores alegaram que ela tinha perfeito conhecimento da Conselho Oficial da Praxe Académica (COPA) e da sua actividade, incentivando e apoiando a mesma, nada tendo feito para proibir ou controlar praxes académicas violentas e em particular a actividade do COPA, sendo do conhecimento de todos que na Universidade ... (Universidade ...) ele era o grupo mais radical e extremista da praxe. Mais defenderam que a 2.ª Ré estava obrigada a regulamentar, controlar e, se necessário, proibir as atividades desenvolvidas pelo COPA, o que nunca fez e, assim, ao não ter controlado os atos e práticas levados a cabo pelo COPA, incorreu em responsabilidade civil por factos ilícitos, devendo ser condenada solidariamente com o 1.º Réu a indemnizar os Autores.

O 1.º Réu contestou, alegando, em suma, que as ações contra ele interpostas carecem de fundamentação fáctica e jurídica, não existindo factos que permitam atribuir-lhe qualquer responsabilidade pela morte dos seus colegas e representantes dos cursos da Universidade .... Sustenta que não existiu qualquer praxe que tivesse causado a morte daqueles jovens, nem qualquer ação ou omissão da sua parte para com os seus colegas que pudesse ter contribuído para aquelas trágicas mortes, tal como se concluiu no processo-crime/inquérito instaurado, que terminou num arquivamento, sendo posteriormente proferido despacho de não pronúncia, confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

O 1.º Réu requereu ainda, ao abrigo do disposto no artigo 542.º do Código de Processo Civil, a condenação dos Autores em multa e indemnização pelas despesas que teve com sua defesa no presente processo.

A 2.º Ré contestou, alegando, em síntese, que os factos ocorreram num local público, sobre o qual não tinha qualquer poder fáctico ou normativo. Além disso, os filhos dos Autores eram maiores de idade, pessoas livres e esclarecidas, alguns já licenciados, e, além da voluntariedade com que aderiram às praxes académicas, também se deslocaram livre e voluntariamente naquele dia e àquela hora para o local onde acabariam por morrer, levados por uma onda. Concluiu, ser por isso completamente alheia ao trágico acontecimento, não se verificando os requisitos da responsabilidade civil previstos no artigo 483.º do Código Civil.

As diferentes ações intentadas pelos Autores - 35744/15.3..., 9197/16.7..., 7669/16.2..., 20749/16.5..., 4723/16.4..., e 18603/16.0... - foram apensadas à primeira destas ações, tendo-se procedido a um julgamento comum no Juízo Central Cível de Setúbal, terminado o qual foi proferida sentença, julgando totalmente improcedentes as ações interpostas, tendo os Réus sido absolvidos de todos os pedidos contra eles formulados pelos diferentes Autores.

Estes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, o qual, por acórdão proferido em 30.06.2022, julgou improcedente o recurso, confirmando a decisão proferida em 1.ª instância.

Os Autores interpuseram recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

I. Tem relevância jurídica e carece de análise para uma melhor aplicação do Direito, a questão de determinar se nos termos dos Artigos 70º, 81º, 483º, 486º, 496º e 562º, todos do Código Civil, o 1º Réu, sendo o chefe máximo da Praxe Académica, organização a que os alunos pertenciam, se lhe impendia, ou não, o dever de defender a vida e a integridade física dos colegas, membros subalternos dessa entidade.

II . E ainda, a questão de determinar se nos termos dos Artigos 798º, 799º, 342º e 563º do C. Civil, a Recorrida COFAC infringiu o dever de atuar de boa-fé violando deveres acessórios de conduta que, se observados, lhe impunham uma vigilância e controle sobre as atividades praxistas dos seus estudantes que obstariam a que delas pudessem resultar consequências gravosas para os seus alunos e permitiriam que estes pudessem prosseguir em segurança os seus estudos.

III . A razão da apreciação deste tema é necessário para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que esta questão é atual, manifestamente complexa, de difícil resolução e a sua subsunção jurídica impõe um importante e detalhado exercício de exegese, de molde a obter-se consenso que sirva de orientação, quer para o cidadão que possa ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão e a fim de tomar conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, quer para as instâncias judiciais e policiais, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

IV. Da análise da matéria de facto dada como provada, constamos que todos os jovens, aderiram a uma organização chamada COPA, regiam-se e organizavam-se nos termos e de acordo com um “Código da Praxe Académica”, ao qual deviam obediência.” - ponto 29 da matéria de facto dada como provada.

V. E, no âmbito dessa organização, o 1º Recorrido, era o Dux, aquele a quem todos deviam obediência e sobre o qual não podia incidir qualquer praxe.

VI. Por esse motivo, durante todo o fatídico fim de semana, o 1º Recorrido incitou os jovens que faleceram a beber bebidas alcoólicas, a fazerem exercícios físicos. Os jovens rastejaram, fizeram periquitos, flexões, caminhadas, beberam, permaneceram em quartos, tudo por indicação do 1º Recorrido.

VII. Ao dar ordens de praxe às vítimas, levando a que se encontrassem num estado tal que tornava impossível e improvável a reação a qualquer situação de perigo e, posteriormente, ao conduzi-los até à praia ..., o 1º Recorrido foi responsável pela morte dos filhos dos Recorrentes;

VIII. Conforme resultou da matéria de facto dada como provada o 1º Réu era o representante máximo da praxe académica, era este quem, naquele trágico fim de semana, tinha o poder/dever de evitar uma situação de perigo na deslocação à praia ....

IX. Ao dar ordens e/ou ao permitir que as vítimas entrassem naquela praia, o 1º R. teve consciência que, face ao estado do mar naquela noite, colocava em perigo a vida dos mesmos, até porque, conforme ficou provado, teria conhecimentos do mar que nenhum dos outros jovens tinha.

X. O 1º Recorrido, nos termos do Código pelo qual se regeram durante aquele fim-de-semana, era o líder e responsável máximo pelos jovens que faleceram;

XI. O 1º Recorrido teve a exata noção do estado de perigo em que se encontrava o mar naquela noite, ao deixar o seu gorro, contendo no interior, quatro maços de tabaco e dois telemóveis, pois equacionou e sabia que era suposto os jovens terem contacto com a água do mar.

XII O 1º Recorrido, até pela sociedade a que todos os jovens pertenciam, estava obrigado a defender a vida e a integridade física dos seus subalternos.

XIII Sendo certo que, mesmo que se entendesse que a responsabilidade do 1º Recorrido pela morte dos filhos dos Recorrentes, não decorre de uma ação, o que por mera hipótese académica se coloca, sempre teria que se considerar que a mesma teve origem numa sua conduta omissiva ao, na qualidade de chefe máximo da praxe e líder do grupo, não ter impedido a deslocação dos jovens para uma praia numa noite em que era conhecido o estado perigoso em que o mar se encontrava.

XIV Ao absolver o Recorrido JJ dos pedidos contra ele formulados, o Tribunal a quo violou os artigos 70º, 81º, 483º, 486º, 496º e 562º, todos do Código Civil.

XV Resultou à abundância da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que a Recorrida COFAC permitiu, e permite, que no seu seio exista uma Organização/Sociedade de natureza praxista sem qualquer regulamentação ou controle.

XVI Não nos referimos apenas a um grupo de estudantes que se lembrou de reunir e fazer praxes, estamos a falar de uma organização devidamente hierarquizada, com um código de conduta próprio, no seio da qual os mais altos representantes têm acesso direto ao presidente do Conselho de Administração da 2ª Recorrente.

XVII O COPA é uma organização estruturada, ao ponto de o presidente do conselho de administração da Recorrida COFAC, logo após os factos, se ter referido aos jovens que faleceram como UM DOS GRUPOS MAIS ACTIVOS ENTUSIASTAS DA LUSÓFONA - ponto 65 da matéria de facto dada como provada.

XVIII A 2ª Recorrida não proibiu as atividades abusivas de praxe, disponibilizando inclusive salas para os respetivos eventos.

XIX Conforme resultou da matéria de facto dada como provada, após as mortes ocorridas na Praia ..., a Recorrida COFAC nada fez para que as atividades do COPA fossem extintas. Bem pelo contrário, tudo fez para que o COPA e as Praxes continuassem a existir no seio da Universidade, sempre sem qualquer regulamentação ou controle.

XX Conforme resultou da matéria de facto dada como provada, a 2ª Recorrida não tem as atividades de praxe exercidas pelos seus alunos regulamentadas;

XXI A 2ª Recorrida não impõe qualquer restrição às abusivas atividades de praxe, espacial ou temporalmente.

XXII Os elementos do COPA não informam os locais e as atividades de praxe que vão ser exercidas durante o ano, nem a 2ª Recorrida exige essa informação.

XXIII A Recorrida COFAC, para além de não ter a atividade praxista regulamentada, sabendo da existência de grupos praxistas que abusam dos alunos, como é o caso do COPA, não reúne sequer com estes nem procura saber qual ou quais as atividades que os mesmos desenvolvem e em que locais.

XXIV Se a 2ª Recorrida regulamentasse e fiscalizasse, quer as práticas praxistas, quer a atuação do COPA, os filhos dos Autores não teriam sido sujeitos às humilhações a que o foram e não teriam falecido.

XXV A 2ª Recorrida incentiva a que as atividades praxistas dos seus estudantes ocorram em espaços exteriores à universidade, aumentando assim o perigo e o descontrole das mesmas.

XXVI Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, a 2ª Recorrida permite que os jovens, alunos do seu estabelecimento de ensino superior, sejam recrutados para a praxe no interior da Universidade – vide os pontos 54, 55, 56, 57, 69 da matéria de facto dada como provada.

XXVII A 2ª Recorrida não permite a realização de atividades de praxe no interior das instalações universitárias, à exceção das cerimónias de enterro e batismo, permitindo a utilização de átrios e parques de estacionamento.

A 2ª Recorrida permite a existência do COPA, faculta-lhes as instalações, mas incentiva a realização das PRAXES longe de qualquer controle…

XXVIII As praxes abusivas levadas a cabo pelo COPA, consistindo em flexões, periquitos, pranchas, rastejamentos, ingestão de bebidas alcoólicas, ou os saltos para o lago, piscina, ou deslocação para uma praia, numa noite de inverno com uma ondulação de 3 a 4 metros de altura, enquadram-se, claramente, naquilo que o Observatório dos Direitos Humanos, considerou praxes abusivas.

XXIX No caso sub judice não restam quaisquer dúvidas que entre a Recorrida COFAC e os filhos dos Autores foi celebrado um contrato de ensino.

XXX A 2ª Recorrida infringiu o dever de atuar de boa-fé ao não acautelar a confiança que os Recorrentes depositaram na sua prestação, violando deveres acessórios de conduta que, se observados, lhe impunham uma vigilância e controle sobre as atividades praxistas dos seus estudantes que obstariam a que delas pudessem resultar consequências gravosas para os seus filhos e permitiriam que estes pudessem prosseguir em segurança os seus estudos.

XXXI Resulta cristalino o incumprimento, pela 2ª Recorrida, dos seus deveres de vigilância e controle e da consequente garantia de segurança dos seus alunos, os falecidos filhos dos Recorrentes, deveres esses acessoriamente derivados do contrato de prestação de serviços.

XXXII Sendo certo que, no caso sub judice ao não regulamentar as atividades praxistas, por um lado, e por outro, ao condicionar que as praxes ocorressem fora da Universidade, a 2ª Recorrida deverá ser responsável por todas essas atividades cujo controle descurou.

XXXIII Ao absolver a Recorrida COFAC o tribunal a quo violou os artigos 798º, 799º, 342º e 563º do C. Civil.

XXXIV As práticas humilhantes de praxe e o final trágico do dia .../.../2013, ficaram a dever-se ao comportamento do 1º Recorrido, mas de igual forma à 2ª Recorrida, a qual sempre aceitou as práticas, ainda que abusivas, daquela organização.

XXXV A 2ª Recorrida nunca se opôs às práticas levadas a cabo pelo COPA, conferindo aos membros desta organização e ao respetivo “DUX” ampla liberdade no tocante às atividades praxistas levadas a cabo.

XXXVI A 2ª Recorrida violou, ainda, flagrantemente, a confiança que os pais dos jovens falecidos em si depositaram que, ao suportarem os encargos financeiros com a frequência na Universidade ..., esperavam que, pelo menos, os corpos diretivos assegurassem a sua segurança, controlassem e acompanhassem as organizações que se formavam no seu interior, com o seu conhecimento e conivência.

XXXVII A 2ª Recorrida estava, pois, obrigada a regulamentar, controlar, fiscalizar e, se necessário, proibir, as atividades desenvolvidas pelo COPA, o que nunca fez.

XXXVIII Os direitos de personalidade têm no nosso ordenamento jurídico valor absoluto e inalienável e por isso estipula o artigo 81º do C. Civil que: “Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.”

XXXIX Em conformidade com o disposto nos artigos 494º e 496º do C. Civil, são indemnizáveis todos os danos não patrimoniais sofridos pela vítima que, em atenção à sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

XL Entre os danos não patrimoniais contam-se: a dor física e moral suportada pelos jovens que faleceram nos momentos que se seguiram até á sua morte.

XLI Aos danos morais dos jovens acrescem os elevados danos morais sofridos pelos autores resultantes da perda de um filho muito querido.

XLII Assim, deveriam os Recorridos ter sido condenados solidariamente, conforme peticionado.

O 1.º Réu respondeu, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso de revista excecional.

A 2.ª Ré, além de também defender a inadmissibilidade do recurso, subsidiariamente, sustentou a sua improcedência.

Remetidos os autos à Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, foi proferido acórdão que admitiu o recurso de revista excecional interposto pelos Autores.


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II – Do objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações do recurso interposto pelos Autores e o conteúdo do acórdão recorrido, cumpre apreciar a responsabilidade dos Réus pela morte dos filhos dos Autores, face à factualidade apurada.


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III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

1. O Autor AA é pai e legítimo herdeiro de KK, nascido a ........1992.

2. KK faleceu no dia ........2013, no estado de solteiro.

3. Os Autores BB e CC são pais e legítimos herdeiros de LL, nascida a ........1991.

4. LL faleceu no dia ........2013, no estado de solteira.

5. Os Autores DD e EE são pais e legítimos herdeiros de MM, nascida a ........1992.

6. MM faleceu no dia ........2013, no estado de solteira.

7. Os Autores FF e GG são pais e legítimos herdeiros de NN, nascido a ........1989.

8. O óbito de NN foi declarado no dia ........2013, no estado de solteiro.

9. A Autora HH é mãe e legítima herdeira de OO, nascida a ........1990.

10. OO faleceu no dia ........2013, no estado de solteira.

11. PP faleceu no dia ........2013, no estado de solteira.

12. A Autora II é mãe e legítima herdeira de PP.

13. Na sequência da morte de KK, LL, NN, PP, MM, OO, foi aberto o processo de inquérito n.e 51/13.5..., o qual foi investigado pelo Ministério Público de ....

14. A Universidade ... é um estabelecimento de ensino superior privado português, de interesse público reconhecido pelo Decreto-Lei n.º 92/98, de 14 de abril.

15. A 2.ª Ré é a entidade instituidora da denominada "Universidade ..." (Universidade ...), conforme estatutos publicados no Diário da República, 2.ª Série, n.º 213, de 4 de novembro de 2013.

16. Nos termos do artigo 22.º, n.º 2 dos Estatutos da Universidade ...: São fins específicos da Universidade...: a) O ensino superior; b) A formação humana, cultural, artística, cientifica, técnica e tecnológica;(...) e) A prestação de serviços à comunidade, numa perspetiva de valorização recíproca, racionalização e aproveitamento máximo de todos os recursos; f) A educação permanente, a formação profissional e a aprendizagem ao longo da vida, por todos os meios.

17. Nos termos do Artigo 7.º dos mesmos Estatutos: A responsabilidade pela gestão administrativa, económica e financeira da Universidade... cabe à COFAC-Cooperativa de Formação e Animação Cultural CRL a qual, nos termos da lei e dos presentes Estatutos, procede à organização e à administração dos seus recursos, sem prejuízo do respeito pela autonomia universitária.

18. KK frequentou na Universidade ..., desde ... a ........2013, o curso de ...: ..., ..., nas instalações sitas na ....

19. LL frequentou na Universidade ..., desde ..., encontrando-se matriculada no ano letivo de ...1...-14, o curso superior de ... nas instalações sitas na ....

20. MM frequentou na Universidade ..., desde ... até ........2013, o curso de ..., encontrando-se matriculada no ano letivo de ...1...-14 no 1.º ano do Curso superior de ... para obtenção do grau de mestre, nas instalações sitas na ....

21. NN frequentou a Universidade ..., desde ..., estando inscrito no ano letivo de ...1...-14, no 3.º ano do curso superior de ..., nas instalações sitas na ....

22. OO frequentou na Universidade ..., desde ... e com data de conclusão (por lançamento da última nota) de ........2013, o curso de ..., no ramo ..., nas instalações sitas na ....

23. PP frequentou a Universidade ... desde ..., estando inscrita no ano letivo de ...1...-14, no 3.º ano do curso superior de ..., nas instalações sitas na ....

24. O 1.º Réu frequentava a Universidade ..., no curso de ....

25. O 1.º Réu era em ........2013 o representante máximo da praxe académica, denominado por Dux.

26. No dia ........2013 entre as 0h00 e as 02h00 faleceram 6 (seis) jovens alunos da Universidade ... na praia ... ...: LL, nascida a ........1991 - o corpo apareceu em ........2013; NN, nascido a ........1989 - o corpo apareceu em ........2013; PP, nascida a ........1992 - o corpo apareceu em ........2013; MM, nascida a ........1992 - o corpo apareceu em ........2013; OO, nascida a ........1990 - o corpo apareceu em ........2013; e KK, nascido a ........1992 - o corpo apareceu em ........2013.

27. Aquando do falecimento dos jovens todos eles envergavam traje académico.

28. No ano 2003 foi criado o Conselho Oficial de Praxe Académica (COPA).

29. Os elementos do COPA regiam-se e organizavam-se nos termos e de acordo com um "Código da Praxe Académica", ao qual deviam obediência.

30. Consta do artigo 52.º do Código da Praxe Académica que: 1. Só os estudantes da universidade lusófona de Humanidades e Tecnologias poderão estar na Praxe Académica desta Universidade, estando vinculados ao respetivo código de Praxe Académica. 2. São considerados vinculados à praxe académica: a) Traje académico; b) BA. da Besta ou do caloiro - Apenas reconhecido a alunos com uma matrícula na Universidade ... devidamente assinado pelo representante de curso ou o DUX; 3. Os estudantes de qualquer outro estabelecimento de ensino, aquando da sua passagem pela Universidade ... e usando o traje académico, devem ser recebidos como convidados da Academia. Durante a sua permanência no Campus Universitário ou em eventos académicos, estes não podem ter uma participação ativa na praxe académica, podendo ser aceites pelo Maximum Praxis Concilium o cumprimento das suas próprias tradições académicas.

31. Nos termos do artigo 8.º do Código o COPA encontrava-se organizado com a seguinte hierarquia: Honoris Dux; Dux; Veteranos; Doutores; Pastranos; Pára-Quedistas; Caloiros; Bestas.

32. Do artigo 8.º do Código consta A hierarquia das categorias da Praxe Académica em escala ascendente é a seguinte: a) Besta - Pertencem a esta categoria todos os alunos que efetuem pela primeira vez uma matrícula na Universidade ..., mesmo que tenham estado matriculados em qualquer outro estabelecimento de ensino superior, desde que não possuam grau académico comprovado, e que queiram aderir à Praxe Académica; b) Caloiro - Pertencem a esta categoria todos os alunos que tenham sido praxados e batizados por académico reconhecido pela Academia, segundo o disposto no artigo 6g (Estar na Praxe) e que queiram aderir à Praxe Académica; c) Pára - quedistas - Pertencem a esta categoria todos os estudantes vinculados à praxe académica, que efetuem a sua primeira matrícula na Universidade ..., embora possuam grau académico comprovado, de outro estabelecimento de ensino superior. Cabe ao Maximum Praxis Concilium o reconhecimento desta categoria a cada individuo. Caso o Maximum Praxis Concilium não a reconheça o individuo assume a categoria de caloiro; d) Pastranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, com duas matrículas na Universidade ...; e) Doutores -Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuem três matrículas na Universidade ..., permanecendo assim até atingirem o estatuto de veterano; f) Veteranos - Pertencem a esta categoria todos os estudantes que estão vinculados à Praxe Académica, que possuam mais matrículas do que o número de anos do curso; g) Dux - O que tiver sido eleito pelo Maximum Praxis Concilium de ente os seus elementos; h) Honoris - Dux - Tem categoria vitalícia de Honoris - Dux, aquele a quem lhe for atribuída tal distinção pelo Maximum Praxis Concilium.

33. Em Dezembro de 2013 integravam o COPA os cursos de Gestão; Design; Turismo; Engenharia Biotecnológica; Serviço Social; Informática; Arquitetura; Ciências da Comunicação e da Cultura; e Comunicação Aplicada.

34. No âmbito do COPA, cada curso elegia um representante o qual teria sempre que estar pelo menos na categoria de Doutor.

35. Nos termos do artigo 72.º do Código: 1. A hierarquia da estrutura do Conselho Oficial de Praxe Académica em escala ascendente é: a) Comissão de Praxe Académica dos cursos - Cada representante dentro do seu curso escolhe a sua comissão de praxe académica; b) Maximum Praxis Concilium - Conselho Composto por um representante de cada curso, pelo Dux e por um representante de cada tuna académica da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (cada representante de curso assume a responsabilidade da forma como nomeia o seu sucessor). Cabe ao Maximum Praxis Concilium aceitar ou não o representante proposto por cada um dos cursos.

36. Para além dos respetivos nomes, os elementos que pertenciam ao COPA utilizavam e eram tratados por alcunhas / nome de praxe.

37. Em 15.12.2013, os representantes dos vários cursos eram os seguintes: LL, alcunha "LL", era a representante do curso de ...; PP, alcunha "PP", era a representante do curso de ...; OO, alcunha "OO", era a representante do curso de ...; MM, alcunha "MM", era a representante do curso de ...; NN, alcunhas "NN ou NN", era o representante do curso de ...; KK, alcunha "KK", era o representante do curso de ...; QQ, alcunha "QQ", era o representante do curso de ....; RR, alcunha "RR", era o representante do curso de ...; SS, alcunha "SS", era o representante do curso de ....

38. Por regra não é dado a conhecer às "Bestas" quem são os "Pastranos", "Doutores" e "Veteranos".

39. Os representantes de curso efetuavam relatórios de atividades que davam a conhecer ao DUX.

40. O representante de cada curso era escolhido em Maximum Praxis Concilium (MPC), por indicação do representante cessante, por votação de todos os outros cursos, sendo analisados os pontos fracos e fortes, dando-se preferência a características de liderança e dedicação à praxe.

41. O MPC constituía o conselho máximo da Praxe Académica.

42. Aí participavam os representantes de cada curso, o Dux e os Honoris Dux; estes últimos, nos termos do artigo 53.º, n.º 1, do Código da Praxe, podem assistir às reuniões do MPC, ocupando o lado direito do Dux.

43. LL, NN, PP, MM, OO e KK tinham no âmbito da Organização da Praxe Académica a representação dos Respetivos cursos no MPC.

44. Do artigo 392.º do "Código" consta: 1. Aos Veteranos é permitida a mobilização qualquer grau hierárquico inferior, nunca desautorizando outro de grau hierárquico superior. 2. Um Veterano pode fazer parte da Comissão de Praxe do seu curso ou representá-lo no Maximum Praxis Concilium.

45. Do artigo 40.º do "Código" consta, são deveres dos veteranos, nomeadamente: (...) c) honrar e respeitar o Código de Praxe Académica da Universidade ...; (...) e) exercer presença, quando convocados, nas reuniões gerais do Conselho Oficial de Praxe Académica e nas reuniões do seu curso.

46. Do n.º 2 do artigo 40.º do "Código" consta: Quando um veterano infringir qualquer preceito da Praxe Académica, ser-lhe-á aplicada uma sanção.

47. Do artigo 61.º do "Código" consta que os elementos do Maximum Praxis Concilium tinham o dever de: a) comparecer às reuniões do Maximum Praxis Concilium, devidamente trajados.

48. Pelo menos uma vez por ano eram marcados fins de semana MPC, que se destinavam a preparar e a organizar de atividades e cerimónias futuras (ano seguinte) de carater praxístico, para fortalecer o grupo, bem como promover o conhecimento e a interação entre os membros do MPC.

49. Do artigo 42.º do "Código" consta que 1. O Dux é eleito pelo Maximum Praxis Concilium de entre os seus pares. 2. O Dux é chefe máximo da Praxe Académica dentro da Universidade ....

50. Do artigo 432.º do "Código" consta que: 1. Ao Dux compete liderar todos aqueles que estejam vinculados a este Código de Praxe Académica. 2. O Dux preside às reuniões do Maximum Praxis Concilium. 3. O Dux assuma a responsabilidade máxima sobre os destinos do Conselho Oficial de Praxe Académica e da Academia da Universidade ....

51. Em ........2013 era Dux o 1.º Réu eleito em ... desse ano.

52. O fim-de-semana de 14 e ... de ... de 2013, com a finalidade referida em 48), era o primeiro fim-de-semana de MPC, liderado pelo 1.º Réu.

53. Do artigo 452.º, n.º 2, do "Código" consta que: o Dux não pode ser alvo de mobilização ou de praxe académica.

54. Os alunos que integravam os órgãos do COPA quando necessitavam pediam sala para reunir nas instalações da Universidade.

55. O COPA tinha a universidade como ponto de encontro dos estudantes, desenvolvendo as atividades de praxe no ... e zonas adjacentes e pelas ruas da cidade de ....

56. O COPA dava a conhecer a praxe nos primeiros dias de aulas no átrio de entrada da universidade e por vezes em "aulas de praxe".

57. As atividades de praxe realizam-se à vista de toda a gente, nomeadamente nos jardins do ..., em ..., sendo usual a realização dos denominados Rally Tascas, em que os estudantes da Universidade ... percorriam vários cafés da cidade ingerindo bebidas alcoólicas.

58. As atividades desenvolvidas pelos elementos aderentes ao COPA consistiam essencialmente em jantares, almoções, passeios, jogos lúdicos, rally paper, rally tascas, eventos de diversa natureza, peditórios, e também, exercícios físicos, tais como periquitos, flexões.

59. Na Universidade ... era publicada uma revista com o nome "Associação Académica...", com sede nas instalações da Universidade..., constando do índice Editorial como: "Morada ..., ... ... Tiragem 6.000 ex." e difundida pelos alunos.

60. No exemplar de ... de 2013 (pág. 16) a revista tem como título, "P.... . ..... .. ............", existindo um artigo sobre o COPA, onde se faz referência à sua origem.

61. As "Bestas" do COPA (alunos que iniciavam a sua entrada na universidade e na organização) adquiriam t-shirts com referência ao COPA, vestuário que vestiam e com o qual andavam nalguns dias pela Universidade.

62. O presidente do Conselho de Administração da 2.ª Ré, COFAC, em ........2013 era o Senhor Dr. TT.

63. O COPA enviou pelo Natal, em papel timbrado com o símbolo da Universidade..., e tendo estampado o símbolo do "COPA", uma caveira, com uma tesoura e uma capa, com os dizeres "Conselho Oficial de Praxe Académica - Dura Praxis sed Praxis", as boas festas às seguintes pessoas da Universidade: ao ... Dr. TT; ao chefe de Segurança da Universidade ...; ao responsável pelos Espaços e Infraestruturas da Universidade ...

64. Eram dirigidos ao Dr. TT, pedidos para cedência de espaços na Universidade para realização do Enterro do Caloiro.

65. O Dr. TT em entrevista que deu ao "...", em ........2013, declarou: Era um dos grupos mais ativos e entusiastas da ....

66. O presidente do Conselho de Administração da 2.ª Ré COFAC trocou com o UU, honoris dux, uma mensagem de sms após o sucedido ....

67. Após o falecimento dos filhos dos Autores foi dada uma entrevista televisiva por elementos do COPA ao canal de televisão ... que teve lugar nas instalações da Universidade....

68. Por cortesia, no Natal, eram enviadas à direção da Universidade e ao chefe de segurança prendas, que se traduziam num cabaz de Natal e cartas de boas festas.

69. A adesão à Praxe ocorria no primeiro dia de aulas, de forma livre e espontânea, através de uma breve explicação dada no átrio, altura em que se assinavam os termos de responsabilidade.

70. No dia ........2014, pelas 14:03, UU, ex-Dux do COPA, enviou uma mensagem para o número .......38 (TT) com o seguinte teor: Boa tarde professor, queria agradecer as palavras proferidas nas entrevistas dadas tanto na ... como na ..., veio demonstrar a excelência em que nós ex-alunos e atuais nos revemos. Agradeço o apoio demonstrado é sem sombra de dúvidas um dos mais importantes para nós. Com os melhores cumprimentos, UU.

71. No dia ........2014, pelas 15:38m o telefone número .......38 (TT) enviou uma mensagem ao UU com o seguinte conteúdo: Importa não vacilar, Coragem e muita fora. Forte abraço.

72. No dia ........2014 pelas 14:57, o número .......03 enviou uma mensagem ao UU com o seguinte conteúdo: Hoje vai haver uma reunião na fac com todos os cursos que tem praxe e com os do copa organizada pela VV, com o objetivo de criar estratégias para a praxe se manter na lusófona.

73. No dia ........2014, pelas 22:27, o UU enviou uma mensagem para o número .......03: E ninguém disse q o copa tem um código de conduta assinado p’lo damasio?.

74. Os alunos quando aderiam à praxe assinavam um documento denominado “Termo de Responsabilidade", o qual referia, nomeadamente, o seguinte: "Eu,, portador/a do B.l número…., aceito orgulhosamente vincular-me à Praxe, no curso de…. pertencente ao Conselho Oficial da Praxe Académica (C.O.P.A.) da Universidade ... (Universidade ...), e responsabilizo-me pelos meus atos, riscos e danos que possam ocorrer.

75. Em ... de ... de 2012 MM assinou um formulário, denominado "Termo de Responsabilidade", timbrado com o símbolo do COPA., o qual referia o seguinte: Eu, MM, portador/a do B.l. número…, aceito orgulhosamente vincular-me à Praxe, no curso de ... pertencente ao Conselho Oficial da Praxe Académica (C.O.P.A.) da Universidade ... (Universidade ... T), e responsabilizo-me pelos meus atos, riscos e danos que possam ocorrer.

76. No dia ........2013, pelas 23:09:27, a PP, telemóvel n.º .......09 enviou a seguinte mensagem para "WW": Tive que cancelar a actividade aconteceu uma cena muita grave. "WW" responde, ........2013 23:09:59: Tao? PP responde, ........2013 23:18:23: Uma pastrana "desmaiou" ate ligamos pro 112.

77. De um relatório assinado por «Survivor» consta: Afirmo que é mais duro do que eu pensava mas... A praxe é dura mas é praxe.

78. No fim-de-semana de ... de ... de 2011 realizou-se um encontro de Praxe do curso de ..., no qual participou MM (MM), na categoria de Pastrana, tendo sido elaborado relatório pela representante do Curso de ... de onde consta: Passavam poucos minutos das 20Horas e estava tudo preparado para seguir Viagem, presentes estavam: Representante de Curso: P......, a C....... e P....: F.., XX e C......, uma Veterana: S....., um Doutor: T.. e duas Pastranas: MM e .... A Comissão e Representante foi num carro e V....... ...... o Doutor T.V e as Pastranas foram noutro. Em pleno caminho a S..... pediu para as Pastranas fazerem uma música sobre o fim-de-semana e que expectativas tinham elas do mesmo. A meio caminho enganamos as Pastranas alegando que estaríamos quase a chegar e que tinham de fazer o caminho a pé. Mas estávamos apenas no meio da lezíria do Tejo e escondemos os carros. Elas muito assustadas, no escuro, com cães a ladrar vieram ao nosso encontro. Foi-lhes explicado que ainda estávamos longe e que nunca as iríamos abandonar visto que somos todo um....Depois do jantar, a S..... deu uma ideia para fazer às Pastranas: "vamos testar os conhecimentos delas e como é que elas reagem em pressão", então fomos para uma sala em que iria estar completamente às escuras, S..... e a P...... estavam sentadas numa mesa, a comissão de praxe estava escondida no escuro a bater com a capa nas portas, no chão, nas paredes, fazer barulho com os sapatos andar a volta das Pastranas. Primeira a entrar foi a MM: S..... pergunta: Porque que estas aqui? O que é para ti a base do Academismo? A MM no meio daquela pressão enorme atrapalhou-se (normal) e lá foi dando algumas respostas na sua grande maioria erradas! Até que a S..... fez mais questões: se tivesses sozinha em frente a um grupo de bestas o que farias? Se a Representante e a Comissão se atirassem pelo um poço também te atiravas? As respostas foram muito renitentes chegou ao ponto de dizer que não se atirava ao poço, ou seja ainda não tinha percebido o sentido figurado e ainda estavam muito "cruas" a nível académico. Após isto deixamo-las a pensar reflectir e até mesmo chorar. E vieram ter connosco para termos uma conversa com elas sobre o que se passou. Pois elas teriam de mudar a atitude, pois foi-lhes dito que elas são o futuro do curso e da academia. Até que o C...... e a F.. as levaram para a beira da piscina e disseram: "se eu me atirasse para dentro da piscina vinham comigo?" E mais uma vez houve hesitação da resposta e de atitude....Onde foi-lhes dado a garrafa para a mão onde foi dito: "levem o curso para a frente" elas ajoelharam-se e levaram a garrafa para trás. Aprenderam que o caminho não é fácil e que para levar um curso para a frente não há caminhos fáceis e não é para quem quer é para quem pode, para quem realmente acredita, para quem realmente vive. Depois do almoço quando já se estava a preparar tudo, para ir embora de Curso e a Comissão de Praxe, a V....... ...... e o Doutor T.V entraram para dentro da piscina para ver a reacção das Pastranas, se realmente hesitavam ou entravam por esse ser o caminho. E fizeram o esperado, entraram sem hesitações o que fez com que tudo o que lhes foi feito e dito fez sentido. Assim o primeiro fim-de-semana do curso de Serviço Social correu perante o planeado, todos os objectivos dele foram atingidos. Dando motivação para voltar a fazerem-se vários em breve.

79. Posteriormente, num encontro de "Fim-de-Semana" do COPA, a realizar em ..., foi prevista, conforme documento escrito que se encontrava nas coisas da MM, a realização do seguinte: 1.º dia - Encontro às 18 horas ... - Tentar parar num sitio, tapar-lhes a cabeça e ir para o sitio onde estava a rede o ano passado. - transportar tudo p/ dentro e montar tendas. - amarrá-los entre cursos diferentes e jantar (própria comida); -praxá-los lá perto, falar c/eles sobre o facto de estarem presos c/outro curso (darem-se bem p/ o curso p/ trabalharem bem). Irem tbm para perto da cova e pô-los em prancha.- Cansá-los e mandá-los dormir! Alcóol - Irem a rastejar até ao portão! Dar foto do lago! 20 min/ exup! - O lago é o centro da vossa união!! - Cama??? 2.º Dia - Alvorada P/ eles 8h 9h Pequeno Almoço - R.C Dux – l0h Perguntas: - Dux; - Honoris;-...- Condição;- Cargo;- Chefe;- Lider;- Fundadores:- Pq. traje é ...?Caminho 2- Fazendo perguntas (Cabeças c/ Capa);- Fazer Supor 3 (1 normal, 2 tapados);...- Igual ao outro praxar na relva dps do portão, fazer o caminho pela serra, cemitério)-Ir para o coliseu e comer comida de gato...

80. Os fins-de-semana de encontro entre elementos do COPA têm como principal objetivo o fortalecimento do grupo, podendo ocorrer praxe dos de categoria superior aos de categoria inferior.

81. Num relatório elaborado pelo representante do Curso de ... consta o seguinte: De um ponto de vista estritamente sobre os doutores podiam ter feito melhor, como não serem tão passivos na altura de praxar e deixarem-se relaxar seja por cansaço ou falta de ideias.

82. O uso de telemóveis em simultâneo com o decorrer de praxe era regrado para não perturbar o decorrer da praxe e resguardar os telemóveis.

83. Resulta do "Planeamento da atividade para pastranas de dia ........2013, do Curso de ...: Durante o percurso iríamos retirar-lhes os telemóveis para elas estarem focadas nas tarefas que lhes demos, pois durante a semana de praxe verificamos que muitas vezes elas descoravam das bestas e mexiam nos telefones.

84. KK, LL, MM, NN, PP, OO tinham conhecimento, no fim de semana de ... de ... de 2013, que em determinados momentos poderia existir restrição de uso de telemóvel.

85. No dia ........2013, pelas 00:04:53 a PP enviou uma mensagem a "WW" com o seguinte conteúdo: Já estou bêbada!

86. No dia ........2013, pelas 00:39:50 "WW" enviou uma mensagem a PP com o seguinte conteúdo: Atividades em telemóvel?!

87. No dia ........2013, pelas 01:01:42 a PP enviou uma mensagem a "WW" com o seguinte conteúdo: Até agora não disseram nada.

88. No dia ........2013, pelas 10:50:26, a PP recebeu uma mensagem de "YY" com o seguinte conteúdo: Sim YY, ainda n te mandei sms a prgntar como ta a correr pq pensei que alguém te tivesse tirado o tlm ou isso.

89. Numa reunião havida no dia ........2013 ficou consignado em ata: O excelentíssimo DUX começa por referir que os decretos e / ou qualquer decisões tomadas em MPC terão no máximo 48 horas para serem afixadas devidamente, isto de modo a melhorar os erros do ano passado. DUX diz também que se o MPC faltar à sua responsabilidade (não transmitiu algo, não trouxe algo que lhe foi antecipadamente pedido) terá uma sanção grave. O relatório do mês terá sempre que ser entregue na primeira reunião de todos os meses. Comunica também que quer ser avisado em reunião e por mensagem de todas as atividades do curso.

90. No dia ........2013 reuniu o MPC, tendo como ponto 2 da ordem de trabalhos: 2- Assunto: Casa para tertúlia e Fim-de-semana de MPC. A primeira tertúlia para comissões de praxe será dia ..., quarta-feira, com ponto de encontro na Universidade às 18 horas. Esta deverá realizar-se na casa da Comissão de ... - .... Relativamente ao fim-de-semana de MPC foram dadas duas datas para a sua realização: 6/7/8 ou .../.../15 de ... de 2013. No que diz respeito a casa para tal, até dia ..., os representantes terão de apresentar mais soluções.

91. Consta ainda da referida ata o seguinte: Design propôs um fim-de-semana de pastranos para as datas 29/30/1 e 6/7/8 de Novembro/ Dezembro de 2013. A nível de curso, lançou os seguintes objetivos: rigor, sentir o espírito académico, "precisar de alguém", conhecimento. DUX disse que a realização de fins-de-semana de curso apenas será feita após o representante do curso em questão ter estado presente em um fim-de-semana de MPC. O fim-de-semana de MPC é algo muito importante, dando assim bases para um possível um fim-de-semana de curso.

92. Nessa reunião havida em ........2013 consta da ata que esteve presente, como convidado, um ex-representante do curso de ..., de nome ZZ, o qual tendo usado da palavra afirmou: ZZ disse: Os tempos mudaram, somos cada vez menos. Somos cada vez menos trajados na faculdade. Com o passar do tempo perde-se mais, fala-se mais e age-se menos. Mais vale poucos e bons do que mais e maus. É preciso fazer coisas com mais sentido. Não estamos aqui para sermos amigos.

93. Consta ainda da referida ata o seguinte: DUX disse que está cá para melhorar e que andamos cá todos para corrigir os erros do passado. Disse também que tem como compromisso proporcionar um batismo e enterro bons de maneira a fazê-los (bestas) sentir mais.

94. No dia ........2013, reuniu novamente o MPC, constando do ponto 5 da referida ata o seguinte: 5.º Assunto: Fim-de-semana de MPC. O fim-de-semana de MPC será nos dias ... de ... de 2013. DUX diz que um dos papeis de um representante é melhorar para fazer evoluir o seu curso, ou seja, quem não for é sinal de que não quer o melhor para o seu curso. Isto sem não haver uma razão bastante plausível.

95. No dia ........2013, voltou a reunir o MPC constando do ponto 9 da reunião o seguinte: 9.º Assunto: Fim-de-semana de MPC O fim-de-semana de MPC irá realizar-se nos dias ... de Dezembro, sendo que a hora de encontro será por volta das 18/19 horas de dia 13. Até dia ..., domingo todos os representantes terão que confirmar por telemóvel a sua presença, ao excelentíssimo DUX. Na próxima reunião, todos os representantes terão que ter organizado o que cada um leva de comida, o que cada um leva a nível de utensílios (fogão, etc). Mais tarde, saber-se-á qual o outro utensílio. O transporte será na volta de 5€. O C.O.P.A. pagará a carne, a bebida e o alojamento. Por cada representante, terão que levar pijama, bolsa de higiene, camisas, manta, caso cama.

96. Coube a OO o arrendamento da casa em ..., onde os jovens se hospedaram na noite de ........2013.

97. O 1.º Réu, enquanto DUX, havendo dinheiro no COPA das atividades realizadas, não teria que pagar qualquer montante pelo fim-de-semana.

98. Do artigo 133.º, n.º 2, do "Código" consta que: o desrespeito grave pela hierarquia terá como consequência a descida de um grau hierárquico por parte do prevaricador por tempo a determinar pelo Maximum Praxis Concilium ou pelo Tribunal de Praxe.

99. Os filhos dos Autores aderiram à praxe logo no início do curso e percorreram as várias etapas (graus) até serem eleitos representantes do seu curso.

100. As atividades de praxe ocorriam no ... à vista de toda a gente e era comum a realização de flexões e periquitos ("Jumping Jacks").

101. No dia ........2014, pelas 21:18, o UU, Honoris Dux, recebeu uma mensagem do número .......60 (AAA) com o seguinte conteúdo: Mas não estamos a conspirar, mas tentamos perceber o que se passou! Que ela me disse que ele tava com sede dos praxar que era o que precisavam, disse... Mas não sei... Até pode ser uma coincidência, mas porque não levaram os telemóveis? Não percebo.

102. Os jovens, à exceção de LL que não estava ainda presente, ingeriram bebidas alcoólicas na noite do dia ....

103. O 1.º Réu instalou-se no andar de cima da casa arrendada e os restantes jovens distribuíram-se pelo andar de baixo.

104. KK, LL, MM, NN, PP, OO durante o dia ... consumiram bebidas alcoólicas.

105. No dia ........2013 pelas 02:56 a OO enviou uma mensagem ao 1.º Réu com o seguinte conteúdo: puto obriga-a a comer e a gente bebe por ela ... nem que lhe faca um cha ela precisa d comer.

106. No dia ........2013, pelas 14:32, PP recebeu uma mensagem no seu telemóvel n.º .......09, do número .......93, pertencente ao 1.º Réu, com o seguinte conteúdo: Hora do penalti.

107. E pelas 14:35:12, recebeu nova mensagem do mesmo número: Ja ta?

108. PP enviou as seguintes mensagens, conforme se retira do telemóvel da mesma com o número .......09: Dia ........2013, 00:04:53 para "WW": Já estou bêbada! Dia ........2013, 01:30:59 para "WW": Estamos a fazer o jantar. E eu super bêbeda. Das tarefas que temos, eu sou a que tenho que supervisionar todos; Dia ........2013, 02:03:31 para "WW": Isto esta péssimo migo; Dia ........2013, 02:33:09, para "WW": Pussy isto esta horrível; Dia ...-...-2013, 02:52:47, para "WW": Estou tão mal; Dia ........2013, pelas 03:39:29 para "WW": Isto esta tão mau puto.

109. A OO enviou e recebeu as seguintes mensagens no seu telemóvel: .......62: no dia ........2013 a OO recebeu uma mensagem do número .......32 (XX) com o seguinte conteúdo: Entaooooooo essa pinga!? XD; no dia ........2013 pelas 00:27 recebeu uma mensagem do JJ .......93: Ficam lol; no dia ........2013 recebeu uma chamada do numero .......32 (XX) com o seguinte conteúdo: Tao a tua espera... Bebe xD; no dia ........2013, pelas 00:30, enviou uma mensagem para o numero .......32 (XX): Isto ta tudo na descontra lol; no dia ........2013, pelas 01:15 a OO enviou uma mensagem para o numero .......94 (BBB): Mpc esta todo alegre minha amora; no dia ........2013, pelas 01:17, enviou uma mensagem ao número .......94 (BBB): O teu puto ta bem alegre já alias tao todos; no dia ........2013, pelas 02:41, recebeu uma mensagem do JJ com o seguinte conteúdo: Isso já ta há muito com o álcool é que se nota.

110. A autópsia de KK, única que permitiu efetuar exames toxicológicos, foi realizada no dia ........2013 pelas 14h33.

111 1. Da análise da autópsia resulta o seguinte: confirmação qualitativa e quantitativa de canabinoides no sangue ... sangue periférico ... resultado: Positivo ... 11-Nor-carboxi-D9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) ...sangue periférico ... 6,8 ng/mL ... D9-tetrahidrocanabinol (THC) ... sangue periférico ... 2,1, ng/mL ... quantificação de etanol no sangue... sangue periférico... resultado 0,63 g/L ... triagem de voláteis ... humor vítreo ... resultado: positivo ... Etanol... Humor vítreo ...Resultado: 0,85 g/L ....

112. Em ........2014, o INML informou o seguinte: Nesta conformidade, tendo presente a similaridade de metabolização individual, tanto do THC como do etanol no corpo humano e a assunção clássica de que o THC possui características endógenas que potenciam a ação sedativa de substâncias psicotrópicas como o álcool, neste caso concreto, em função da presença cumulativa destas duas substâncias em circulação no corpo de KK é de admitir um certo grau de perturbação da coordenação motora da perceção e das funções cognitivas e afetivas com interferência "na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco para a sua integridade física ou vida, tendo em conta a hipotética situação de aproximação à linha de água na Praia ..., na noite de .../.../2013.

113. Na manhã do dia ........2013, aos jovens, com exceção da LL, na qualidade de representantes de curso, após reunião, foi indicado que se separassem pela casa e foi-lhes pedido pelo 1.º Réu que refletissem sobre as atividades a desenvolver nos cursos.

114. Enquanto estavam separados os jovens trocaram algumas mensagens entre si, com o seguinte conteúdo: no dia ........2013, pelas 10:49:41, a PP (.......41) recebeu uma mensagem da MM, telemóvel número (.......30): Tou aqui em baixo; no dia ........2013, pelas 10:50:17, a PP enviou uma mensagem para MM: Eu estou ca em baixo. Que atividade faço para debater o assunto das tuas pastranas?; no dia ........2013, pelas 10:50:26, recebeu uma mensagem de "YY" (YY) telemóvel número (.......33): Sim bro, ainda n te mandei sms a prgntar como ta a correr pq pensei que alguém te tivesse tirado o tlm ou isso..; PP respondeu pelas 10:51:00: Ajuda me. Tenho q fazer uma atividade para debater os problemas das pastranas de serviço social, c duração de 2 horas. Da ai ideias; no dia ........2013 recebeu uma mensagem de "YY" (YY) telemóvel número .......33: E foi essa a ideia que a pocahontas achou 5 estrelas n foi? Mas dcrteza q so pra ser do contra agr vai dizer que n concordou.. Mas sim a ideia e essa, puxar pela confiança das miúdas, como nos fizemos c os nossos na 4f mais ou menos..; no dia ........2013, pelas 10:59:19 enviou uma mensagem para a MM: "MM. Já saíste do quarto?; no dia ........2013 pelas 10:59:57 recebeu uma mensagem da MM: Nao... É para sair quando quisermos?.

115. Após falaram todos juntos, durante algum tempo, sobre atividades para os respetivos cursos, tendo-se encaminhado para o jardim da casa.

116. Ao longo do dia, os jovens foram vistos a efetuar, por ordem do 1.º Réu, exercícios físicos, como flexões e periquitos, na ordem das 150 (cento e cinquenta) repetições.

117. Pelo facto de a LL ter chegado mais tarde ao fim-de-semana foi-lhe dito pelo 1.º Réu que efetuasse também 150 periquitos.

118. No dia ........2013, pelas 15:53, a LL enviou uma mensagem para o namorado CCC, telemóvel número .......34 com o seguinte conteúdo: Já fiz 150 piriquitos sozinha, o resto a olhar para mim. Filhos da puta.

119. O 1.º Réu observava a execução dos exercícios não efetuando ele os exercícios.

120. A meio da tarde do dia ........2013, os jovens deslocaram-se até um terreno descampado existente nas imediações da casa arrendada.

121. Nesse terreno alguns dos jovens percorreram alguns metros a rastejar.

122. KK rastejava transportando o pinheirinho de Natal que lhe havia sido entregue pelo seu curso.

123. Durante a tarde, o 1.º Réu foi visto a conversar várias vezes com KK, LL, MM NN, PP, OO, estando estes num dos momentos sentados de frente para ele.

124. Após o jantar, KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu saíram de casa com destino à Praia ..., ....

125. Entre a casa arrendada, em ..., e a praia ... distam 5,2 Km.

126. KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu deixaram estacionadas à porta da casa, as duas viaturas em que se deslocaram para aquele fim de semana, um Renault Clio pertencente a KK e um Seat Leon pertencente a NN e decidiram andar a pé até à praia.

127. Foram a pé, sem pararem em qualquer estabelecimento comercial, seguindo em fila a conversar.

128. O 1.º Réu entregou a cada um dos jovens um ovo que representava o respetivo curso tendo estes que zelar pelo mesmo para que nada lhe acontecesse.

129. O 1.º Réu, por seu lado, transportava, pelo menos 3 (três) ovos, referentes aos cursos em falta.

130. Os telemóveis de KK, NN, PP, MM, OO, com exceção da LL, ficaram todos na casa de ..., por serem "topo de gama", tablets, e I-Pads.

131. O 1.º Réu na deslocação para a praia fazia-se, ainda, acompanhar do seu telemóvel.

132. KK, LL, NN, PP, MM, OO levavam cada uma delas um objeto que representasse o respetivo curso.

133. KK transportou um pequeno pinheirinho de Natal ornamentado com lâmpadas de Natal e bolas de arame.

134. O barulho da rebentação das ondas ouvia-se antes de se entrar na zona da praia.

135. O mar estava bastante agitado, com ondas de 3 a 4 metros de altura, e com sequências de 12 (doze) a 14 (catorze) segundos.

136. As ondas eram colapsantes.

137. A noite estava bastante fria e existia alguma visibilidade.

138. Ao entrar na praia era possível ver a rebentação das ondas.

139. O 1.º Réu foi praticante de body board durante vários anos.

140. Quando entraram no areal da praia, pousaram os objetos que transportavam, a mais de 60 (sessenta) metros da linha de água, entre esses objetos ficou o "pinheirinho de Natal" transportado por KK.

141. O 1.º Réu pousou também aí o seu gorro, contendo no seu interior dois telemóveis o seu e o de LL, as chaves da viatura de KK, e bem assim 4 (quatro) maços de tabaco.

142. KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu continuaram a andar pela praia a conversar e sentaram-se numa zona de areia seca.

143. E quando se estavam a levantar foram surpreendidos por uma onda que lhes embateu com força do lado direito e os envolveu levando-os para a zona da rebentação.

144. Uma onda com 3 a 4 metros atinge uma força de embate entre 2 (duas) a 3 (três) toneladas.

145. Após terem sido atingidos por uma primeira onda, os jovens foram posteriormente envolvidos com sucessivas ondas, algumas com dimensão de cerca de 3 a 4 metros e com intervalo de 12 a 14 segundos.

146. KK, LL, NN, PP, MM, OO não conseguiram sair da água, acabando todos por falecer por submersão.

147. O 1.º Réu, libertando-se da capa, conseguiu sair da água e alcançar o telemóvel para pedir socorro.

148. O 1.º Réu foi assistido pela Polícia Marítima (pelas 01h45m) e depois pelos Bombeiros (pelas 02h35m) e pelo INEM (pelas 02h45m), na praia, e depois de estabilizado por estar em estado de hipotermia, foi levado para o hospital (pelas 03h35m).

149. A Polícia Marítima ficou na posse das chaves da casa arrendada.

150. O 1.º Réu deu entrada no Hospital ... pelas 03h58m em estado de hipotermia.

151. Às 05.08, foi medicado com 500 mg paracetamol.

152. Às 06:31, teve alta por parte do Dr. DDD.

153. As 07:45, teve alta administrativa.

154. Após ter alta do hospital, o 1.º Réu foi levado pela Polícia Marítima do hospital para a casa de ..., de forma a ser possível, através dos pertences dos então desaparecidos localizarem e contactarem os seus familiares.

155. O 1.º Réu, por sugestão da Polícia Marítima, que esteve sempre presente com ele na casa de ..., chamou um familiar para o acompanhar.

156. O 1.º Réu, após ter arrumado os pertences dos jovens e a casa, deixou a casa no dia ........2013, na companhia do seu cunhado EEE, cerca das 15 horas, levando os pertences dos jovens por indicação da Polícia Marítima.

157. Nos dias seguintes foram encontrados na areia da praia alguns objetos: um copo de curso, bem como um gorro de PP, contendo no seu interior um bloco de notas, e algumas cascas de ovos.

158. O "Pinheirinho de Natal" transportado para a praia pelo KK, permaneceu na areia vários dias.

159. Os corpos dos jovens foram transportados pelas correntes marítimas para o mar aberto.

160. O corpo do KK foi resgatado do mar no dia ........2013, pelas 06:54.

161. O KK era um jovem alegre e bem-disposto.

162. Sempre disponível a ajudar as outras pessoas.

163. Tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo.

164. Sujeito a autópsia médico legal, em ........2013, a mesma concluiu nos seguintes termos: 1.ª - Em função dos dados autópticos circunstanciadamente explanados no presente relatório pericial, a morte de KK foi devida a asfixia por submersão. 2.ª - As lesões traumáticas recentes descritas, nos dedos das mãos e na região para vertebral lombar direita, na alínea F, hábito Externo do presente relatório pericial, correspondem a traumatismo pouco violento de natureza corto-contundente e, pelas suas características, localização e superficialidade denotam ter sido produzidas na fase agónica da asfixia.

165. O corpo de KK apresentava ainda água arenosa e fragmentos de algas e plâncton marinho, em vários órgãos como pulmões, esófago, estômago, intestinos.

166. Apresentava, ainda, em exame ao hábito externo, bastantes hemorragias petequiais do tamanho de bicos e cabeças de alfinete provocados pelo ataque de fauna marinha.

167. Na morte de asfixia por submersão, ocorre por regra, a fase um de apneia voluntária, a fase dois de rarefação de oxigénio no corpo, ocorrendo a deglutição sucessiva de ar e água, e invasão pela água das vias respiratórias, perda de consciência pela penetração da água em toda a árvore respiratória e fase três com paragem cardio-respiratória e morte.

168. O Autor AA sempre incentivou o seu filho KK a tirar um curso superior e a frequentar o Estabelecimento de ensino criado pela 2.ª Ré e agora arrepende-se de o ter feito.

169. Apesar do Autor se encontrar separado da mãe do KK e este viver com aquela ele estava com o seu filho várias vezes por mês.

170. E quando não estavam juntos pessoalmente telefonavam-se com frequência.

171. O Autor e o seu filho apoiavam-se mutuamente.

172. Desde a morte do seu filho o autor vive uma enorme angústia e desgosto.

173. Não existe dia em que não pense na morte de seu filho.

174. O Autor reconheceu o seu filho na morgue.

175. O 1.º Réu não contactou o Autor para lhe dar uma justificação para o sucedido.

176. O Autor sente que uma parte de si morreu também com o seu filho.

177. O Autor, após a morte de seu filho, passou a receber acompanhamento psicológico durante cerca de dois anos.

178. E a tomar medicação para dormir quando está mais stressado.

179. O corpo de LL foi resgatado do mar no dia .../.../2013, pelas 11:00.

180. Devido ao avançado estado de decomposição não era possível proceder à identificação do cadáver.

181. Pelo que tiveram que ser chamados os familiares de todas as vítimas do sexo feminino.

182. A identificação de LL só foi possível através do recurso à Medicina Dentária Forense e à recolha de DNA.

183. O funeral da LL realizou-se no dia ... de ... de 2013, dia de Natal em urna lacrada e fechada, sem que os pais pudessem ver o corpo.

184. Com o funeral da LL os Autores BB e CC despenderam o montante global de 1.447,82 €.

185. Em consequência da morte da sua filha os Autores BB e CC entram em depressão tendo que passar a ser assistidos por psicólogos e médicos psiquiatras.

186. Os Serviços Sociais da ..., entidade patronal do Autor BB, suportaram uma parte das consultas de psicologia e psiquiatria.

187. Os Autores BB e CC tiveram que suportar um montante global de 504,00 €.

188. Em consequência do estado de depressão em que a Autora CC se encontrava, e ainda atualmente se mantém, após a morte da sua filha, a Autora viu-se obrigada a ficar de baixa médica.

189. Nos meses de março e abril de 2014 a Autora deixou, pelo menos, de auferir o montante global de 621,46 €.

190. LL era uma jovem alegre e bem-disposta.

191. Sempre disponível a ajudar as outras pessoas.

192. Tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo.

193. Tinha uma personalidade determinada, com sentido de justiça muito forte.

194. Vivia a vida de forma intensa, sempre com projetos de diversão e convívio com os amigos.

195. Tinha uma relação muito próxima com a família, nomeadamente com os pais e as avós.

196. Adorava e incentivava as festas de convívio de família, nomeadamente, as festas de aniversário, Natal e passagens de ano, que eram passadas em família.

197. Gostava muito do curso que frequentava (...) tendo optado pela faculdade privada ... em preterição da frequência do curso de turismo numa faculdade pública em ....

198. Frequentou estágios ou part-time na sua área curricular durante o curso.

199. LL era uma filha muito querida pelos Autores BB e CC.

200. O nascimento da LL foi um ato muito desejado e surgiu de uma relação de Amor entre os Autores BB e CC.

201. O nascimento da LL foi um dos dias mais felizes da vida dos Autores BB e CC, apenas igualado pelo nascimento do irmão desta.

202. Os Autores BB e CC, após o nascimento dos seus filhos sempre adaptaram a vida em função da educação a dar a estes.

203. Os Autores BB e CC nunca abdicaram de estar presentes na vida da LL, procurando informar-se sobre como corriam as aulas, os grupos de amigos, os problemas que a afetavam.

204. Os Autores BB e CC residem no ... há 32 anos, são pessoas muito conhecidas, respeitadas e queridas no concelho, antes da morte da sua filha, estavam sempre ativas em projetos culturais dinamizados na cidade.

205. Os Autores BB e CC viajavam em família com os filhos.

206. Os Autores BB e CC passavam sempre as férias de verão na companhia da sua filha, tendo inclusive uma pequena casa em ..., para onde se deslocavam.

207. Os Autores BB e CC e os seus filhos eram uma família realizada e feliz, a LL, dizia constantemente que os Autores "Eram os melhores pais do mundo.".

208. Os Autores BB e CC até ... de ... de 2013 nunca tiveram historial de problemas psicológicos, psiquiátricos ou insónias, nem ingeriam ansiolíticos ou antidepressivos.

209. A Autora CC era uma mulher muito alegre, que tinha sempre coragem para animar quem a rodeava em família, no grupo de amigos ou no local de trabalho.

210. A Autora CC, ..., na ... era reconhecida por trazer sempre um sorriso.

211. No dia ... de ... de 2013 os Autores BB e CC escutaram de manhã nas notícias o desaparecimento de grupo de estudantes ... e de imediato se deslocaram para a praia.

212. Tendo no caminho sido informados que a sua filha estava desaparecida no mar.

213. Quando chegaram à praia, BB e CC foram confrontados com o seguinte cenário: um mar revolto com ondas de 5 a 6 metros de altura, helicópteros e navios a realizarem as buscas, muitas ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia marítima, uma tenda de lona enorme para serem recebidos por técnicos de saúde do 1NME e dos Bombeiros Voluntários de ....

214. Hora após hora, dia após dia, noite após noite, permaneceram naquela praia à espera que o mar lhes devolvesse o corpo da sua filha.

215. A angústia e o desespero consumiam-nos, começaram a viver à custa da medicação que, mesmo ali na praia lhes administravam.

216. Ao mesmo tempo que iam sendo informados por elementos da marinha que existam 40% de hipóteses de o corpo nunca ser recuperado, o que aumentava o desespero.

217. Perderam a noção do tempo horas, dias e noites deixaram de existir, apenas desespero e angústia.

218. Passaram a ter acompanhamento permanente a nível psicológico e psiquiátrico, quer por elementos do INEM quer por elementos da ..., entidade patronal do Autor Marido.

219. Durante os dias na praia o 1.º Réu nunca ali apareceu.

220. O 1.º Réu não contactou BB e CC para lhes dar uma justificação para o sucedido.

221. Os Autores BB e CC não foram contactados por elementos da 2.ª Ré para lhes dar os sentimentos pela perda da filha.

222. A 2.ª Ré remeteu aos Autores BB e CC uma carta registada com aviso de receção convocando-os para a realização de uma missa que estaria a organizar.

223. Durante o tempo em que esperava que o mar devolvesse a sua filha a Autora deixou praticamente de se alimentar e teve que receber assistência medica e ser acompanhada pela equipa de psicólogos.

224. Após a morte da filha dos Autores estes passaram a viver unicamente para tentarem obter respostas sobre aquilo que aconteceu naquele fim-de-semana.

225. A Autora CC após a morte da sua filha manifestou ideação suicida.

226. A Autora CC esteve de baixa médica, sujeita a medicação, até ... de 2014, tendo retomado a sua atividade profissional mas de forma bastante mais reduzida, deixando de dirigir projetos escolares e extracurriculares.

227. O Autor BB retomou a sua atividade profissional em ... de 2014, mas pediu a pré-reforma em... 2015.

228. BB e CC nunca mais se conseguiram concentrar nas suas atividades profissionais.

229. BB e CC para conseguirem sobreviver à angústia e ansiedade de terem perdido a sua filha e conseguirem dormir consomem diariamente ansiolíticos e antidepressivos e são seguidos regularmente em consulta.

230. Os Autores todos os meses fazem psicoterapia de pais em luto, com um grupo de pais que perderam os seus filhos.

231. BB e CC após a morte da sua filha deixaram de passar férias, quando se ausentam de casa nunca é por mais de dois ou três dias.

232. Após a morte da sua filha deixou de haver celebração das festas de Natal e ano novo.

233. BB e CC vivem diariamente angustiados pela saudade da filha.

234. A Autora fechou-se em casa após a morte da filha e praticamente somente saia para ir para a escola, não querendo conviver com ninguém.

235. CC perdeu cerca de 20 quilos, não tem prazer de viver, passa largos momentos sozinha e todos os dias acorda angustiada.

236. CC sente a necessidade de se deslocar ao cemitério para estar com a sua filha quase diariamente.

237. BB e CC sempre incentivaram a sua filha a tirar um curso superior e quando esta decidiu estudar no Estabelecimento de ensino dirigido pela 2.ª Ré sempre a apoiaram e sentem-se agora arrependidos de o terem feito.

238. BB e CC sentem que com a morte da sua filha uma parte deles também morreu.

239. O corpo da MM foi resgatado do mar no dia ........2013, pelas 14:20.

240. Devido ao avançado estado de decomposição não era possível proceder à identificação do cadáver.

241. Pelo que, tiveram que ser chamados os familiares de todas as vítimas do sexo feminino.

242. A identificação de MM só foi possível através do recurso à Medicina Dentária Forense e à recolha de DNA.

243. O funeral de MM realizou-se no dia ........2013.

244. Com o funeral da MM os Autores DD e EE despenderam cerca de 3.360,98 €.

245. Em consequência da morte da sua filha a Autora EE entrou em depressão tendo que passar a ser assistida por psicólogos e médicos psiquiatras.

246. Suportando o pagamento das consultas.

247. MM era a única filha dos Autores DD e EE.

248. MM era uma jovem alegre e bem-disposta.

249. Que gostava de ajudar os pais no estabelecimento comercial que têm.

250. Eram uma família feliz e que muito se ajudava.

251. MM era uma jovem determinada, com enorme alegria de viver.

252. Tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo.

253. Estava sempre disponível para ajudar os outros.

254. MM era uma filha muito querida pelos Autores DD e EE.

255. Após o nascimento de MM os Autores DD e EE conduziram as suas vidas em função das necessidades da mesma e trabalhar com o propósito de lhe dar o melhor futuro.

256. O nascimento de MM foi o dia mais feliz da vida dos Autores DD e EE.

257. As datas festivas da família (aniversários, Páscoa, Natal) eram preparadas e vividas intensamente por todos, em família.

258. DD e EE aguardavam com grande ansiedade todos os fins-de-semana que a MM vinha a casa e os momentos de convívio em família e com os amigos.

259. DD e EE até ... de ... de 2013 nunca tiveram historial de problemas psicológicos, psiquiátricos ou insónias.

260. Até ao dia ... de ... de 2013, os Autores DD e EE nunca ingeriram ansiolíticos ou antidepressivos.

261. No dia ... de ... de 2013 os Autores DD e EE foram informados pela Polícia Marítima, por volta da hora de almoço, que a sua filha estava desaparecida no mar.

262. E imediatamente se deslocaram para a praia ... ....

263. Quando chegaram à praia os Autores foram confrontados com um cenário de mar revolto com ondas de 5 a 6 metros de altura, helicópteros e navios a realizarem as buscas, muitas ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia marítima, uma tenda de lona enorme para serem recebidos por técnicos de saúde do INME e dos Bombeiros Voluntários de ....

264. Hora após hora, dia após dia, noite após noite, permaneceram naquela praia à espera que o mar lhes devolvesse o corpo da sua filha.

265. A angústia e o desespero consumiam-nos, começaram a viver à custa da medicação que, mesmo ali na praia lhes administravam.

266. Ao mesmo tempo que iam sendo informados por elementos da marinha que existam 40% de hipóteses de o corpo nunca ser recuperado, o que aumentava o desespero e angústia.

267. Passaram a ter acompanhamento permanente a nível psicológico e psiquiátrico, quer por elementos do INEM quer por elementos dos Bombeiros Voluntários.

268. Durante os dias na praia o 1.º Réu nunca ali apareceu.

269. O 1.º Réu não contactou os autores DD e EE para lhes dar uma justificação para o sucedido.

270. Nenhum elemento da 2.ª Ré contactou os Autores DD e EE para lhes dar os sentimentos pela perda da filha.

271. A 2.ª Ré remeteu aos Autores DD e EE uma carta registada com aviso de receção convocando-os para a realização de uma missa que estaria a organizar.

272. No dia ... de ... de 2013 DD e EE foram informados que teria aparecido o corpo de uma das vítimas do sexo feminino, contudo, era impossível o seu reconhecimento físico.

273. Acontece, porém, que aquele corpo não era o da filha dos Autores DD e EE.

274. No dia ... de ... de 2013, por volta das 10 horas da manhã, foi encontrado outro corpo, cuja identidade era impossível de identificar.

275. E por volta das 14:30 desse mesmo dia um novo corpo foi recuperado pela Polícia Marítima.

276. Os Autores DD e EE, acompanhados por familiares, deslocaram-se ao Instituto de Medicina Legal de ..., onde procederam à entrega de toda a informação que dispunham sobre a sua filha.

277. Os Autores DD e EE foram proibidos de ver o corpo, apenas lhes foram exibidas umas peças de roupa, pedindo-lhes que as tentassem reconhecer.

278. Após a realização da autópsia foi então confirmado que o corpo encontrado era a MM.

279. No dia ... de ... de 2013 foi entregue o corpo aos Autores DD e EE, numa urna lacrada e fechada.

280. Durante o tempo em que esperavam que o mar devolvesse a sua filha querida DD e EE receberam assistência na tenda dos familiares montada na praia.

281. Após a morte da filha, DD e EE passaram a viver unicamente para tentarem obter respostas sobre aquilo que aconteceu naquele fim-de-semana e apurar em que condições a sua filha morreu.

282. Os Autores DD e EE perderam completamente a alegria de viver e o sentido de viver.

283. Os Autores DD e EE têm um ... em ....

284. E são constantemente confrontados com o olhar de curiosos que querem ver os pais de uma das "vítimas ..." e são interpelados pelos habitantes locais sobre a morte da sua filha.

285. Os Autores DD e EE para conseguirem sobreviver à angústia e ansiedade de terem perdido a sua filha, consumiram ansiolíticos e antidepressivos.

286. E presentemente são acompanhados pelo medico de família com medicação antidepressiva.

287. DD e EE vivem diariamente angustiados pela saudade da filha.

288. A Autora EE sente a necessidade de se deslocar ao cemitério para estar com a sua filha quase diariamente.

289. DD e EE sempre incentivaram a sua filha a tirar um curso superior e quando esta decidiu estudar no estabelecimento de ensino dirigido pela 2.ª ré, sempre a apoiaram do que agora se arrependem.

290. DD e EE sentem que com a morte da sua filha uma parte deles também morreu.

291. O corpo do filho dos Autores FF e GG, foi encontrado no areal da praia ... no dia ........2013, pelas 10:43.

292. Devido ao avançado estado de decomposição não era possível proceder à identificação do cadáver.

293. A identificação do filho dos Autores FF e GG só foi possível através do recurso à Medicina Dentária Forense e à recolha de DNA.

294. O funeral do NN realizou-se no dia ........2013.

295. NN era um jovem alegre e bem-disposto.

296. Os Autores FF e GG e NN eram uma família feliz e que muito se ajudava.

297. NN era um jovem determinado, metódico e muito organizado, com enorme alegria de viver e objetivos bem determinados.

298. Estava sempre disponível a ajudar as outras pessoas, tinha uma enorme força de viver, um espírito solidário e amigo.

299. NN era um filho muito querido pelos Autores FF e GG.

300. Os Autores FF e GG desde que o seu filho nasceu passaram a trabalhar com o propósito de lhe dar o melhor futuro.

301. As datas festivas da família (aniversários, Páscoa, Natal) eram preparadas e vividas em família.

302. Os Autores FF e GG até ... de ... de 2013 nunca tiveram historial de problemas psicológicos, psiquiátricos ou insónias.

303. Até ao dia ... de ... de 2013, os Autores FF e GG nunca ingeriram ansiolíticos ou antidepressivos.

304. Desde o dia ... de ... de 2013 que os Autores FF e GG passaram a tomar ansiolíticos e anti depressivos.

305. No dia ... de ... de 2013 FF e GG foram informados pela Polícia Marítima, por volta da hora de almoço, que o seu filho estava desaparecido no mar.

306. Imediatamente se deslocaram para a praia ... ....

307. Quando chegaram à praia os Autores FF e GG foram confrontados com um cenário de mar revolto com ondas de 5 a 6 metros de altura, helicópteros e navios a realizarem as buscas, muitas ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia marítima, uma tenda de lona enorme para serem recebidos por técnicos de saúde do INME e dos Bombeiros Voluntários de ....

308. Hora após hora, dia após dia, noite após noite, permaneceram naquela praia à espera que o mar lhes devolvesse o corpo do seu filho.

309. A angústia e o desespero consumiam-nos, começaram a viver à custa da medicação que, mesmo ali na praia lhes administravam.

310. Ao mesmo tempo que iam sendo informados por elementos da marinha que existam 40% de hipóteses de o corpo nunca ser recuperado, o que aumentava o desespero e angústia.

311. Passaram a ter acompanhamento permanente a nível psicológico e psiquiátrico, quer por elementos do INEM quer por elementos dos Bombeiros Voluntários.

312. Até ao dia ........2013 haviam aparecido todos os corpos menos o do filho dos Autores FF e GG.

313. Situação que levou os Autores FF e GG a desesperarem ainda mais pensando que o corpo do seu filho seria o único que o mar não devolveria.

314. Durante os dias na praia o 1.º Réu nunca ali apareceu.

315. O 1.º Réu não contactou os Autores FF e GG para lhes explicar o sucedido.

316. A 2.ª Ré remeteu aos Autores uma carta registada com aviso de receção convocando-os para a realização de uma missa que estaria a organizar.

317. No dia ........2013 FF e GG foram informados que teria aparecido um corpo na praia da ... e que poderia ser do seu filho.

318. Os Autores, acompanhados por familiares, deslocaram-se ao Instituto de Medicina Legal de ..., onde procederam à entrega de toda a informação que dispunham sobre o seu filho.

319. No INML procederam à recolha de fluxos corporais dos Autores FF e GG para a realização de exames de ADN.

320. Após realizada a autópsia concluiu-se que o corpo encontrado era do NN.

321. Os Autores foram proibidos de ver o corpo.

322. No dia ... de ... de 2013 foi entregue o corpo aos Autores FF e GG, numa uma lacrada e fechada.

323. No dia .../.../2014, pelas 14 horas, foi encontrado um maxilar humano no areal da ....

324. Submetida a autópsia médico legal concluiu-se que o maxilar encontrado pertencia ao filho dos Autores.

325. Em meados de ... de 2014 os Autores FF e GG, são informados que o maxilar do seu filho havia sido encontrado na ... e tiveram que se dirigir ao INML de ... para dar autorização para que o maxilar do seu filho fosse incinerado.

326. Esta notícia deixou os Autores FF e GG completamente devastados, passaram horas a chorar.

327. O desespero e a saudade consomem-nos.

328. Durante o tempo em que esperavam que o mar devolvesse o seu filho querido os Autores FF e GG deixaram praticamente de se alimentar.

329. Após a morte do filho, FF e GG passaram a viver unicamente para tentarem obter respostas sobre aquilo que aconteceu naquele fim-de-semana e tentar apurar em que condições o seu filho morreu.

330. FF e GG perderam completamente a alegria de viver e o sentido da vida.

331. Durante meses os Autores FF e GG não conseguiam sequer mexer nas coisas do seu filho.

332. A casa dos Autores que antes era um local de convívio com os amigos e muita alegria, transformou-se num local silencioso e triste.

333. Os Autores para conseguirem sobreviver à angústia e ansiedade de terem perdido o seu filho passaram a consumir com regularidade ansiolíticos e antidepressivos.

334. FF e GG vivem diariamente angustiados pela saudade do filho.

335. O sentimento de perda do seu filho levou o Autor GG a ir viver para ... para junto do outro filho.

336. A Autora FF e porque tem que tentar trabalhar, ficou sozinha na casa de família.

337. Reunindo-se com frequência em sessões de apoio psicológico de pais em luto.

338. Os Autores FF e GG sempre incentivaram o seu filho a tirar um curso superior e quando este decidiu estudar no Estabelecimento de ensino dirigido pela 2.ª ré sempre a apoiaram do que agora se arrependem.

339. FF e GG sentem que com a morte do seu filho uma parte deles também morreu.

340. O corpo da filha da Autora HH foi resgatado do mar no dia .../.../2013, pelas 10:00.

341. Devido ao avançado estado de decomposição não era possível proceder à identificação do cadáver.

342. Pelo que tiveram que ser chamados os familiares de todas as vítimas do sexo feminino.

343. A identificação da filha da Autora HH só foi possível através do recurso à Medicina Dentária Forense e à recolha de DNA.

344. O funeral da OO realizou-se no dia ... de ... de 2013, tendo a Autora despendido com o funeral da OO o montante global de 2.780€ (dois mil setecentos e oitenta euros) e com o arranjo de uma campa para a sua filha 725€ despendeu (setecentos e vinte e cinco euros).

345. Em consequência da morte da sua filha HH entrou em depressão tendo que passar a ser assistido por psicólogos e médicos psiquiatras.

346. Em consultas de psicologia e psiquiatria a Autora HH despendeu o montante global de 146€ (cento e quarenta e seis euros).

347. A OO era uma jovem alegre e bem-disposta.

348. Vivia com a Autora HH, o padrasto e as irmãs em ....

349. Eram uma família feliz e que muito se ajudava.

350. A OO era uma jovem determinada, com enorme alegria de viver, vivia a vida com muita intensidade, e contagiava aqueles que a rodeavam, sempre com projetos de diversão e convívio com os amigos.

351. Gostava de ajudar a Autora HH nas lides domésticas e desde muito cedo, começou a trabalhar, nomeadamente, em part-time, para ajudar no pagamento dos estudos.

352. Adorava o seu curso.

353. Estava sempre disponível a ajudar as outras pessoas, tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo.

354. A sua personalidade cativante e bem disposta permitia-lhe fazer amigos com muita facilidade.

355. A OO era uma filha muito querida pela Autora HH.

356. HH tinha uma relação muito próxima com a OO, apoiando-se mutuamente.

357. A Autora HH tinha na sua filha uma confidente, uma amiga, a qual estava sempre disponível para a ajudar quer nas lides domésticas quer no âmbito da sua atividade laboral.

358. A OO foi a segunda filha de três meninas.

359. Quando a OO nasceu o seu pai não estava no país, pois o casal tinha chegado recentemente da ... onde tinham casado e vivido cerca de 7 anos, e decidiu voltar por um pequeno período de tempo, mas nunca mais voltou.

360. Pelo que HH ficou sozinha com uma filha mais velha e a recém-nascida OO.

361. Durante algum tempo viveram na casa de uma irmã da Autora HH, tia e madrinha da OO.

362. Essas dificuldades levaram a que HH e as suas filhas se tornassem muito unidas e próximas.

363. HH sempre fez tudo para que nada faltasse às suas filhas, para lhes garantir uma boa educação, trabalhava como ....

364. Após a Autora HH refazer a sua vida com o atual companheiro passaram a ser verdadeiramente uma família.

365. Adoravam conviver e confraternizar.

366. As épocas festivas e as férias eram sempre aguardadas com enorme ansiedade, pois, eram momentos em que todos estavam juntos e podiam divertir-se.

367. O namorado da OO era já uma pessoa de casa, e a Autora HH tratava-o também como se fosse um filho.

368. A Autora HH procurava informar-se junto da filha sobre como corriam as aulas, os grupos de amigos, os problemas que a afetavam.

369. A Autora HH era uma mulher muito alegre, que tinha sempre coragem para animar quem a rodeava em família, no grupo de amigos ou no local de trabalho.

370. HH até à morte da sua filha nunca teve problemas psicológicos.

371. HH até à morte da sua filha nunca teve necessidade de tomar qualquer tipo de medicação, nem calmantes, nem ansiolíticos, nem antidepressivos.

372. No dia ... de ... de 2013 a Autora HH foi informada no final da manhã pela Polícia Marítima que a sua filha estava desaparecida no mar.

373. A Autora HH não acreditava no que ouvia, imediatamente pediu que contactassem todos os amigos da OO, para saber onde estava.

374. E imediatamente se deslocaram para a praia ... ....

375. Quando chegou à praia a Autora HH e o seu companheiro foram confrontados com um cenário de mar revolto com ondas de 5 a 6 metros de altura, helicópteros e navios a realizarem as buscas, muitas ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia marítima, uma tenda de lona enorme para serem recebidos por técnicos de saúde do INEM e dos Bombeiros Voluntários de ....

376. Hora após hora, dia após dia, noite após noite, permaneceu naquela praia à espera que a sua filha aparecesse.

377. Primeiro com a esperança que por milagre a mesma estivesse viva.

378. Com o passar dos dias apenas esperava que o corpo fosse devolvido pelo mar.

379. A angústia e o desespero consumiam-na, começaram a viver à custa da medicação que, mesmo ali na praia lhe administravam.

380. Ao mesmo tempo que ia sendo informada por elementos da marinha que existiam 40% de hipóteses de o corpo nunca ser recuperado, o que aumentava o desespero.

381. Passou a ter acompanhamento permanente a nível psicológico e psiquiátrico, quer por elementos do INEM quer por elementos dos Bombeiros Voluntários.

382. Durante os dias na praia o 1.º Réu nunca ali apareceu.

383. O 1.º Réu não contactou a Autora HH para lhe dar uma explicação para o sucedido.

384. No dia ... de ... de 2013 à Autora foi entregue por um elemento da ... o diploma da filha.

385. A sua filha havia realizado o último exame do curso, ..., em ..., porém a nota apenas foi publicada no dia ... de ... de 2013.

386. Esta situação deixou HH ainda mais perturbada.

387. A 2.ª Ré remeteu à Autora HH uma carta registada com aviso de receção convocando-a para a realização de uma missa que estaria a organizar em memória dos jovens falecidos.

388. No dia ... de ... de 2013, dia do seu aniversário, HH foi informada que teria aparecido o corpo de uma das vítimas do sexo feminino, contudo, era impossível o seu reconhecimento físico.

389. No dia ... de ... de 2013 HH, acompanhada por familiares, deslocou-se ao Instituto de Medicina Legal de ..., onde procedeu à entrega de toda a informação que dispunham.

390. HH foi proibida de ver o corpo.

391. Após a autópsia realizada, nomeadamente com recurso a exames de ADN, foi confirmado que o corpo encontrado era a OO.

392. No dia ... de ... de 2013 foi entregue o corpo à Autora HH, numa urna lacrada e fechada.

393. Durante o tempo em que esperava que o mar devolvesse a sua filha querida a Autora HH deixou praticamente de se alimentar e teve de ser acompanhada pela equipa de psicólogos.

394. Após a morte da sua filha a Autora passou a viver unicamente para tentar obter respostas sobre aquilo que aconteceu naquele fim-de-semana e apurar em que condições a sua filha morreu.

395. A Autora HH deixou de conseguir concentrar-se na sua atividade profissional.

396. HH para conseguir sobreviver à angústia e ansiedade de ter perdido a sua filha mantém acompanhamento psicológico e consome ansiolíticos e antidepressivos.

397. A Autora encontra-se em psicoterapia sem data previsível para o seu términus.

398. Após a morte da sua filha, a Autora passou a padecer de "... Síndroma Depressivo reativo..." "...estando incapacitada para desenvolver a sua vida diária ..." e tendo estado de baixa médica após ... 2013.

399. A Autora HH para conseguir dormir tem que tomar medicação.

400. Os fins-de-semana e o período de "férias" tornaram-se períodos difíceis de ultrapassar pois eram anteriormente os momentos mais felizes da vida da Autora e da sua família porque os passavam na companhia da sua filha.

401. Os aniversários, a Páscoa, o Natal e outros acontecimentos festivos que eram vividos intensamente e com muita alegria passaram a ser vividos com tristeza.

402. A Autora HH vive diariamente angustiada pela saudade da filha.

403. A Autora HH não tem prazer de viver, passa largos momentos sozinha e todos os dias acorda com angústia.

404. A Autora HH sente a necessidade de se deslocar ao cemitério para estar com a sua filha semanalmente.

405. HH sempre incentivou a sua filha a tirar um curso superior e quando esta decidiu estudar no estabelecimento de ensino dirigido pela 2.ª Ré sempre a apoiaram do que agora se arrepende.

406. HH sente que com a morte da sua filha uma parte dela também morreu.

407. II é mãe e legítima herdeira de PP, nascida a .../.../1992.

408. O corpo da filha da Autora II foi resgatado do mar no dia .../.../2013, pelas 15:30.

409. Devido ao avançado estado de decomposição não era possível proceder à identificação do cadáver.

410. Pelo que, tiveram que ser chamados os familiares de todas as vítimas do sexo feminino.

411. A identificação da filha da Autora II só foi possível através do recurso à Medicina Dentária Forense e à recolha de DNA.

412. O funeral da PP realizou-se no dia .../.../2013.

413. II reside em ..., pelo que, após tomar conhecimento da morte da sua filha, para reconhecimento do corpo e tratar de assuntos relacionados com o processo judicial, teve que se deslocar a ... várias vezes.

414. A PP era uma jovem alegre e bem-disposta.

415. Que adorava praticar desporto sendo uma apaixonada pelo ....

416. A PP era uma jovem determinada, com enorme alegria de viver.

417. Estava sempre disponível a ajudar as outras pessoas, tinha uma enorme força de viver um espírito solidário e amigo.

418. A PP era uma filha muito querida pela autora II.

419. A Autora II aguardava com grande ansiedade todos os fins-de-semana que a PP vinha a casa.

420. A Autora II até ... de ... de 2013 nunca teve historial de problemas psicológicos, psiquiátricos ou insónias.

421. Até ao dia ... de ... de 2013, a Autora II nunca ingeriu ansiolíticos ou antidepressivos.

422. No dia ... de ... de 2013 a Autora II foi informada pela polícia Marítima, no final do dia, que a sua filha estava desaparecida no mar.

423. E imediatamente se deslocou para a praia ... ....

424. Quando chegou à praia a Autora II foi confrontada com um cenário de mar revolto com ondas de 5 a 6 metros de altura, helicópteros e navios a realizarem as buscas, muitas ambulâncias, carros de bombeiros e da polícia marítima, uma tenda de lona enorme para serem recebidos por técnicos de saúde do INEM e dos Bombeiros Voluntários de ....

425. Hora após hora, dia após dia, noite após noite, permaneceu naquela praia à espera que o mar lhe devolvesse o corpo da sua filha.

426. A angústia e o desespero eram constantes.

427. Ao mesmo tempo que ia sendo informada por elementos da marinha que existam 40% de hipóteses de o corpo nunca ser recuperado, o que aumentava o desespero e a angústia.

428. Passou a ter acompanhamento permanente a nível psicológico e psiquiátrico, quer por elementos do INEM quer por elementos dos Bombeiros Voluntários.

429. Durante os dias na praia o 1.º Réu nunca ali apareceu.

430. O 1.º Réu não contactou a Autora II para dar uma explicação para o sucedido.

431. A 2.ª Ré remeteu à Autora II uma carta registada com aviso de receção convocando-a para a realização de uma missa que estaria a organizar.

432. No dia ... de ... de 2013, II foi informada que teria aparecido o corpo de uma das vítimas do sexo feminino, mas era impossível o seu reconhecimento físico.

433. Porém, aquele corpo não era o da filha da Autora.

434. No dia ... de ... de 2013, por volta das 10 horas da manhã, foi encontrado outro corpo, cuja identidade era impossível de identificar.

435. Por volta das 14:30 desse mesmo dia um novo corpo foi recuperado pela Polícia Marítima.

436. Pelas 15:30 foi encontrado o último corpo do sexo feminino desaparecido.

437. II, acompanhada por familiares, deslocou-se ao Instituto de Medicina Legal de ..., onde procedeu à entrega de toda a informação que dispunha sobre a sua filha.

438. II foi proibida de ver o corpo, apenas lhes foram exibidos uns pedaços de roupa, pedindo-lhe que as tentasse reconhecer.

439. Após a realização da autópsia foi confirmado que o corpo encontrado era a PP.

440. No dia ... de ... de 2013 foi entregue o corpo à Autora II, numa urna lacrada e fechada.

441. Durante o tempo em que esperou que o mar devolvesse a sua filha querida a Autora II deixou praticamente de se alimentar.

442. Após a morte da filha da Autora II esta passou a viver unicamente para tentar obter resposta sobre aquilo que a sua filha vivenciou enquanto frequentou o estabelecimento de ensino da 2.ª Ré e bem assim o que aconteceu naquele fim-de-semana.

443. A Autora II perdeu completamente a alegria de viver.

444. II vive diariamente angustiada pela saudade da filha.

445. II sente a necessidade de se deslocar ao cemitério para estar com a sua filha.

446. A Autora II sempre incentivou a sua filha a tirar um curso superior e quando esta decidiu estudar no Estabelecimento de ensino dirigida pela 2.ª Ré sempre a apoiou do que agora se arrepende.

447. Após a morte dos seus filhos os Autores têm-se manifestado publica e socialmente contra as praxes.

448. Os Autores sempre procederam ao pagamento das respetivas propinas.

449. Em Dezembro de 2010 foi publicado pelo Observatório dos Direitos Humanos um relatório denominado "Praxes Académicas", e no qual se considerou, página 7: "f. alguns exemplos concretos de praxes abusivas Estudantes obrigados a fazer posições sexuais em público, afazer de escravos dos chamados "doutores", a tratar da limpeza das suas habitações, suportar certas brincadeiras indecentes, utilizar palavras obscenas, morcões (larvas de insetos) nas meias, nos cabelos e no corpo", comer alho, cebola e malagueta, rastejar na lama, fazer flexões, rebolar na lama, levar com comida ou outras coisas na cara e corpo, ouvir os colegas gritar aos ouvidos, simular atos sexuais, vestir roupa do avesso, colocar o soutien do lado de fora da roupa, simular orgasmos com um poste de iluminação, rebolar na relva, carregar com arreios de um burro ou enfrentar o denominado tribunal de praxe...".

450. O 1.º Réu apenas falou com a mãe do KK, que o contactou, dando-lhe as explicações por esta pedidas.

451. No âmbito do processo de inquérito n.º 51/13.5... o 1.º Réu manteve sempre o estatuto processual de testemunha e foi proferido despacho de arquivamento, na sequência desse arquivamento foi requerida a abertura de instrução, com a indicação de várias diligências probatórias, requeridas pelos Assistentes e foi proferido despacho de não pronúncia, que foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que considerou o mesmo improcedente, mantendo a decisão, que transitou em julgado.

452. A instituição de ensino Universidade ..., tem legal e estatutariamente órgãos próprios, detendo uma estrutura organizativa autónoma.

453. A Universidade ... é uma instituição de ensino superior universitário regularmente integrado no sistema educativo nacional, sujeita ao sistema nacional de acreditação e de avaliação e aos poderes de fiscalização do Estado.

454. A Universidade ... está sujeita ao poder de tutela do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

455. Gozando do direito de criar ciclos de estudo conferentes de graus académicos e detendo o poder administrativo de atribuição de graus académicos dotados de valor oficial.

456. O COPA é um grupo estudantil de natureza praxista, que tem o objetivo de manter e proteger os valores centenários do Movimento Académico, tendo como atividade central a organização de praxes académicas entre alunos da Universidade ..., inspirado no movimento académico da Universidade de Coimbra.

457. O COPA é um grupo estudantil criado por um grupo de alunos da Universidade ....

458. O COPA não tem quaisquer estatutos registados.

459. O COPA nunca foi institucionalmente reconhecido pela 2.ª Ré ou pela Universidade ..., nem por qualquer órgão cooperativo ou académico.

460. Quer a adesão ao COPA, quer as atividades desenvolvidas pelos alunos no âmbito de tal grupo era voluntária, de caracter não obrigatório, podendo os alunos sair ou abandonar as atividades ou o movimento a todo o momento.

461. A 2.ª Ré não permite a realização de atividades de praxe no interior das instalações universitárias, à exceção das cerimónias de enterro e batismo, permitindo a utilização de átrios e parques de estacionamento.

462. (...) mas sempre com a exigência de não perturbar o normal funcionamento das atividades letivas e académicas e com respeito das regras de urbanidade e trato.

463 2

464. No Código de Praxe do COPA determina o artigo 200.º que: Qualquer comando dado por um Doutor, Veterano, Representante em Maximum Praxis Concilium, Dux ou Honoris-Dux vinculados à Praxe Académica que contrarie qualquer disposição do presente Código de Praxe Académica, não deve ser obedecida por subalterno hierárquico.

465. No mesmo código, estipula no artigo 211.º que: Qualquer individuo vinculado à Praxe que recorra a qualquer tipo ou ato de violência física terá expulsão imediata.

466. A 2.ª Ré não tem qualquer registo de acidentes ou incidentes de qualquer natureza que pudessem ter colocado em crise a integridade física ou psicológica de qualquer aluno no âmbito de atividades de praxes.

467. A 2.ª Ré tem, há vários anos, um serviço de auto-proteção (SAP), que tem por função zelar pela segurança de pessoas e bens no interior do campus universitário.

468. (...) cabendo-lhes, nomeadamente, prevenir e impedir qualquer ato violento entre alunos.

469. 3

470. Também os funcionários da Universidade ... estão instruídos no sentido de não permitirem a utilização pelos alunos das instalações (salas de aula, auditórios, etc) para fins praxísticos.

471. Qualquer aluno da Universidade ..., individualmente ou em grupo, seja esse grupo o COPA ou qualquer outro, pode aceder às instalações, tendo direito a utilizar as salas de aulas, os auditórios, anfiteatros ou outras, para as suas atividades académicas, seja para estudar, seja para reuniões.

472. O COPA não constitui nenhum órgão ou organismo de qualquer uma das associações reconhecidas pela Universidade ....

473. Os estudantes têm direito a associarem-se, direito que a 2.ª Ré respeita e promove.

474. Na Universidade ... existe a Associação Académica da Universidade ... (Associação Académica da Universidade...).

475. A Associação Académica da Universidade... é uma associação académica formalmente instituída e com estatutos próprios.

476. E é apoiada pela 2.ª Ré, apoio traduzido na disponibilização de espaço e atribuição de verbas.

477. À Associação, no âmbito da autonomia associativa, cabe fazer a gestão do espaço atribuído, em conformidade com as regras gerais da Universidade.

478. Quer enquanto alunos, quer enquanto associados, os membros do COPA utilizavam a sala de reuniões de alunos da Associação Académica da Universidade..., nas instalações da Universidade ... para reuniões relacionadas com a atividade desse grupo.

479. Sem que alguma vez se tenha registado, no âmbito da Universidade ..., qualquer incidente com ou entre membros do COPA aquando de qualquer utilização das instalações.

480. Em 2008, a Universidade ..., através do seu Reitor, tomou posição pública contrária às praxes abusivas, nomeadamente através de proposta escrita dirigida ao Ministro da Ciência e Ensino Superior.

481. A praia ..., ..., é um local de livre acesso ao público.

482. Os Autores, com exceção de II, sabiam, que os seus filhos estavam envolvidos nas atividades académicas de praxe, não tendo levantado qualquer obstáculo.

483. Os Autores BB, CC, EE, HH sabiam que os seus filhos eram representantes dos seus cursos.

484. Os Autores, com exceção de II, sabiam que os jovens iam estar reunidos naquele fim de semana para preparar as atividades de praxe do próximo ano.

485. A casa arrendada em ... onde os filhos dos Autores pernoitaram era propriedade de terceiros.

486. Os jovens deslocaram-se nos referidos dias para a zona ... de livre vontade, a expensas suas, e por meios próprios.

487. Os filhos dos Autores gostavam muito das atividades de praxe e das responsabilidades que foram assumindo enquanto membros do COPA, tendo aderido de forma livre, voluntária e empenhada.

488. No referido fim-de-semana, os jovens participaram nas atividades realizadas no âmbito do grupo, de livre e esclarecida vontade, como sempre aconteceu.

489. A 2.ª Ré reuniu uma equipa de psicólogos para prestar apoio psicológico e foi divulgado na universidade a existência desse dispositivo de apoio psicológico.

490. O Dr. FFF, enquanto ... da ..., deslocou-se à praia do ... inteirando-se do desenvolvimento das buscas desenvolvidas e estando presente na missa que teve lugar na praia.

491. Os domingos não são dia de atividades académicas letivas na Universidade....

492. A Universidade... tem instituído um Provedor do Aluno.

493. A 2.ª Ré não tem as atividades de praxe exercidas pelos seus alunos regulamentada.

E são os seguintes os factos julgados não provados:

1) Devido a divergências no seio do meio estudantil, e por alguns representantes de curso não concordarem com as práticas do COPA, é que apenas faziam parte desta organização alguns cursos.

2) O representante de curso teria sempre que estar na categoria de Veteranos.

3) No âmbito do COPA encontra-se instituído um verdadeiro Código de Silêncio.

4) Todos os alunos são pressionados a não tecer quaisquer comentários sobre as atividades desenvolvidas.

5) (...) sendo proibido um trajado adicionar como amigo no facebook um não trajado.

6) (...) ou um trajado estabelecer uma qualquer relação amorosa com um aluno não trajado.

7) Existiam fichas individuais de cada membro do COPA onde iam sendo anotados aquilo que os superiores hierárquicos consideravam Pontos Fracos e Pontos Fortes.

8) Os fins de semana de MPC serviam para colocar à prova os representantes dos cursos,

9) (...) de modo a que o DUX e HONORIS DUX percebessem se eles tinham "pulso" para continuar a representar os respetivos cursos.

10) A Universidade ... tinha conhecimento das atividades desenvolvidas pelo COPA.

11) Tal organização estudantil era reconhecida e apoiada pela Universidade....

12) A revista era difundida por todos os professores.

13) O envio das cartas de boas festas ocorria todos os anos.

14) Após o falecimento dos filhos dos Autores, a 2.ª Ré delineou estratégias de defesa da praxe na Universidade com elementos do COPA.

15) De forma a camuflar o apoio que dava ao COPA, a Universidade ... incitava a que as atividades praxistas ocorressem no exterior da Universidade.

16) A Universidade ... tem um código secreto de conduta assinado com o COPA.

17) A 2.ª Ré tem, por isso, conhecimento de todas as atividades desenvolvidas pelo COPA, e após o acontecimento que vitimou os filhos dos Autores tudo fez para que o COPA continuasse a organizar-se no seio da Universidade.

18) A Universidade... é conhecida como sendo uma Universidade onde se encontram enraizados os princípios pelos quais se rege a Maçonaria.

19) A Universidade... é conhecida por ser um ponto de recrutamento de alunos para integração de lojas Maçónicas.

20) Para recrutamento e seleção de candidatos utilizam, nomeadamente, o COPA.

21) A 2.ª Ré tinha por isso conhecimento do modo como se organizava e estruturava o COPA e, bem assim, das reuniões de MPC.

22) A assinatura do termo de responsabilidade acontecia em regra, ainda dentro das salas de aula.

23) Durante as praxes realizadas pelo COPA vários jovens foram hospitalizados.

24) Os telemóveis chegavam mesmo a ser retirados aos praxados para que não contactassem com ninguém, enquanto estavam em praxe.

25) Os elementos do COPA. tinham especial gosto por exercer atividades praxistas junto ao elemento água (piscinas, lagos entre outros locais).

26) O 1.º Réu, antes do fim-de-semana de 14 e ... de ... de 2013, havia já manifestado perante terceiros enorme vontade em "praxar" as vítimas.

27) O 1.º Réu, antes do fim-de-semana de 14 e ... de ... de 2013, havia já manifestado perante terceiros, que, nesse fim-de-semana, as praxes seriam especialmente duras.

28) O 1.º Réu, com conhecimento da 2.ª Ré, tinha por hábito sujeitar KK, LL, MM, NN, PP, OO a atos de praxe como rastejar pelo chão, e outras atividades, nomeadamente, em frente à Universidade ..., nos jardins do ... em ....

29) Era frequente, nos jardins do ... em ..., os filhos dos Autores terem que andar a rastejar, chegando a ficar imóveis, em pé, como numa parada militar com uma tabuleta com a designação "Besta"; eram-lhe arremessados todo o tipo de produtos desde farinha, terra, vinagre entre outros.

30) Os jovens foram incitados pelo 1.º Réu a ingerir bebidas alcoólicas.

31) Do dia ... os jovens, com exceção da LL, e o 1.º Réu não dormiram.

32) Durante o dia .../.../2013 KK, LL, MM, NN, PP, OO e o 1.º Réu consumiram 3 litros de cerveja, uma quantidade de amêndoa amarga não apurada, de duas garrafas, uma quantidade de vinho concretamente não apurado, mas que poderia ser de 20 litros.

33) As vítimas foram colocadas, em quartos fechados, sem saberem uns dos outros.

34) (...) até receberem ordens para saírem dos quartos.

35) Como castigo por ter chegado mais tarde ao encontro do que os restantes, LL foi castigada, pelo 1.º Réu, com a execução de 150 (cento e cinquenta) periquitos extra.

36) Os jovens foram incitados pelo 1.º Réu a rastejarem aos pés dele.

37) O 1.º Réu tinha ido analisar previamente o terreno descampado.

38) Enquanto KK, LL, MM, NN rastejavam, o 1.º Réu permanecia de pé a andar lentamente ao mesmo ritmo que estes rastejavam.

39) Alguns dos jovens tinham pedras amarradas aos tornozelos.

40) Os telemóveis ficaram na casa por ordem de JJ.

41) O 1.º Réu na ida à praia fazia-se acompanhar, como era habitual em qualquer ato de Praxe, do seu Código de Praxe.

42) Os jovens na ida à praia faziam-se acompanhar dos respetivos códigos de praxe.

43) O 1.º Réu ordenou que os jovens se deslocassem para a zona da linha de água onde estes ficaram de costas para o mar e de frente para si.

44) (...) Como tinha acontecido noutras atividades do COPA envolvendo água.

45) KK, LL, NN, PP, MM, OO colocaram-se uns ao lado dos outros paralelamente à linha de mar.

46) O 1.º Réu manteve-se mais recuado de frente para KK, LL, NN, PP, MM, OO, tendo perfeita visão para o mar.

47) Os jovens falecidos encontravam-se embriagados, com sono, exaustos depois de um dia de atividade física intensa.

48) O 1.º Réu tinha perfeita noção do estado físico em que havia colocado os jovens falecidos e em que estes se encontravam.

49) Quando KK, LL, NN, PP, MM, OO se encontravam a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu, perto da zona de rebentação uma onda acabou por os apanhar.

50) KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu encontravam-se numa zona de agueiro.

51) A onda circulando a uma velocidade de cerca de 16 km/h atinge uma pressão equivalente a ventos na ordem dos 435 km/h.

52) Em pleno mar aberto o filho do KK terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

53) No momento em que foi colhido pela onda e nos instantes que o precederam, o KK assustou-se e teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

54) Terá, por isso, sentido enorme angústia e sofrimento.

55) No início do afogamento, o KK lutou, tentando manter-se à superfície.

56) Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água.

57) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e o KK involuntariamente respirou debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

58) O Autor AA sente-se profundamente arrependido de ter incentivado o seu filho a frequentar Estabelecimento de ensino criado pela 2.ª Ré e terá que viver o resto dos seus dias com este peso na consciência.

59) A 2.ª Ré nunca apoiou o Autor.

60) Em consultas de psicologia com a Dr.ª GGG, os Autores CC e BB despenderam ainda 105,00 €.

61) A filha dos Autores BB e CC foi incitada ao consumo de bebidas alcoólicas pelo 1.º Réu.

62) A filha dos Autores BB e CC foi incitada a rastejar aos pés do 1.º Réu.

63) Quando se encontrava a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu LL foi colhida por uma onda.

64) Em pleno mar aberto LL terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

65) No momento em que foi colhida pela onda e nos instantes que o precederam, a LL assustou-se e, seguramente, teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

66) Terá, por isso sentido enorme angústia e sofrimento.

67) No início do afogamento, a LL lutou, tentando manter-se à superfície.

68) Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água, situação que provocou o fecho da laringe.

69) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e a LL involuntariamente respirou debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

70) Os Autores BB e CC nos primeiros 6 anos de vida conjugal não tiveram filhos tendo optado por alcançar estabilidade académica, profissional e financeira, de forma a poderem, posteriormente, educar os filhos com independência e autonomia.

71) A Autora CC, para estar sempre presente na vida dos seus filhos e da LL em particular, chegou a rejeitar propostas de emprego bastante mais rentáveis financeiramente.

72) Os Autores BB e CC e os seus filhos faziam um esforço para realizarem as refeições em conjunto, momentos que eram aproveitados para relatar os acontecimentos do dia e partilharem os problemas de cada um.

73) As noites, os fins-de-semana e as férias eram os períodos mais desejados por todos, porque permitiam maiores momentos de convívio em família e com os amigos.

74) Todas as noites de sexta-feira e sábado, quando não ficavam no ..., os Autores BB e CC saiam para conviver com os amigos, para descomprimir de uma semana de trabalho.

75) Muitas das vezes, em locais frequentados pelos próprios filhos, sem haver constrangimento de gerações.

76) A Autora CC sempre foi uma boa ... e estava sempre disponível para confecionar novas receitas e fazer as comidas que cada um dos filhos mais apreciava.

77) O Autor BB era uma pessoa divertida que proporcionava excelentes situações de brincadeira.

78) A 2.ª Ré nunca apoiou os Autores BB e CC.

79) Com o arranjo de uma campa para a sua filha os Autores DD EE despenderam cerca de 500,00 €.

80) O montante pago por EE com as consultas de psicólogos e psiquiatras foi de 400,00 €.

81) A filha dos Autores DD e EE foi incitada ao consumo de bebidas alcoólicas pelo 1.º Réu.

82) Chegando ao ponto de vomitar várias vezes.

83) Quando se encontrava a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu MM foi colhida por uma onda.

84) Em pleno mar aberto MM terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

85) No momento em que foi colhida pela onda e nos instantes que o precederam, MM assustou-se e, seguramente, teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

86) No início do afogamento, MM lutou, tentando manter-se à superfície.

87) Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água.

88) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e MM involuntariamente respirou debaixo de água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

89) Os Autores DD e EE pelo menos uma vez por mês têm consulta de psiquiatria e para conseguirem dormir, em média de 5 horas por noite, têm que tomar medicação para o efeito.

90) A 2.ª Ré nunca apoiou os Autores DD e EE.

91) O filho dos Autores FF e GG a partir de ... de 2013, com a eleição do 1.º réu como DUX, passou a ser por este praxado, nomeadamente nos jardins do ... em ....

92) O filho dos Autores FF e GG era humilhado pelo 1.º Réu.

93) O filho dos Autores FF e GG foi incitado ao consumo de bebidas alcoólicas pelo 1.º Réu.

94) Quando se encontrava a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu o filho dos Autores FF e GG foi colhido por uma onda que o transportou para mar aberto.

95) Em pleno mar aberto o filho dos Autores FF e GG terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

96) No momento em que foi colhido pela onda e nos instantes que o precederam, NN assustou-se e teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

97) Terá, por isso sentido enorme angústia e sofrimento.

98) No início do afogamento, NN lutou, tentando manter-se à superfície terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água.

99) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e NN involuntariamente respirou debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

100) A 2.ª Ré nunca apoiou os Autores FF e GG.

101) O montante despendido pelos Autores no funeral foi de cerca de 2.000,00 € (dois mil euros).

102) A filha da Autora HH foi incitada ao consumo de bebidas alcoólicas pelo 1.º Réu.

103) Quando se encontrava a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu a filha da autora HH foi colhida por uma onda que a transportou para mar aberto.

104) Em pleno mar aberto a filha da Autora HH terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

105) No momento em que foi colhida pela onda e nos instantes que o precederam, a OO assustou-se e, seguramente, teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

106) Terá, por isso sentido enorme angústia e sofrimento.

107) No início do afogamento, a OO lutou, tentando manter-se à superfície.

108) Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água.

109) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e a OO involuntariamente respirou debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

110) A Autora HH após a morte da sua filha pensou várias vezes em suicidar-se.

111) A família da Autora HH após a morte da sua filha deixou de passar férias, quando se ausentam de casa nunca é por mais de dois ou três dias.

112) A 2.ª Ré nunca apoiou a autora HH.

113) Ao longo da noite do dia 13 e dia 14 de Dezembro a filha da Autora II foi incitada ao consumo de bebidas alcoólicas pelo 1.º Réu.

114) Chegando ao ponto de vomitar várias vezes.

115) Quando se encontrava a ser alvo de uma praxe por parte do 1.º Réu a filha da Autora foi colhida por uma onda que a transportou para mar aberto.

116) Em pleno mar aberto a filha da Autora II terá lutado desesperadamente pela sua própria vida.

117) No momento em que foi colhida pela onda e nos instantes que o precederam, a PP assustou-se e teve consciência de que não iria conseguir sobreviver.

118) Terá, por isso, sentido enorme angústia e sofrimento.

119) No início do afogamento, a PP lutou, tentando manter-se à superfície.

120) Terá prendido a respiração ao mesmo tempo que tentava vir à superfície, o que, sem querer, levou a que ingerisse pequenas quantidades de água.

121) Depois de algum tempo de luta, um ou dois minutos, a laringe relaxou e a PP involuntariamente respirou debaixo d'água, aspirando e engolindo grande quantidade de água.

122) A Autora II despendeu no funeral cerca de 2.500,00 €.

123) A Autora II por cada viagem a ... despendeu não menos de 200 €.

124) A 2.ª Ré nunca apoiou II.

125) Os Autores foram apanhados completamente de surpresa com as atividades secretas daquela organização no seio da própria Universidade.

126) Ao dar ordens de praxe às vítimas, o 1.º Réu levou a que os mesmos se encontrassem num estado tal que tornava impossível a reação a qualquer situação de perigo.

127) Ao dar ordens para que as vítimas entrassem naquela praia, o 1.º Réu tinha consciência que, face ao estado do mar existente, colocava em perigo a vida dos mesmos.

128) O Dux e Honoris Dux do COPA tinham contacto e acesso direto ao presidente da direção da 2.ª Ré.

129) A 2.ª Ré tudo tem feito para que o COPA continue a recrutar elementos na Universidade ....

130) As práticas praxistas humilhantes e degradantes dos alunos na Universidade ... ocorrem, praticamente, desde a sua fundação.

131) Todos tinham conhecimento na Universidade ... que o COPA era o grupo mais radical e extremista da praxe e a 2.ª ré nunca se opôs às práticas levadas a cabo pelo COPA, conferindo aos membros desta organização e ao respetivo DUX ampla liberdade.


*

IV – O direito aplicável

No presente recurso discute-se, face à factualidade apurada neste conjunto de ações cíveis apensas, a eventual responsabilidade dos Réus, por ação e/ou por omissão, pela tragédia ocorrida na Praia ..., ..., na noite de ... de ... de 2013, em que seis jovens faleceram, afogados, após terem sido arrastados para o mar por uma onda.

No fim de semana de 14 e ... de ... de 2013, um grupo de sete jovens estudantes da Universidade ... (doravante, Universidade ...), de quem a 2.ª Ré é a entidade instituidora e gestora (factos provados 15 e 17), reuniu-se numa casa arrendada para o efeito, em ... (factos provados 96 e 485).

Estes jovens pertenciam ao Conselho Oficial da Praxe Académica (doravante, COPA), que é um grupo estudantil de natureza praxista, criado em 2003, inspirado no movimento académico da Universidade de Coimbra, que tem o objetivo de manter e proteger os valores do Movimento Académico, tendo como atividade central a organização de praxes académicas entre os alunos da Universidade ... (cfr. factos provados 28, 37 e 43).

Tratava-se de uma reunião do Maximum Praxis Concilium (doravante, MPC), que constituía o órgão máximo do COPA e que era composto pelos representantes de cada curso da Universidade ..., pelo Dux, e pelos Honoris Dux, tendo essa reunião por finalidade a preparação e a organização de atividades e cerimónias futuras de caracter praxístico, para fortalecer o grupo, bem como promover o conhecimento e a interação entre os membros do MPC (factos provados n.º 41, 42, 48 e 52).

Nessa reunião participaram:

- KK, com 21 anos, que havia estudado na Universidade ... de ... a ........2013, no curso de ...: ..., ..., sendo ainda o representante deste curso no MPC, com a alcunha “KK” (factos provados 1, 18, 36, 37 e 43).

- LL, com 22 anos, estudante na Universidade ... desde ..., do curso de ..., sendo a representante deste curso no MPC, com a alcunha de “LL” (factos provados 3, 19, 36, 37 e 43).

- MM, com 21 anos, estudante da Universidade ... desde ..., que concluiu o curso de ... em ........2013 e frequentava, na altura, na mesma Universidade, o 1.º ano do curso de mestrado em ..., sendo ainda a representante do curso de ... no MPC, com a alcunha “MM” (factos provados 5, 20, 36, 37 e 43).

- NN, com 24 anos, estudante da Universidade ... desde ..., do curso de ... (3.º ano), sendo o representante deste curso no MPC, com a alcunha “NN” ou “NN” (factos provados 7, 21, 36, 37 e 43).

- OO, com 24 anos, estudante da Universidade ... desde ..., do curso de ..., que concluiu em ........2013, por lançamento de nota nessa data, sendo a representante do curso no MPC, com a alcunha “OO” (factos provados 9, 22, 36, 37 e 43).

- PP, com 21 anos, estudante da Universidade ... desde ..., do curso de ... (3.º ano), sendo a representante deste curso no MPC, com a alcunha “PP” (factos provados 23, 26, 36, 37 e 43).

- JJ (o 1.º Réu), estudante da Universidade ..., do curso de Informática, eleito Dux (representante máximo da praxe académica na COPA) em ...de 2013, sendo a primeira reunião do MPC em fim de semana, por ele liderada (factos provados 24, 25, 51 e 52).

Na noite do dia ..., após o jantar, os sete jovens acima referidos saíram da casa que haviam arrendado em ..., com destino à ..., a qual dista daquela casa 5,2 Km. (factos provados 124 e 125).

Foi nessa praia que, entre as 0h00 e as 2h00, do dia ..., quando estavam sentados na praia, aqueles jovens foram surpreendidos por uma onda que lhes embateu com força do lado direito e os envolveu, levando-os para a zona da rebentação. Após terem sido atingidos por essa primeira onda, foram posteriormente envolvidos em ondas sucessivas, algumas com dimensão de cerca de 3 a 4 metros e com intervalo de 12 a 14 segundos, o que os impediu de sair da água, com exceção do 1.º Réu, acabando o KK, a LL, a MM, o NN, a OO e a PP por falecer, por submersão (factos provados n.º 143, 145, 146 e 147).

Na 1.ª instância e no Tribunal da Relação, após interposição de recurso de apelação da sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, decidiu-se julgar estas ações apensas improcedentes, com a consequente absolvição dos dois Réus dos pedidos indemnizatórios formulados pelos progenitores das malogradas vítimas.

No acórdão recorrido sustentou-se que dos factos provados não resultava que o 1.º Réu tivesse colocado os seus colegas numa situação de perigo, assim como não era possível deles concluir que sobre o 1.º Réu recaísse algum dever de garante da segurança dos seus colegas, por força do seu cargo de Dux na hierarquia da praxe. Quanto à responsabilidade imputada à 2.ª Ré, afirmou-se que a morte dos filhos dos Autores não se inscreve no perímetro da execução dos contratos de prestação de serviços de ensino com ela celebrados, nem deriva de qualquer fonte de perigo que haja sido por ela criada, tendo ocorrido num local sobre o qual esta Ré não tinha qualquer poder de controlo.

Os Autores, no recurso agora interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, defendem, numa primeira linha de argumentação, que o 1.º Réu, na qualidade de Dux, a quem as vítimas deviam obediência, ao colocá-las numa situação de perigo - ao dar ordens de praxe às vítimas, levando a que se encontrassem num estado tal que tornava impossível e improvável a reação a qualquer situação de perigo e, posteriormente, ao conduzi-los até à praia do ... – é responsável pelo que lhes sucedeu. E, subsidiariamente, para a hipótese de se considerar que o Réu não praticou esses atos, sempre o mesmo é responsável por omissão, dado que, na qualidade de chefe máximo da praxe e líder do grupo, não impediu a deslocação dos jovens para uma praia numa noite em que era conhecido o estado perigoso em que o mar se encontrava. Já quanto à responsabilidade imputada à 2.ª Ré entendem que, não tendo esta procedido à regulamentação, ao controle e à fiscalização das atividades de praxe levadas a cabo pelos seus alunos e tendo até incentivado a que as mesmas tivessem lugar fora da Universidade, violou os deveres acessórios de vigilância e controle da segurança inerentes às obrigações por ela assumidas nos contratos de ensino que celebrou com as vítimas, o que permitiu que ocorresse o sucedido naquele dia na Praia ..., sendo, por isso, também responsável pelas consequências funestas da inobservância dos seus deveres contratuais.

Apesar dos Autores pretenderem que os Réus respondam solidariamente pelos danos ocorridos, a responsabilidade imputada a cada um deles funda-se em razões distintas, pelo que vamos analisá-las separadamente.

1. Da responsabilidade do Réu JJ

1. Por ação

Apesar do resultado da análise da prova produzida sobre os acontecimentos a que chegaram a 1.ª instância e o Tribunal da Relação, os Recorrentes, como primeiro argumento, insistem que estamos perante uma situação que a doutrina penal denomina de “favorecimento (negligente) a uma autocolocação em perigo” 4.

Com efeito, os Recorrentes alegam que o 1.ª Réu, a quem os restantes jovens presentes na reunião do MPC deviam obediência no seio do COPA, durante aquele fim de semana, incitou-os a ingerir bebidas alcoólicas e a fazerem exercícios físicos (rastejar, “periquitos”, flexões, caminhadas), de modo a que se encontrassem num estado tal que tornava impossível e improvável a reação a qualquer situação de perigo, pelo que, ao conduzi-los posteriormente, em tal estado, à Praia ..., é o responsável pelo que depois aí sucedeu.

Transpondo a aplicação dos critérios utilizados no direito penal, nas referidas situações de favorecimento, contribuição ou promoção negligente a uma autocolocação em perigo de terceiros, o apuramento da responsabilidade do “impulsionador”, neste tipo de situações de exposição ao perigo, depende do grau de domínio que ele tem do facto e da maior ou menor liberdade de autodeterminação da vítima, de modo a poder-se ou não afirmar que ele é ainda o autor mediato da conduta causadora do resultado danoso 5.

No quadro da responsabilidade civil, sobretudo quando o resultado danoso é provocado por um elemento natural (neste caso, o movimento das águas oceânicas), a inclusão das referidas situações de favorecimento ou contribuição para uma exposição de terceiros a uma situação de perigo não deve estar dependente da análise da relevância do consentimento do lesado, enquanto causa de exclusão da ilicitude. É, antes, na eventual violação de um dever geral de precaução ou de prevenção de perigo, inerente a um domínio dessa exposição, que residirá, nestas situações, a responsabilidade aquiliana por ofensas mediatamente causadas a bens juridicamente protegidos. É a existência desse dever e a sua inobservância que permitirá estabelecer um nexo de imputação do resultado lesivo à conduta de favorecimento à exposição a uma situação de perigo 6.

Todavia, o raciocínio desenvolvido pelos Recorrentes para sustentar a responsabilidade do 1.ª Réu, por ação, como autor mediato da morte dos seus colegas, não só não tem qualquer apoio na matéria de facto julgada provada, como em alguns pontos contradiz mesmo o resultado probatório alcançado pelas instâncias.

Assim:

- foi julgado não provado que o Autor tenha incitado os seus colegas a ingerir bebidas alcoólicas (facto não provado 30);

- apesar de se ter provado que os jovens, à exceção de LL, que não estava ainda presente, ingeriram bebidas alcoólicas na noite do dia ... (facto provado 102), que KK, LL, MM, NN, PP, OO durante o dia ... consumiram bebidas alcoólicas (facto provado 104) e que na autópsia ao corpo de KK se verificou a existência de canabinoides no sangue e etanol no sangue e no humor vítreo (facto provado 111), foi julgado não provado que, quando se deslocaram à praia, os jovens falecidos se encontrassem embriagados, com sono e exaustos depois de um dia de atividade física intensa (facto não provado 47);

- foi também julgado não provado que ao dar ordens de praxe às vítimas, o 1.º Réu levou a que os mesmos se encontrassem num estado tal que tornava impossível a reação a qualquer situação de perigo (facto não provado 126);

- apesar do IML ter emitido parecer técnico no sentido que tendo presente a similaridade de metabolização individual, tanto do THC como do etanol no corpo humano e a assunção clássica de que o THC possui características endógenas que potenciam a ação sedativa de substâncias psicotrópicas como o álcool, neste caso concreto, em função da presença cumulativa destas duas substâncias em circulação no corpo de KK é de admitir um certo grau de perturbação da coordenação motora da perceção e das funções cognitivas e afetivas com interferência na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco para a sua integridade física ou vida, tendo em conta a hipotética situação de aproximação à linha de água na Praia..., na noite de .../.../2013, não se provou, como resultado de uma livre apreciação da prova, a referida perturbação da capacidade intelectual e de decisão de KK de avaliar o risco que corria ao permanecer no local onde se sentaram na praia.

- não se provou que tenha sido o 1.º Réu a determinar a deslocação noturna à praia, tendo-se apenas provado que após o jantar, KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu saíram de casa com destino à Praia ..., ... (facto provado 124).

- não se provou também que o 1.ª Réu tenha tido um papel determinante na escolha do local da praia onde todos se sentaram e vieram a ser colhidos por uma onda, tendo-se apenas provado que KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu continuaram a andar pela praia a conversar e sentaram-se numa zona de areia seca e que quando se estavam a levantar foram surpreendidos por uma onda que lhes embateu com força do lado direito e os envolveu levando-os para a zona da rebentação (factos provados 142 e 143).

- e muito menos se provou que as vítimas se encontravam a ser sujeitas a um ato de praxe pelo 1.º Réu quando foram colhidas por uma onda (factos não provados 43 e 83).

Acrescente-se que nunca se poderia concluir que a mera deslocação daqueles jovens à Praia ..., ..., naquela noite, foi um ato de exposição ao perigo de ser arrastado e submergido pelo mar, apesar de este estar bastante agitado, com ondas colapsantes de 3 a 4 metros de altura (facto provado n.º 135 e 136). Encontrando-se provado que o início do areal distava mais de 60 metros da linha de água (facto provado 140), essa exposição ao perigo resulta sim do local da praia escolhido pelos jovens para se sentarem, o qual, apesar de se situar em areia seca (facto provado 142), como a realidade veio a confirmar, era suscetível de ser alcançado por aquelas ondas colapsantes.

Na descrição da matéria fáctica provada nestes processos, quer a deslocação noturna à Praia ... quer a escolha da zona da praia onde aqueles jovens se sentaram e vieram a ser colhidos por uma onda é apresentada como inserida num contexto de organização conjunta de todos os participantes em qualquer uma destas condutas.

Com efeito, lê-se nos pontos 124 a 127 da matéria de facto provada, no que respeita à ida à praia:

- Após o jantar, KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu saíram de casa com destino à Praia ..., ... (facto 124);

- Entre a casa arrendada, em ..., e a praia ... distam 5,2 Km. (facto 125);

- KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu deixaram estacionadas à porta da casa, as duas viaturas em que se deslocaram para aquele fim de semana, um Renault Clio pertencente a KK e um Seat Leon pertencente a NN e decidiram andar a pé até à praia (facto 126).

- Foram a pé, sem pararem em qualquer estabelecimento comercial, seguindo em fila a conversar (facto 127);

E relativamente à zona da praia escolhida para se sentarem lê-se nos pontos 140 a 142 da matéria de facto provada:

- Quando entraram no areal da praia, pousaram os objetos que transportavam, a mais de 60 (sessenta) metros da linha de água, entre esses objetos ficou o "pinheirinho de Natal" transportado por KK (facto 140);

- O 1.º Réu pousou também aí o seu gorro, contendo no seu interior dois telemóveis o seu e o de LL, as chaves da viatura de KK, e bem assim 4 (quatro) maços de tabaco (facto 141);

- KK, LL, NN, PP, MM, OO e o 1.º Réu continuaram a andar pela praia a conversar e sentaram-se numa zona de areia seca (facto n.º 142).

E foi julgado não provado que o 1.º Réu tenha ordenado que os jovens se deslocassem para a zona da linha de água onde estes ficaram de costas para o mar e de frente para si (facto não provado 43).

É certo que o elo de ligação entre estes jovens era a sua qualidade de membros do MPC e a razão para se encontrarem a passar o fim de semana juntos, numa casa arrendada em ..., era a realização de uma reunião daquele órgão de cúpula do COPA, tendo por finalidade a preparação e a organização de atividades e cerimónias futuras de caracter praxístico, o fortalecimento do grupo, bem como promover o conhecimento e a interação entre os membros do MPC, o qual era composto pelos representantes de cada curso da Universidade ..., pelo Dux, e pelos Honoris Dux. E, segundo o artigo 42.º do Código, o Dux era eleito pelo MPC de entre os seus pares (n.º 1), sendo o chefe máximo da Praxe Académica dentro da Universidade ... (n.º 2), pelo que, relativamente aos demais membros do MPC, o Dux era um primum inter pares. Na verdade, o 1.º Réu havia sido eleito Dux em ..., sendo o fim de semana em causa o primeiro em que assumia a liderança do MPC neste tipo de reuniões.

Contudo, apesar de constar do artigo 432.º do “Código da Praxe Académica”, pelo qual se regia o COPA, que ao Dux compete liderar todos aqueles que estejam vinculados a este Código de Praxe Académica (n.º 1), que o Dux preside às reuniões do Maximum Praxis Concilium (n.º 2) e que o Dux assume a responsabilidade máxima sobre os destinos do Conselho Oficial de Praxe Académica e da Academia da Universidade ... (n.º 3), como acabámos de ver, ao percorrer a matéria fáctica provada, relativa à deslocação à praia daquele grupo de jovens, não se apuraram quaisquer dados que permitam concluir que o 1.º Réu, pela sua posição na hierarquia da praxe e nas reuniões do MPC, a que preside, tenha assumido um papel diferenciado dos demais elementos do MPC presentes na reunião de fim de semana na ida noturna à praia e de nela se sentarem numa zona que se veio a constatar ser suscetível de ser alcançada pelas ondas do mar.

Da deslocação à praia e do que sabemos do que nela ocorreu, estamos perante uma ação de grupo em que não é possível imputar ao 1.º Réu um papel influente ou promotor da exposição ao perigo que se distinga dos comportamentos dos demais elementos do MPC presentes. Tal situação, na descrição que consta da matéria fáctica provada, apresenta-se como uma ação conjunta de autocolocação em perigo de todos os elementos do grupo, sem que se tenham apurado dados que nos permitam concluir que algum destes jovens não se encontrasse em condições de decidir, com autonomia e, portanto, responsavelmente.

As pessoas, numa projeção da sua autonomia, podem voluntariamente expor-se a fatores de perigo, num exercício do desenvolvimento da sua personalidade, assumindo a responsabilidade pelas eventuais consequências dessa exposição, pelo que se o fazem, em confluência de vontades, numa organização conjunta com outras, nenhum dos comparticipantes nessa atividade poderá ser responsabilizado, por ação, pela lesão dos bens jurídicos pessoais dos demais que venha a ocorrer como resultado dessa exposição ao perigo conjunta, sem que se tenha demonstrado que qualquer um dos lesados não detivesse o domínio do facto 7. Rege o princípio da auto-responsabilidade incindivelmente ligado à autonomia privada dos sujeitos 8.

Não é, pois, possível, face à matéria de facto provada, imputar ao 1.º Réu a morte dos demais comparticipantes por qualquer ação, designadamente pela sua participação na deslocação noturna conjunta à praia e na escolha do local para nela se sentarem, não se encontrando provado, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, que o 1.º Réu tenha conduzido os demais elementos participantes na reunião de fim de semana do MPC à praia e que estes se encontrassem num estado que tornava impossível e improvável a reação a qualquer situação de perigo.

Improcede, assim, este fundamento do recurso.

2. Por omissão

Subsidiariamente, os Recorrentes alegam que o 1.º Réu é responsável pela morte dos seus filhos, por omissão, dado que, na qualidade de chefe máximo da praxe e líder do grupo, não impediu a deslocação dos jovens para uma praia numa noite em que era conhecido o estado perigoso em que o mar se encontrava.

Como já acima se explicou o ato de exposição ao perigo que teve como consequência a morte dos filhos dos Recorrentes não foi a sua deslocação à noite à praia, mas sim o local da praia escolhido pelos jovens para se sentarem, o qual era suscetível de ser alcançado por um mar agitado.

Efetivamente, nas situações de exposição ao perigo inseridas num contexto de organização conjunta de todos aqueles que nela participam, é possível imputar os resultados dessa exposição a um dos participantes, quando ele se encontra numa posição de garante nessa organização, com o dever de evitar tal exposição, e nada faz, com a consequente desresponsabilização ou atenuação da autoresponsabilidade dos demais coparticipantes lesados 9.

Apesar do artigo 486.º do Código Civil, aparentemente, limitar a responsabilidade civil por omissões aos casos em que a lei ou o negócio jurídico impunham um dever de praticar o ato omitido, tem-se entendido que a responsabilidade pela ausência de um comportamento ativo se deve estender a outras situações em que exista um dever de agir, podendo essa obrigação residir nos chamados deveres de segurança no tráfego, os quais impõem a quem se encontra numa posição de garante o dever de tomar as providências necessárias para evitar a produção de resultados danosos a terceiros 10.

Neste domínio, a questão que se coloca no caso sub iudice, face às alegações de recurso apresentadas, é a de saber se o 1.º Réu, por ser o Dux no COPA, se encontrava numa posição de garante que o obrigava a agir, no sentido de impedir que os participantes na reunião de fim de semana do MPC, naquela noite, se colocassem numa situação de perigo, sentando-se numa zona da praia suscetível de ser alcançada por um mar agitado.

A posição de garante é ocupada por aqueles sobre os quais recai um dever jurídico que pessoalmente os obriguem a agir, tomando as medidas necessárias para que não ocorra o resultado danoso, podendo esse dever ter diferentes origens e fundamentos, residindo o denominador comum da equiparação da omissão à ação na situação concreta, nas exigências de solidariedade entre os homens no seio da comunidade.

Note-se que não está aqui em causa a possibilidade dessa posição de garante resultar da criação de uma situação de perigo, mas sim da relação hierárquica existente no seio do COPA colocar o Réu nessa posição, relativamente aos demais membros do MPC.

Na verdade, um dos tipos de deveres jurídicos comumente apontado como conferindo a posição de garante são os deveres inerentes a uma relação hierárquica. Se, por força do cargo que alguém desempenha numa determinada organização, lhe está cometida a função de zelar pela segurança de determinadas pessoas que lhe devem obediência, sobre ele recai o dever de evitar a sua colocação em perigo.

Relativamente às relações estabelecidas entre os estudantes nas praxes académicas, lê-se num estudo coordenado por João Teixeira Lopes e João Sebastião 11:

Do ponto de vista das relações de poder, elas são bem visíveis na praxe: os estudantes mais velhos, situados nas posições mais elevadas de uma hierarquia fundada na antiguidade e onde os direitos aumentam e os deveres recrudescem à medida que se sobe nela, exercem um poder punitivo sobre os seus colegas mais novos. Uma vez que isto acontece no âmbito de um quadro de valores institucionalizado e perene, o poder exercido na praxe pode ser interpretado como dominação. A sua legitimação não se dissocia do ritualismo da praxe, nem do seu sistema moral.

(...)

À dimensão hierárquica da praxe está assim associado o exercício de poder ritualizado pelos estudantes mais velhos sobre aqueles que acabam de chegar ao ensino superior. Este poder é precário na medida em que está extremamente dependente da aceitação daqueles sobre os quais é exercido. Mas o formalismo da praxe, observável na sua hierarquia bem definida, nos símbolos instituídos, na codificação, ainda que lacónica, das suas regras, nos títulos conferidos pelos postos hierárquicos mais elevados (Dux Veteranorum, Imperatorum, Ancião, Papa, entre outros), nos decretos (ou decretus) emitidos pelos seus organismos de regulação, reduz essa dependência. Dito por outras palavras, a formalização da praxe contribui para a legitimação e naturalização do poder exercido pelos estudantes mais antigos, objetivando-o assim enquanto poder simbólico que estimula a submissão e a naturalização da parte mais vulnerável.

Será que na situação sub iudicio, o 1.º Réu, na sua veste de Dux, líder máximo da praxe na Universidade ..., se encontrava no posição de autoridade e domínio sobre os demais participantes nas atividades de praxe levadas a cabo naquele fim de semana que o responsabilizava pela segurança e bem-estar de todos, recaindo sobre ele o dever de tomar as medidas necessárias a garantir que tais atividades fossem realizadas de forma segura e não colocassem os participantes em situações de risco desnecessário?

Todos os jovens que naquela noite foram para a praia ..., ..., eram membros do COPA e todos eles, incluindo o 1.º Réu, integravam, como representantes dos seus cursos, o MPC, o qual constituía o conselho máximo da praxe académica, o órgão de cúpula do COPA.

Como já acima se referiu, o COPA é um grupo estudantil de natureza praxista, tendo como atividade central a organização de praxes académicas entre alunos da Universidade ..., inspirado no movimento académico da Universidade de Coimbra (facto provado 456), que se regia e estava organizado nos termos e de acordo com um "Código da Praxe Académica", ao qual deviam obediência (facto provado 29), sem que tivessem quaisquer estatutos registados (facto provado 458).

Relembramos ainda que a razão para aqueles jovens se encontrarem a passar o fim de semana juntos, numa casa arrendada em ..., era precisamente a realização de uma reunião do MPC, tendo por finalidade a preparação e a organização de atividades e cerimónias futuras de caracter praxístico, para fortalecer o grupo, bem como promover o conhecimento e a interação entre os membros do MPC, o qual era composto pelos representantes de cada curso da Universidade ..., pelo Dux, e pelos Honoris Dux.

Atentas as finalidades enunciadas da reunião daqueles jovens naquele fim de semana e constando da matéria de facto provada que na deslocação noturna à praia, além de todos se encontrarem vestidos com os trajes académicos, o 1.º Réu entregou a cada um dos jovens um ovo que representava o respetivo curso, tendo estes que zelar pelo mesmo para que nada lhe acontecesse (facto provado 128), enquanto ele próprio transportava, pelo menos três ovos, referentes aos cursos em falta (facto provado 129), e que levavam ainda, cada um deles, um objeto que representava o respetivo curso (facto provado 132), tendo KK transportado um pequeno pinheirinho de Natal ornamentado com lâmpadas de Natal e bolas de arame (facto provado 133), é possível concluir que a deslocação à praia se inseriu no conjunto de atividades praxistas a desenvolver por aqueles jovens naquela reunião de fim de semana para fortalecimento do grupo e promoção do conhecimento e da interação entre os membros do MPC.

Segundo o artigo 42.º do Código da Praxe Académica que regia o COPA, o Dux era eleito pelo MPC de entre os seus pares (n.º 1), sendo o chefe máximo da Praxe Académica dentro da Universidade ... (n.º 2), pelo que, relativamente aos demais membros, do MPC, o Dux era um primum inter pares.

Do artigo 432.º do referido Código consta ainda que:

1. Ao Dux compete liderar todos aqueles que estejam vinculados a este Código de Praxe Académica.

2. O Dux preside às reuniões do Maximum Praxis Concilium.

3. O Dux assume a responsabilidade máxima sobre os destinos do Conselho Oficial de Praxe Académica e da Academia da Universidade ... (facto provado 50).

O 1.º Réu havia sido eleito Dux em ..., pelo que o fim de semana em causa era o primeiro em que o Réu assumia a liderança do MPC neste tipo de reuniões (factos provados 51 e 52).

No dia em que ocorreu a deslocação à praia os jovens foram vistos a efetuar, por ordem do 1.º Réu, exercícios físicos, como flexões e “periquitos”, na ordem das 150 repetições (facto provado 116), o que o 1.º Réu observava não efetuando ele os exercícios (facto provado 119), tendo a meio da tarde, os jovens se deslocado até um terreno descampado existente nas imediações da casa que haviam arrendado, onde alguns deles percorreram alguns metros a rastejar (factos provados 120 e 121).

De todo esta descrição resulta que a deslocação noturna à praia se inseriu num conjunto de ações de praxe interna, no seio do órgão de cúpula do COPA, levadas a cabo naquele fim de semana. No entanto, como já vimos no ponto anterior deste acórdão, de modo diverso do que ocorreu com alguns exercícios físicos efetuados naquele dia à tarde, não se provou que essa deslocação, assim como a movimentação dos jovens na praia, tivesse resultado do cumprimento de ordens do 1.º Réu, ou sequer que tenha sido ele o seu mentor. A sua participação nessa deslocação, na descrição constante da matéria de facto provada, foi igual à dos demais, não se revelando que tenha exercido quaisquer poderes de liderança ou comando.

Atente-se que não estamos perante atividades de praxe promovidas e organizadas pelos órgãos do COPA para nela participarem jovens iniciados e inexperientes, mas sim perante ações realizadas no âmbito de uma reunião, presidida pelo 1.º Réu, dos membros do órgão de topo do COPA, que representam os diferentes cursos da Universidade ..., sendo cada um deles o líder da praxe nos seus cursos. Do facto do 1.º Réu, na qualidade de Dux, ser o líder máximo do COPA e de participar e presidir às reuniões do MPC não é possível configurar, sem mais, uma relação hierárquica, relativamente aos demais membros do MPC, que se caraterize por um grau de autoridade, dominação ou influência que permita apurar a existência de uma especial posição de garante da segurança dos participantes naquelas atividades de praxe que vinculasse o 1.º Réu a evitar situações de exposição ao perigo.

Não sendo possível, face à matéria de facto provada atribuir ao 1.º Réu uma posição de garante na atividade de praxe dos membros do MCP que consistiu na deslocação noturna à praia ..., também não é possível imputar ao 1.º Réu, por omissão, o trágico desfecho dessa deslocação.

Acrescente-se ainda que, além dos factos provados não nos fornecerem elementos suficientes para que se pudesse concluir que o 1.º Réu se encontrava investido numa posição de garante, relativamente à exposição ao perigo coletivamente assumida, também não se provou que ele nada tenha feito para evitar essa exposição. Tenha-se em atenção que, da circunstância de não constarem entre os factos provados qualquer ação do 1.º Réu nesse sentido, não se pode concluir pela prova do contrário, ou seja de que nada fez para evitar essa exposição. O ónus da prova de uma omissão responsabilizante continua a pertencer aos lesados, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Improcede, assim, este segundo fundamento do recurso interposto da decisão que confirmou a absolvição do 1.º Réu dos pedidos indemnizatórios contra ele formulados.

2. Da responsabilidade da Ré COFAC

Os Autores também imputaram a esta Ré a responsabilidade pela morte dos seus filhos, alegando que ela, enquanto gestora da Universidade ..., permitiu que no seio desta universidade existisse uma organização hierarquizada de natureza praxista, sem qualquer regulamentação ou controle, não restringindo as atividades abusivas de praxe, nem as regulamentando, incentivando a que estas ocorressem em espaços exteriores à universidade, aumentando assim o perigo e o descontrole das mesmas. Tendo sido celebrado um contrato de ensino entre esta Ré a os filhos dos Autores, os Recorrente entendem que a 2.º Ré infringiu o dever de atuar de boa-fé ao não acautelar a confiança que contratualmente foi depositada na sua prestação, designadamente, violando deveres acessórios de conduta que, se observados, lhe impunham uma vigilância e controle sobre as atividades praxistas dos seus estudantes que obstariam a que delas pudessem resultar consequências gravosas para os seus filhos e permitiriam que estes pudessem prosseguir em segurança os seus estudos.

Pretende-se, essencialmente, imputar à 2.ª Ré, um incumprimento de deveres contratuais laterais 12, que terá contribuído para a perda da vida dos filhos dos Autores.

Provou-se que a responsabilidade pela gestão da Universidade ... está atribuída estatutariamente à 2.ª Ré, a qual procede à organização e à administração dos seus recursos, no âmbito da autonomia universitária (facto provado 17), sendo a Universidade ... uma instituição de ensino superior universitário regularmente integrada no sistema educativo nacional, sujeita ao sistema nacional de acreditação e de avaliação e aos poderes de fiscalização do Estado (facto provado 453).

Os filhos dos Autores, à data dos factos, estavam matriculados na Universidade ..., com exceção de KK, que já havia concluído o curso de ... dessa universidade em ........2013.

O ato de inscrição ou matrícula de um estudante num curso do ensino superior numa Universidade traduz-se na celebração de um contrato de ensino. Este contrato de prestação de serviço é fonte de diversos deveres. Além dos deveres principais deste tipo de prestação de serviço, entre os quais avulta, para as instituições do tipo da que é gerida pela 2.ª Ré, o dever de assegurar o ensino ou a formação académica contratada, dele também decorrem deveres laterais, dado que, por força do contrato de ensino, se cria, durante algum tempo, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, uma genuína “comunidade de vida”. Entre esses deveres laterais encontra-se o dever de zelar pela segurança e proteção dos direitos individuais dos estudantes, mormente quando estes se encontrem nas instalações da Universidade ou em atividades por ela promovidas ou organizadas.

Apesar das relações contratuais com KK já terem cessado à data dos acontecimentos aqui em julgamento, pode considerar-se que esses deveres laterais de proteção se mantinham, uma vez que este estudante, apesar de já não se encontrar matriculado, continuava a representar o seu curso no MCP, mantendo com a universidade uma relação de facto suficiente para justificar que aqueles deveres de proteção que incidiam sobre a 2.ª Ré, se estendessem à sua segurança, enquanto participante na vida universitária.

A existência de praxes académicas, apesar de poder constituir uma forma de integração dos novos estudantes na vida académica e de desenvolvimento de sentimentos de camaradagem e solidariedade no seio da universidade, é um fator de risco para a segurança e liberdade dos estudantes, sendo uma fonte de violações de direitos dos estudantes, aliadas a essas práticas, tais como a violência e coação física e psicológica, o bullying, o hazing, a criação de situações de perigo ou a descriminação.

Perante estes riscos, as instituições universitárias não podem ignorar a existência de praxes académicas no seu seio, recaindo sobre elas o dever de adotar medidas e precauções que evitem que ocorram violações dos direitos dos estudantes em resultado de atividades praxistas.

À época, não era isenta de dúvidas e polémicas o grau e o tipo de intervenção que as instituições universitárias deviam assumir perante a proliferação das praxes académicas, dispondo o artigo 75.º, n.º 4, b), do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, aprovado pela Lei 62/2007 de 10 de setembro, que constituía infração disciplinar a prática de atos de violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das “praxes académicas.

Num Relatório da Comissão da Educação e Ciência da Assembleia da República de Abril de 2008 sobre as praxes académicas em Portugal, fez-se o ponto da situação das perspetivas das instituições de ensino sobre as praxes, concluindo-se pela existência de uma diversidade de orientações.

Lê-se nesse estudo, cujo relatora foi a deputada Ana Drago:

Os mecanismos atualmente vigentes nas instituições de ensino superior e associações de estudantes que responderam à solicitação da Comissão de Educação e Ciência, e que se referem aos modos instituídos de regulamentação, gestão e decisão perante situações de abuso e violência resultantes das praxes académicas, configuram algumas tendências que importa assinalar.

Em primeiro lugar, tende a ser prevalecente o entendimento de que as praxes académicas e a gestão concreta das situações de transgressão das normas instituídas (designadamente nos códigos da praxe existentes, mas igualmente em regulamentação emanada pelos órgãos de gestão), deve caber às comissões de praxe ou, em menor grau, às associações de estudantes que promovam atividades de receção dos novos alunos. No estabelecimento destes mecanismos, é considerado por algumas instituições, enquanto boa prática, o estabelecimento de contactos regulares entre os órgãos de gestão das instituições e os organismos que assumem a responsabilidade pela execução das próprias praxes, de modo a clarificar procedimentos, evitar cenários que possam conduzir a situações abusivas e, em alguns casos, proceder a um escrutínio prévio (por parte dos órgãos de gestão), dos programas e atividades de receção aos novos alunos, concebidas pelas associações de estudantes ou comissões de praxe.

Os mecanismos de gestão interna das praxes académicas são assim prevalecentes, embora em situações que configurem práticas suscetíveis de enquadramento criminal, se defenda claramente o recurso à justiça e aos tribunais, posição que tende a ser expressa de modo mais inequívoco pelos órgãos de gestão das instituições de ensino superior. Aliás, é percetível, no conjunto de respostas, o intuito, por parte dos órgãos de gestão, em situar as praxes académicas num espaço que, de algum modo, seja exterior, ou em certa medida paralelo, à própria instituição. Num conjunto significativo de casos encontram‐se proibidas as atividades de praxe no interior das instalações das instituições de ensino superior, dando assim a entender‐se que tais práticas não fazem parte do seu funcionamento instituído regular, ocupando nessa medida um espaço que é envolvente, exterior, não institucionalmente assumido.

Em casos mais extremados, e que são aparentemente muito raros se considerarmos as respostas obtidas como representativas do total de instituições de ensino superior, os órgãos de gestão decretam a proibição absoluta das praxes académicas ou expressam a discordância relativamente à sua existência. Noutros casos, em que a exterioridade das praxes académicas às instituições é de algum modo defendida e assumida, sustenta‐se a desnecessidade da sua regulamentação interna, entendendo‐se desse modo que as situações de infração e abuso têm um enquadramento criminal (respeitando a ataques à integridade física e psicológica dos novos alunos) e devem, portanto, ser tratadas e resolvidas nas devidas instâncias judiciais.

Aliás, entende‐se neste sentido que nem os processos de proibição, nem a regulamentação interna das praxes académicas se adequa a um princípio de educação para a cidadania, pelo que os alunos que se considerem vítimas de atos que ferem a sua dignidade e integridade devem acionar autonomamente os mecanismos que a lei coloca ao seu dispor.

Numa variante desta perspetiva, mas que pode assumir contornos de maior ou menor exterioridade institucional, é defendida a instituição de mecanismos que facilitem o acesso à justiça, designadamente através da criação do provedor do estudante. Nuns casos, o provedor do estudante é entendido num sentido interno, ou seja, a pessoa a quem os alunos, que consideram ser vítimas dos abusos praticados no âmbito das praxes académicas, se podem dirigir, podendo nestes termos contar com o seu apoio para acionar os mecanismos ou a intervenção dos órgãos responsáveis pela análise e aplicação de sanções face a essas mesmas infrações. Noutros casos, o papel do provedor pode ser o de apoiar os alunos no acesso ao sistema judicial, sobretudo se as situações em apreço assumirem contornos suscetíveis de enquadramento criminal.

A concertação de procedimentos entre órgãos de gestão, associações de estudantes e comissões de praxe é assim vista como uma boa prática no combate às situações de abuso, permitindo estabelecer, de forma consensual, as regras, procedimentos e sanções a atribuir, e que em regra oscilam entre a repreensão dos infratores e a sua expulsão do estabelecimento de ensino superior.

Noutros casos, os órgãos de gestão entendem dever assumir posições de maior pró‐actividade, criando regulamentos, códigos de procedimento, normas e instâncias de resolução das situações atentatórias dos direitos e da dignidade dos novos alunos. Nestes casos, a problemática das praxes académicas é assim partilhada – em termos de esfera de ação e responsabilidade –, entre os órgãos de gestão das instituições e as comissões de praxe ou associações de estudantes, configurando por vezes situações de duplo quadro regulamentar, na medida em que, vigorando códigos da praxe que têm um âmbito circunscrito ao universo dos estudantes, das suas organizações e da esfera das praxes académicas, são definidos mecanismos de regulamentação adicional, com valor jurídico institucionalmente mais relevante, que procuram colmatar a insuficiência ou ineficácia das formas de auto‐regulação das praxes.

As orientações e perspetivas das instituições de ensino superior que responderam ao repto da Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República, sobre as praxes académicas, podem assim ser enquadradas em três tipologias essenciais.

Por um lado, o entendimento de que a legislação criminal vigente, designadamente em matéria de ofensas à integridade física e psicológica é suficiente, pelo que as instituições de ensino superior se devem abster de criar regulamentação própria, aplicável internamente às situações denunciadas de abuso e violência.

Em segundo lugar, um entendimento que sustenta a necessidade de criação e instituição de regras, formas de regulação e de gestão interna dos conflitos, processos em que os órgãos de gestão das instituições assumem um papel ativo, e que vão desde a simples proibição da atividades de praxe académica até ao estabelecimento de mecanismos e instâncias nas próprias instituições, incumbidas de analisar e sancionar as práticas abusivas, bem como viabilizar formas de encaminhamento de processos para o sistema judicial.

Por último, o entendimento de que as praxes académicas são um universo autónomo e em certa medida exterior às próprias instituições, dotado de uma natureza autónoma face a estas e que, por conseguinte, deve ser auto‐regulado no interior das fronteiras desse mesmo universo. Trata‐se de considerar uma espécie de regime autonómico da praxe académica no seio das instituições de ensino superior, perante o qual os órgãos de gestão se devem abster de intervir, sendo sublinhado o facto de caber aos organismos da praxe e aos próprios alunos o estabelecimento dos mecanismos necessários a prevenir, regular e sancionar as situações de abuso.

Era esta a diversidade de entendimentos e a indefinição sobre as melhores estratégias a adotar pelas universidades, de forma a evitar que ocorressem ações inseridas nas praxes académicas lesivas da liberdade e dos direitos de personalidade dos estudantes, que se mantinha na nossa sociedade quando ocorreram os factos em julgamento nestas ações cíveis.

Só após o ocorrido na Praia ..., na noite de ... de ... de 2013, aqui em julgamento e, provavelmente, por causa do ocorrido, é que a Assembleia da República, em 28.02.2014, veio a aprovar uma resolução em que, além do mais, recomendava ao Governo que desenvolvesse esforços para garantir que as instituições de ensino superior e as associações académicas e de estudantes, sem prejuízo da autonomia universitária, promovam uma ação pedagógica que defenda a liberdade dos estudantes de escolher participar ou não na praxe e que reforce os mecanismos de responsabilização e de denúncia às autoridades competentes de qualquer prática violenta e abusiva.

Na sequência desta recomendação, o Secretário de Estado do Ensino Superior proferiu um despacho, em 08.09.2014, dirigido às instituições do ensino superior com o seguinte teor:

Recomendo às instituições de ensino superior o seguinte, sem prejuízo da sua total autonomia disciplinar:

1. A verificação da inclusão nos respetivos regulamentos disciplinares e/ou de estudantes, de normas com o seguinte teor ou equivalentes:

• O estudante tem o dever de não praticar qualquer ato de violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes, seja em que âmbito for;

• Considera-se infração disciplinar o comportamento do estudante, por ação ou omissão, que implique a prática de atos de violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no âmbito das praxes académicas;

• Nenhum estudante pode ser obrigado a participar em qualquer ato de praxe académica contra a sua vontade, cabendo a toda a comunidade académica a obrigação de velar pelo cumprimento desta norma, de que lhe deverá ser dado conhecimento, no ato da sua inscrição;

• Os atos designados por praxe académica não podem, em caso algum, revestir natureza vexatória ou de ofensa de natureza física ou moral dos participantes ou de quaisquer outras pessoas, nem podem prejudicar o normal funcionamento da instituição, nomeadamente impedir ou dificultar a ida dos estudantes às aulas ou perturbar a sua participação nas demais atividades escolares;

• Aos estudantes que pratiquem atos de manifesta violência física ou psicológica sobre outros estudantes, designadamente no quadro das praxes académicas, deverá ser instaurado o devido procedimento disciplinar.

2. A definição de regras para que o período de praxes académicas não afete o regular funcionamento do ano letivo;

3. A promoção de coordenação entre os dirigentes das instituições de ensino superior e as associações académicas e de estudantes, ouvindo sempre que possível as entidades que coordenam as atividades de praxe, quando estas existam, para conhecimento do plano previsto e recomendações de atuação, clarificação de procedimentos e precaução de situações abusivas.

4. A assunção de um papel ativo por parte do Provedor do Estudante e os gabinetes de apoio ao estudante de cada instituição na preparação da integração dos novos estudantes e na disponibilização de recursos de acompanhamento psicológico e jurídico aos estudantes que solicitem apoio e que denunciem situações de praxe violenta ou não consentida;

5. O desenvolvimento de instrumentos que promovam a divulgação de informação sobre a questão da praxe nos meios estudantis onde seja clarificada a não obrigatoriedade de participação na praxe.

Entretanto, os tribunais portugueses já haviam sido convocados para decidir eventuais responsabilidades de instituições universitárias pela prática de atos, em contexto de praxe, violadores de direitos de personalidade de estudantes.

Assim, no processo em que foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.2009 13, foi condenada a cooperativa de ensino que geria uma escola de ensino superior, a indemnizar uma estudante que, no âmbito das atividades de praxe na receção aos “caloiros”, foi obrigada, nas instalações da escola, a vestir do avesso a roupa da cintura para cima, a colocar o soutien do lado de fora da roupa, a simular orgasmos com um poste de iluminação, a rebolar na relva e a carregar com arreios de um burro, nas instalações daquela instituição. Entendeu-se que sobre a Ré recaía o dever de tornar inócuas, no regulamento da praxe, as expressões ofensivas e ameaçadoras nele contidas de direitos de personalidade de alunos seus, assim como afastar a carga coativa incidente contra os estudantes que se recusassem a ser submetidos à praxe, incumbindo ainda à Ré, nas suas instalações, em virtude da do contrato que celebrou, providenciar pela segurança e bem-estar dos alunos, protegendo-os de violações à sua integridade física ou moral, pelo que tendo incumprido esses deveres e sendo essa omissão causa adequada a que tenham sido ofendidos no decurso de uma ação de praxe direitos de personalidade daquela estudante, incorreu aquela entidade em responsabilidade civil.

Já no processo em que foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.04.2013 14 foi condenada uma Fundação gestora de uma Universidade a indemnizar a mãe de um estudante que faleceu após ter sido sujeito a atos de praxe nas instalações da universidade, por se ter entendido que esta teria violado o dever acessório de garantir a segurança dos estudantes nas suas instalações.

Desta visita ao estado da arte na época dos acontecimentos aqui em julgamento pode concluir-se que, fruto da relação contratual estabelecida entre a 2.ª Ré e as vítimas, incidiam sobre aquela deveres laterais de vigilância e controle das práticas praxistas existentes na universidade que geria, com vista a garantir a segurança, a liberdade e a integridade física e psíquica dos seus alunos. Contudo, tais deveres, à época (anterior ao acima transcrito Despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior de 08-09-2014), não se traduziam na vinculação à adoção de concretas e determinadas ações, designadamente na regulamentação formal das atividades praxistas, exigindo-se sim, que as universidades adotassem as medidas que se revelassem necessárias a que, na realização dessas atividades, não se verificassem ofensas dos direitos dos seus estudantes. Este era um dever lateral inerente à celebração dos contratos de prestação de serviço outorgados entre as universidades e os seus alunos.

No entanto, há que ter presente, uma vez que estamos perante acontecimentos que ocorreram fora das instalações da universidade, que o conteúdo das medidas preventivas exigíveis é muito diferente quanto ao grau de intervenção das universidades nas praxes, consoante estas ocorram nas suas instalações ou em eventos por ela promovidos e quando elas se desenvolvem no exterior, em espaços e ações fora da “jurisdição” da universidade.

Nestas últimas situações, a universidade não tem a possibilidade de adotar medidas de intervenção direta nesses espaços e de aí exercer ações de vigilância e controle, apenas podendo desenvolver prévias ações de influenciação, designadamente através de campanhas de sensibilização para a adoção de boas práticas, promoção de atividades alternativas, colaboração com as autoridades locais, abertura de canais de comunicação e denúncia, e favorecimento de um diálogo com as organizações estudantis, nomeadamente as organizações de natureza praxista. Na verdade, embora as universidades não possam ter um controle direto sobre as praxes realizadas fora do seu “campus”, ainda assim têm um papel importante a desempenhar na promoção de uma cultura de respeito, segurança e responsabilidade entre os estudantes. Essa abordagem holística ajuda a mitigar os riscos associados às praxes e a promover um ambiente universitário que evite más práticas.

Relativamente à praxe no seio da Universidade ..., provou-se que a 2.ª Ré, apesar de não ter regulamentada a prática de tais atividades (facto provado 463), não permitia a realização de ações de praxe no interior das instalações universitárias, à exceção das cerimónias de enterro e batismo, facultando a utilização de átrios e parques de estacionamento para esse efeito, com a exigência de não perturbar o normal funcionamento das atividades letivas e académicas e com respeito das regras de urbanidade e trato (factos provados 461 e 462). Além disso o COPA utilizava as instalações da universidade como ponto de encontro e de reuniões dos estudantes, com o conhecimento e consentimento da 2.ª Ré, sendo as demais atividades de praxe habitualmente realizadas no ... e zonas adjacentes e pelas ruas da cidade de ... (factos provados 54 a 57).

Não se provou que a 2.ª Ré tivesse um código secreto de conduta assinado com o COPA; que reconhecesse e apoiasse esta organização praxista; que tivesse conhecimento do modo como esta se organizava e estruturava, assim como das reuniões de MPC; que, para além das ações e reuniões permitidas nas instalações da Universidade, soubesse das atividades desenvolvidas pelo COPA; e que incentivasse a que as atividades praxistas ocorressem no exterior da Universidade (factos não provados 10, 11, 15 16, 17 e 21).

Estando nós perante a alegação de um incumprimento de deveres laterais contratuais de proteção, competia aos Autores demonstrar esse incumprimento, como elemento constitutivo dos alegados direitos indemnizatórios (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Apenas se provou que a 2.ª Ré não havia regulamentado as atividades de praxe na universidade que geria, mas que nela vigoravam algumas regras sobre a realização dessas atividades nas instalações da universidade. Nada se apurou, uma vez que também nada se alegou, quanto à não adoção pela 2.ª Ré das referidas ações de influenciação na promoção de uma cultura de respeito, segurança e responsabilidade na realização de quaisquer atividades praxistas, mesmo fora da “jurisdição” da universidade.

Não existindo, pelo menos à época, um dever jurídico de formalmente regulamentar as atividades de praxe pelas universidades, como já acima se concluiu, não é possível afirmar que a 2.ª Ré tenha incumprido qualquer dever lateral contratual nesta matéria que a possa responsabilizar pelo ocorrido.

Além disso, mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, se visionasse um incumprimento de um dever de prevenção de ações de exposição a situações de risco dos estudantes praxados, na mera ocorrência de uma situação de exposição ao perigo, faltaria ainda a demonstração da existência de um nexo de causalidade, por mais ténue que fosse, entre esse incumprimento e o trágico desfecho ocorrido na noite de 14 para 15 de dezembro, na Praia ....

Na verdade, como já se referiu a propósito da responsabilidade do 1.º Réu, a mera deslocação daqueles jovens àquela praia, naquela noite, não foi um ato de exposição ao perigo de ser arrastado e submergido pelo mar. Encontrando-se provado que o início do areal distava mais de 60 metros da linha de água, essa exposição ao perigo resultou sim do local da praia escolhido pelos jovens para se sentarem, o qual, como a realidade veio a confirmar, era suscetível de ser alcançado pelas ondas colapsantes de um mar particularmente agitado. Ora, não há qualquer dado de facto que nos permita concluir que esse posicionamento na praia estivesse relacionado com a realização de um qualquer ato de praxe (factos não provados 43 e 83), pelo que também não seria possível imputar esse ato de exposição ao perigo a um hipotético incumprimento do dever da 2.ª Ré adotar as medidas necessárias a evitar que das atividades praxistas resultasse um perigo para segurança dos seus estudantes, mesmo quando essas atividades decorressem em local fora da sua” jurisdição”.

São, pois, vários os requisitos necessários à responsabilização da 2.ª Ré que não se encontram preenchidos, perante a factualidade apurada, concordando-se, por isso, com a sua absolvição.

3. Conclusão

Nos termos acima expostos, deve o recurso interposto pelos Autores ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão de improcedência das diversas ações por eles interpostas.


*

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelos Autores, confirmando-se o acórdão recorrido.


*

Custas do recurso pelos Autores.

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Notifique.

*

Lisboa, 18 de abril de 2024

João Cura Mariano (por vencimento)

Fernando Baptista

Catarina Serra (com declaração de voto de vencida)


***

Proc. 35744/15.3T8LSB.E1.S1

Vencida.

Tendo sido a relatora inicial, sou a primeira a reconhecer as dificuldades que enfrenta quem tem o dever de decidir o singular e dramático caso dos autos.

Desde logo, assinalaria que, não obstante extensão dos factos provados, são surpreendentemente escassos e pouco precisos os dados no que toca às circunstâncias do acidente que vitimou os seis jovens. É, em particular, surpreendente que, tendo havido um sobrevivente, não tenha sido possível esclarecer alguns aspectos, relacionados com os momentos que antecederam imediatamente o acidente e outros, que seriam, em princípio, importantes para uma visão global e mais completa do caso. Destaca-se a dúvida sobre a hora em que se deu o acidente (o facto provado 26 apenas permite saber que o acidente se deu entre as 0.00 e as 2.00, o que é impreciso). Mais importante ainda é a dúvida sobre como se explica que, igualmente colhido pelas ondas, (só) um dos jovens tenha conseguido escapar (apenas é possível saber, através do facto provado 147, que o JJ, libertando-se da capa, conseguiu sair da água e alcançar o telemóvel para pedir socorro, não havendo indicações, por exemplo, quanto aos esforços que fez para sair da água ou ao tempo que mediou entre esta saída e o pedido de socorro por ele efectuado).

Ainda assim, estou convicta de que a (restante) factualidade apurada demonstra a responsabilidade de ambos os réus e por isso decidiria pela sua condenação na obrigação de indemnizar os autores.

O meu raciocínio é o que passo a expor, sendo devida uma nota sobre a inusitada extensão da presente declaração de voto: numa decisão deste tipo não é simplesmente possível dispensar a referência a todos os factos e a todos os argumentos jurídicos que me permitiram formar aquela convicção.

Não subsistem dúvidas de que, naquela fatídica noite de 15 de Dezembro de 2013, as vítimas, todas maiores (cfr. factos provados 1 e 2, 3 e 4, 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10), se encaminharam para a praia (cfr. factos provados 124, 125, 126 e 127) e que, apesar de ser visível que o mar estava agitado (cfr. factos provados 134, 135, 136, 137 e 138), se colocaram ao alcance das ondas (cfr. factos provados 140 e 142), sendo que foram colhidas e arrastadas para o mar (cfr. factos provados 143, 144, 145 e 146), onde acabaram por falecer (cfr. factos provados 26 e 146).

Tudo indica que houve, por parte dos jovens, uma exposição voluntária ao perigo de ocorrência dos danos que efectivamente se produziram, devendo dar-se por verificados os requisitos do instituto que a doutrina penal denomina “autocolocação em perigo” (Selbstgefhärdung), ou seja, condutas que resultam em favorecimento negligente de uma autolesão (cfr. Costa Andrade, Consentimento e acordo em processo penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 272).

O dever de adoptar a conduta adequada a prevenir o perigo (o dever de prevenção do perigo) configura, na realidade, um ónus, pois tem em vista a autoprotecção dos sujeitos, integrando-se naquilo a que, adoptando a fórmula feliz de Brandão Proença (A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, p. 105), pode designar-se “princípio intuitivo de autorresponsabilidade do lesado”.

Não me parece, contudo, que este acto voluntário das vítimas possa ser visto de forma isolada ou à margem do seu contexto.

Continuando a seguir de perto a factualidade provada, é possível encontrar outros factores que contribuíram para, ou mesmo propiciaram, a produção do acidente, induzindo, desde logo, àquela autocolocação em perigo por parte dos jovens. Prendem-se eles com os comportamentos – com certos comportamentos – adoptados por cada um dos réus.

Trata-se, por um lado, da inobservância de deveres de cuidado por parte do réu JJ, designadamente a sua inacção, enquanto líder do grupo de jovens, no que toca à decisão de ida à praia e à decisão de permanência na praia em condições atmosféricas e marítimas manifestamente adversas.

Trata-se, por outro lado, da inobservância de deveres de cuidado por parte da ré COFAC, nomeadamente, a sua prolongada atitude de “ignorância deliberada” e de passividade relativamente às actividades de praxe académica e aos termos em que elas ocorriam, apesar de levadas a cabo em nome da Universidade... e pelos seus alunos.

Quer dizer: apesar de não ter dúvidas de que o facto central é a autocolocação dos jovens em perigo, entendo que os comportamentos dos réus não foram indiferentes ou irrelevantes para o resultado, que os comportamentos dos réus integram uma “sequência” ou um “conjunto” de factos e, por integrarem uma “sequência” ou “conjunto” de factos, podem ser considerados “causais”.

Tenha-se presente, a propósito do requisito da causalidade, a máxima de Antunes Varela [Das Obrigações em Geral, vol. I, Coimbra, Almedina, 2000. (10.ª edição), pp. 984-895]: “para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dado. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.

Para que exista este nexo de causalidade adequada não é necessário, tão-pouco, que o dano seja um resultado directo ou imediato das condutas dos réus.

Não é de estranhar, aliás, que não exista uma relação directa ou imediata entre as condutas dos réus e o dano, uma vez que, como também se verá, estão em causa deveres de prevenção do perigo ou de segurança no tráfego e deveres de protecção e cuidado.

Como explica Carneiro da Frada (Contrato e deveres de protecção, Coimbra, Almedina, 1994, p. 165), “[e]m grande parte das hipóteses nas quais estavam em causa deveres de protecção, a violação da propriedade ou da integridade pessoal não resultou de um ataque directo ou imediato a esses bens, ainda que negligente, e sim de uma conduta que só mediatamente a produziu ou que se traduziu então na não observância de um dever de cuidado que a teria certamente evitado”.

Por fim, no plano da causalidade, não é exigível que os réus tivessem previsto que as suas condutas teriam um qualquer papel para a consumação daquele concreto resultado.

Como observa Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, cit., p. 895), “para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto não é necessário que ele seja previsível para o autor desse facto”.

Ponderando todos estes elementos, é minha convicção que se encontram preenchidos os requisitos da responsabilidade civil relativamente a ambos os réus.

Dos requisitos da responsabilidade civil

Como se sabe, a responsabilidade civil depende do preenchimento de determinados requisitos ou pressupostos (cfr. artigo 483.º do CC).

Os primeiros requisitos podem reunir-se ou fundir-se num só – o facto ilícito –, aferindo-se, depois, dos restantes.

No caso concreto, o facto ilícito materializar-se-ia no conjunto de actos negativos (omissões) indevidos dos réus.

Da violação de deveres jurídicos

Compreensivelmente, o acto negativo ou a omissão só releva para efeitos de responsabilidade civil quando existe um dever jurídico de agir – um dever jurídico de agir em certo sentido (cfr. artigos 483.º, n.º 1, e 486.º do CC). Só assim há contrariedade ao Direito.

Na minha opinião, sobre JJ recaiam deveres – deveres de prevenção do perigo – que ele não cumpriu; sobre a COFAC recaía também um conjunto de deveres – deveres de conduta – que ela não cumpriu.

Da violação de deveres por JJ

Da factualidade provada resulta que aquele fim de semana era um “fim de semana MPC”, isto é, um fim de semana em que os jovens se reuniam com a finalidade de preparar e organizar de atividades e cerimónias de caracter praxístico futuras (do ano seguinte) e de que os jovens participavam na qualidade de representantes dos seus cursos (cfr. factos provados 27, 48, 52, 90, 94, 95, 96, 129, 132 e 484).

Não é, pois, possível dizer que aquele era um simples fim de semana em que sete amigos haviam decidido reunir-se sem propósito especial ou com um propósito alheio às actividades de praxe.

JJ era, à data do acidente, o Dux, ou seja, o chefe máximo da praxe académica da Universidade.... Ocupava, portanto, a posição mais elevada na hierarquia atrás referida, o que – é indiscutível – lhe conferia poderes especiais. Em decorrência da sua qualidade de Dux, ele era o Presidente das reuniões do MPC, cabendo-lhe liderar os que estivessem vinculados ao Código da Praxe Académica e assumir responsabilidade máxima sobre os destinos do COPA (cfr. factos provados 25, 49, 50, 51 e 52).

Naquele fim de semana de 14 e 15 de Dezembro, JJ agia, pela primeira vez, nessa qualidade (cfr. facto provado 52). E, em vários momentos daquele fim de semana, exerceu o seu poder sobre os outros jovens, sabendo-se que estes lhes obedeciam e acatavam as ordens que ele dava (cfr. factos provados 103, 113, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 122 e 128).

É de destacar também o facto de que, nesse fim de semana e, em particular, no dia do acidente, os jovens haviam ingerido uma quantidade significativa de álcool (cfr. factos proados 85, 102, 104, 105, 106, 108, 109, 110 e 111) e de que, pelo menos um deles (o KK), havia consumido ainda THC (tetra-hidrocarbinol) (cfr. facto provado 112).

Não resulta da factualidade provada que a ida à praia tenha sido imposta ou sequer proposta por JJ. Em contrapartida, resulta da factualidade provada que JJ “aproveitou” a ida à praia para mais um “exercício” ou “teste” de praxe académica aos outros jovens. Recorde-se, desde logo, que JJ entregou a cada um dos jovens um ovo representativo do respectivo curso, ordenando-lhes que velassem para que nada lhe acontecesse (cfr. factos provados 128 e 129). Isto demonstra com clareza que a viagem à praia se inseria no contexto de actos de praxe académica e que as vítimas desempenhavam, nessa altura, um determinado papel enquanto representantes dos respectivos cursos.

Não é, pois, possível dizer que a ida à praia naquela noite era uma simples ida à praia sem propósito especial ou com um propósito alheio às actividades de praxe.

Perante a factualidade provada, será excessivo falar-se de “colocação em perigo de um terceiro aceite por este” ou de “heterocolocação em perigo consentida” (einverständliche Fremdgefhärdung) (cfr. Costa Andrade, Consentimento e acordo em processo penal, cit., pp. 271 e s.). O que é certo é que, naquele fim de semana, o grupo era liderado – insiste-se –, conduzido ou “comandado” pelo Dux JJ.

Este é um dado muito relevante, que não pode ser desconsiderado, fazendo impender sobre JJ um conjunto de deveres especiais, deveres estes que não impendiam – ou não impendiam com a mesma intensidade – sobre os restantes jovens e que distinguiam JJ dos restantes jovens. Quer dizer: JJ tinha, para dizer o mínimo, uma posição “distinta” e “destacada” naquele grupo de jovens, competindo-lhe maior poder, logo, maior responsabilidade.

Foi, aliás, sob esta “supremacia” do Dux JJ que os seis jovens se dedicaram a consumir álcool ao longo do dia. Isto terá, com certeza, diminuído a sua capacidade para identificar, avaliar e agir perante situações de perigo.

É de salientar aquilo que se apurou, pelo menos, quanto um dos jovens, KK: é de admitir que o jovem tenha sofrido um certo grau de perturbação da coordenação motora da percepção e das funções cognitivas e afetivas com interferência “na capacidade intelectual e de decisão da vítima, mormente em sede de avaliação do risco para a sua integridade física ou vida” (cfr. facto provado 112).

Naquela noite, como demonstram abundantemente os factos provados, o mar estava visivelmente revolto. A permanência na praia, na proximidade das ondas ou ao alcance das ondas, era uma situação objectivamente perigosa.

Detendo JJ uma posição de liderança e um indesmentível ascendente sobre os demais jovens, sobre ele impendia, a meu ver, o dever de evitar ou de prevenir situações de perigo e, concretamente, o dever de impedir a exposição ao risco que o mar agitado representava, tanto mais que os jovens tinham – e JJ sabia – ingerido álcool ao longo do dia, e (pelo menos, um deles) consumido substâncias psicotrópicas.

Mais precisamente, JJ estava constituído em “deveres de prevenção do perigo” (cfr. Antunes Varela, “Anotação ao Acórdão de 26 de Março de 1980”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, 1981, n.º 3683, p. 77), “deveres genéricos de prevenção do perigo” (cfr. Brandão Proença, Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, p. 180) ou ainda “deveres de segurança no tráfego” (Verkehrspflichten) ou “deveres (de segurança) no tráfico” (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 307 e s.).

Os deveres de prevenção do perigo são desde há muito aplicados pela jurisprudência portuguesa, nomeadamente deste Supremo Tribunal. Destacam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.06.2009 (Proc. 560/2001.S1) e de 29.11.2016 (Proc. 820/07.5TBMCN.P1.S1). Mas há muitos outros exemplos: Acórdãos de 30.11.2010 (Proc. 1166/04.6TBLSD.P1.S1), de 29.03.2012 (Proc. 6150-06.2TBALM.L1.S1), de 6.12.2012 (Proc. 296/03.6TBASL.E1.S1), de 11.07.2013 (proc. 95/08.9TBAMM.P1.S1), de 30.09.2014 (Proc. 368/04.0TCSNT.L1.S1), de 30.10.2014 (Proc. 352/08.4TBVRM.G1.S1), de 9.07.2015 (Proc. 208/08.0TBPNH.C2.S1), de 7.04.2016 (Proc. 7895/05.0TBSTB.E1.S1), de 14.02.2017 (Proc. 528/09.7TCFUN.L2.S1), de 14.01.2018 (Proc. 8543/10.1TBCSC.L1.S1), de 3.05.2018 (Proc. 2115/04.7TBOVR.P3.S1), de 22.05.2018 (Proc. 1646/11.7TBTNV.E1.S1), de 25.10.2018 (Proc. 2511/10.0TBPTM.E2.S1), de 26.02.2019 (Proc. 4419/13.9TBGDM.P1.S1) e de 14.03.2019 (Proc. 2446/15.0T8BRG.G2.S1).

De uma forma breve, é possível dizer que os deveres de prevenção do perigo obrigam os sujeitos que detêm o domínio de uma situação de perigo a tomar todas as providências razoavelmente exigidas para prevenir a consumação daquele perigo.

No centro ou no âmago dos deveres de prevenção do perigo está a noção de cuidado devido, que, na falta de outras fontes / fontes especiais, tem como última referência o “cuidado imposto pelo concreto comportamento socialmente adequado no tráfico” (cfr. Rui Ataíde, “O cuidado entre a ilicitude e a culpa”, in: Revista de Direito Civil, 2017, n.º 4, p. 844).

Não está em causa, bem-entendido, nenhum comportamento altruístico, heróico ou inexigível à pessoa comum. Como esclarece Rui Ataíde (Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Coimbra, Almedina, 2015, p. 46), “[n]ão se exige, em suma, nada de impossível ao agente, estando, antes, em causa, determinar a medida de cuidado que, nas condições do caso, uma pessoa comum pertencente ao seu círculo de tráfego poderia tomar para impedir a ofensa dos interesses de integridade”.

Acerca das situações em que os sujeitos ficam constituídos nos deveres de prevenção do perigo diz Menezes Cordeiro (Da boa fé no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1997, p. 834): “pode apontar-se a criação ou manutenção de um perigo, a protecção da confiança – esta também é factor de perigos –, a possibilidade de controlar o perigo e a ponderação das utilidades ligadas à fonte do perigo”. Do jogo destes factores retira-se, sem dificuldade, a pessoa a cargo da qual se formam os deveres em causa”.

Segundo Rui Ataíde (“Os deveres no tráfego”, in: Revista de Direito da Responsabilidade, 2019, p. 994), as situações são ligeiramente – e não decisivamente – diferentes:

criação ou manutenção de um perigo; poder de controlo do perigo; utilidades propiciadas pela fonte do perigo e os custos com a sua eliminação ou condução; capacidade de autoprotecção dos lesados”.

Explica o autor (“Os deveres no tráfego”, cit., pp. 994-995): “o perigo tanto pode ter sido criado pelo próprio agente como provir de uma fonte preexistente que esteja sob o seu controlo, podendo inclusive ser (…) catalisado por um facto natural (…). Não está evidentemente em causa responsabilizar o vinculado (…) pela acção das forças da natureza mas antes pela adopção de medidas preventivas que diminuam seja o risco da sua eclosão, seja o seu potencial danoso ou pela execução de providências que evitem ou suprimam a consolidação da respectiva eficácia lesiva, quando se revele impossível obstar à sua ocorrência”.

Relativamente ao domínio do perigo, diz ainda (“Os deveres no tráfego”, cit., p. 995): “A pessoa que criou ou manteve sob o seu controlo fontes de perigo só responde pelas consequências lesivas, se dispuser de um poder de domínio sobre essa fonte que lhe permita escolher e executar, ainda que por intermédio de comissários, as medidas necessárias para garantir a segurança do tráfego. O conceito de ‘domínio’ descreve uma pura situação de facto que pode ou não estar acobertada por um qualquer título jurídico. Portador do dever no tráfego é sempre o titular de um efectivo poder de controlo da fonte ou actividade perigosa, independentemente da sua legitimidade ou qualidade jurídica”.

Finalmente, quanto à (in)capacidade de autoprotecção dos lesados, esclarece o autor (“Os deveres no tráfego”, cit., p. 997): “A avaliação da capacidade dos potenciais lesados para se protegerem das incidências lesivas exige a ponderação conjugada de dois vectores. O primeiro factor respeita à dimensão e natureza do perigo, mormente, quando estejam em causa perigos extraordinários, seja pela sua alta probabilidade lesiva, seja pelo excepcional potencial danoso que revestem. O outro factor prende-se com a aptidão dos lesados para se aperceberem e defenderem-se do perigo”.

Qualquer que seja a perspectiva adoptada, parece-me inevitável concluir que JJ estava, pela sua especial posição e pela confiança gerada nos outros, constituído em deveres de prevenção do perigo, o que o obrigava a adoptar um certo tipo de comportamento ou a agir em determinado sentido.

Trata-se de um dever de agir que surge como correlato dos direitos de personalidade; um dever com origem na obrigação de respeito pela pessoa humana e que recai, em concreto, sobre quem quer que seja, tudo dependendo das circunstâncias.

Tudo isto se compreende melhor recordando as palavras de Orlando de Carvalho [Do Direito das coisas (Do Direito das coisas em geral), Coimbra, 1977 (policopiados), pp. 129-130]: “Os direitos de personalidade, designadamente, implicam uma obrigação de respeito tout court – na medida em que a pessoa implica ‘respeito’, ‘Achtung’, como diz Larenz – que está longe de ser meramente passiva, até porque suporá, porventura, conforme defende a doutrina mais próxima, um dever de auxílio que é o inverso da indiferença (…)”.

As circunstâncias ou factores a atender para aferir do dever de agir e da sua observância podem ser – frequentemente são – a natureza e valor do interesse protegido em questão, a periculosidade da actividade, a perícia que é de esperar da pessoa que a exerce, a previsibilidade do dano, a relação de proximidade ou a particular confiança entre as partes envolvidas, bem como da disponibilidade e custos de métodos preventivos ou alternativos. Estando em causa o dever de prevenção do perigo para terceiros (um dever de agir positivamente para proteger terreiros de danos), destacam-se a possibilidade de controlar a situação de perigo, a relação especial entre as partes e a desproporção entre a gravidade da lesão e a facilidade de a evitar [cfr. artigo 4:102 (padrão de conduta exigível) e 103 (dever de prevenção do perigo para terceiros) dos Principles of European Tort Law / Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil (http://www.egtl.org/PETLPortuguese.html)].

No caso em apreço, penso que recaía sobre JJ um dever de agir, em primeiro lugar, porque, além de existir proximidade, familiariedade ou mesmo alguma amizade entre os jovens, JJ ocupava uma posição clara de comando do grupo, cabendo, pois, na esfera dos seus deveres / poderes-deveres o dever de os induzir a cumprir as regras básicas de segurança.

Penso que recaía sobre JJ um dever de agir, em segundo lugar, porque, em resultado daquela sua posição de superioridade ou supremacia, inculcou, de forma quase automática, nos restantes jovens a confiança de que era ele quem tomava decisões pelo grupo e no interesse do grupo.

Penso que recaía sobre JJ aquele dever de agir, em terceiro lugar, porque JJ estava em condições de se aperceber – e devia / deve ter-se apercebido – da proximidade do perigo e da gravidade do perigo.

Penso que recaía sobre JJ aquele dever de agir, em quarto lugar, porque JJ estava em condições de se aperceber – e devia / deve ter-se apercebido – da vulnerabilidade em que se encontravam os jovens ou, pelo menos, alguns deles – de que, devido às substâncias que haviam ingerido antes, eles não estavam em condições de se aperceber do perigo e da gravidade do perigo e de proteger-se dele.

Penso que recaía sobre JJ aquele dever de agir, em quinto lugar e por último, porque, não obstante não estar provado que tenha sido JJ a criar a situação de perigo, decidindo o passeio à praia e a exposição ao mar, ele (de)tinha o poder de impedir, ab initio, a exposição ao perigo e, em última instância, o poder de fazer cessar a exposição ao perigo. Nada disso implicaria para ele grandes custos ou exigências, bastando-lhe exercer o ascendente que havia exercido todo o fim de semana no sentido de impedir a ida à praia ou de forçar a saída da praia por parte dos jovens.

A verdade é que não foi nada disto o que JJ fez, donde concluo que JJ incorreu em violação de deveres.

Da violação de deveres pela COFAC

A COFAC é a entidade instituidora da Universidade... (cfr. facto provado 15) e a Universidade..., por sua vez, é um estabelecimento de ensino superior privado português de reconhecido interesse público (cfr. facto provado 14).

O acto de inscrição ou matrícula de um estudante num curso do ensino superior representa um contrato de ensino. Este contrato é fonte de diversos deveres: além dos deveres principais de prestação (entre os quais avulta, para as instituições do tipo da 2.ª ré, o dever de assegurar o ensino ou a formação contratada), dele decorrem deveres laterais ou deveres de conduta, especialmente importantes aqui, dado que, por força do contrato de ensino, se cria, durante algum tempo, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, aquilo a que alguns designam como “comunidade de vida” [cfr. Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Coimbra, Coimbra Editora, 1982 (reimpressão), p. 346)].

De facto, os deveres de conduta têm particular relevo nas relações de cooperação decorrentes de contratos duradouros. Diz, por exemplo, Nuno Manuel Pinto Oliveira (“Os deveres acessórios 50 anos depois”, in: Revista de Direito Civil, 2017, n.º 2, p. 246): “Os contratos duradouros caracterizam-se por enunciarem os fins e as características gerais de um ‘programa de cooperação’ ou de um programa de cooperação mútua entre as partes, orientado para a protecção continuada de fins comuns”.

É razoável, então, retirar do contrato (duradouro) de ensino celebrado pela instituição com cada um dos seus estudantes um conjunto de deveres de conduta, que, designadamente, impõem àquela o exercício de controlo (regulação e vigilância) sobre as actividades praxistas prosseguidas em nome ou em ligação à universidade, com vista a manter os estudantes em segurança ou, pelo menos, impedir que possam resultar delas consequências gravosas para algum dos estudantes.

Não vale contra isto argumentar que a maioria das práticas de praxe académica tinha lugar fora das instalações da Universidade....

O facto de estas práticas acontecerem fora das suas instalações não a isenta da responsabilidade ou de toda a responsabilidade.

É mais difícil, evidentemente, observar deveres de vigilância quando o objecto de vigilância não está por perto. Mas a Universidade... baniu as actividades de praxe do seu espaço físico, com a intenção de não ser envolvida nisso, ou seja, justamente, para não ter de assumir deveres e responsabilidade por tais actividades de praxe, nomeadamente, para não ter de as regular (exercício de deveres ex ante) e de as controlar (exercício de deveres ex post).

Ao invés, aquilo que seria expectável, porque adequado e exigível, era que a Universidade... tivesse admitido que a praxe existia e tivesse tomado o assunto “em mãos”. Isto propiciaria, pelo menos, a possibilidade daquele exercício de (alguma) vigilância e controlo sobre as práticas praxísticas. Mais importante ainda, a Universidade... poderia e deveria ter regulado internamente a praxe. Se a Universidade... tivesse reconhecido e tivesse disciplinado a praxe ou mantido canais de diálogo periódico com o COPA, mesmo que algumas das práticas ainda “escapassem” ao seu controlo e se realizassem, por assim dizer “clandestinamente” ou no exterior das suas instalações, sempre o efeito inibidor da regra e da sanção, positivadas em instrumento jurídico, ou, quanto mais não fosse, através de advertências feitas oralmente nas reuniões com o COPA, ecoaria ao longo do tempo e se projectaria sobre todos e cada um dos alunos activamente envolvidos.

Voltando à factualidade provada, repare-se que o COPA foi criado em 2003 (cfr. facto provado 28). Existia, portanto, à época, já há 10 anos. E existia em função da sua ligação à Universidade... - veja-se que foi criado por um grupo de alunos da Universidade... (cfr. facto provado 457), que todos os alunos que integravam os seus órgãos, designadamente as vítimas e JJ, eram ou tinham sido estudantes da Universidade... (cfr. factos provados 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24), que a Universidade... era o ponto de encontro do COPA (cfr. facto provado 55).

Além disso, pese embora o COPA nunca ter sido institucionalmente reconhecido pela COFAC ou pela Universidade... (cfr. facto provado 459), a factualidade assente revela claramente que existia uma “viva relação” entre o COPA e Universidade... / COFAC. Com efeito, a Universidade... / COFAC, por si ou por intermédio do presidente do conselho de administração da COFAC, do chefe de segurança da U... e do responsável pelos espaços e infraestruturas da Universidade..., não só sabia da existência e do objecto do COPA (cfr. factos provados 59, 60, 61, 62 e 65) como mantinha com o COPA uma relação susceptível de ser qualificada, no mínimo, como de cordialidade (cfr. factos provados 62, 63 e 68).

E se, por um lado, a COFAC e a Universidade... não permitiam a realização de actividades praxísticas no interior das suas instalações (cfr. factos provados 461 e 470), a verdade é que, estranhamente, permitiam, ao que parece, que ela tivesse lugar nos átrios e nos parques de estacionamento da Universidade... (cfr. facto provado 461). Era ainda possível aos membros do COPA aceder às instalações e reunir em salas da Universidade... (cfr. factos provados 54, 64 e 471) bem como promover a praxe no átrio da Universidade... (cfr. factos provados 56 e 69).

Há notícia de que a praxe na Universidade... era dura e de que existiam alguns problemas, constando da factualidade provada relatos de episódios, ocorridos pouco tempo antes do fatídico acidente que vitimou os seis jovens, em que os actos de praxe tinham tido consequências não insignificantes para a integridade física de alguns alunos (cfr. factos provados 76, 77, 78 e 79).

Em face de tudo isto, parece-me inegável que sobre a Universidade... / COFAC impendia o dever de não ignorar que a praxe existia e o dever de adoptar uma atitude activa, enquadrando a actividade desenvolvida pelo COPA nos regulamentos internos bem como vigiando e controlando, na medida do possível, os actos de praxe.

Este dever de adoptar uma conduta activa não teria sequer de se esgotar nestas actividades de regular ou disciplinar e de fiscalizar ou controlar; existem medidas auxiliares, que não são difíceis de aplicar e que ajudam a manter o domínio dos riscos, como a de criar ou alocar estruturas para o acompanhamento da vida académica e uma rede de apoio (apoio social, psicológico e jurídico) aos estudantes.

Mas nada disto foi feito pela COFAC / Universidade....

Como se viu, a COFAC / Universidade... mantinha uma atitude pouco clara ou mesmo contraditória em relação à praxe: sabia da existência do COPA mas não o reconhecia institucionalmente, mantinha a praxe do exterior dos seus espaços mas, aparentemente, admitia-a no átrio e nos parques de estacionamento. Tudo isto potenciava que as actividades de praxe se realizassem longe das instalações da Universidade... (e da sua vista), portanto, sem condicionamentos, aumentando o risco de comportamentos abusivos / excessivos. Acresce que a COFAC / Universidade... não tinha a actividade de praxe académica regulamentada (cfr. facto provado 493).

A atitude de aparente indiferença – de laissez faire – e a ausência de uma política em matéria de praxe universitária, limitando-se a universidade a afastar ou a distanciar de si estas práticas, não é, no meu entender, a conduta adequada nem a conduta exigível a entidades do tipo da COFAC. Recorde-se que a COFAC é a entidade instituidora e responsável pela gestão administrativa, económica e financeira de uma universidade a quem foi reconhecido interesse público (cfr. factos provados 14, 15 e 17).

Trata-se, além do mais, de uma cooperativa, pessoa incontestavelmente sujeita a maior responsabilidade, designadamente responsabilidade social, e a maiores exigências do que aquelas a que estão sujeitas outras entidades, em atenção aos interesses públicos ou gerais que estão na base da sua constituição e justificam o seu estatuto especial com reflexos a vários níveis. Esta é uma circunstância com particular relevância para a ponderação do grau de culpa.

Do nexo de imputação do facto ao agente (culpa)

Como diz Sinde Monteiro (“Rudimentos da responsabilidade civil”, cit., p. 370), “[a]ge com culpa quem poderia e deveria ter evitado um comportamento ilícito”.

Não é fácil, sobretudo nos casos de omissão de deveres de cuidado, distinguir-se entre a ilicitude e a culpa (dolo ou mera culpa). Factores que relevam para a verificação do incumprimento do dever jurídico relevam também para o apuramento da (maior ou menor) culpa do agente.

É possível partir da máxima simples de que quanto maior é a exigibilidade da conduta (de determinada conduta), maior será, em princípio, a censurabilidade da não adopção da conduta devida e maior a culpa do agente.

Como é sabido, o dolo é a modalidade mais grave da culpa, compreendendo três grupos de casos: os casos em que o agente visa directamente o facto ilícito (dolo directo); os casos em que em que o agente, não obstante não visar o facto ilícito, o prevê como consequência necessária do seu acto (dolo necessário); e os casos em que o agente prevê o facto ilícito como uma consequência possível ou eventual e, ainda assim, actua (dolo eventual).

Ao lado destes, há casos que merecem uma censura ou reprovação menos intensa, integrando-se na categoria da mera culpa ou negligência. São os casos em que o agente prevê o facto ilícito como uma consequência possível ou eventual mas actua porque confia (embora injustificadamente) em que o facto ilícito não se produzirá (negligência consciente) e os casos em que o agente nem sequer prevê, embora devesse prever, o facto ilícito como uma consequência possível ou eventual (negligência inconsciente).

Estando em causa, relativamente aos dois réus, a inobservância de deveres de cuidado ou da diligência adequada às circunstâncias, ou seja, a mera culpa, o padrão para aferir da conduta do agente tenderá a ser o da culpa em abstracto, devendo perguntar-se se uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias em que estava colocado o agente teria agido da mesma forma (cfr. artigo 487.º, n.º 2, do CC).

Estando em causa, mais uma vez, a mera culpa, a melhor orientação é a de definir a culpa não apenas como uma vontade deficiente (leviandade) mas como uma conduta deficiente (incompetência). Baseia-se este raciocínio na máxima “quem não tem capacidade para agir como é exigível deve abster-se de agir”.

Da culpa de JJ

Entendo que era exigível a JJ que exercesse – continuasse a exercer – os seus poderes de liderança do grupo com o objectivo de prevenir ou impedir a concretização do perigo que a proximidade do mar representava.

É expectável ou previsível que um jovem médio, com a idade, a formação e a missão de JJ (a desempenhar as funções de Dux num “fim de semana MPC”) tivesse agido de modo diverso – numa palavra: tivesse agido.

Ser-lhe-ia, aliás, fácil agir, manifestando a sua oposição à permanência na praia e convencendo os outros a saírem para uma zona segura. Se JJ tivesse manifestado esta sua oposição é muito provável ou quase certo que os outros lhe teriam obedecido, como vinham, aliás, fazendo durante todo o fim de semana.

Cabe ainda dar atenção ao facto de JJ ter sido praticante de body board durante vários anos (cfr. facto provado 139).

É sabido que o body board é um desporto aquático, que consiste em deslizar em deslizar pela parede de uma onda e em realizar manobras aéreas com o auxílio de uma prancha. Em regra, é praticado estando o praticante deitado ou com uma perna ajoelhada (é esta a principal diferença em relação ao surf).

Quer isto dizer que JJ, porquanto detentor de especiais conhecimentos e experiência ou familiariedade com o mar, estava em condições privilegiadas para identificar ou reconhecer o perigo que ondas com aquela altura e com aquela força representavam para quem se mantivesse ao seu alcance.

Considerando todos estes dados, penso que nem sequer pode dizer-se que a inacção de JJ se deveu à incompreensão do risco ou à imprevisão da possibilidade de um acidente. Há, pois, em princípio, mais do que negligência inconsciente por parte de JJ.

Admite-se que JJ tenha pensado que nunca se daria o acidente – um acidente com aquelas dimensões. Mas isto, como se viu, não o isenta de culpa, de toda a culpa.

2.2. Da culpa da COFAC

Já se disse que a COFAC adoptou uma atitude sistemática de laissez faire em relação à praxe académica, contrariando aquilo que era desejável, expectável e exigível a uma instituição do seu tipo.

E não é – não pode ser – pelo facto de a actividade de praxe que levou as vítimas a reunir-se no fim de semana do acidente não ter tido lugar nas suas instalações que ela deverá ficar exonerada de responsabilidade. Os actos de praxe foram praticados pelos membros de uma organização e em nome de uma organização que tinha uma ligação de facto à Universidade..., nos termos descritos atrás.

Visto isto, a conclusão que me parece ser de retirar é de que a COFAC sabia ou, se não sabia, devia saber que a actividade do COPA, implicando o exercício de poder de alguns dos estudantes sobre outros, era susceptível de envolver criar perigo para a segurança deles e que era provável que esse perigo se consumasse alguma vez.

Recordando que a culpa se afere em abstracto, há que sublinhar que a COFAC é uma cooperativa; está, portanto, vinculada a especiais deveres jurídicos, advenientes da posição que ocupa, como cooperativa, no sector cooperativo e social (cfr. artigo 82.º, n.º 4, da CRP).

Entre os princípios cooperativos contam-se os princípio educação, formação e informação, o princípio intercooperação e o princípio interesse pela comunidade (cfr. artigo 3.º, 5.º, 6.º e 7.º, do Código Cooperativo). É desnecessário explicar por que é que estes princípios se conciliam mal ou não se conciliam de todo com a adopção, por parte da cooperativa, de atitudes de indiferença ou de absoluta passividade em situações do tipo da dos autos.

A COFAC é, além do mais, instituidora de uma universidade, que tem como missão a formação de pessoas que são, na sua esmagadora maioria, jovens e ainda carecidas de orientação. Tem, portanto, uma missão especial de acompanhamento dos seus estudantes, de que em caso algum pode demitir-se (tão) completamente.

Tudo isto contribui para a minha convicção de que o comportamento omissivo da COFAC, embora não extravasando do quadro da negligência, merece uma censura agravada.

Do nexo de causalidade

Na tradição jurídica portuguesa, é prevalente a formulação negativa da teoria da causalidade adequada: só não há responsabilidade do autor da lesão quando a sua conduta for, de acordo com a sua natureza geral, de todo em todo indiferente para a produção dos danos em causa, ou seja, quando se prove que foi apenas devido a circunstâncias anormais ou extraordinárias que a conduta do agente se tornou apta a produzir aqueles danos.

Segundo a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, só deve negar-se a existência do nexo causal quando o facto do agente for, pela sua natureza geral, absolutamente irrelevante para o dano.

Trata-se – insiste-se – não de um juízo sobre a causalidade simples (para isso não teria poderes este Supremo Tribunal) mas sim de um juízo de causalidade adequada.

Como se disse, o factor decisivo ou determinante do dano foi a exposição dos jovens ao perigo das ondas. Mas não se pode ignorar que houve outros factores que favoreceram a sua produção – trata-se das condutas dos réus atrás descritas. Falta apenas determinar se este nexo é um nexo de causalidade adequada.

3. Do nexo de causalidade adequada entre a inacção de JJ e o acidente

Só deve negar-se a existência do nexo causal – repete-se – quando o facto do agente for, pela sua natureza geral, absolutamente irrelevante para o dano.

Creio que não é possível dizer-se que a conduta (atitude passiva) de JJ, foi, pela sua natureza geral, de todo em todo indiferente para a ocorrência do dano.

Uma ida à praia não é, em princípio, uma actividade perigosa, mas pode tornar-se perigosa em certas circunstâncias – por exemplo, quando o mar está agitado como estava naquela noite e, ainda para mais, se trate de pessoas com capacidade de reacção diminuída por força do consumo de álcool e / ou de substâncias psicotrópicas.

O facto de, perante a situação de perigo criada, JJ não ter expressado a sua oposição e exercido o seu ascendente, convencendo os restantes jovens a pôr fim à permanência na praia, fazendo com isso cessar a situação de perigo, não é um facto que, pela sua natureza, seja indiferente para a produção do acidente e que só tenha conduzido a ele por circunstâncias extraordinárias, inesperadas ou imprevisíveis.

Postas as coisas pela positiva, se o JJ tivesse actuado, exercendo, como está demonstrado que exerceu noutros momentos daquele fim de semana, o seu poder de liderar ou conduzir o grupo, os jovens ter-se-iam, com elevada probabilidade, abstido de ir ou de permanecer na praia, a onda não os teria colhido e o acidente não teria ocorrido.

Considero, assim, que a omissão de agir de JJ é uma causa adequada do acidente.

Do nexo de causalidade entre e a inacção da COFAC e o acidente

Tentou-se demonstrar atrás que a Universidade... tinha o dever de tomar posição – uma posição clara e não contraditória – sobre a praxe bem como o dever de disciplinar as actividades da praxe. Parece-me claro que o facto de a Universidade... não ter cumprido estes deveres não se mostra, pela sua natureza geral, indiferente para o desfecho fatídico daquele fim de semana.

Acredito que, se a Universidade..., em vez de simplesmente ignorar a praxe, tivesse assumido e, inclusive, regulado internamente estas práticas, seria muito pouco provável que aquele “fim de semana MPC” se tivesse realizado ou, pelo menos, se tivesse realizado nos mesmos termos: não teria, por exemplo, envolvido a ingestão contínua de álcool e de substâncias psicotrópicas, podendo ter-se evitado o desprezo por regras de prudência básicas, que assegurariam a autoprotecção e a protecção recíproca dos jovens.

A COFAC – lembre-se – não permitia que as actividades de praxe se realizassem nas instalações da Universidade...; por força disto, elas realizavam-se sem acompanhamento, à margem de qualquer controlo, portanto, livres dos condicionamentos a que, inevitavelmente, estariam sujeitas “dentro de portas”.

Por estas razões, a atitude da COFAC não se mostra, quanto a mim, de todo irrelevante, em termos da sua aptidão geral, para um acidente do tipo do dos autos, o que significa que ela é também uma causa adequada dos danos.

B) Do quantum indemnizatório

1. Os danos indemnizáveis

Os autores pedem a condenação de ambos os réus em responsabilidade civil, em regime de solidariedade.

Os danos alegados são danos não patrimoniais (o dano da morte, o dano do sofrimento que precedeu a morte e o dano da perda do filho / da filha) e danos patrimoniais.

Na quantificação dos danos não patrimoniais, seguiria, tanto quanto possível, os critérios normativos e jurisprudenciais disponíveis, em particular o Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios (cfr. Tavares Mendes / Sousa Ribeiro / Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, in: Revista da Faculdade de Direito e de Ciência Política da Universidade Lusófona, 2017, n.º 10, pp. 135 e s.).

Assim, diria, em primeiro lugar, que os factos dados como provados não são de molde a que se determine com suficiente precisão os danos sofridos pelas vítimas antes da morte – daí que devesse atender-se, tão-só, ao dano da perda da vida.

Diria, em segundo lugar, quanto ao dano da privação da vida, que, considerando a proximidade da situação pessoal e da idade das vítimas, a compensação deveria ser uniforme e fixar-se no valor para que convergem todos os pedidos, ou seja, € 100.000 para cada uma das vítimas.

Diria, em terceiro lugar, que a compensação dos danos próprios dos autores e pais das vítimas (“dano de apego”) deveria também ser igual para todos e fixar-se no valor de € 50.000 para cada um ou, quando seja pedido valor inferior, no valor peticionado, pelo respeito devido ao princípio do pedido.

Duas observações se impõem a respeito desta compensação: uma para justificar o seu montante, outra para justificar a uniformidade na sua atribuição.

Alguns dirão que este montante é muito ou mesmo excessivamente elevado. Mas penso que basta pensar na exposição mediática prolongada a que os autores foram e são expostos para se diluir esta impressão. Recorde-se que, em matéria de causalidade, não é necessário que a extensão do dano seja previsível para o autor do facto.

Os factos provados são abundantes quanto à sombra que se abateu, para o resto da vida, sobre os autores, todos pais ou mães da vítimas, que não só perderam o seu filho ou a sua filha como têm e terão de suportar as consequências do interesse e da contínua exploração mediática do que é por todos conhecido como o “caso da praia ...”. É público que o caso, além de alvo de notícias frequentes na imprensa e na televisão, inspirou já a produção de um filme e de uma série.

Embora seja possível quantificar de forma individualizada estes danos, atendendo, designadamente, ao “concreto grau de ligação afetiva existente entre os titulares da indemnização e aqueles cuja morte a ocasionou” (cfr. Tavares Mendes / Joaquim de Sousa Ribeiro / Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Relatório do Conselho constituído para fixação dos critérios das indemnizações por morte das vítimas dos incêndios em Portugal, nos meses de junho e outubro de 2017”, cit., p. 141), o certo que em todos os casos os beneficiários da indemnização são os progenitores, portanto, pessoas com igual grau de parentesco em relação às vítimas, tornando muito difícil proceder a discriminações.

O montante fixado teria ainda a vantagem de ser o que a maioria dos autores peticiona.

Cumpre salientar que, seja como for, nenhum montante pecuniário, por mais elevado que seja, poderia ressarcir os danos pessoalmente sofridos pelos autores, decorrentes da morte de um filho / uma filha.

Relativamente aos danos patrimoniais, creio que seria de atentar, sobretudo, na factualidade assente.

Os únicos factos provados que é possível encontrar com a contabilização de danos patrimoniais respeitam aos Pais da LL, aos Pais da MM e à Mãe da OO, Ainda assim, com a excepção do caso desta última, só parcialmente suportam as alegações quanto ao respectivo valor.

BB e CC, Pais da LL, alegam danos patrimoniais no valor de € 2.678,28; atendendo aos factos provados 184, 187 e 189, fixar-se-iam estes danos no valor de € 2.573,28.

DD e EE, Pais da MM, alegam danos patrimoniais no valor de € 4.400; atendendo ao facto provado 244, fixar-se-iam estes danos no valor de € 3.360,98.

HH, Mãe da OO, alega danos patrimoniais no valor de € 3.651,00; os factos provados 344 e 346 permitem suportar o valor alegado, fixar-se-iam, por isso, os danos neste valor.

2. A redução da indemnização por concurso de facto culposo do lesado e a repartição interna da responsabilidade

Não seria possível, a meu ver, imputar aos réus a totalidade dos danos apurados.

Como já disse por mais de uma vez, entendo que o acidente tem na sua origem o facto – não isolado mas determinante – de os jovens se terem exposto ao perigo ou, pela negativa, não se terem protegido do perigo. Não sendo possível encontrar prova de que esta exposição ou omissão de protecção tenha sido forçada por alguém contra a vontade dos jovens, ela apresenta-se como acto voluntário (expressão da vontade / da falta de vontade) das vítimas.

Mas há que relativizar, em abono da verdade, o carácter voluntário deste acto. Muitos dos actos praticados em contexto de praxe são voluntários apenas aparentemente, existindo mecanismos inibidores da recusa. De facto, a recusa em alinhar numa determinada prática é susceptível de acarretar castigos de vária ordem e, em última análise, a exclusão, exercendo-se, assim, um efeito de chantagem emocional sobre os estudantes. O mesmo vale, embora em grau diferente, fora do contexto praxístico e em geral. A pressão social e o desejo de conformidade com a maioria ou com o grupo de referência são mecanismos que obrigam, por vezes, os sujeitos a adoptar condutas que, na maioria das vezes, intimamente ou em consciência, eles não desejam. E os sujeitos são susceptíveis de ceder tanto mais à pressão quanto mais jovens e influenciáveis forem.

Sucede, depois, que outros factos além daquele acto das vítimas contribuíram para o dano e são causa adequada do dano. Ora, estas causas concorrentes não poderiam deixar de ser consideradas e ponderadas.

Como demonstram, por exemplo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.6.2006 (in: Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 2006, II, p. 119) e de 7.04.2005 (Proc. 05B294), os requisitos do nexo de causalidade e do dano são, na realidade, indissociáveis. Aferir do nexo de causalidade é, no fundo, apurar a extensão do dano ou quantificar o dano indemnizável.

Assente que a omissão de deveres específicos, por parte de ambos os réus, não foi indiferente para a ocorrência dos danos, haveria que determinar em que medida é que a omissão de ambos os réus e de cada um dos réus contribuiu para o dano.

No artigo 570.º, n.º 1, do CC dispõe-se que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao Tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

Por seu turno, no artigo 497.º, n.º 2, do CC dispõe-se que, no caso de responsabilidade solidária, o direito de regresso existe na medida das respectivas culpas e das consequências que daí advieram, presumindo-se iguais.

Pelas razões atrás expostas, entende-se que JJ agiu com negligência (negligência consciente) e que a sua actuação teve um impacto directo nos danos. Como se disse, se ele tivesse feito uso da sua posição de liderança, ter-se-ia com toda a probabilidade evitado o acidente.

A relação entre a atitude da COFAC e o acidente é mais remota no plano estrito da causalidade adequada. Não é, de facto, seguro que uma atitude diversa da COFAC tivesse aptidão para impedir completamente que os jovens se tivessem posto naquela situação de perigo; apenas é previsível que uma atitude diversa da COFAC teria incutido no Dux uma maior consciência da sua responsabilidade e do dever de prevenir o perigo que, em concreto, sobre ele impendia. Também é previsível, como se disse, que o fim de semana tivesse decorrido em termos diferentes daqueles em que decorreu, não se tendo registado o consumo generalizado de álcool e, pelo menos para um dos jovens, de substâncias alucinogénias, não tendo os jovens ficado limitados no seu discernimento e na sua capacidade para reagir ao perigo.

Em contrapartida, a atitude de passividade da COFAC é especialmente reprovável, tratando-se de uma pessoa colectiva de reconhecido interesse público e, em particular, de uma cooperativa, instituidora de um estabelecimento de ensino universitário, nos termos acima vistos.

Em face de tudo isto, propender-se-ia para que, ao abrigo do artigo 570.º, n.º 1, do CC, a indemnização a cargo dos réus fosse reduzida em 75%, assente que o peso maior deve ser atribuído ao acto das vítimas (o seu desrespeito pelas regras de prudência e a autocolocação em perigo).

Finalmente, ponderada a medida em que cada um dos réus contribuiu com a sua culpa para os danos, propender-se-ia para que, ao abrigo do artigo 497.º, n.º 2, do CC, o esforço deveria ser repartido, nas relações internas, em proporção igual.

Compreender-se-ia que se dissesse que, no final das contas, os montantes indemnizatórios são muito baixos. A verdade é que, como se disse atrás, a factualidade provada não permite contrariar a convicção de que o contributo decisivo ou determinante para os danos foi a infeliz decisão das vítimas de se exporem a um situação de perigo que elas não tinham, visivelmente, condições de superar.

Cumpre observar que, ainda que os danos pudessem ser integralmente imputados aos réus, o esforço de ressarcir completamente danos desta natureza e com esta extensão estaria sempre votado ao fracasso. Neste tipo de casos, a única coisa que se pode fazer é tentar atribuir aos lesados uma compensação que, por aquilo que representa – a afirmação inequívoca dos valores jurídicos associados aos direitos de personalidade e aos deveres, não meramente passivos, que daí decorrem para todos os sujeitos –, seja susceptível de atenuar os gravíssimos danos ocorridos e apaziguar, de alguma forma, a imensa dor que os acompanhará para o resto das suas vidas.

Lisboa, 18 de Abril de 2024

Catarina Serra

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1. Aditou-se a primeira parte deste número por igualmente constar do relatório da autópsia.

2. Eliminado pelo Tribunal recorrido.

3. Eliminado pelo Tribunal recorrido.

4. Vide, ROXIN, Derecho Penal - Parte General: Tomo I. Fundamentos. La estructura de la teoría del delito, tradução espanhola de Diego-Manuel Luzon Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, 1997, p. 386-387, e COSTA ANDRADE, Consentimento e Acordo em Direito Penal, Coimbra Editora, 1991, p. 272.

5. Sobre a punibilidade da autoria mediata nestas situações no direito penal, COSTA ANDRADE, ob. cit., p. 274 e seg., nota 27.

6. Para CUNHA GONÇALVES, a responsabilidade do promotor da exposição ao perigo só existiria se o ato de exposição fosse legal ou moralmente condenável (Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, vol. XII, Coimbra Editora, 1937, p. 599), o que mereceu a concordância de VAZ SERRA nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966 (Conculpabilidade do Prejudicado, B.M.J. n.º 86, p. 141-142).

  O tratamento deste tipo de situações, no direito civil, deverá, nos dias de hoje, fazer-se à luz da doutrina da responsabilidade civil por violação dos deveres de tráfego. Sobre esta doutrina, ANTUNES VARELA, Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1980, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114.º (1981–1982), págs. 35 ss. e 72 e seg., MENEZES CORDEIRO, Da boa fé no direito civil, volume II, Almedina, 1984, p. 831-836, e Tratado de direito civil, vol. VIII — Direito das obrigações, Almedina, 2017, p. 571-589, SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, 1989, p. 300-307, BAPTISTA MACHADO, A cláusula do razoável, “Baptista Machado. Obra dispersa, vol. I, Scientia Juridica, 1991, p. 615-619, CARNEIRO DA FRADA, Contrato e deveres de proteção, 1994, págs. 163 ss., 202 (nota 425) e 246 (nota 508), e Teoria da confiança e responsabilidade civil, Almedina, 2004, págs. 233-238, NUNO PINTO OLIVEIRA, Sobre o conceito de ilicitude do artigo 483.º do Código Civil, “Estudos em homenagem a Francisco José Veloso”, Associação Jurídica de Braga / Escola de Direito da Universidade do Minho, 2002, p. 542-544, RUI ATAÍDE, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, Almedina, 2015, e Os deveres no tráfego, Revista de direito da responsabilidade, ano 1 (2019), págs. 985-1003, e ELSA VAZ DE SEQUEIRA, Código Civil Anotado, vol. II, Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 297-299.

7. No direito penal, sobre a imputação à vítima da lesão sofrida em resultado duma exposição a uma situação de perigo empreendida em conjunto com outros, M. CÂNCIO MELIÁ, Conducta de la víctima e imputación objetiva em Derecho penal. Estudios sobre los ámbitos de responsabilidade de víctima y autor em actividades arriesgadas, Bosch, 1998, p. 281 e seg.

8. CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso, Almedina, 2010, p. 78.

9. No direito penal, M. CÂNCIO MELIÁ, ob. cit., p. 294 e seg.

10. Sobre a responsabilidade por omissão no direito civil, nesta perspetiva, RUI ATAÍDE, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Almedina, 2019, Reimpressão, pp. 602 e ss, e Direito da Responsabilidade Civil, Almedina, Gestlegal, 2023, p. 126-128, SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, 1989, p. 307, MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, Almedina, 1984, p. 831 e seg., Código Civil Comentado, II Das Obrigações em Geral, Almedina, 2021, p. 423, BRANDÃO PROENÇA, Direito das Obrigações-Relatório Sobre o Programa e Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 180, 18, CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Proteção, Separata do vol. XXXVIII, do Suplemento ao BFDUC, p. 163 e seg., e Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, 2004, p. 236-238, MAFALDA MIRANDA BARBOSA, Liberdade vs. Responsabilidade, Almedina, 2006, p. 354 e seg., e ELSA VAZ DE SEQUEIRA, ob. cit., p. 297-299, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.04.2016, Proc. 7895/05 (Maria da Graça Trigo), de 31.03.2022, Proc. 13112/18 (Rel. Maria da Graça Trigo) e de 20.12.2022, Proc. 1635/20 (Rel. Graça Amaral).

11. A praxe como fenómeno social (Relatório final), pp. 229-230, acessível na net.

12. Vamos adotar no texto deste acórdão esta denominação, a qual abrange quer os deveres acessórios da obrigação principal que visam a obtenção integral do seu cumprimento, quer os deveres de proteção que visam proteger a contraparte das intromissões danosas na sua esfera jurídica, proporcionadas pelo contacto recíproco durante o tempo de duração da relação contratual. Sobre estas denominações, CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Proteção, cit., p. 36-44.

13. No Processo 459/05 (Rel. Garcia Calejo) acessível em www.dgsi.pt.

14. No Processo 984/07 (Rel. Pereira da Silva), acessível em www.dgsi.pt.